quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

SONHOS & SONHOS

Trabalhar em uma loja especializada em gravatas nunca fora o meu sonho – e acho que o de ninguém ali –, mas até que tinha sua vantagem: na época de Natal, enquanto todos os outros lojistas do shopping dobravam seus expedientes com apenas um sanduíche na barriga, nós da Gravataria Di Paula podíamos tirar uma (longa) hora de almoço sem nos preocupar – o movimento era fraquíssimo.

Ganhávamos pouco, logicamente, mas eu, pelo menos, não ligava muito para isso; era o suficiente para pagar o curso de desenho e me vestir – eu ainda morava com meus pais, o que facilitava. Éramos um bando de acomodados, essa é a verdade. Mas a nossa paz teve seus dias contados quando o dono da loja, o Sr. Aurélio Di Paula, faleceu, deixando tudo nas mãos de seu filho Laurêncio Di Paula.

– A moleza acabou, rapazes! – disse-nos Laurêncio no dia em que assumiu a loja – Meu pai estava acomodado a vender apenas gravatas, o que o encheu de dívidas! A partir de dezembro vamos vender roupa social também! E nesse Natal vocês terão meta, OK? Serão comissionados, claro! Vocês progridem, eu progrido! Fechado?

– E o que pretende fazer para chamar a atenção dos clientes, Sr. Laurêncio? – eu perguntei.

– Já tenho tudo planejado, senhor... senhor...

– Emerson, senhor – eu o ajudava a recordar do meu nome.

– Isso! Já tenho tudo planejado, Sr. Emerson! A partir de segunda-feira esta loja será outra! E espero que vocês sejam outros também! Se é que me entendem...

Na segunda-feira seguinte, como Laurêncio prometera, lá estava a Gravataria Di Paula com araras repletas de roupas sociais. No estoque não cabia uma mosca, de tanta caixa empilhada. O astral na loja estava péssimo, pois o trabalho que nos esperava fungava os nossos cangotes.

Enquanto eu vestia o novo uniforme, em um dos novos provadores, pude ouvir a voz doce de uma mulher dizendo:

– Sim, Sr. Laurêncio, pode deixar comigo.

Saí do provador num misto de medo e curiosidade. E lá estava Ísis, a menina que de tão linda parecia estar em nossa loja por engano.

– Emerson! – chamou-me Laurêncio – Essa aqui é a Ísis. Ela ficará de Mamãe Noel aqui na loja, para chamar a atenção dos clientes durante o período de Natal, OK? Como um dos mais novos aqui, auxilie Ísis no que precisar.

Eu deveria questionar o fato do mais novo ser o responsável por tal tarefa, mas não tive coragem, porque logo pensei em todos os segundos que passaríamos juntos, sempre que Ísis tivesse algum tipo de dúvida.

– Claro, Sr. Laurêncio!

– Que bom. Então, gente – disse-nos Laurêncio –, ao trabalho!

Tratei de chegar até Ísis, mas sem antes repará-la. Um metro e setenta, eu acho. A pele alva exibia uma singela tatuagem: um anjo, na nuca. As medidas eram delicadas e estonteantemente pequenas, exceto o busto, que, talvez por fugir um pouco à regra daquele corpo, causava ainda mais atração aos olhos. Ainda tinha um rostinho de beleza rara, coberto de sardas, que deixava, diante de competição acirrada, sobressair um par de olhos, grandes e castanhos.

– Olá, Ísis. Eu sou o Emerson. Qualquer coisa, é só chamar!

– Obrigada, Emerson!

– Nada!

Após exatos três segundos:

– Emerson? – chamou-me Ísis.

– Oi.

– A que horas eu lancho?

– Bem... – eu pensava um pouco e – No mesmo horário que eu, pode ser?

– Claro!

* * *

Ideia brilhante a minha! Às três da tarde, tive a honra de descer para a praça de alimentação ao lado de Ísis vestida de Mamãe Noel – linda, diga-se de passagem. Sentamos em um café e pedimos um desses lanches baratos, para duas pessoas.

– Gostando do trabalho, Ísis? – eu perguntei.

– Odiando!

– Nossa! É tão ruim assim?

– Quer experimentar? – ela ria, mesmo diante da desgraça.

– Não, obrigado. Eu fico melhor de pinguim.

– Acha que está adiantando, pelo menos?

– Acho sim. Nunca tivemos tanto movimento. Infelizmente, mas...

– Preferia o marasmo, não é?

– Sinceramente, Ísis? Sim. Detesto trabalhar lá...

– E o que gostaria de fazer?

– Desenhar.

– Sabe desenhar?

– Estou aprendendo.

– Pode me desenhar?

– Aqui, agora?

Ísis pegava um guardanapo e uma caneta no balcão do café.

– Sim! Temos dez minutos, não é?

– Mas...

– Vamos! Comece!

Eu fiquei nervoso com a pressão de Ísis, mas pensei que seria ótimo se eu conseguisse desenhá-la naquelas condições. E consegui.

Após alguns minutos:

– Pronto! O que acha?

Ísis pegou o desenho e, boquiaberta, o observou. Até que:

– Cara! Você é demais! O que está fazendo vendendo gravatas?

– Roupas sociais, na verdade...

– Que seja! Está perdendo tempo! Eu pediria as contas agora e correria atrás do meu sonho!

– Não posso...

– Por que não, Emerson?

– Não larguei esse emprego até agora, porque meu pai sempre me disse para eu aguentar firme na Di Paula, que o que é meu estava por vir. E acho que estou começando a entender isso.

– Então acha que vai desenhar gravatas para a Di Paula, ao invés de vendê-las?

– Não é mais sobre desenho que estou falando. É sobre você! – eu disse.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

INTERNO

Ela nunca fez meu tipo. Não mesmo. Diria até que Carina é o oposto daquilo que sempre busquei em uma mulher, pelo menos no que diz respeito à aparência. Mas basta ela dizer um “oi”. Pronto. A coisa muda de figura.

Eu conheci Carina em uma festa de fim de ano, na casa de um amigo. Não era bem uma festa, confesso, e sim uma reunião de músicos frustrados, como eu. A gente juntava alguns engradados de cerveja, os cobria com tábuas de trinta centímetros e fazíamos daquilo o “nosso palco”. Era divertido, para não dizer cômico.

Algumas pessoas levavam seus convidados, e a Carina era uma das convidadas do Nelson.

– Olá, Nelson. Espero que toque suas músicas antes de beber! – eu dizia.

– Júlio – dizia-me ele –, você sabe que minhas músicas sem álcool não têm a mínima graça!

– Por isso mesmo, Nelson! Eu quero que as minhas sobressaiam!

– Júlio, você é um fanfarrão! Mas como gosto de você mesmo assim, vou te apresentar uma pessoa muito especial! Essa aqui é a Carina!

Aquela menina reluzente de tão branca e de rosto quase sem expressão me estendia sua mão como que quisesse apertar a minha em um cumprimento “masculino”. Porém, mesmo sem me interessar pelo que via, tomei, com classe, aqueles dedos delicados de Carina e os beijei. Ela sorriu de forma singela e tímida. Na certa não esperava ação tão cordial de um sujeito cujas calças apresentavam rasgos sobre o joelho.

– Carina, não caia na conversa desse cretino, OK? – dizia Nelson em tom de brincadeira – Eu vou ali pegar umas cervejas.

– Ah, não, ele vai beber, Carina! – eu brincava.

E ela sorria. Dessa vez um pouco menos tímida. Tirava da direção dos olhos uma mecha de fios negros, longos, quase ondulados, e sussurrava:

– Engraçado...

– Engraçado? Eu? – eu perguntava.

– É.

– Você ainda não viu o Nelson no palco, Carina...

Nelson não voltou com as cervejas que prometera, e foi bem melhor assim. Carina e eu pudemos conversar e... Meu Deus... Cada palavra dita por aquela menina me provava o quão apaixonante ela era. Minhas frases eram imensas, gagas e cheias de ramificações a assuntos que nada tinham a ver com o momento. Enquanto isso, Carina era a síntese perfeita; ela soltava apenas as palavras necessárias, ora para o meu entendimento, ora para o desenvolvimento de uma paixão que já me transbordava pelos ouvidos.

– Você não vai tocar? – ela me perguntava.

– Sim. Estou escalado para subir ao palco depois do Nelson.

– Palco... – ela dizia a sorrir.

– Não zombe do nosso palco, Carina.

– Não, imagina! Eu acho tão lindo isso que vocês fazem.

– Acha mesmo?

– Sim. De verdade.

Aquela frase foi de fato a cereja do bolo, porque enquanto as meninas mais lindas da rua nos olhavam como se fôssemos assaltar suas casas e estuprar suas irmãs mais novas, Carina achava linda a nossa tarde natalina de rock n’ roll.

– É a primeira menina que escuto elogiar – eu dizia.

– Que isso... – dizia Carina levando o copo de cerveja aos lábios com as duas mãos, como se alimentasse de uma caneca de Nescau.

– JÚLIO, VENHA ATÉ AQUI! – gritava Nelson de cima do palco, bêbado feito uma porca – LARGUE O PESCOÇO DA CARINA, DESEJE UM FELIZ NATAL AOS PRESENTES E FAÇA O SEU MELHOR, SEU GUITARRISTA DE MERDA!

– Meu Deus, acho que ele bebeu demais, Júlio – dizia-me Carina.

– Desculpe-me pelo Nelson, Carina. E pelo “pescoço” também. Ele está bêbado...

– Que isso... A parte do pescoço eu gostei – dizia Carina sem muito bem me encarar, dividindo seu olhar entre o meu tórax e o chão.

Ela tinha um jeito todo seu de ser tímida e descolada, “sem sal” e encantadora, tudo ao mesmo tempo. Isso me deixava confuso e cada vez mais a fim de alcançar seus lábios.

– E que parte você não gostou?

– Da parte que você vai subir ao palco e me deixar aqui sem ter com quem conversar.

O que dizer a uma menina como a Carina numa hora dessas? Não disse nada. Só a beijei.

– LARGA A MENINA, SEU CRETINO HAHAHAHAHAHA! – gritava ainda mais o Nelson.

* * *

No dia 24, antes de ir para o Espírito Santo passar o Natal com a família do meu pai, marcamos de nos ver. Eu, atrasado, cheguei ao local com a sorte de vê-la de longe, ainda a me esperar. Ela vestia flores, da sapatilha ao singelo arco. Carina olhava para o céu e sorria, mesmo sob as negras nuvens, que anunciavam a tempestade de verão que estava por vir.

– Desculpe a demora, Carina. Eu...

Carina não me deixou completar. Acolheu-me em seus braços e me beijou o pescoço com doçura. Mesmo com a boca desocupada não emiti palavra. Quieto eu fiquei, até que cessasse toda aquela sensação estranha em meu corpo.

– Feliz Natal, Júlio – ela me disse a sorrir.

– Foi o beijo mais prazeroso que já recebi, Carina.

– Mas foi só um beijinho, no pescoço. Foi tão bom assim?

– Sim, porque, no meu pescoço, foi o único!

Mesmo não fazendo meu tipo, mesmo sem eu saber ao certo que de fato me atrai, sigo com Carina. Acho que quando alguém te acende uma paixão, das duas uma: ou esta pessoa seguiu todas as regras e padrões de conquista – agindo como uma “pessoa de série” –, ou foi simplesmente ela mesma. E é na segunda opção que a paixão tem mais chances de se candidatar ao posto de amor.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

VINHO BRANCO

Na janela, a chuva que teimava em cair. Na agulha, um velho disco do John Coltrane. Não era bem tristeza o que me tomava, mas um vazio. Imenso. O término do namoro era duro para mim, mas pior fora a infeliz descoberta de não ser o único a beijar os pequenos lábios de Sofia. Uma traição que não se apresentava asquerosa unicamente por sua existência, mas também por sua forma – era sob os carinhos de um primo meu que Sofia se contorcia com mais vontade.

O calor esperado naquele mês de dezembro só daria as caras em meados de janeiro, o que fez com que o clima de Natal me abraçasse com um pouco mais de romantismo. Enquanto o jazz de Coltrane soava por cada metro quadrado de minha sala, eu degustava um delicioso Romeo y Julieta, meu charuto predileto. Na taça de vinho, que repousava sobre a mesa de centro, sequer toquei, já que tudo naquela bebida me lembrava Sofia – havia duas taças e uma garrafa vazia no local onde a flagrara com meu primo.

Pensei em ligar para alguns amigos, precisava espairecer a mente, me divertir... Mas o telefone tocou alto, logo após alcançá-lo.

– Alô... – eu disse.

– George? Sou eu, Letícia, tudo bem?

– Oi, Letícia... Nem tanto, mas e você?

– Péssima... Mas diga, o que houve?

Pensei em me abrir. Afinal, Letícia era uma das minhas melhores amigas. Mas confesso que morri de vergonha. Imagine! Traído pela namorada e pelo primo de uma só vez! Eu não merecia aquilo, muito menos me expor à Letícia dessa forma. Resolvi ser breve, mas sem mentir:

– Sofia e eu... Nós terminamos, Letícia.

– Nossa, George, que chato isso...

– É...

– Bem, então deixe. Não vou te atrapalhar...

– Não, que isso?, está tudo bem, Letícia. Diga-me. Por que está “péssima”?

– Ai, George, você não vai acreditar... O Rodrigo terminou comigo...

– Putz...

O Rodrigo era um canalha. A verdade é que Letícia não fazia ideia do mal que acabara de se livrar.

– Pois é, amigo, perdi meu chão. Estou desesperada!

– Ora, Letícia, também não é para tanto... Isso passa, não acha?

– Não, George. Acho que vou morrer sofrendo pelo Rodrigo, essa é a verdade.

– Besteira...

Nós éramos muito amigos, mas nossos antigos relacionamentos haviam nos deixado um pouco longe um do outro. Abandonados, estávamos, então, em solidão igual. Ela precisava desabafar com seu amigo aqui, assim como eu precisava muito do ombro dela.

Como era de se esperar, nos ligamos bastante nos dias seguintes. Ela e eu, já de férias na faculdade, tínhamos algum tempo livre para isso, geralmente à noite, após o expediente de ambos – ela estagiava em uma empresa de papéis, eu em um jornal de bairro. Morávamos um pouco longe um do outro, por isso quase não nos víamos pessoalmente. Perdíamos horas ao telefone ou no messenger.

Até que um dia:

– Onde passará o Natal, George?

– Em casa, ora. Onde mais?

– Por que não passa aqui em casa? Seus pais ficariam chateados?

– Meus pais dormem o Natal inteiro.

– Jura? Meu Deus... Então, George, mais um motivo para você vir para cá!

– Mas e os seus familiares? Eu me sentiria meio out por aí.

– George, o que menos quero é encarar minha família. Vão me encher de perguntas sobre o Rodrigo, e...

– Entendo...

– Então, você vem?

– Ah, Letícia...

– Por favor, Georginhoooo!!!

– OK, eu vou, eu vou!

* * *

No dia 24, lá estava eu, cumprimentando os poucos familiares presentes na casa de Letícia. Cheguei a ver alguns deles cochichando sobre eu ser um possível substituto do Rodrigo, mas não liguei, nem comentei com Letícia. O que menos precisávamos naquela noite era de problemas. Tudo o que queria era beber algumas taças de vinho – sim, eu já havia superado um pouco a lembrança que tal bebida me trazia de Sofia – e jogar conversa fora com uma amiga que eu não abraçava havia meses.

Fomos para uma varanda. Conversamos muito e rimos mais ainda. Se no início da noite Rodrigo e Sofia dominavam os nossos assuntos, minutos depois pareciam nunca terem existido em nossas vidas. Devo confessar que assistir Letícia sorrindo daquela forma me fazia um bem enorme.

Ela estava tão linda naquela noite. Trajava calça jeans, camiseta de malha e um leve casaquinho por cima. Um rosto sem maquiagem deixava claro que Letícia não esperava ninguém especial para ceia de Natal. Mas quem disse que precisava desse tipo de vaidade? Uma boca e um narizinho de traços finos somados àqueles longos, ondulados e negros fios ajudavam a eleger Letícia a menina mais linda em um raio de quilômetros.

Já se passavam das duas da madrugada, quando seus pais e alguns tios se preparavam para dormir. Um amontoado de colchões – que tomava quase toda a sala – já se encontrava devidamente forrado para os já desanimados hóspedes de Letícia.

– Preciso ir, Letícia.

– Já, George?

– Já são duas e vinte...

– Não acha que bebeu demais para sair dirigindo por aí? Por que não fica por aqui?

Letícia, um pouco mais baixa que eu, olhava para mim fazendo, cômica e propositalmente, aquela carinha de criança triste, como se quisesse me pedir algo, mas lhe faltasse coragem suficiente.

– Imagine, Letícia! Não, não... Nem há espaço para mim nessa cama aí – eu dizia apontando para os colchões na sala.

– Não o convidei para dormir ali com eles, George...

Sem que combinássemos nada, sem que ao menos ela me revelasse onde eu dormiria de fato, fomos aproximando nossos rostos, lentamente. A cada centímetro mais próximo de seus lábios, mais nervoso eu ficava. Ora, era da minha amiga Letícia aquela respiração ofegante que arrebatava meu pescoço.

Até que, enfim, nos beijamos. Como se estivesse preso há anos, um beijo longo e com suave gosto de vinho branco.

É incrível como um beijo é capaz de mudar totalmente o seu ponto de vista sobre a pessoa beijada, logo após, ao abrir dos olhos. Não era mais a minha amiga Letícia quem estava ali à minha frente, mas a mulher que me fez relacionar o vinho às mais belas e prazerosas recordações.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

FÉRIAS, MAS SEM DEIXAR DE ESCREVER...

Olá, caro leitor. O MUITOS EM UM está de férias por tempo indeterminado. É que preciso me dedicar à minha monografia, aí já viu, né? Mas fique à vontade para ler (ou reler) contos do meu arquivo.

Obrigado pela leitura de sempre!

ALEJANDRA Y EL VERANO Final

Enquanto Lysa, muda, chorava à cama, Gabriela, embora destruída por dentro, se mantinha decidida; arrumava suas coisas de volta nas malas. Não seria fácil voltar, com menos de um dia, para a casa de sua mãe.

Lysa estava arrasada, arrependida, mas também não encontrava palavras para um possível diálogo com Gabriela, pelo menos não naquele momento de sangue quente. Concluía que esperar seria o melhor a fazer. Assistir à Gabriela arrumando as malas causava sofrimento enorme em Lysa, ainda mais pelo motivo daquilo tudo.

De malas prontas:

- Obrigado, Lysa – dizia Gabriela –, por fazer eu sair da minha casa, causar uma verdadeira guerra com a minha mãe... Para isso! Serei eternamente grata! Vagabunda!

- ...

- Não vai dizer nada, não é?

- Dizer, Gabriela? Mas dizer o quê? Eu não sei o que dizer...

- Eu imaginava...

- Eu... Eu te amo, Gabriela. Muito.

- Sem essa, Lysa. Fui.

Gabriela pegava suas malas e saía. Com o rosto ainda inchado, a menina ganhava a rua rumo à casa de sua mãe – o inferno que a aguardava.

Lysa não saía da cama nem para trancar a porta deixada aberta por Gabriela. Estava confusa, chorosa; pensava muito nos pais dela e no que eles pensariam se soubessem um terço de toda aquela história.

Soa o telefone. Achando ser Gabriela, Lysa corre para atender. Mas por coincidência, ou sentido aguçado, era sua mãe.

- Alô!

- É a sua mãe, filha.

- Oi, mamãe...

- O que houve? Estava chorando?

- Eu? Não, não...

- Não minta para mim, Lysa! Eu liguei porque meu coração está apertado... Sinto essas coisas. O que foi que houve?

Lysa se assustava com a capacidade de sua mãe, mas como contar aquela história?

- Não houve nada...

- Pode me contar, Lysa! Ou você prefere que amanhã eu vá aí com seu pai?

Lysa pensava e via que não seria tão ruim assim contá-la, desde que omitisse partes da história.

- OK... Vou contar. Meu namorado... (...) Sim, mamãe, eu tenho um namorado. (...) Não, mamãe, não é o Fred (...). Sim, mas não é o Fred. A senhora vai deixar eu concluir? OK. Então... Meu namorado, ele terminou comigo. Gosto muito dele e estou sofrendo muito. É isso.

- Mas sabe por que está sofrendo, Lysa?

- Por quê?

- Porque não me escuta e não dá uma chance ao Fred! Por isso!

- Ah, mamãe, esqueça o Fred, vai. Ele está até namorando, se a senhora quer saber!

- Viu? Bobeou, dançou, Lysa. O Fred é que é o homem certo para você...

- Mamãe. A senhora quis saber o que havia de errado comigo e eu contei. É só isso?

- Bem... Promete que vai ficar bem?

- Prometo, mamãe. Isso vai passar, OK?

As duas se despediram e desligaram.

Lysa resolvia ligar para Fred, não para seguir os conselhos de sua mãe, claro, mas porque lembrava que tinha no rapaz um grande amigo. “Talvez ele possa me ajudar”, pensava.

- Alô, Fred?

- Lysa? Aconteceu alguma coisa? Está com uma voz...

- Mais ou menos, Fred. Onde você está?

- Acabei de deixar a Tatiana em casa e estou indo para a minha. Por quê?

- Poderia passar aqui? Estava precisando conversar.

Fred pensava por exatos dez segundos e:

- OK. Chego em dois minutos.

Fred chegava ao apartamento de Lysa e, logo de cara, um abraço apertado se fazia presente, na sala. Lysa ainda trajava o vestido que escolhera para a festa. O abraço fez com que Fred colasse seu peito no decote ousado de Lysa. A verdade é que ver a amiga vestida daquele jeito – diferente de como se veste normalmente, para o trabalho –, fazia o rapaz ficar “aflito”.

- O que houve, Lysa? Em que posso ajudar?

- Fiz a maior burrada da minha vida, Fred.

- Conte-me.

Lysa contava todo o ocorrido, para o espanto total de Fred. Lysa não se via muito à vontade em contar os detalhes, mas para quê? Fred possuía imaginação suficiente para imaginar cada movimento das mãos de Alejandra sobre o corpo de Lysa – isso o excitava.

-... e foi isso. O que eu faço, Fred? – concluía Lysa.

- Olha, Lysa, você quer saber mesmo o que eu acho disso tudo?

- Claro, diga-me.

- Acho que vir para a capital não foi uma boa escolha para você.

- Como não, Fred?

- Não estou falando profissionalmente. Refiro-me ao lado pessoal de sua vida. Acha mesmo que se estivesse com seus pais você teria essa atração por meninas?

- Acho que sim. Gabriela diz que essa coisa nasce com a gente, só é preciso que alguém venha e a faça aflorar.

- Bem, não acredito muito nisso, mas... Você já pensou em ir passar uns tempos com seus pais? Um mês, quem sabe? Eu ouvir dizer que você tirará férias daqui a uns dois meses. Que tal?

- Será?

- Ficar longe de tudo isso a fará repensar melhor nas coisas, além de dar tempo do sangue de Gabriela esfriar, se é o que deseja.

- É. Acho que você tem razão, Fred. Eu amo a Gabriela, e...

- Que desperdício... – interrompia-a Fred.

- O que disse?

- Não, nada...

- Disse desperdício, Fred! Eu ouvi!

- Porra, Lysa, já se olhou no espelho? Você é a menina mais linda que eu já vi na minha vida! – se solta Fred – Você sabe que sempre fui louco por você! E você acha que foi fácil te flagrar na cama com outra menina? [vide Lysa23 – Parte 10] A Tatiana é um amor de pessoa, a gente se dá bem, mas... É por você que meu coração dispara, Lysa. É por você que... É por você que meu pau está duro agora!

Fred se levantava e saía, enquanto Lysa ficava sem ação, porém, pensativa... e excitada, como jamais antes diante do rapaz.

* * *
O tempo passou – exatas três semanas em que Lysa sequer vira Gabriela, diga-se de passagem. Tempo de muito sofrimento e saudades por parte de Lysa, que procurou se isolar, evitando contatos até mesmo com Bruna e Joyce. Até que um novo encontro, entre Lysa e Gabriela, sem querer, ocorreu.

- Lysa... – dizia Gabriela ao encontrá-la num ponto de ônibus.

- Gabriela...

- Como vai?

- Tudo indo. E você?

- Indo também....

- Achei que nunca mais nos falaríamos, Gabriela.

- Eu também achei, Lysa. Mas não resisti quando te vi. A verdade é que estou te observando faz um tempinho, dez minutos, talvez – dizia Gabriela soltando um sorriso no canto da boca.

- Está me espionando, é? – dizia Lysa a sorrir.

As duas se abraçavam. E forte. Era o tempo, enfim, cuidando de tudo.

- Ainda está chateada comigo, Gabriela? – perguntava Lysa, pois precisava saber.

- Não mais, Lysa. Já passou...

- E... Você...

- E eu o quê? Pode perguntar, Lysa.

- Você encontrou outra pessoa? Tem outra pessoa em meu lugar?

- Sim, Lysa, eu... Eu encontrei sim.

Lysa sentia uma pontada no peito.

- Aliás – continuava Gabriela – estou esperando ela aqui.

- Ah... Bem, então é melhor o meu ônibus chegar logo, porque...

- Não precisa tanto, Lysa. Você a conhece.

- Co-conheço?

- Sim... Olhe ela vindo ali.

Lysa se espanta ao concluir que Gabriela estava agora com nada mais nada menos que Joyce.

- Mas... A Joyce, Gabriela?

- Sim, Lysa, a Joyce. Por que o espanto?

- Mas... E a Bruna?

- A Bruna está com a vagabunda da Alejandra, Lysa! – dizia sorrindo Joyce, que ouvira a pergunta de Lysa ainda distante.

O ônibus de Lysa chegava e, sem sequer se despedir, ela, atônita, o tomava. Sentava num dos bancos da frente e ainda pôde ver um beijo apaixonado entre Joyce e Gabriela. Chorou ao mesmo tempo em que decidiu seguir os conselhos de Fred; iria, sim, passar um tempo no interior do estado com seus pais.

Fora um verão confuso demais para Lysa, que, na mente, misturava lembranças fortes de Gabriela, Fred e, por incrível que pareça, Alejandra – ainda podia sentir a presença da chica em seu corpo, essa era a verdade.

Distante dali, em seu apartamento, Alejandra levava Bruna à loucura com um sexo oral – sua especialidade – matinal.

- Goze, Brunita, goze! Quiero su miel en mi boca, safada! – dizia Alejandra com o rosto entre as pernas de sua presa.

[Fim]

Bem, pessoal, é isso. Muito obrigado a todos os que, durante esses quase três anos de MUITOS EM UM, vêm aqui e me prestigiam com a leitura desses humildes contos. Conforme já anunciara no Facebook e no Twitter, o MUITOS EM UM entra, a partir de hoje, de férias por tempo indeterminado, por conta da dedicação à minha monografia de graduação em Publicidade e Propaganda, que apresentarei no final deste ano.

Muito obrigado pela leitura de sempre e, quando quiserem, sintam-se à vontade para lerem (ou relerem) os arquivos do MUITOS EM UM.

Até mais!

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

ALEJANDRA Y EL VERANO #5

Gabriela e Bruna se viam diante de duas portas; dois quartos, um de frente para o outro. Em um daqueles cômodos, acreditava Gabriela, estavam Alejandra e Lysa. Joyce observava, apenas observava.

- Qual das duas nós arrombaremos, Bruna? – dizia Gabriela furiosa.

- Ficou maluca? Acalme-se, Gabi!

- Como? Essa filha de uma puta armou para cima de mim!

- Argh! Que raiva! – soltava Bruna.

Joyce então puxa Bruna pelo braço e:

- Tem raiva de quê? Não é a sua namorada quem está lá dentro com Alejandra! Você está com raiva pela Alejandra, não é?

- Joyce! Isso é hora de ciúmes? – revidou Bruna.

- Ah, quer saber? Foda-se! – disse Joyce a sumir na multidão.

- O que houve? – perguntou Gabriela.

- Joyce é maluca! Esqueça! Então? Qual das duas portas nós arrombaremos, Gabi!

Gabriela sentia firmeza na ajuda de Bruna e dizia: “Essa aqui!”.

Gabriela escolhia, por sorte, a porta certa! Mas após a primeira pancada com os ombros – para o espanto de todos – Gabriela e Bruna viam que não seria tão fácil assim. Então começaram a chutar a porta. Chutaram. Mas chutaram tantas vezes e com tanta força que, do lado de dentro do quarto:

- Deve ser Gabriela, Alejandra, deixe-me ir – dizia Lysa, quase que em êxtase –, por favor... Alejandra... Deixe-me...

- Agora? Ah, Lysita, agora não... Deixe a Gabriela para lá!

- Não... Não posso... – dizia Lysa com dificuldades, já que entre as pernas guardava a mão direita de Alejandra, a tocar suas partes com agilidade.

Lysa não se deu conta, tamanho tesão que a tomava, mas sua calcinha, branca e levemente umedecia, já repousava sobre seus pés; estava entregue, completamente entregue.

Alejandra era como uma jibóia que possui sua presa, só que sem usar a força. Eram apenas os lábios, as mãos e os esverdeados olhões que faziam todo o trabalho de manter Lysa quase que fora de si.

Do lado de fora, um dos convidados, um homem alto e forte, completamente tomado pelo efeito das drogas que usara, resolvia ajudar as meninas, achando, no mínimo, se tratar de uma brincadeira. “Carlão”, ele se apresentava.

- Vai, Carlão! Mete o pé nessa porra! – animava-o Gabriela.

- Agora! – dizia Carlão, que em apenas uma pesada, na direção da maçaneta, abria a porta.

O barulho do arrombamento assustou Alejandra, mas sequer atrapalhou o exato momento do orgasmo de Lysa, que gemia levando a cabeça para trás. Com os seios à mostra, o vestido erguido e a calcinha ao chão, Lysa ainda levaria alguns segundos até entender o flagrante.

- VAGABUNDA! – gritava Gabriela, que corria em direção aos cabelos de Alejandra.

Bruna, por sua vez, não teve tempo de reação; foi atropelada pela multidão que resolveu entrar no quarto para assistir a confusão.

Gabriela e Alejandra entravam numa briga de puxões de cabelo, arranhões e tapas. Lysa, já recomposta, vestia-se ao mesmo tempo em que tentava separar as meninas.

- Pelo amor de Deus, Gabriela – dizia Lysa – solte Alejandra! – em vão.

Depois de muito esforço, Lysa conseguia, enfim, separá-las. Com os rostos ensanguentados, Gabriela e Alejandra estavam irreconhecíveis. Lysa pegava Gabriela pelo braço e tratava de sumir do local.

* * *
Lysa e Gabriela entravam num táxi, até então, mudas.

Alguns minutos se passaram e:

- Vagabunda... – sussurrava, chorosa, Gabriela, olhando para o nada.

- Gabriela...

- Cale a sua boca, Lysa! Vagabunda! É isso que você é! E eu achando que... Que idiota! Achando que íamos viver juntas, Lysa! Juntas, sob o mesmo teto! Você tem noção, Lysa? Não, você não tem!

- Gabriela, me escute....

- Escutar o quê? Escutar o que, quando eu vi? Eu vi, Lysa! Você lá, gozando, meu Deus! Gozando! Que vagabunda!

- ...

Lysa não tinha o que dizer. “Ela tem razão. Eu devo ser mesmo uma vagabunda...”, pensava.

As duas chegavam em casa. Gabriela ia direto para o chuveiro; precisava retirar do rosto inchado o sangue e o suor. Só queria tomar um banho, arrumar suas coisas e, infelizmente, voltar para a casa de sua mãe, o quanto antes.

Lysa chegava até a porta do banheiro e:

- Eu... Eu sinto muito, Gabriela...

- Sai daqui, Lysa!

Lysa a atendia. Ia para a cama. Deitava-se e, inevitavelmente, começava a pensar em tudo o que acontecera desde que descobriu seu gosto por meninas. Começou então a lembrar dos “inocentes” beijos que trocava com Gabriela, ainda no início de tudo. E terminou lembrando de alguns minutos atrás, do orgasmo mais vexaminoso do mundo. Se arrependia, sim, mas queria ainda entender o porquê de não ter resistido aos encantos de Alejandra, já que, no fundo, sentia que amava Gabriela, profundamente. Chorava.

[Continua]

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

ALEJANDRA Y EL VERANO #4

O apartamento de Alejandra, diferente do que ela mesma havia dito, não era pequeno, notava Lysa. A porta estava aberta, dando a impressão de que qualquer pessoa poderia entrar, sem nenhum controle. Bruna e Joyce já estavam no local, difícil seria encontrá-las em meio a tanta gente.

- Não é melhor ligarmos para as meninas? – sugeria Lysa à Gabriela.

- Daqui a pouco a gente as acha, Lysa, relaxe...

Em toda parte, casais se pegavam como se o mundo fosse acabar a qualquer minuto. Não demorou muito para que os corpos de Lysa e Gabriela fossem vistos e cobiçados pelos ali presentes. Também pudera; ambas trajavam vestidos ousados em comprimento e decote. Lysa sabia valorizar os seios pequenos que possuía, enquanto Gabriela se focava nas pernas. Estavam vestidas uma para a outra, verdade, mas para matar.

- Onde será que se meteram Bruna e Joyce? – questionava Lysa com Gabriela.

- Deixe as duas para lá, Lysa! Vem aqui...

Gabriela logo entrava no clima daquela festa, agarrando firme Lysa pelas mãos e a levando até um canto – um dos poucos vagos naquele apartamento. Com os lábios já colados aos de Lysa, Gabriela diz:

- Vamos, enfim, comemorar?

Lysa sorri e se deixa levar pela pegada da namorada, que, já mergulhada naquele ambiente, apalpa com força a nádega de Lysa.

- Gabriela! – exclama Lysa.

Um beijo enlouquecido, que chama a atenção de muitos, se faz presente. Até que...

- Chicaaaaaaaaaaaaaaaas! – grita Alejandra ao se deparar com Lysa e Gabriela.

Alejandra carregava numa mão uma garrafa de vodka, e na outra um cigarro de maconha pronto para ser aceso. Estava inegavelmente linda. Com a pele bronzeada da praia, contrastando com o vestido claro, os olhos esverdeados da mexicana pareciam brilhar ainda mais.

- Brunita e Joycita estão ali, venham! – dizia Alejandra.

Gabriela não gostou nada nada da maneira como Alejandra interrompera aquele amasso, mas...

Pelo caminho, Alejandra, Lysa e Gabriela se esbarravam em todo tipo de casal. O som estava alto, porém, inidentificável; era uma mistura de música eletrônica e uma guitarra ensurdecedora. Gabriela ia à frente, guiada pela mão de Alejandra em suas costas, enquanto Lysa seguia atrás, puxada pela mexicana.

Foi quando, de repente, Alejandra empurra Gabriela para frente e puxa Lysa para dentro de um dos quartos do apartamento.

- O que é isso? – pergunta Lysa sem entender.

- Como así, Lysita? Não te mostrei nada ainda!

- Abre esse quarto, Alejandra! Que porra é essa? Gabriela deve estar me procurando!

- A Gabriela se vira, Lysita! Venha cá!

Alejandra pegava Lysa pela cintura, encaixava-a entre suas pernas e, bem próxima ao rosto da presa:

- Estoy locamente tarada por ti, Lysita!

Lysa, logicamente, desaprovava aquela atitude de Alejandra, mas, inevitavelmente, se encantava com os olhões de Alejandra tão próximos aos dela. Os lábios da chica se movimentavam de uma maneira sedutora naquele falar. Lysa, ainda que se preocupasse com Gabriela, se desmanchava.

Do lado de fora, Gabriela olhava ao seu redor a fim de encontrar Lysa e Alejandra – já tinha noção do golpe da mexicana –, mas nada. Sem querer, encontrava Bruna e Joyce.

- Gabi! – dizia Bruna.

- Puta que pariu, Bruna, me ajude! Alejandra sumiu com Lysa!

- O quê? Que porra é essa? – perguntava Bruna.

- Isso mesmo que você ouviu! Essa filha de uma puta me empurrou e, sei lá como, sumiu com a Lysa! Dá para acreditar nisso? Eu mato!

- Ela deve estar num desses quartos, não?

- Argh! Sim! Vamos entrar nessa merda!

Joyce apenas observava a atitude de Gabriela e Bruna. “Só assim Alejandra deixa Bruna em paz”, pensava.

- Você vem com a gente, Joyce? – perguntava Gabriela.

- Sim, claro...

Dentro do quarto:

- Diga que no me quer, Lysita! Diga!

- Pare com isso, Alejandra, deixe-me sair!

- Deixo! Por un beso! Un beso!

A respiração de Alejandra encontrava a de Lysa, que, nitidamente, lutava contra tamanha sedução. Mas apenas por alguns instantes... Após muito lutar, sem mais pensar em nada, Lysa se entrega ao beijo alcoólico de Alejandra. E que beijo! As mãos de Alejandra passavam por todo o corpo de Lysa, como se tivesse apenas alguns segundos para matar toda aquela vontade que a consumia.

Lysa a beijava e se deixava possuir pelas mãos ágeis de Alejandra. Em poucos segundos, já era nos delicados seios de Lysa que Alejandra movimentava sua língua ácida.

[Continua]

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

ALEJANDRA Y EL VERANO #3

- Hoje, la fiesta es en mi apartamento! – disse Alejandra, logo que Gabriela e Lysa chegaram da água.

A animação de Alejandra trouxe quatro diferentes sentimentos naquela areia; Lysa se animou, Gabriela desconfiou, Joyce soprou em descontentamento e Bruna ficou confusa. Após o anúncio inesperado de uma festa, a jovem mexicana sequer disfarçou; olhou fixamente, de cima a baixo, o corpo molhado de Lysa. Gabriela, que não é boba nem nada, tratou de puxar a namorada até o guarda-sol.

- Porra, Lysa, essa Alejandra parece que te quer, merda!

- De onde você tirou isso, Gabriela?

- De onde? Como assim “de onde”, Lysa? Essa mexicana dos infernos não tira o olho de você! Ou você não percebeu?

- Ei, ei, ei! Qual é, Gabriela? E se tiver mesmo de olho em mim? Você me viu de olho nela? Viu?

- Não...

- Então, por favor... Nunca brigamos! Vamos brigar logo hoje? Logo hoje?

- Você está certa...

Nenhuma das quatro ali sabia, mas as festas no apartamento de Alejandra costumavam ser regadas a drogas e orgias. Por mais loucas que fossem Lysa, Gabriela, Joyce e Bruna, com certeza, se chocariam num primeiro instante.

Mas elas não sabiam ainda, porque logo Alejandra tratou de contar um episódio.

- Vocês ainda no foram en una fiesta en mi apartamento, mas, provavelmente já ouviram falar! Es una doideira! Mis amigos son todos los pervertidos... Safados, como dizem aqui! Una vez... Más de cuarenta personas... Y mi apartamento es muy pequeño. Sexo en banheiro!
Más de ocho mujeres...

Aquele papo deixava as meninas ora excitadas, ora apreensivas. Os olhinhos de Lysa brilhavam, talvez pela inexperiência. Mas Gabriela, sempre séria – apesar de arder por dentro –, mantinha a cabeça funcionando, a fim de ver até onde iria as intenções de Alejandra com aquele papo.

- Esqueçam... No quiero que pensem cosas malas sobre mí! – emendava a mexicana.

- Nada a ver, Alejandra! Ninguém pensará nada de errado sobre você! Relaxe! – dizia Lysa.

- Que fofa, Lysa! Es una fofa! Y me encanta este “nada a ver”!

Durante todo o dia na praia foi assim; Alejandra jogando seus encantos para cima de Lysa, enquanto Gabriela – e agora Bruna –, emburradas, não gostando nada daquilo. Joyce parecia neutra naquela história, mas na verdade torcia por um distanciamento de Alejandra e sua namorada Bruna.

Na hora de irem embora, não poderia ser diferente: Alejandra oferece uma carona às quatro meninas – era a única de carro. Antes mesmo que Gabriela pudesse recusar, Lysa solta um animado:

- Claro que aceitamos! Estou morta de cansaço!

Gabriela não gostou nadinha, e ia gostar menos ainda do que viria a seguir.

- Quem vem na frente? – perguntava Alejandra.

As quatro permaneceram caladas, mas como Joyce e Bruna se adiantaram no banco traseiro, sobraram Lysa e Gabriela para a decisão. Até que Lysa, sem sequer pensar:

- Eu vou no banco da frente, pronto.

Para chateação total de Gabriela.

Alejandra deixou primeiro Bruna e Joyce em casa, que desceram confirmando, ainda que de forma inibida, presença na festa de Alejandra, à noite. Por educação, Lysa permaneceu ao banco da frente. Seguiram.

No caminho, Alejandra pediu para que Lysa retirasse do porta-luvas um CD de capa preta.

- Esse aqui? – perguntava Lysa.

- Sí, sí! Já ouviu?

Era na verdade o EP “Seis da Tarde”, de
Luciano Freitas.

- Não, não conheço!

- Es un artista independiente... Y brasileiro!

- Coloca aí, então.

Alejandra deixava rolar o som, que era uma mistura espécie de Bossa Nova, mas com uma série de influências mais.

- Este sonido me encanta, Lysa!

Gabriela permanecia séria, enquanto Lysa ria diante do cantar embolado de Alejandra, que se empolgava no refrão:

- Beso en alto-mar / Brisas a soprar / Y los pies descalzos a molharem (...) / Prefiero acreditar no entardecer...

- Gostei. Legalzinho esse som! – dizia Lysa – O que achou, Gabriela?

- É, dá para escutar.

Lysa explicava o endereço de seu apartamento à Alejandra. Gabriela permanecia quieta; não via a hora de chegar, não aguentava mais aquele falar da mexicana. Mas, mesmo engasgada com a chica, Gabriela não conseguia parar de observar aqueles olhos verdes, pelo retrovisor. “São lindos... Ela é toda linda, essa mexicana de uma figa!”, pensava.

Após mais alguns minutos, enfim, chegaram.

- Vocês vão a mi fiesta, não vão? – perguntava Alejandra.

E mais uma vez Lysa era mais rápida que os pensamentos de Gabriela:

- Sim! Vamos com Bruna e Joyce!

- OK! Besos!

* * *
Gabriela e Lysa, enfim, arrumavam as coisas da primeira no guarda-roupas. Durante a arrumação, Lysa não parou de falar em Alejandra por um só minuto.

- Que menina doida, não, Gabriela?

- É...

- Posso imaginar essa festa de hoje... Meu Deus, se os amigos dela forem loucos como ela... Sei não... E aqueles olhos, Gabriela? Por alguns minutos pensei que fossem lentes! São verdes e lindos demais. Eu a achei divertidíssima, e você?

- Também...

- Sei lá, mas acho que não teria coragem de fazer com ela o que Bruna e Joyce fizeram. Acho estranho, ainda mais com uma menina que você mal conhece... Mas que elas se divertiram, ah, se divertiram! Você acredita que Alejandra bebeu tequila no corpo das duas? Que doideira! Ela também disse que...

- CHEGA! – alterou-se Gabriela.

- Que isso, Gabriela?

- Desculpe-me, Lysa... Desculpe-me... Mas é que... É que você não para de falar na Alejandra, Alejandra e Alejandra!

- Nhommmmm, está com ciúmes, Gabriela?

- Sem essa, Lysa.

- Ai, que fofa! Nunca ninguém sentiu ciúmes de mim, eu acho... Vem cá, vem...

- Temos que arrumar essas coisas, Lysa...

- Ah, rapidinho, vem...

Lysa puxava Gabriela para cama e:

- Não vai ser uma mexicanazinha que me fará esquecer de nós duas, Gabriela!

- Promete?

- Já te disse que te amo?

- Não...

- Eu te amo, sua louca!

Diante de todo aquele carinho de Lysa, mais tarde, Gabriela acharia que não havia mal algum em irem à festa de Alejandra. “Lysa está comigo. A gente se gosta. Nada tenho a temer. Nada!”, pensava Gabriela.

[Continua]

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

ALEJANDRA Y EL VERANO #2

O verão mostrava a sua força nas areias de Ipanema, e, a dourar os corpos, lá estavam Lysa, Bruna e a recém-apresentada Alejandra, deitadas sobre suas cangas. Sob o guarda-sol estavam Gabriela e Joyce, por serem as mais branquinhas. Joyce, de tão quieta, parecia ainda dormir, mas na verdade lia um livro do Nelson Motta. Sob o sol, o papo rolava solto entre as outras três.

Gabriela se via tentada a perguntar à Joyce sobre a noite anterior, na qual, na companhia de Bruna, conhecera a tal Alejandra. Mas, conhecendo o mal-humor matinal da amiga, resolveu calar-se. Por pouco tempo. Apenas alguns minutos se passaram até que:

- Joyce, qual é a dessa Alejandra, hein? – dizia Gabriela.

- Como assim, Gabi? – respondia Joyce sem tirar o rosto do livro.

- Ah, sei lá, a Bruna nos contou sobre ontem, Vocês três e tal...

- Sim, e?

- Porra, Joyce, me conte! Quero saber o que rolou, ora!

Joyce esticou o pescoço na intenção de averiguar se Alejandra e Bruna tinham condições de ouvi-la. Constatou que não; estavam papeando alto demais.

- Gabi, a noite de ontem foi boa. Eu estava na maior fissura, havia meses, de fazer algo a três... Daí a gente conheceu a Alejandra, na festa da Fê, e... Acho que foi a Bruna quem conversou mais com ela e, sabe-se lá Deus como, a chica resolveu sair com a gente.

- Sim, Joyce, isso eu já sei. Quero saber o que roloooooou! Na cama, Joyce!

- Gata, numa boa... Eu achei bom, mas...

- Mas o quê?

- Fiquei meio que assistindo às duas se pegarem... Foi meio decepcionante.

- E você não tem ciúmes das duas?

- Claro, porra! Acha o quê? Fico de olho. Mas convenhamos que a mexicana é muito gata, Gabi, fala sério. Acha que se a Bruna resolver mesmo ir fundo com ela eu tenho alguma chance? Nunca...

- Ah, Joyce, você viajou agora! Você é linda! Sim, a Alejandra é uma delícia, confesso, mas não é isso tudo também não.

Diante daquela amizade, Gabriela mentia duas vezes. Uma: em termos de beleza física, Joyce não teria mesmo a menor chance contra Alejandra. Joyce era uma branquinha que tinha lá os seus atrativos. Seios fartos, já o bumbum nem tanto. Ela era capaz de atrair quem ela quisesse. Assim como Gabriela, Joyce sabia ser fatal quando queria. E duas: Alejandra era “aquilo tudo”, sim!

Sob o sol o papo estava nitidamente mais animado. Quando Lysa perguntara à Bruna sobre a noite anterior:

- Conte você, Alejandra! – respondia Bruna demonstrando intimidade.

- Caliente! Muy caliente! Las chicas me dio una... canseira! – respondia Alejandra em seu “portunhol”, às gargalhadas.

Alejandra, desinibida, contava, então, com detalhes – alguns até fugiam da memória de Bruna – toda aquela aventura sexual da noite anterior. Lysa, atenta a cada palavra e a cada gesto das mãos de Alejandra, excitava-se.

- ...así! Una canseira! – terminava Alejandra.

Era impossível não se excitar com o falar de Alejandra, ainda mais com o conteúdo daquele falar. E os olhos verdes? Ainda mais verdes por conta do sol, aqueles olhos eram um convite à paixão.

- Vamos na água, Lysa? – chamava Gabriela.

- Sim, vamos!

A caminho da água, Gabriela pegava firme na mão de Lysa e:

- O que achou dessa menina, Lysa?

- A achei bacana. Divertida. E você?

- Ainda não conversei com ela, mas me pareceu isso aí mesmo... A Joyce está meio mordida com a proximidade dessa chica com a Bruna.

- Sério? Mas, pelo que a Alejandra contou, as três se deram muito bem ontem à noite, viu?

- Joyce me disse que praticamente assistiu às duas.

- Estranho...

Gabriela e Lysa mergulhavam seus corpos perfeitos nas águas de Ipanema, enquanto, ao longe, um comentário de Alejandra tratava de quebrar um pouco o clima.

- Essa Lysa es una gracinha, hein!

- A Gabriela é namorada dela, hein! – alertava Bruna – Estão morando juntas e tudo!

- Existe una manera para tudo, Brunita!

Bruna se calava, enquanto, do guarda-sol, Joyce, quieta, as observavam.

Voltando para a areia, Gabriela pôde notar o olhar de Alejandra para o corpo de Lysa, mas preferiu não levar a sério; pelo menos não naquele momento.

[Continua]

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

ALEJANDRA Y EL VERANO #1

As malas não eram muitas; apenas duas. Mas sua vontade de começar uma nova vida era enorme e não caberia nem mesmo em duzentas malas. A caminho do apartamento de Lysa, Gabriela carregava, além de roupas, um coração a mil, que quase lhe saltava pela boca. Ao tocar a campainha, cessou a espera de Lysa, que, eufórica, a atendeu dizendo:

- Não acredito, Gabriela! Conseguiu!

- Quase rolou porrada, Lysa, mas, enfim, consegui sair de casa! Minha mãe ficou uma fera, mas... Seu convite ainda está de pé, não é?

- Claro que está, meu amor, claro que está! – dizia Lysa antecedendo o beijo, ainda na porta do apartamento, selando a união das duas.

Lysa e Gabriela haviam assumido o namoro fazia alguns meses [vide Lysa23 – Parte Final], para o choque de muitos – na verdade, as únicas que não se chocaram foram as suas inseparáveis amigas Bruna e Joyce, porque de resto... Havia também aqueles que ainda não sabiam, que era a família de Lysa, do interior do estado. “Papai e mamãe se souberem, das duas uma: ou morrem do coração, ou me buscam aqui Rio”, dizia Lysa.

No emprego de Lysa todos já sabiam – e chocavam –, mas havia um que, além disso, ainda não aceitara a opção sexual da amiga: o Fred, que, embora não sentisse mais nada por Lysa [vide Lysa23 – Parte 4], carregava terrível preconceito.

- Vamos até o quarto, Gabriela, que já deixei um espaço para você no armário – dizia Lysa.

Era um domingo de muito calor e, chegando ao quarto, Lysa acabou tendo uma outra ideia:

- Gabriela, é o seguinte: deixe suas malas aqui. Vamos à praia!

- Mas assim, do nada?

- Por que não?

- Então preciso achar um biquíni nessa bagunça primeiro, Lysa.

- Use um dos meus, ora!

Lysa, abria uma gaveta repleta de biquínis – tornara-se uma verdadeira fã das praias do Rio. Na gaveta havia peças de tudo que era cor e estampa. Como Lysa e Gabriela vestiam praticamente o mesmo tamanho, não houve problema algum.

Ambas escolhiam seus biquínis, shorts, blusas e acessórios, tudo de Lysa.

- Um banho? – sugeria Lysa.

- Juntas! – provocava Gabriela.

- Claro!

Após o delicioso e quase eterno banho, Gabriela pegava o celular a fim de ligar para as amigas Bruna e Joyce.

- Bruna?

- Fala, Gabi.

- Lysa e eu vamos à praia! Está a fim?

- Nossa, mal acordei...

- Bruna? Fala sério! Ipanema, topa?

- Ai... minha cabeça... bebi todas, ontem...

- Ipanema, OK?

- OK, Gabi, OK...

- Joyce está aí?

- Sim, na cama...

- Chame ela também!

- OK, a gente se liga lá...

Gabriela desligava o telefone.

- Elas vão? – dizia Lysa ainda a se secar.

- Vão!

Dez da manhã.

As duas preferiram não encarar o ônibus, mas um táxi. De mãos dadas, livres de qualquer tipo de medo, Lysa e Gabriela ganhavam, graciosamente, o calçadão. O caminhar e os sorrisos do casal eram como uma celebração dos dias que estavam por vir; da nova vida que pensavam juntas.

Já na areia, o celular de Gabriela soava; era Bruna:

- Onde vocês estão, suas vacas?

- Perto do Posto 9.

- Ah, já vi daqui a sua pele reluzente – brincava Bruna com a cor branca de Gabriela.

- Vai à merda! Beijo!

Alguns minutos depois, chegavam Bruna, Joyce e mais uma menina. Menina que, até então, Lysa e Gabriela não conheciam.

- Vacas, Alejandra. Alejandra, vacas! – apresentava às gargalhadas Bruna – Brincadeira, Alejandra. Estas são Lysa e Gabriela. Lysa, Gabriela, esta aqui é a Alejandra.

Alejandra era uma jovem mexicana que vivia no Brasil há dois anos. Não dominava o nosso português, mas já fazia suas misturas na hora de se comunicar. A chica era magra porém “no ponto”. Seu tom de pele moreno claro e seus olhos esverdeados... uma loucura. Seus cabelos eram artificialmente louros e lisos; gostava de tranças.

Gabriela fitou os seios – pequenos e lindos, como os de sua namorada –, enquanto Lysa mirou as belas pernas de Alejandra. Gabriela e Lysa logo puxaram Bruna e:

- Onde a conheceram? – interrogou Gabriela.

- Foi ontem – disse Bruna –, numa festa muuuuuuuito louca na casa da Fê! Lembram da Fê, né?

- Sim, lembro... Mas a conheceram ontem e já são... amigas?

- Quase isso, Gabi. A Joyce estava tarada num lance a três, entende? A Alejandra apareceu na hora certa e...

- Quer dizer que dormiram com ela?! – perguntou agora Lysa.

- Dormimos não, né, Lysa? Quem dorme com uma mulher dessa na cama?

Gabriela e Lysa se olharam num misto de espanto e excitação. Não disseram nada uma para a outra, mas, logicamente, imaginaram a cena erótica protagonizada pelas três.

Algo dizia às duas que aquele dia de praia renderia...

[Continua]

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

CAMINHOS

A paixão

Daniela acabara de viver um ótimo dia; vinha de mais uma de suas aulas de violino, porém, de uma aula especial, na qual seu professor – um sueco que vivia no Brasil há mais de dez anos – se declarara passionerad por sua pessoa. Com dezenove anos de idade, Daniela concluía que jamais sentira tamanha euforia diante de um rapaz. A verdade é que o professor de violino estava em sua mira havia meses.

Seu caminhar, pela calçada da Avenida Rio Branco, era solto, leve, quase flutuante. Os perigos que aquele fim de tarde poderia oferecer passavam longe dos pensamentos da menina, que pensava apenas naquele beijo que acabara de protagonizar junto àquele professor. Nem mesmo as crises que enfrentava com o irmão mais velho – que não aceitava seus esforços nos estudos da música, dizendo ser “coisa de vagabundo” – tinha espaço na mente de Daniela.

A ira

Flávio acabara de ser demitido por justa causa. Após ser descoberto num esquema no qual desviava verba da empresa, foi humilhado pela chefia em meio a uma reunião. Possuído, Flávio batia com força a porta de seu carro, modelo do ano – que, judicialmente, poderia nem ser mais dele nos próximos dias.

Em alta velocidade, Flávio rasgava as ruas do Centro; fazia curvas de forma veloz e inconsequente, num misto de transtorno e medo. O celular em sua bolsa não parava de tocar – provavelmente sua namorada, a fim de lhe contar sobre o vestido no qual torrara mais alguns milhares de reais –, mas Flávio sequer ouvia. Mergulhado em ira, aquele rapaz perdia os sentidos.

O encontro

Daniela esperava do semáforo o sinal para seguir na sua caminhada de “pluma ao vento”, encantada, rumo à estação das barcas. Naquele momento, no conservatório, seu professor tocava para um outro aluno uma peça que o fazia lembrar de Daniela.

Verde para os pedestres.

Daniela segue sobre a faixa, atravessando levemente a Rio Branco, quando um carro negro e muito veloz o toca as pernas. A menina voa por cima do veículo, cai de cabeça no asfalto e, sobre um melado que vinha do crânio, morre na hora.

Do carro, sai Flávio, à beira da loucura. No chão, Daniela, a irmã mais nova do atropelador.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

O PLANO

Como quase todo músico, eu costumava passar horas nas lojas de instrumentos musicais; ficava de papo com os lojistas – que, em sua maioria, também eram músicos –, experimentando os lançamentos, discutindo sobre discos etc. Na verdade, era apenas em uma loja que eu costumava fazer isso, quase que diariamente: a loja do S. Lázaro, a Lázaro Som.

S. Lázaro era um senhor de quase noventa anos; herdara a loja de seu pai, um dos primeiros proprietários de loja de instrumentos musicais da cidade. S. Lázaro quase não parava na loja, mas todo mundo sabia quem ele era. Com a cabeça bem branca, ele chegava com seus passos lentos, dando bom dia a todos, e logo saía, com o mesmo bom dia.

A gente sempre escutava histórias de que S. Lázaro era um exímio violonista. Porém, nunca ninguém o vira tocar de fato. “Dizem que esse aí arrebenta no violão de sete cordas”, era o que diziam. “Das duas uma: ou S. Lázaro era de fato tudo o que diziam, ou era um mestre do marketing pessoal”, eu pensava. Até que, num certo dia, eu resolvi provocá-lo.

- S. Lázaro, por que o senhor não tira uma casquinha desse novo Di Giorgio sete cordas que chegou na loja? – eu perguntei.

- Ficou maluco? – reprimiu-me um dos lojistas – Que intimidade é essa?

S. Lázaro olhou para mim, abriu um sorriso, no canto da boca, e:

- Afine-o que eu já volto.

Toda a loja ficou eufórica, porque, enfim, veríamos S. Lázaro tocar violão. Afinamos o Di Giorgio e o esperamos com ansiedade.

Quando voltou, S. Lázaro pegou o violão e disse:

- Façam silêncio, sim?

Fizemos.

Então, S. Lázaro começou a dedilhar um choro maravilhoso, num misto inteligentíssimo de técnica clássica e popular. Ficamos todos boquiabertos.

Quando S. Lázaro terminou de tocar, disse-me:

- E você? Toca?

- Toco, sim, senhor, mas não tão bem...

- Toque, por favor.

Toquei. Mas naquele momento, pressionado pelo olhar do velhinho e sem muita experiência nas sete cordas, executei um número simples, quase medíocre.

- Precisa de umas aulas, filho! – disse-me S. Lázaro – Minha neta é uma excelente professora!

- Sua neta? – questionei-o, pensando se tratar de uma criança.

- Não se assuste, rapaz. Ela tem a sua idade.

- Sei... – eu disse, ainda achando humilhante.

- Ela sabe tudo o que eu sei. Ligue para ela – disse-me ele, me dando um cartão e saindo da loja como um Deus das sete cordas.

* * *
Chegando em casa, liguei para a neta de S. Lázaro.

- Alô.

- Oi! É a Andréia?

- Sim, sou eu!

- Boa tarde. O seu avô me deu o seu cartão. Eu gostaria de tomar aulas de violão de sete cordas.

- Ah... Violão de sete cordas... Sei... Esse meu avô...

- Não entendi.

- Qual o seu nome?

- Plínio.

- Plínio, é o seguinte: eu não dou aula de violão, não sei sequer sacudir um chocalho, para você ter ideia da minha vocação musical.

- Mas...

- O meu avô acha que eu preciso de um namorado e fica por aí distribuindo cartões, que ele mesmo faz, para rapazes que ele diz “parecer boa pessoa”. Peço desculpas...

- Não, que isso? Mas o seu avô, hein... Bem, pelo menos sei que “pareço boa pessoa”, né?

- Isso é.

E, desculpe perguntar, mas... Esse plano do seu avô já funcionou alguma vez?

- Não, porque os rapazes acabam... desistindo.

- E... Você acha que precisa mesmo de um namorado?

- Não com a gravidade de vovô Lázaro. Acho que mulher nenhuma precise de um namorado. O namoro é algo natural, assim como a solidão também é.

- Ele me disse que tens a minha idade. Vinte e cinco?

- Vinte e três.

- Bem, eu não sei quanto a você, Andréia, mas eu estou com vontade de levar o plano de seu avô a sério.

- Então insiste em ter aulas de violão comigo? [risos].

- Façamos a vontade de S. Lázaro!

Resumindo, conversamos ao telefone por horas. Marcamos um encontro naquele mesmo dia, à noite. Nos conhecemos. Ela era linda, mas linda de morrer! Branquinha, cabelos castanhos e curtinhos. Boca carnuda, num batom de tom claro; corpo delicado, estatura mediana.

Depois de muito conversarmos num bar:

- Nossa, seu avô é um maluco – eu lhe disse.

- Por quê?

- Achar que uma menina linda como você precisa de ajuda para arrumar um namorado.

- Ai, o vovô... Ele acha que preciso de um namorado para me distrair até a minha...

- Não entendi.

- Deixe para lá.

- Não, me explique, por favor!

- Bem, Plínio, eu sofro de câncer... E, embora possa não parecer, tenho meus dias contados.

- ...

- Agora você vai fazer como todos os outros: pedir a conta, dizer “nós nos vemos por aí” e...

- Engana-se. Seu avô está certo. Você precisa de alguém que divida com você esses dias, que eu nem acredito que sejam poucos. Alguém que possa ser mais que a ajuda de seus familiares.

Andréia começou a chorar e:

- Que merda, Plínio! Eu acho que... Eu acho que gostei de você! Por que não foi como os outros?

- Não fui porque também gostei de ti! E por que diz “que merda”?

- Porque você não merece uma enferma!

Sequei suas lágrimas, levantei aquele rosto fino e beijei a boca como há anos não era beijada.

* * *
S. Lázaro morreu alguns dias depois – ele não andava bem de saúde. No velório, a viúva me disse que, antes pouco de morrer, sentindo muitas dores, S. Lázaro disse: “Diga ao Plínio que cuide de Andréia”.

Infelizmente, com o falecimento do avô, o câncer da neta piorou de forma assustadora. Mas eu estava lá, firme, ao seu lado, até o dia de sua morte, um mês depois.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

CRISE DOS QUATRO

Antes de me envolver em um namoro sério, ouvi algumas vezes os mais velhos falarem sobre uma tal “crise dos quatro anos”. “Quando um namoro chega a esta idade, este passa por uma recaída e pode até acabar de vez”, diziam. Como eu, com quinze anos, no auge da minha adolescência, estava mais interessado em provar das mais diversas bocas ao invés de colar em apenas uma, nunca dera importância à “crise”, mas, de alguma forma, guardara aquelas palavras.

O tempo passou e, aos dezenove anos, um pouco mais maduro, já me via completamente preso a um sentimento que me tomava por completo. Milena me pegara de jeito, essa é a verdade. Das dezenas de bocas de outrora, a de Milena era a que melhor me acolhia. E a beleza, que esta carregava, com meiguice, em cada centímetro do corpo?

Milena passava um pouco longe da preferência nacional, é verdade; não havia fartura em seu corpo! Milena era magra e de medidas delicadas. Sendo assim, não possuía bumbum grande, porém, exibia uma linda cintura e um quadril bem desenhado. Os seios eram pequenos, mas o suficiente para valorizar sua a elegância. O legal é que seus dezessete anos eram bem nítidos; Milena não possuía nada que nos enganasse sobre sua idade, nem para mais, nem para menos. Por fim, aquele sorriso, que fazia questão de nascer entre suas longas, castanhas e onduladas mechas, junto àqueles olhos amendoados e às pequeninas sardas, formavam a cereja de um bolo chamado Milena.

Nosso namoro foi uma love story. Sabe quando tudo se encaixa? Sabe quando até mesmo os maldosos olhares alheios são aniquilados pela constatação de estarem diante de um casal nascido para a eternidade? Era assim. Por mais que um rapaz achasse Milena uma coisinha, ao testemunhar o nosso carinho avassalador e mútuo, este pensava duas vezes antes de qualquer atitude. Com as meninas, a mesma coisa.

Tudo vinha às mil maravilhas. Falávamos em casamento, acredita? Pois é, falávamos. Mas eis que nos surge aquilo que há anos ouvira dos mais velhos: a crise dos quatro anos de namoro. O tempo passou e as descobertas entre nós, antes tão empolgantes, não existiam mais. Era como se eu soubesse tudo sobre Milena. A criança ganha um brinquedo novo, explora todas as suas possibilidades de diversão e enjoa. Não é assim que acontece? No meu caso, porque no caso de Milena nunca existira um brinquedo e – depois concluí – muito menos uma criança enjoada.

- Milena, eu acho que não sinto mais o que sentia por ti – eu disse.

- Não me ama mais? – disse-me Milena meio sem entender.

- Será que foi amor, Milena? Sempre achei que o verdadeiro amor não acabasse nunca...

- Duvida de seu próprio sentimento agora?

- Sim, porque ele acabou. E se este sentimento acabou, é porque não era amor, Milena.

- OK, “grande conhecedor dos sentimentos”. Vou sofrer muito, sei disso, mas vejo que não posso mais mirar meu amor em alguém que sequer sabe o que este significa! – disse-me Milena nitidamente desapontada.

Engoli seco, confesso. Mas eu precisava daquele “tempo”, até mesmo para poder descobrir o que eu realmente sentia por Milena; amor ou simples costume?

Eu estava, sim, disposto a voltar àquela vida de solteiro, sabe? Sair com os amigos, voltar a experimentar aquelas bocas e, quem sabe?, encontrar um verdadeiro amor. Mas em algum momento – provavelmente num daqueles de meditação –, lembrei que aqueles mais velhos, que falavam sobre a crise, falavam também numa coisa mais ou menos assim: “o relacionamento sério é um trabalho árduo de conquista diária”. O fato é que minhas saídas com os amigos não renderam em nada. Sentia-me estranho em meio àquela banalização de sentimentos; sentia que uma saudade, mesmo que ainda tímida, tomava aos poucos meu coração.

Passados dois meses, eu constatei que aquela saudade, que então já me tomava todo o corpo e a mente, estava unicamente relacionada à Milena e aos nossos quatro anos de namoro. Fui atrás dela.

Chegando à casa de Milena, toquei a campainha. Ela abriu a porta e, sem dizer palavra, mais linda do que já era, me alcançou os lábios num beijo que marcou não apenas o nosso retorno, mas o início da fase mais linda de nosso namoro. Nos redescobrimos ao mesmo tempo em que descobrimos que nossas antigas descobertas foram apenas um aperitivo para as descobertas que estavam por vir.

Após os dois meses de “separação”, concluí que Milena ainda sentia por mim tudo o que sempre sentira. A monotonia da relação estava, na verdade, instalada na minha mente, e não na dela. Eu queria aquela novidade de quatro anos atrás, mas a merda é que eu não soube, no momento, entender que uma pessoa como Milena nunca se esgota em novidades; eu é que estava cansado em explorá-las.