
Ela nunca fez meu tipo. Não mesmo. Diria até que Carina é o oposto daquilo que sempre busquei em uma mulher, pelo menos no que diz respeito à aparência. Mas basta ela dizer um “oi”. Pronto. A coisa muda de figura.
Eu conheci Carina em uma festa de fim de ano, na casa de um amigo. Não era bem uma festa, confesso, e sim uma reunião de músicos frustrados, como eu. A gente juntava alguns engradados de cerveja, os cobria com tábuas de trinta centímetros e fazíamos daquilo o “nosso palco”. Era divertido, para não dizer cômico.
Algumas pessoas levavam seus convidados, e a Carina era uma das convidadas do Nelson.
– Olá, Nelson. Espero que toque suas músicas antes de beber! – eu dizia.
– Júlio – dizia-me ele –, você sabe que minhas músicas sem álcool não têm a mínima graça!
– Por isso mesmo, Nelson! Eu quero que as minhas sobressaiam!
– Júlio, você é um fanfarrão! Mas como gosto de você mesmo assim, vou te apresentar uma pessoa muito especial! Essa aqui é a Carina!
Aquela menina reluzente de tão branca e de rosto quase sem expressão me estendia sua mão como que quisesse apertar a minha em um cumprimento “masculino”. Porém, mesmo sem me interessar pelo que via, tomei, com classe, aqueles dedos delicados de Carina e os beijei. Ela sorriu de forma singela e tímida. Na certa não esperava ação tão cordial de um sujeito cujas calças apresentavam rasgos sobre o joelho.
– Carina, não caia na conversa desse cretino, OK? – dizia Nelson em tom de brincadeira – Eu vou ali pegar umas cervejas.
– Ah, não, ele vai beber, Carina! – eu brincava.
E ela sorria. Dessa vez um pouco menos tímida. Tirava da direção dos olhos uma mecha de fios negros, longos, quase ondulados, e sussurrava:
– Engraçado...
– Engraçado? Eu? – eu perguntava.
– É.
– Você ainda não viu o Nelson no palco, Carina...
Nelson não voltou com as cervejas que prometera, e foi bem melhor assim. Carina e eu pudemos conversar e... Meu Deus... Cada palavra dita por aquela menina me provava o quão apaixonante ela era. Minhas frases eram imensas, gagas e cheias de ramificações a assuntos que nada tinham a ver com o momento. Enquanto isso, Carina era a síntese perfeita; ela soltava apenas as palavras necessárias, ora para o meu entendimento, ora para o desenvolvimento de uma paixão que já me transbordava pelos ouvidos.
– Você não vai tocar? – ela me perguntava.
– Sim. Estou escalado para subir ao palco depois do Nelson.
– Palco... – ela dizia a sorrir.
– Não zombe do nosso palco, Carina.
– Não, imagina! Eu acho tão lindo isso que vocês fazem.
– Acha mesmo?
– Sim. De verdade.
Aquela frase foi de fato a cereja do bolo, porque enquanto as meninas mais lindas da rua nos olhavam como se fôssemos assaltar suas casas e estuprar suas irmãs mais novas, Carina achava linda a nossa tarde natalina de rock n’ roll.
– É a primeira menina que escuto elogiar – eu dizia.
– Que isso... – dizia Carina levando o copo de cerveja aos lábios com as duas mãos, como se alimentasse de uma caneca de Nescau.
– JÚLIO, VENHA ATÉ AQUI! – gritava Nelson de cima do palco, bêbado feito uma porca – LARGUE O PESCOÇO DA CARINA, DESEJE UM FELIZ NATAL AOS PRESENTES E FAÇA O SEU MELHOR, SEU GUITARRISTA DE MERDA!
– Meu Deus, acho que ele bebeu demais, Júlio – dizia-me Carina.
– Desculpe-me pelo Nelson, Carina. E pelo “pescoço” também. Ele está bêbado...
– Que isso... A parte do pescoço eu gostei – dizia Carina sem muito bem me encarar, dividindo seu olhar entre o meu tórax e o chão.
Ela tinha um jeito todo seu de ser tímida e descolada, “sem sal” e encantadora, tudo ao mesmo tempo. Isso me deixava confuso e cada vez mais a fim de alcançar seus lábios.
– E que parte você não gostou?
– Da parte que você vai subir ao palco e me deixar aqui sem ter com quem conversar.
O que dizer a uma menina como a Carina numa hora dessas? Não disse nada. Só a beijei.
– LARGA A MENINA, SEU CRETINO HAHAHAHAHAHA! – gritava ainda mais o Nelson.
* * *
No dia 24, antes de ir para o Espírito Santo passar o Natal com a família do meu pai, marcamos de nos ver. Eu, atrasado, cheguei ao local com a sorte de vê-la de longe, ainda a me esperar. Ela vestia flores, da sapatilha ao singelo arco. Carina olhava para o céu e sorria, mesmo sob as negras nuvens, que anunciavam a tempestade de verão que estava por vir.
– Desculpe a demora, Carina. Eu...
Carina não me deixou completar. Acolheu-me em seus braços e me beijou o pescoço com doçura. Mesmo com a boca desocupada não emiti palavra. Quieto eu fiquei, até que cessasse toda aquela sensação estranha em meu corpo.
– Feliz Natal, Júlio – ela me disse a sorrir.
– Foi o beijo mais prazeroso que já recebi, Carina.
– Mas foi só um beijinho, no pescoço. Foi tão bom assim?
– Sim, porque, no meu pescoço, foi o único!
Mesmo não fazendo meu tipo, mesmo sem eu saber ao certo que de fato me atrai, sigo com Carina. Acho que quando alguém te acende uma paixão, das duas uma: ou esta pessoa seguiu todas as regras e padrões de conquista – agindo como uma “pessoa de série” –, ou foi simplesmente ela mesma. E é na segunda opção que a paixão tem mais chances de se candidatar ao posto de amor.
10 comentários:
Um conto fofinho, aeeeeee! rsrs
Continue com eles hahaha
bjos
hahahaha essa época do ano fico sensíveeeeel rsrs
obrigado pela leitura, Ana!
Muito legal o conto, cara. E sua frase final é carregada de razão, pois não traz disfarces que precisam ser mantidos depois.
Abraço!
Obrigado, Sandro!
Muito bom o conto. A mensagem no final, por mais batida que possa ser, continua sendo uma verdade universal!
Abs!
suspiros...
AMEI, como sempre!
Esse conto foi fofo demais!
(:
Esse último paragrafo me deixou sem palavras. Não sei realmente o que comentar aqui, porque tudo o que eu procuro e acredito em relação a amor, paixão e relacionamentos você já escreveu aqui.
Espero só encontrar a minha Carina, mesmo cafoninha hahahaha
http://www.papel40kg.com
daqueles contos que vc ouve sua voz interior falando um "aaahnnn" de fofura e encanto quando vai lendo...
lindo,Lu! e veio a zooey certinha na cabeça em alguns momentos hehehe
Afina em ré, e vamos fazer um som mais pesado!
Abraços!
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