terça-feira, 31 de julho de 2012

OS BASTIDORES DOS BASTIDORES: A minha história numa banda de Heavy Metal – Parte III

O ano de 1998 dava o ar da graça e junto com ele meu primeiro violão, um Malaga de R$ 70,00 – que possuo até hoje, diga-se. E, enfim, fiz minha inscrição no curso profissionalizante de violão clássico, com duração de 2 anos, num instituto próximo à minha casa. Lá, nós, futuros músicos, já aprendíamos a ser tratados como “diferentes”, já que dividíamos o prédio com alunos de mecânica, eletricidade, entre outros cursos “normais”.

As aulas não eram bem aquilo que eu esperava; havia muita teoria musical e na hora da prática, ao invés dos riffs do Johnny Ramone (que faziam a minha cabeça naquela época), peças e estudos de Tárrega, Villa-Lobos, entre outros clássicos. Mas entre um exercício e outro, lá estava eu, usando apenas dois dedos da mão esquerda, treinando power chords. A palheta, extremamente desaprovada pela Professora Sueli, claro, estava sempre por perto. É que na escola o Renato me passava algumas dicas, e o meu aprendizado ficava dividido entre as posturas clássica e popular. A grosso modo, era como se a Sueli trabalhasse duro para manter a minha postura erudita, mas Renato, naturalmente, estragava tudo.

Durante o primeiro semestre de curso eu “comi” violão. Estudava seis, sete, até oito horas diárias! Meus dedos eram verdes – por conta da essência das cordas – e possuíam uma fenda em cada um da mão esquerda. No primeiro recital do curso, enquanto todos apresentavam peças clássicas, resolvi executar uma peça de minha autoria: Prelúdio em Mi Menor. Era a minha vontade de “fazer” se mostrando presente.

No final daquele ano, de tanto aporrinhar meus pais, ganhei uma guitarra Golden, um pedal Zoom 505 e um amplificador Staner de 120W. Uma combinação tosca, mas ideal para iniciantes como eu. Com as “aulas” de guitarra rock que recebia de Renato eu estava pronto para me aventurar nos sons distorcidos das seis cordas! Empolgado, começava a aprender os primeiros riffs.

Eu não me recordo bem da agenda da Dark Side durante aquele ano, mas acho que tudo continuava seguindo o fluxo da evolução. Henrique tocando cada vez mais rápido, Rodrigo cada vez mais cuidadoso na execução dos solos, Renato dominando as “cavalgadas” de Steve Harris e Leonardo... Bem, Leonardo evoluía também, mas se mostrava cada vez mais depressivo, acredito. Volto a falar melhor sobre a personalidade de Leonardo mais adiante.

E eu evoluía também. Já pensava em montar a minha própria banda – provavelmente de punk rock –, mas faltava a galera certa para isso. Àquela altura eu já adquirira conhecimento teórico o bastante para saber distinguir um músico bom de um músico ruim. Os critérios haviam mudado.

Foi quando certo dia, na escola...

– Cara – disse-me Renato –, Henrique saiu da Dark Side!

– Putz! Sério? – eu disse.

– Sério. Foi tocar na Eternal Flame.

Ora, era certo que já havia gente de olho no Henrique! O cara estava numa fase ótima, e com a saída do Alessandro Marlon (sim, esse tinha o nome artístico normal), Nelson Hortz não pensara duas vezes em convocar o jovem guitarrista da Dark Side. Eu não sei bem o que rolou. Pode ser que a banda de Renato e Cia. andasse meio parada e a agenda cheia da Eternal Flame tenha conquistado o Henrique, não sei. Com certeza teve seus motivos. Só sei que agora o Henrique estava numa das bandas mais amadas e odiadas de São Gonçalo e a Dark Side desfalcada.

– Mas e agora? O que vão fazer? Parar a banda? – eu perguntei.

– Não – disse-me Renato –, já temos um cara em vista.

– Quem?

– Você, porra!

Não lembro qual foi a minha reação na hora. Mas eu devo ter aceitado o convite no ato, eu me conheço. Mas como substituir Henrique com menos de um ano de guitarra? E aqueles riffs? Como eu seria capaz de reproduzi-los? Agora a porra tinha ficado séria!

Durante aquela semana rolou um “intensivão” na escola. Renato e eu, cada um com um violão, tocávamos em todo e qualquer intervalo e em toda e qualquer aula vaga! Renato me passava, do jeito dele, uma caralhada de riffs. Praticamente todo o repertório da Dark Side! Eu as memorizava, na medida do possível. Algumas eram até bem complexas para o meu nível, mas quando eu chegava em casa repassava tudo na guitarra, durante horas e horas.

Enfim, marcamos o nosso primeiro ensaio. Um teste, na verdade. Foi num domingo, na garagem da minha casa. Até então eu nunca havia tocado em conjunto, mas como já conhecia os caras me senti bem à vontade. Tropeçamos nas primeiras execuções, normal, mas depois pegamos o jeito e rolou, entre tantas outras, “Seek And Destroy” (Metallica), “Iron Maiden” (Iron Maiden), “Paranoid” e “Iron Man” (Black Sabbath).

O som (alto, como sempre) dava para ser ouvido num raio enorme, o que fez com que atraíssemos para a garagem uma visita, digamos, “especial”: o baterista da Eternal Flame (não me recordo do nome dele agora).

Eu esperava qualquer um, menos ele! Logicamente que o clima não ficou dos mais agradáveis. Afinal, a banda daquele que atrapalhava o nosso ensaio havia contribuído para o desfalque da Dark Side. Mas ele notou que não era bem-vindo e logo nos deixou. Olhamos um para a cara do outro e voltamos a tocar.

Ao final daquele “ensaio-teste”, ouvi dos caras que eu estava oficialmente na banda! Foi bem bacana! Mas ou menos como ouvir nos dias de hoje a frase “o emprego é seu”.

[Continua]  

segunda-feira, 30 de julho de 2012

OS BASTIDORES DOS BASTIDORES: A minha história numa banda de Heavy Metal – Parte II


Enquanto eu fosse um zero à esquerda com os instrumentos musicais, o mais próximo que eu poderia chegar daquilo tudo que eu sonhava fazer um dia era assistir aos ensaios da Dark Side e, junto com os caras, curtir os shows das outras bandas locais.

Da Dark Side apenas o Rodrigo era de Niterói, o restante era de São Gonçalo. Eu não sei dizer exatamente o porquê, mas na cidade deles sempre rolou mais espaço para as bandas de rock que na nossa Niterói. Sendo assim, era para lá que eu ia nos fins de semana, enquanto todos os amigos da minha rua rumavam para o famoso Pagode da Telerj. Era final dos anos 90, e coisas terríveis tomavam conta das rádios e dos eventos de música ao vivo.

Havia uma banda muito conhecida, tanto em Niterói quanto em São Gonçalo. A Eternal Flame. Era engraçado ler os “nomes artísticos” de seus integrantes na K7 demo deles, algo como Alan Hortz, Leonardo Packness, Douglas Mitchell... Mas o fato é que eles eram bons! O Alan Hortz se virava no “embromation”? Sim, mas eles eram bons! Eles se preocupavam mais com o visual do que com as músicas que executavam? Sim, mas eles eram bons! Sabe por que eles eram tão bons? Porque eles lotavam os espaços com gente que gritava “Flame! Flame! Flame!”. Entende?

Certa vez, embarcamos eu, os caras da Dark Side e mais alguns amigos em um ônibus lotado dessas pessoas que gritavam “Flame! Flame! Flame!” e seguimos até a uma extinta casa de shows em Piratininga, Niterói, chamada Por do Sol, se não me engano. A Eternal Flame estava entre os dez finalistas de um concurso de bandas. Nelson Hortz (pai de Alan Hortz e empresário da banda) tratou, então, de levar todo e qualquer ser que vestisse preto e fosse capaz de gritar “Flame! Flame! Flame!” para uma espécie de torcida organizada.

Foi bacana. Gritamos “Flame! Flame! Flame!” até não ouvirmos mais a nossa própria voz, apesar de entre nós haver um outro favorito a levar o prêmio: a banda Out Of Reality. Esses caras eram bons! Muito bons! Tocavam perfeitamente a complexa “Holy Wars... The Punishment Due”, do Megadeth. E eles nem traziam pessoas gritando “Reality! Reality! Reality!”, o que fazia deles, apenas por isso, muito melhores que a Eternal Flame.

Não lembro quem venceu o concurso, mas lembro de sairmos de lá com o dia amanhecendo, com fome (sim, porque éramos uns duros!) e com sono, muito sono. A volta para casa mais parecia um velório. Nelson Hortz não aceitava ter perdido aquele prêmio. Azar dele, mas sorte nossa, que tivemos a oportunidade de ver que havia muito mais que a Eternal Flame por aí.

Nunca mais soube da Out Of Reality. Exceto quando eles, meses depois, tocaram num festival que rolou em uma rua fechada de São Gonçalo, próximo à lendária loja de instrumentos Melody, junto com mais uma pá de bandas bacanas. A Eternal Flame também estava no line up desse festival, só que dessa vez com o Henrique em uma das guitarras! Bem, mas isso é uma outra história, que contarei mais adiante.

A Dark Side seguia com seus ensaios e, de acordo com os comentário de Renato na escola, percebia que a coisa ia tomando mais forma, ficando mais séria. Os caras evoluíam a cada semana e a inclusão de músicas como “Future World”, do Helloween, no repertório era a prova disso. Os primos guitarristas Rodrigo e Henrique estavam cada vez mais entrosados. Cada nota, cada bend, tudo era muito bem ensaiado e supervisionado pelo perfeccionismo – e ouvido quase absoluto – de Rodrigo. Leonardo e Renato, a cozinha da banda, ou seja, a bateria e o contrabaixo respectivamente, apesar das frequentes divergências e discussões, também demonstravam evolução.

A Dark Side chegou a ter um vocalista, mas este eu não cheguei a conhecer. Sendo assim, Henrique improvisava nos vocais. Chegaram, inclusive, a se apresentar no extinto Conexão do Chopp, no Barreto, Niterói, com essa formação. No início desse show:

– Boa noite, galera – dizia Henrique –, nós somos a Dark Side (...) E gostaria de dizer que não sou o vocalista da banda...

Lembro de estar em uma mesa com amigos da banda, e um deles, não me lembro bem quem, soltou entre nós: “Henrique tirando o dele da reta!”, para riso de todos.

Henrique até que se saiu bem. E ele possui a gravação desse show histórico! Gravação esta que se destaca pela famosa “pose estática” de Rodrigo.

– Se contornarmos o Rodrigo com uma caneta na tela da TV, veremos que ele não saiu do lugar! – dizia Renato às gargalhadas, todas as vezes em que assistíamos aquela filmagem.

Mas também não era para menos. O palco do Conexão do Chopp era tão minúsculo, mas tão minúsculo, que quando a Sigma (uma das melhores bandas cover do Metallica que já assisti) tocou por lá, só coube a bateria – um kit de dois bumbos, uma réplica da Mapex usada por Lars Urich na época. Os outros músicos tocaram no chão.

Ah! E nessa gravação este que vos escreve também aparece, fechando o show cantando “Breed”, do Nirvana. Com a cabeça raspada e dono de um “embromation” capaz de colocar o mestre Alan Hortz no chinelo, eu mais parecia uma mistura bizarra de punk com skin head.

Bons tempos.

Bons porque foi no Conexão do Chopp que eu pude conhecer um monte de banda legal, como a já citada Sigma. Também conheci bandas divertidíssimas, como a Power Guido (e seu hit “I Don’t Know”), e até bandas muito “inspiradoras”, como a Yolk, formada por quatro meninas gatíssimas da Zona Sul de Niterói.

Eu continuava sem saber fazer sequer um dó maior em instrumento algum. Mas a cada dia mais envolvido com aquela coisa toda de bandas e shows, a vida de zero à esquerda estava próxima, mas muito próxima do fim.

[Continua]

OS BASTIDORES DOS BASTIDORES: A minha história numa banda de Heavy Metal – Parte I

Quem me conhece sabe que sempre fui apaixonado por música. Sempre. Desde muito pequeno me via encantado com a arte de combinar sons e silêncios. E quem me conhece sabe também que quase tudo que gosto eu acabo me arriscando a fazer. Não sei se isso é bom, mas – com exceção do basquetebol – tem funcionado.

Eu poderia escrever sobre como a música entrou na minha vida, mas aí teríamos que voltar aos primeiros anos da década de 80, o que seria longe demais. A ideia aqui é contar, de forma bem resumida, uma parte da história da extinta banda de heavy metal Over Action. Pelo menos a parte em que estive presente. E para começar, devo definir como marco zero o ano de 1997.

Eu tinha uns quinze para dezesseis anos. E naquele ano eu iniciava, na Escola Técnica Estadual Henrique Lage, o então chamado 2o grau, hoje conhecido como ensino médio. É quando você se sente mais próximo do fim daquela longa escada que é a escola, mas sente também que os degraus vão ficando mais difíceis de serem superados. Foi quando conheci o primeiro personagem dessa história: Renato Ferraz.

Eu já havia me esbarrado com Renato no ano anterior, em uma aula de Eletrônica que chamávamos de “oficina”. A gente estudava no turno da tarde, mas era obrigado a aparecer na escola em algumas manhãs para aprender coisas interessantes como... Como enrolar uma bobina e construir um radinho que não funcionava. Um tédio. Mas foi em 1997 que de fato dividimos a mesma sala de aula, oficialmente, digamos assim. Não me lembro de que forma nos aproximamos, mas sei que foi por conta de algo relacionado à música, com certeza.  

Renato já tocava violão e contrabaixo e, se não me engano, nessa época já rolavam os primeiros ensaios da Dark Side (o primeiro nome da Over Action). Não sei precisar se isso foi em 1997 ou 1998, mas, devido à minha facilidade com os desenhos...

– Cara – disse-me Renato –, a gente arrumou uma casa que faremos de estúdio de ensaio. Você podia desenhar algo nas paredes, o que acha?

Tratava-se de uma casa da família de Henrique Pacheco, então guitarrista da Dark Side.

– Claro! – eu disse.

Levei alguns lápis e o que saiu foram as logomarcas do Iron Maiden e do Metallica em uma das paredes. Mas não tínhamos tinta, e a coisa ficou só no esboço mesmo.

Nesse mesmo dia conheci o Henrique, que tirava um som de guitarra enquanto eu desenhava. Tudo o que sabia de Henrique é que havia aprendido todas as (dificílimas) linhas de guitarra base do famoso Kill ‘Em All (primeiro disco do Metallica, de 1983). De fato Henrique já demonstrava uma habilidade absurda para o meu entendimento. Palhetadas rápidas e um som de guitarra animal, que nunca tinha presenciado. O som vinha de uma guitarra Samick junto a um pedal Zoom 505, uma combinação que hoje me causaria apenas boas risadas. E ao Henrique também.

Foi quando surgiu o convite para eu assistir a um ensaio da banda. “Claro! Vai ser demais!”, eu pensei.

No dia do ensaio cheguei cedo ao apartamento de Renato. Logo apareceu o Henrique e descemos. Presenciei tudo. A chegada dos caras àquela casa fedendo a mofo, a montagem da parafernália, a passagem de som. Fui apresentado ao restante da banda, o guitarrista Rodrigo Santos e o baterista Leonardo de Andrade.

A diferença entre uma banda ensaiando em uma casa “própria” e uma banda que aluga um estúdio é apenas uma: a preocupação com o tempo. 

Do momento em que chegaram à casa até o primeiro acorde do ensaio, sabe-se lá quantas horas se passaram. Tudo era assunto. “Já ouviu o novo disco do Judas Priest?”, “Cara, dá uma escutada nesse riff”, “Olha o som que consegui com esse pedal...”. Eu também devo ter dado meus palpites e ajudado em todo aquele atraso, mas seria um idiota se não me enturmasse logo com aquele pessoal. Eles estavam fazendo aquilo que há anos tive vontade de fazer!

Depois de muito papo, lá estava a Dark Side tocando músicas do Black Sabbath, Metallica, Iron Maiden, Ramones... Curiosamente, no meio do ensaio, fui convidado a cantar “Palhas do Coqueiro”, dos Raimundos. Foi bacana cantar pela primeira vez. O problema foi que eu gostei. E muito!

Quando o ensaio terminou já era noite e tudo o que eu ouvia era um zumbido forte, o que não era para menos; a casa não possuía qualquer tratamento acústico e os caras tocavam alto! Muito alto! Eu me posicionei próximo à bateria e quem já viu o Leonardo atacar os pratos pode imaginar o que passei durante aquelas horas.

Lembro de ter chegado em casa morto de cansaço, como se eu tivesse ensaiado também. Mas sentia que algo havia mudado em relação ao que sentia pela música. A ideia de aprender a tocar violão me vinha desde os dez anos, se não me engano. Mas foi naquele dia que disse a mim mesmo: "Foda-se! Vou aprender essa merda!" Bem, desse “foda-se” até eu realmente aprender algo levou um certo tempo.

[Continua]