quarta-feira, 29 de setembro de 2010

MEMÓRIAS DE UM PUBLICITÁRIO - VOL. 2

Resíduo de Princípios

Dado o aceite à proposta do Pr. Geraldo, eu tratei, logo no dia seguinte, de dar início aos trabalhos na campanha que visava induzir os fiéis de sua igreja a serem mais “solidários” na hora do dízimo. Não posso negar que naquela noite, quando de fato quebrei meus princípios em prol da comida na panela, aceitando tal job, voltei para casa com a pulga atrás da orelha. Mas também não posso negar que as cifras oferecidas pelo pastor me cegaram em parte – um adiantamento de 25% dos quarenta mil reais, só para começar a pensar.

Eram seis da manhã. Eu abria meu bloco de desenho e começava a escrever e rabiscar elementos num brainstorm solitário e focado. Várias ideias me vinham, mas eu sentia que um restinho de princípio ainda residia em minh’alma, o que resultava num bloqueio na hora de ousar; eu ainda estava pensando que aquilo ia contra o que eu acreditava em relação à fé. O jeito era me desprender daquele “resíduo de princípios”. E eu já sabia como.

Liguei a TV e comecei a buscar programas de cunho religioso, o que não foi difícil naquele horário – encontrei uns três. Mas eu queria um daqueles que pede o dinheiro sem metáforas ou palavras de enfeite; queria um daqueles no qual o dízimo é levado a sério mesmo! Escolhi um e passei a observá-lo.

O pastor pregava uma palavra cujo foco era, sem dúvida alguma, o dízimo. Resumindo: tem que agradecer a Deus com dinheiro, e pronto! Ao observar a maneira como aquele pastor se dirigia às suas “ovelhas”, notei o domínio que este possuía em relação à psicologia e à oratória. As câmeras, propositalmente, mostravam os semblantes convencidos dos fiéis presentes naquele culto, enquanto aquele pastor derramava, com desenvoltura, todo o seu apelo sobre estes.

Com muita dificuldade, tentei enxergar o serviço prestado pela igreja como um serviço prestado por uma empresa qualquer, que, evidentemente, precisa de dinheiro para se sustentar. Procurei me desprender de todo o luxo contido na sala de jantar do Pr. Geraldo, por exemplo. Se eu quisesse criar, sem culpas, uma campanha que realmente convencesse os fiéis a serem menos econômicos na hora do dízimo, eu teria de encarar aquela religião como um negócio, mas sem transparecer isso ao público alvo. E foi o que eu fiz.

Depois de algumas horas vendo aquele programa na TV, voltei ao bloco de desenho já com um esboço, uma ideia de conceito. Rabisquei, escrevi, rasurei, refiz. Até que, lá pelas cinco horas da tarde, eu fechava, enfim, a frase que traria o conceito de toda a campanha:

Eis o que há por trás da igreja.

Se eu usasse, por exemplo, esta frase numa peça de grande dimensão, bem localizada, na frente da igreja, eu teria, no mínimo, a atenção dos fiéis – por parecer, a princípio, se tratar de algo com a intenção de difamar a instituição. A frase seria usada apenas para chamar a atenção mesmo, porque a mensagem vital viria logo abaixo, ilustrada por uma foto que mostrasse bastidores de um culto, como por exemplo, um operador de som em meio àquela aparelhagem enorme, cheia de cabos, microfones etc:

A palavra de Deus não tem preço! Mas os meios pelos quais a palavra chega até você sim. Ajude-nos a manter a sua fé bem alimentada. Seja um dizimista.

Livre de Princípios

Naquela noite, fui até a igreja e fiz várias fotos que passassem a ideia de “bastidores do culto”, ou melhor: daquilo que custa dinheiro, mas que, seja lá o porquê, se apresenta aos fiéis como algo que, de forma mágica, simplesmente aparece na igreja.

As minhas peças precisavam fazer com que os fiéis pensassem da seguinte forma: “Eu venho à igreja e alimento a minha fé. Nada é de graça. Tudo custa dinheiro. E para a igreja não é diferente. Por isso, devo ajudá-la a manter esse trabalho”.

Em meio às fotos, eis que me surge o Pr. Geraldo.

- Meu caro irmão Victor! – disse-me ele – Vejo que já está trabalhando!

- Sim, pastor! Amanhã mesmo já devo lhe apresentar alguma coisa.

- Que benção!

- Espero que goste!

- Eu também espero, irmão!

Virei a madrugada tratando fotografias, diagramando peças, escolhendo cores etc. Às sete da manhã do dia seguinte eu já tinha uma série de peças, um conceito e uma defesa já decorada. Dormi até às três da tarde e, assim que acordei, telefonei para o Pr. Geraldo.

- Alô!

- Pastor, sou eu, o Victor!

- Diga, irmão Victor!

- Já possuo algo da campanha para te mostrar.

- Ágil você, hein, irmão? Glória a Deus!

- Quando podemos nos ver?

- Hoje, às seis da tarde, lá em casa, pode ser?

- Claro, pastor! Estarei lá!

Conforme combinado, lá estava eu, na luxuosa casa do Pr. Geraldo, com algumas peças impressas e um discurso decorado.

- Diga, irmão Victor. O que você nos trouxe?

- Bem, já consegui fechar o conceito, a linguagem etc. Só preciso que você aprove ou não, OK?

Eu lhe entregava os modelos de um folder, um flyer, um cartaz em A3 e uma faixa (em dimensão reduzida), e começava o meu discurso:

- O que procurei com esta campanha, Pr. Geraldo, foi conscientizar os fiéis da importância do dízimo para a continuidade do trabalho que a igreja lhes presta. É importante que o fiel entenda que tudo o que ele deposita na caixinha o retorna em forma de serviços, ou seja, num culto de qualidade. Sabemos que há muitos fiéis que não entendem que tudo aquilo ali, o som, os impressos, a manutenção da igreja, custa dinheiro, e...

- Mas não sei se gostei desse “eis o que há por trás da igreja”, irmão Victor. Parece ofensivo.

- Mas essa é a ideia, pastor! O fiel, principalmente aquele que não dá o devido valor ao dízimo – aquele a quem a peça mais se dirige –, é aquele que se deixa levar por escândalos, fofocas, essas coisas, e essa frase causa impacto neste tipo de fiel!

- É, acho que tem razão! Brilhante! E, de fato, as mensagens que você usou abaixo estão muito boas! Parabéns, irmão Victor! Ô glória!

- Obrigado. Agora, entenda que a faixa na frente da igreja será o pivô da campanha, que será reforçada pela distribuição desses impressos menores em suas mãos.

- Excelente, irmão Victor! E quando começamos?

- Acredito que em uma semana todo o material estará pronto e impresso, pastor.

- Ótimo! Precisa de mais algum adiantamento?

Meu Deus, lá vinha mais dinheiro! Eu já tinha recebido dez mil reais só para pensar.

- Não, não precisa, pastor. Você me paga o restante no início da veiculação da campanha, pode ser?

- Fechado!

Eu ia para casa sentindo o cumprimento do dever latejar meu peito, mas, ao mesmo tempo, ouvindo a palavra “mentira” soar diversas vezes, por várias vozes diferentes.

- Foda-se! – eu disse àquelas vozes, bem alto.

E as vozes se calaram.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

MEMÓRIAS DE UM PUBLICITÁRIO - VOL. 1

A Criação

Quando comecei minha carreira, recém-formado em Publicidade e Propaganda, numa agência pequena, atuei como mídia, mas sempre sonhando com a área de criação. Sempre que tinha um tempinho, passava lá na sala dos irmãos Duarte – a melhor dupla de criação que conheci na minha vida; Leonardo Duarte na redação e Pablo Duarte na direção de arte. Eles mandavam muito bem e eu acabei aprendendo muito com eles, mesmo trabalhando um andar acima.

Comecei como “clínico geral” mesmo, ou seja, fazia um pouquinho de tudo. Nas outras agências atuei nas áreas de planejamento, atendimento, depois novamente em mídia, enfim, mas nunca em criação. Isso me frustrava um pouco. Queria colocar as minhas ideias para fora, com arte, mas todos os meus afazeres se resumiam a planilhas, agendas, telefonemas, cálculos etc.

Até que, numa dessas agências, me deparei com a pior dupla de criação que conheci na minha vida. Eles não conseguiam acertar o conceito das peças antes das mesmas voltarem às suas mesas pelo menos umas dez vezes. Tudo era entregue em cima da hora. Isso era o suficiente para manter toda a agência com o “cu na mão” na hora da veiculação. Num desses casos, uma determinada campanha foi para as ruas com um erro grotesco de gramática, o que rendeu a cabeça do redator.

Quando soube do ocorrido, fui correndo me oferecer à vaga. Sim, eu queria a direção de arte, porque me sentia mais à vontade com as imagens, mas não seria de tão ruim começar como redator. E, modéstia à parte, eu sempre tive uma boa redação.

- Mas precisamos de você na mídia, Victor! – disse-me Sócrates, “O cara” da agência.

- Mas precisam de mim como redator também! – eu disse – A criação é o meu lugar, só preciso de uma chance!

- OK! – disse Sócrates depois de pensar – Você vai ficar lá por uma semana, Victor! Uma semana! Vamos ver como se sai.

- Obrigado!

No dia seguinte, lá estava eu, ocupando uma cadeira na sala de criação. Não deu tempo de sequer beber um gole d’água do bebedouro daquela sala. O Danilo, diretor de arte, já tinha uma peça – ruim, diga-se – precisando de texto; era para uma campanha de xampu.

- Mas eu pensei que nós trabalhássemos juntos – eu disse.

- E não trabalhamos? Eu fiz a arte, você faz o texto, ora! Vamos, vamos, é para ontem!

- Onde está o briefing? – eu me referia àquilo que rege tudo o que será comunicado na campanha – Estou por fora dessa campanha, totalmente.

- Cara, não temos tempo para ler o briefing – disse Danilo – Esse é um trabalho que comecei com o Carlos, mas ele foi demitido, você sabe...

- Sim, eu sei, mas preciso ler o briefing para escrever!

- Já começamos mal! Ou você faz logo esse texto, ou abro novamente a vaga de redator! Aliás? Que experiência tem você como redator?

- Nenhuma.

- Ótimo. Direi isso ao Sócrates!

Danilo saiu da sala irritadíssimo na promessa de falar ao Sócrates sobre minha incompetência em “criação de texto publicitário sem briefing”. Aproveitei a ausência do troglodita para vasculhar os arquivos da campanha. Li o suficiente para entender que a peça já começava errada pela imagem escolhida por Danilo. Retirei a foto que trazia uma mulher com cabelos “de mentira” – cabelo de comercial, me entende? – e usei apenas a foto da embalagem do xampu com o texto que criei.

Antes mesmo de Danilo voltar à sala, eu já tinha enviado a peça para aprovação.

- O Sócrates mandou você voltar para a mídia – disse-me Danilo.

- Ele disse isso, foi? OK!

- Já vai tarde, Victor. Seu lugar não é aqui.

- Não mesmo! Ah, já mandei a peça para aprovação, OK?

- Fez o texto?

- Sim, claro!

Deixei a sala de criação em menos de quarenta minutos de atuação. Foi bom, mas melhor ainda foi ouvir, dias depois, sobre a cara do Danilo diante da peça aprovada sem a sua arte. Ele foi até a sala de mídia à minha procura, mas não me encontrou; eu já tinha pedido demissão.

Mais tarde soube que a campanha do tal xampu fora um sucesso fenomenal. Mas por que será? Será que foi por conta do texto que usei?

Somos contra o cabelo de mentira! Somos a favor do SEU cabelo.

A Ascensão

Decidido, montei a minha própria agência de publicidade. Nela, eu era tudo: atendimento, planejamento, pesquisa, mídia, criação. Um de meus princípios era o de fazer uma publicidade com ética, inteligência e consciência social. Decidi que, diferentemente das agências onde trabalhei, apenas pegaria jobs de clientes cujo trabalho eu me identificasse, de acordo com meus princípios.

Isso foi na mesma época em que comecei a frequentar a uma igreja perto da minha casa. Os momentos de paz na minha vida eu buscava lá, nos cultos do Pr. Geraldo, que era um cara de muita visão. Ele começara com uma igreja na garagem de sua casa, e, naquele momento, já possuía seis templos e um projeto de televisionar os seus cultos, palavras e orações.

Acabei ficando amigo do Pr. Geraldo e, sabendo de minha agência, me convidou para um jantar em sua casa.

- Um jantar, digamos, de negócios, irmão Victor – disse-me o pastor.

- Sim, claro! Estarei lá.

Numa quinta-feira à noite, à mesa de jantar, não pude deixar de reparar no conforto em que vivia aquele homem. A sala onde estávamos era, sem sombra de dúvida, maior que a minha casa inteira. Havia muito luxo naquele lugar, o que ia contra a maioria de seus cultos, nos quais ele pregava o desapego aos bens materiais.

Ali, diante de conclusões que me vinham a todo instante, me encontrei confuso em meio aos meus princípios.

- Bem, vamos ao que interessa, irmão Victor – disse-me o pastor.

- Claro.

- Você já deve ter notado que, nas últimas semanas, meus cultos têm se voltado à questão do dízimo. Notou?

- Sim, notei.

- Isso tem um porquê. É que no mês passado fiquei muito, mas muito triste com a quantia das ofertas, entende, irmão? A igreja precisa desse “dinheirinho”.

- Entendo.

- Então. Queria a sua ajuda para que os fiéis passassem a colaborar mais, entende, irmão Victor? Porque meus apelos não estão funcionando.

- Entendo. Uma campanha publicitária para ajudar nos dízimos.

- Isso, irmão Victor! Isso!

- E quanto à igreja está disposta a investir? – resolvi jogar o jogo dele, mesmo me sentindo esfarelando minha fé e meus princípios.

- Algo como 25% dos dízimos do mês passado.

- O que significa...?

- Quarenta mil reais, a princípio. Acha que dá? Quero cartazes pela igreja, panfletos, muito material gráfico. Mas tem que ser eficiente! Quero dobrar o rendimento no mês que vem! E mantê-lo, claro.

Assustado com a postura do Pr. Geraldo, vi minhas ideias se voltando contra tudo aquilo que eu acreditava como profissional autônomo – e como seguidor daquela religião também. Pensei nas minhas contas que se acumulavam sobre a mesa da sala e no contraste entre a minha casa e a daquele pastor cuja escolaridade não chegava ao ensino médio.

- OK! Vamos fazer! – eu aceitava.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

UMA NOITE COM ZOOEY DESCHANEL

Deitado na rede, pensava, a cada balançar, num semblante diferente; ora no de Rosa, ora no de Joana. Mergulhado em dúvida cruel, Pedro sabia que, mais cedo ou mais tarde, teria de tomar difícil decisão: qual daqueles dois corações fazer sorrir – o que o levaria a uma segunda e automática decisão: qual deles fazer chorar.

Embora uma não soubesse da existência da outra – Rosa, “a amante”, morava no interior, enquanto Joana, a namorada, era da capital, como ele –, Pedro tinha a consciência de que não seria possível levar dois relacionamentos por mais tempo. Àquela altura, já com cinco meses de vida dupla, a convivência com as duas já lhe rendera trocas dos nomes e frases mal colocadas. Isso sem contar na luta que era estar na cidade e no campo quase que ao mesmo tempo.

A decisão não seria fácil. Rosa, morena – como na música de Dorival Caymmi –, vinte e dois aninhos, trazia na boca os dentes que, de tão brancos, causavam atraente contraste em relação à pele. Seu corpo era esculpido pelo trabalho pesado, comum entre as meninas do campo; bumbum pequeno porém empinado, pernas torneadas, abdômen livre de qualquer imperfeição, seios médios e rijos. Rosa era tudo isso e mais: uma mulher dona de um coração enorme, capaz de abrigar o mundo – embora tivesse um “cantinho especial” só para Pedro.

Joana não ficava atrás. Mas, diga-se de passagem, possuía beleza diferente da de Rosa; tinha a cor da cidade e sua correria, tinha “cor de escritório”; era bem branquinha – Pedro costumava chamá-la de “floquinho de neve”. O corpo magro e de medidas delicadas dava à Joana a elegância, a maturidade e a sofisticação que Pedro não via em Rosa. Joana não precisava, mas fazia bom uso das maquiagens e outros artifícios em prol da beleza de seus vinte e sete anos. “Como vou chegar no escritório sem um batom, Pedro?”, dizia sempre.

Pedro reservara aquela noite para pensar na decisão. E para que tal momento não se mostrasse tão doloroso, Pedro abria um bom vinho e acendia um de seus charutos cubanos. No aparelho de som, um LP do She & Him. “O som dessa dupla sempre de me dá uma luz”, dizia a si mesmo.

Pedro, agora no sofá da sala, começava a dissecar as virtudes e os defeitos de Rosa e Joana, a fim de chegar a uma conclusão quase que matemática. Não preciso dizer que as coisas do coração não se resolvem com a razão, não é mesmo? Logo, não preciso dizer também que as “contas” de Pedro foram em vão.

Os minutos passaram, o charuto queimou, a garrafa de vinho esvaziou e o objetivo de Pedro se misturava agora aos acordes de M. Ward e às frases de Zooey Deschanel. Já sem a mesma capacidade de raciocínio, Pedro já não conseguia assimilar sequer o porquê de tudo aquilo. “No que eu estava pensando mesmo?”, repetia, bêbado, a si mesmo. Até que, ali mesmo, naquele sofá, adormeceu.

Mas logo acordou e:

- Ah? – se assusta Pedro.

- O que houve? diz Zooey Deschanel, a voz!

- O que está fazendo aqui?

- Acalme-se e durma mais um pouco.

- Mas... Você...?

- Não consegue dormir?

- N...

- Eu te ajudo. Durma e, em seus sonhos, tocarei o seu rosto...

Pedro, mesmo que não quisesse, mesmo que lutasse para, pelo menos por mais alguns segundos, encarar aquele par de olhos enormes de Zooey, voltou a dormir.

Pedro sonhou com ela durante todo o sono. Os dois passeavam de mãos dadas por campos floridos e praias completamente desertas. Perdeu a conta de quantos beijos roubou daquela mulher. Sonhou também com uma forte chuva, que, ao mesmo tempo em que molhava o casal, parecia “limpá-lo” de toda dúvida de outrora. Sentiu-se leve por horas, até que despertou.

- Um sonho... – dizia a si mesmo Pedro.

Depois daquela noite, e que noite!, Pedro nunca mais pensou em Rosa ou Joana, mas unicamente em Zooey.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

GABRIELA - O Labirinto Particular de Lysa - Final

O máximo que as amigas usaram naquele sábado foram calcinhas. Gabriela aproveitava cada segundo dentro da privacidade de Lysa; não acreditava no grau de amizade e confiança que conquistara em tão pouco tempo. Lysa agia como se estivesse devidamente vestida, não se importava – o que se esperar depois de uma masturbação exibicionista como aquela, horas antes? Gabriela chegou a pensar no absurdo de Lysa estar ainda sob efeito do álcool da noite anterior, mas logo descartava tal hipótese.

Envoltas em papos interessantíssimos, as amigas cozinharam, almoçaram, ouviram música, navegaram na Internet, assistiram a filmes... Um laço ainda mais forte tornava-as cúmplices uma da outra.

Em alguns momentos, Gabriela chegou a se abrir a respeito de sua estranha relação com a mãe. Era quando Lysa sentia pena da amiga e a abraçava a fim de consolá-la. Tais abraços, inevitavelmente, faziam com que os seios de ambas se encontrassem e, antes que Lysa pensasse em os separarem, Gabriela os posicionavam de maneira ainda mais embaraçosa. Gabriela sabia olhar no olho quando esse tipo de situação acontecia.

Lysa se via como que mergulhada num lindo e obscuro lago – quanto mais fundo resolvia nadar, mas gosto tinha pelo que descobria. Nunca em sua vida passara uma tarde tão agradável na presença de uma amiga. Nunca! E o que dizer da interação entre o seu corpo e o de Gabriela? Lysa sentia a liberdade de não só poder abraçar a amiga, mas, por que não?, beijá-la, quando bem entendesse – embora conflitos ainda surgissem em sua cabeça.

- Você é tão diferente, Gabriela - dizia Lysa.

- O que quer dizer com isso?

- Não sei bem como, mas sinto que você me modificou muito!

- Para melhor, espero.

- Sim, sinto que para melhor! Nossa, quando imaginei beber daquele jeito, como ontem? E me divertir daquela forma? E papear assim, nua? Nunca imaginei!

- Sente-se bem?

- Muito, Gabriela. Sinto-me feliz ao seu lado.

- Que bom, Lysa. Eu também me sinto muito bem ao seu lado.

A mão suave de Gabriela parte para um carinho no rosto de Lysa, que sorri diante de tal atitude. Gabriela se vê forçada a aproximar seus lábios dos da amiga; sente que é “O momento”. Mas é travada no meio do caminho quando Lysa diz:

- Vai me beijar, Gabriela?

Gabriela não entende a entonação da amiga; não sabe se deve prosseguir ou não. Tem medo de estragar tudo, mas, mesmo assim, pergunta a sorrir:

- O que você acha?

- Você é maluca? Não estamos na pista de dança!

- Eu sei disso. Mas digamos que estivéssemos. Você deixaria eu te beijar? – dizia Gabriela tão próxima a ponto de Lysa sentir sua respiração.

- Que papo estranho, Gabriela! Está falando sério?

A seriedade com que Lysa emitira tal pergunta faz com que Gabriela se desarme e volte à estaca zero:

- Estou brincando, sua roceira!

- Ah, bom!

Gabriela queria muito tê-la, mas, caso não a tivesse, que pelo menos não perdesse aquela amizade tão bacana. Cautela. Mas vê-la nua para lá e para cá parecia não ser mais o bastante.

Mas o que Gabriela não sabia era que dentro de Lysa um monstro começava a ganhar forças: a dúvida.

Após o “quase beijo”, Lysa se calou e, nitidamente, procurou por assuntos menos intensos. Chegou a ensaiar a procura de uma blusa para vestir, mas – talvez devido à própria dúvida que começava a lhe consumir – se manteve.

* * *
No céu, as primeiras estrelas já se faziam presentes. As amigas haviam adormecido por volta das três da tarde e agora despertavam meio que perdidas em relação à hora.

- Que horas são? – dizia Lysa.

- Seis e quinze – dizia Gabriela ao olhar o relógio sobre a cama.

- Da manhã?!

- Não, louca! Da tarde!

- Ah, sim. Pensei que já era domingo.

- Doida. Escuta – dizia Gabriela ao notar a luz que vinha do notebook –, você o deixa ligado direto?

- Sim. Nos fins de semana.

Gabriela se apossava do aparelho e começava a digitar o endereço de uma espécie de YouTube pornográfico. Lysa, ao notar as primeiras figuras carregadas na tela, diz:

- Que isso, menina?

- Quer ver vídeos de quê, Lysa?

- Como assim “de quê”?

- Ué, cada um curte suas coisas, entende? Sexo oral, sexo anal, essas coisas.

- Gabriela?! Que louca! Como descobriu essa página?

- Google! Já ouviu falar?

- Boba!

- E então? Vai de quê?

- Ah, eu sei lá. Escolhe você.

- OK.

Gabriela, maliciosamente, escolhe um vídeo, digamos, soft, no qual um lindo casal pratica um sexo isento de cenas que poderiam ser julgadas por Lysa como “nojentas”. Tiro e queda!

- Caralho, Gabriela!

- O que foi?

- Porra, eu estou ficando com tesão!

- Mas o filme mal começou, Lysa!

- Mesmo... assim...

Gabriela apenas se acariciava e observava Lysa, que, olhando fixamente para a tela do notebook, já se masturbava de forma frenética.

- Nunca fez vendo filmes? – dizia Gabriela com malícia.

- Nããão...

- E sem as mãos?

- Cooomo? Sem as mãos, Ga... briela?

- Assim, olha!

Gabriela substitui rapidamente os dedos de Lysa pelos seus, para loucura da amiga, que, em meio àquele clima, não demonstrou resistência.

- Que iiiissooo, Gabrieeeela? – dizia Lysa próxima ao seu segundo orgasmo do dia.

Gabriela aproveitou os olhos fechados de Lysa para contemplar sem medo o contorcer dos músculos.

- Gostou? – dizia Gabriela.

- Você... é maluca!

Gabriela ia até o banheiro lavar as mãos, deixando uma Lysa ainda mais pensativa e confusa entre os lençóis. “Meu Deus do céu. O que foi que acabei de deixar Gabriela fazer comigo?”, pensava Lysa. O vídeo ainda rodava no notebook e aquilo já nem fazia tanta importância – Lysa só pensava no que acontecera.

- Gostou, né? – dizia Gabriela ao retornar ao quarto.

- Louca!

- Por quê?

- Você é lésbica, Gabriela?

Gabriela pensou por alguns segundos e, sabe-se lá o porquê:

- Não.

- E por que fez isso?

- Você faz muitas perguntas, Lysa. Precisa viver mais e perguntar menos. Foi bom?

- Foi, né!

- Isso é o que importa.

O telefone de Lysa toca.

- Alô!

- Lysa?

- Sim. Quem fala?

- Aqui é o Diego. Nós nos conhecemos ontem à noite, lembra?

- Ah! Claro que lembro!

- Vai fazer algo esta noite?

Gabriela não precisou de pistas para entender que se tratava daquele rapaz da noite anterior. Diante da nítida empolgação de Lysa, Gabriela respirou fundo, foi até o banheiro, se vestiu e saiu do apartamento sem que a amiga notasse.

- ...OK, Diego – dizia Lysa –, às nove! Beijos!

Lysa corria à procura de Gabriela para contar sobre o rapaz, mas logo notava a fuga da amiga. “Saiu sem falar nada. Será que foi algo que eu falei?”, pensava.

Até a hora do encontro com o tal Diego, Lysa era só confusão. Um filme passava em sua cabeça com as cenas mais intensas daquela tarde com Gabriela. Uma vontade obscura de repetir tudo aquilo lhe tomava o corpo como um veneno. Era duro confessar a si mesma, mas a verdade é que não tirava da cabeça o orgasmo que Gabriela lhe proporcionara há pouco. Sentia-se como que num prazeroso labirinto de sentimentos.

Gabriela, já no inferno de sua casa, mais especificamente em seu quarto, sozinha, apenas chorava.

[Fim]

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

GABRIELA - O Labirinto Particular de Lysa - Parte 4

O relógio de Gabriela, deixado sobre a pia do banheiro na noite anterior, já marcava onze da manhã quando Lysa despertou. Com uma dor de cabeça “dos infernos”, a jovem se levanta com dificuldades e acaba tropeçando na mesa de centro da sala.

- Merda! – diz Lysa.

Com os olhos ainda não totalmente abertos, Lysa, quase que intuitivamente, segue até a geladeira, pega uma garrafa d’água e, sem fazer uso do copo, bebe quase que um litro de uma vez só – era a ressaca dando seu sinal mais comum. Caminhando de volta à sala, Lysa vai se lembrando aos poucos da noite anterior; pensa em desabar novamente no sofá, mas resolve ir ao banheiro antes.

Frente ao espelho, Lysa se depara com um rosto inchado e de maquiagem borrada. “Meu Deus, estou acabada”, pensa. Nunca imaginou que beberia tanto em sua vida. A sensação atual não era boa, mas Lysa sentia uma leve vontade de repetir tudo àquela noite, se possível. Olhando em volta de si mesma, meio zonza, Lysa encontra as roupas de Gabriela jogadas pelo chão. “Gabriela dormiu aqui?”, se questiona.

Ainda cambaleando, Lysa vai até o seu quarto e, para seu espanto, bate de frente com Gabriela em sua cama. Nua e mergulhada num sono ainda sem indícios de um despertar, Gabriela exibia um corpo digno de uma contemplação, mesmo que feminina. Inevitavelmente os beijos com a amiga na noite anterior brotam como flores da primavera nos pensamentos de Lysa. Num misto de confusão e, por que não?, tesão, Lysa tenta entender o que sente. Mas sem sucesso.

“Preciso de um banho”, pensa Lysa, que vai direto para o chuveiro.

Enquanto a água lhe cai sobre o corpo, Lysa sente como se o banho a libertasse de toda aquela confusão. “Foi tudo uma brincadeira, só isso”, diz a si mesma em voz baixa. “Um beijo, que mal há? Tenho convicção de que eu gosto é de homem! Beijar Gabriela é como beijar um espelho, uma laranja, não há sentimento ali”, continua Lysa, dessa vez tentando se enganar.

Lysa tinha, sim, a convicção em sua opção sexual. Heterossexual. Mas não devia, naquele momento, desprezar o que sentira durante aqueles beijos. Talvez fora, sim, como beijar um “espelho”, já que Gabriela, no sentido sexual da coisa, é o reflexo de Lysa – tem seios e vagina –, mas nunca como uma “laranja”. Laranjas não possuem requisitos suficientes para penetrar uma língua em sua boca de forma tão possessiva e delicada ao mesmo tempo.

Gabriela acaba despertando com o barulho do chuveiro. Mais consciente, pensa: “Meu Deus, eu dormi nua!”. Mas logo conclui que não há com o que se preocupar. “Ah, não há nada aqui que a Lysa não conheça. Somos mulheres, porra. Nunca nos trocamos uma frente à outra, mas...”, pensa.

Gabriela se levanta e vai até o banheiro.

- Bom dia! – diz Gabriela.

- Bom... dia. – diz Lysa um pouco assustada com a atitude de Gabriela.

Gabriela consegue ver através do vidro do box a perfeição que era a nudez de Lysa. Não disfarça. Olha-a dos pés à cabeça e, também nua, insinua uma carícia com os dedos entre as pernas. Mas logo cessa. Lysa nota tal atitude, mas não dá importância – na verdade sequer assimilara.

- Que noite, hein? – diz Gabriela a procurar por uma escova dental.

- Na segunda gaveta tem escovas novas. Pode pegar uma – diz Lysa ainda séria.

- Valeu.

- Não lembro de muita coisa da noite de ontem – mantém a seriedade Lysa.

- Como não?! Você bebeu feito um gambá, Lysa! Sua dor de cabeça deveria te ajudar a lembrar disso pelo menos! – brinca Gabriela.

- Nem me fale... Minha cabeça parece que vai explodir.

- Tome um remédio. Logo passa.

- Dê-me licença, Gabriela. É que eu...

- Ah, Lysa, faça-me um favor! Vergonha de mim agora?

- Não tenho o costume de ficar nua na frente dos outros, Gabriela.

- Ah, é?! A menina “da roça” não tem o costume... – debocha Gabriela – Vou te mostrar uma coisa!

Gabriela entra no box de repente.

- Sua maluca! Sai daqui! – diz Lysa.

- Vou acabar com essa sua falta de costume agora! – diz Gabriela a abraçar Lysa – Olha só, menina “da roça”, não há mal algum em duas amigas ficarem nuas! A menos que você sinta tesão diante de minha nudez! Sente? Você sente tesão?

Lysa se recorda da sensação que teve ao avistar Gabriela em sua cama, mas:

- Claro que não, sua louca! – diz Lysa já se rendendo aos risos.

- Então deixa de ser ridícula, sua roceira! – brinca Gabriela.

Por fim, as duas já dividiam o chuveiro sem problemas. Gabriela disfarçava a excitação quase que incontrolável, enquanto Lysa, evitando olhar diretamente para as partes íntimas da amiga, comentava sobre alguns fatos da noite anterior.

- Você se lembra que nos beijamos, Lysa?

- Ah, que vergonha, Gabriela!

- Foi só uma brincadeira, relaxa.

- Sim, claro. Brincadeira que acabou me rendendo aquele cara!

- Sério? Ele te pegou por causa dos beijos?

- Acho que sim!

- E o que ele disse?

- Ah, não lembro... Eu estava muito mal...

- Sei bem.

As duas saíram do banho às gargalhadas e foram para o quarto.

- Lysa – diz Gabriela –, você tem algo confortável para eu vestir?

- Tenho. Pode pegar ali, naquela gaveta – diz Lysa apontando.

- Valeu.

Ainda nua – e, aparentemente, liberta de qualquer “falta de costume” de outrora – Lysa desaba na cama e:

- Será que eu ligo para aquele cara?

- Deixa de ser louca, Lysa! Ele nem lembra mais da sua cara! Acorda!

- Posso te contar uma coisa?

- O quê?

- Sabe o que ele fez durante o beijo?

- O quê?

- Ele me tocou.

- Ali? Que isso?

- Foi.

- E você... gozou?

- Não deu tempo. Você interrompeu, lembra?

- Ah...

Gabriela concluía que tinha o poder de desinibir Lysa com suas imposições de comportamento. Em menos de meia hora, Lysa ia da menina com vergonha da nudez à confessora de intimidade chulas e excitantes. Lysa, talvez sem se dar conta, alisava os seios enquanto contava, demoradamente, cada detalhe sobre a “invasão” daquele rapaz sob os panos de seu vestido. Gabriela assistia a tudo no ápice de sua excitação.

- Lysa! Você não vai se masturbar na minha frente, vai? – diz Gabriela, coberta até cabeça de segundas intenções, ao notar o falar arrastado e excitante da amiga.

- Que mal há?

- Ah?!

Dessa vez era Lysa, anestesiada por um misto de tesão e descoberta, quem surpreendia a amiga, que por sua vez a assistia boquiaberta até o último suspiro daquele orgasmo.

- Isso me faz um bem, Gabriela! – diz Lysa após o ato – Vamos preparar o almoço! Vamos!

- ...

[Continua]