segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

CICLOS DA CIDADE

Chuva de verão. Um verdadeiro pé d’água, para falar a verdade. Maldita hora em que a bobina de fax foi acabar. Bobina reserva! Eu sempre falo em bobinas reservas, mas a Sra. Marta não me escuta. Há anos que aquela velha ocupa a chefia, mas, mesmo assim, ainda não aprendeu que precisamos de suprimentos reservas. Isso evitaria a minha gripe, por exemplo. Uma tremenda guerra para comprar uma merda de bobina de papel. Queria saber se a Sra. Marta enxugaria as minhas meias. Ódio.

Mas aquela ida à rua serviu para uma coisa muito boa. A caminho da papelaria, antes daquela chuva pegar a todos de surpresa, ao passar por uma rua tomada por camelôs, eu me deparava, primeiramente, com um sorriso de deixar qualquer um louco. Era de uma vendedora que expunha CDs falsificados sobre uma barraca de madeira gasta.

A princípio fora apenas o sorriso, mas, conforme eu observava cada parte daquela mulher, notava que se tratava de uma beldade em meio a todo aquele clima de ilegalidade e incertezas.

Eu parava. Bem em frente à papelaria, eu parava. Fitava aquela coisa linda de longe. Observava cada movimento seu. Cada ajeitada naquele cabelo. Ah! O cabelo! Eram negros, ondulados e enormes. A pele era morena, bem queimada de sol. Possuía cicatrizes em um dos braços. Passava-me a idéia de uma vida bem difícil.

Era a única mulher naquele monte de barracas amontoadas. Chamava a atenção de todos que passavam. Além de mulher, linda! O rosto, mesmo suado, exibia beleza rara. Nariz, boca, olhos, tudo perfeito. Olhos verdes! Dá para acreditar? Usava uma roupa típica daquela estação. Trabalhar sob aquele sol não devia ser nada fácil. Short jeans curto e uma blusa branca de malha enrolada na altura dos seios. Um belo par, aliás. Médios e firmes.

Quando me dava conta, já estava ali paralisado por bons minutos. Merda! A bobina de papel, eu pensava. Entrava na papelaria e comprava logo duas. A Sra. Marta entenderia o que eu queria dizer com bobinas reservas.

Ao sair da papelaria, o céu já não era mais o mesmo. As nuvens haviam tomado conta de tudo e já davam sinais da quantidade de água que desceria. Um estrondo chamara minha atenção para o cinza que agora abafava. Um trovão de dar medo.

Eu resolvia seguir até o escritório antes que a chuva caísse, mas as nuvens foram mais ágeis. Mandavam gotas que, ao caírem no chão, criavam rodas maiores que o meu dedão do pé, eu calculo.

Então, eu corria. Em vão. A chuva pegava a mim e as merdas das bobinas de papel. Eu passava correndo entre os camelôs, mas, mesmo naquele sufoco, me lembrava de procurar por aquela que me prendera a atenção momentos antes. Até que eu ouvia um deles gritar:
- PEGA TUDO, FERNANDA! ESTÁ MOLHANDO OS CDS!
- ESTOU TENTANDO!
Respondia Fernanda completamente enrolada ao tentar equilibrar a barraca com a mão direita e carregar umas sacolas com a esquerda.
- VEM! VEM! VEM!
O sujeito a chamava para debaixo de uma marquise.

Eu já não mais corria. Pensava em ir até a marquise onde Fernanda estava. Fernanda e todos os camelôs daquela rua, que, com seus corpos e produtos salvos da chuva, já sorriam e zombavam uns dos outros. Zombavam também de Fernanda ao perceberem o que alguns pingos d’água conseguiram fazer. É que, sem sutiã, Fernanda ficava com os mamilos expostos, por conta da transparência que tornou sua blusa molhada.
- O que é isso, hein, Fernanda?
Dizia um.
- Que delícia, hein, Fernanda?
Dizia outro.
- Meu Pai do céu, Fernanda! Isso é um assalto? Aponte essas armas para lá!
Dizia um outro.
Fernanda se tapava e respondia-os com certo conformismo com a espécie masculina e um pouco de gozação. Não parecia se irritar com aquilo. Na verdade, pareciam todos irmãos sob aquela marquise.
- Seus ridículos!
Dizia Fernanda torcendo parte da blusa.

Eu resolvia ir até eles. Permaneceria lá até o fim do toró.
- Aqui tem uma vaga para mais um?
Eu dizia me direcionando à Fernanda.
- Tem, sim, moço. Chega aí.
Dizia-me uma simpática Fernanda.

Encolhia-me para caber ali. Ficava ao lado de Fernanda. Nossos braços se tocavam e eu sentia uma enorme vontade de abraçá-la. Eu notava que seu short se encontrava bem molhado também. A água da chuva que caía sobre a rua respingava em nossas pernas. Fernanda passava a mão nas dela, a fim de secá-las. Ao se agachar, reclamava do botão do short, que machucava sua barriga.
- Droga de botão!
Dizia Fernanda desabotoando-o.
- Ih! Vai tirar a roupa, Fernanda?
Dizia um dos camelôs.
- Vai sonhando – dizia Fernanda –, seu babaca.
Todos riam. Até ela.
- Tenham mais respeito, por favor!
Para que eu fui falar aquilo?
- Como é?
Dizia-me o piadista.
- É isso mesmo! Mais respeito com a moça, cara!

Os olhos de todos eles franziram-se para baixo. Focavam-me como seu eu fosse uma caça. Fernanda também me olhava, mas com ar de admiração.
- Meu irmão! Você vai entrar numa comigo?
Dizia um deles segurando um pedaço da madeira de sua barraca.
- Fale novamente com ela dessa forma, para você ver!
Eu respondia.
Eu não sabia o porquê daquelas minhas frases. Eu estava pronto para virar patê na mão daqueles homens. Fernanda apenas me olhava. Soltava um sorriso discreto antes de:
- Deixem o cara em paz! Ele só está sendo legal.
Dizia Fernanda firmemente.
Todos se calavam.

- Obrigado.
Eu dizia baixinho à Fernanda.
- Por que fez aquilo?
- Por que fiz o quê?
- Discutiu com eles por minha causa.
- Ora, é que você é a única mulher aqui no meio. Às mulheres devemos respeitar...
- São todos amigos, moço. Não tem maldade. Não se preocupe.
- Desculpe, mas...
- Não, tudo bem. Eu gostei do que você fez. É raro. Pelo menos na minha vida.
- Não devia ser, não é mesmo?
- É...
Fernanda abaixava a cabeça.
- Está toda molhada e...
- É. Eu sei. E sem sutiã.
- Desculpe-me. Eu nem havia reparado.
- Sei que reparou. Não precisa fazer tipo, moço.
- Bem, eu...
- Você...?
- Eu queria te oferecer a minha camisa. Afinal, a chuva vai passar e você terá que voltar a trabalhar. Não poderá atender as pessoas com um dos braços a tapar os seios.
- Não precisa. Vai secar logo. E outra: Eu espero que um desses aqui me empreste uma camisa.
- Se são seus amigos, emprestarão.
- Como eu disse, eu espero.
Fernanda ria. Parecia não se importar muito.
- Posso lhe dar uma idéia?
- Pode.
- Deixe-me pegar no seu cabelo.
- Para quê?
- Verá.
Eu aproveitava seus fios enormes e os dividia matematicamente em duas mechas, uma para cada lado do rosto.
- Fará tranças no meu cabelo, moço?
- Não precisa.
Eu continuava. Ajeitava as mechas bem acima de cada seio de Fernanda, que me fitava sem parar.
- Pronto – eu dizia –, pode tirar o braço da frente deles.
Fernanda emitia um lindo sorriso de gratidão ao notar que seus seios estavam salvos da transparência. Ela se olhava no vidro de um carro estacionado à nossa frente e:
- Você é cabeleireiro?
- Não. Só sei dizer que seus cabelos são lindos.
Eram um pouco mal tratados, mas eram, sim, lindos demais.
- Nunca usei os cabelos assim. Acredita? Sempre prendo ou jogo eles para trás.
- Passe a usar! Está linda.
- Obrigada.

A chuva terminava. Os camelôs começavam a voltar aos seus postos. Fernanda permanecia comigo sob aquela marquise.
- Você trabalha por aqui?
Perguntava Fernanda.
- Sim.
- Eu vendo CDs. Piratas, mas...
- Eu vi.
- Não quer levar um?
- CD? Não. Não sou muito chegado à música.
- Está bem.
- Levaria você. Para mim.
- Não está pensando que eu sou uma...
- De maneira alguma. A quero para mim, não a quero para a minha noite.
- Você é estranho.
- Por quê?
- O que viu em mim?
- O que talvez ninguém jamais tenha visto.
- Mas você nem me conhece.
- Não nos conhecíamos e, veja só, já salvei seus seios das maldades alheias e lhe mostrei um jeito ótimo de usar seus belos fios.
Fernanda ria.
- Vai para o seu escritório. Deixe-me trabalhar, vai, moço.
- Tudo bem. A gente se esbarra.
- Sim, se esbarra.

* * *
Uma semana depois, eu lia no jornal que ali, naquela mesma rua, acontecera uma tragédia. Num duro confronto com guardas e policiais militares, dois camelôs haviam sido mortos. Entre eles, uma mulher.

Eu largava o jornal e saía correndo para lá. Meu coração dizia que era Fernanda a mulher citada na matéria. Só podia ser ela. Era a única mulher ali.

Ao chegar àquela rua, via que apenas alguns camelôs permaneciam com suas barracas. Em meio àqueles olhares temerosos, porém, batalhadores, uma barraca chamava a minha atenção: a de CDs. Atrás dela, uma menina com a cara e os cabelos idênticos aos de Fernanda, mas aparentando pelo menos quinze anos mais nova. A idéia de uma vida ainda mais difícil me voltava à mente.

* * *
Obrigado pelo selo “Seu Blog é Roxie”, Casa do Besouro!

Eis o selo.

Aqui estão as regras para os blogs que indiquei:

1) Exibir a imagem do selo "Seu blog é ROXIE!" e escrever essas regras abaixo dele.

2) Colocar quem te deu o selo nos seus blogs indicados (amigos).

3) Escrever 5 coisas que são ROXIE (1ª sobre música, 2ª sobre televisão e cinema, 3ª três países que gostaria de conhecer, 4ª três cores favoritas e 5ª três Hobies)

4) Indicar 10 blogs que você ache ROXIE.

5) Avise aos indicados.

1) Colocando.

2) Colocado.

3) Bossa Nova, Musicais, Índia, Alemanha e Japão.

4) Indicados (Não são 10, mas...):

http://queiroz19.blogspot.com/
http://liu-loren008.blogspot.com/

7 comentários:

Anônimo disse...

fernanda deu mole...

adoreiiiiiiiiiiiiii

CAMILA de Araujo disse...

Cara, você escreve muito bem!
E cada vez melhor...

Você tá lendo 'O homem proibido' né...Eu comecei 'A vida como ela é...' depois to pensando em ler
'Meu destino é pecar' ou algum conto do Caio Fernando Abreu ou da Clarice.

www.casadobesouro.blogspot.com

CAMILA de Araujo disse...

Oi, te indiquei a um selo...
E to te seguindo tbm..
Pega la no meu blog.

www.casadobesouro.blogspot.com

Livia Queiroz disse...

Aaaaaaaaaaah gostei mto desse conto!

Pow uma pena q n teve final feliz...
Mesmo assim adoreiiiiiiii


bjoks

Leandro Costa Vaz disse...

te indiquei o selo do "Olha Que Blog Maneiro".

Veja as regras no meu blog e pegue o selo.


http://grafon.blogspot.com/

CAMILA de Araujo disse...

Sucesso para os nossos blogs!
=D

www.casadobesouro.blogspot.com

Vanessa Sagossi disse...

Que triste! :(