segunda-feira, 31 de agosto de 2009

OPUS 1 - Trilha Sonora

Primeiramente, gostaria de agradecer a todos que acompanharam a série de contos “Opus 1”. Fiquei muito feliz com os scraps e comentários recebidos, os quais me fizeram crer que pelo menos parte do meu objetivo foi alcançada: fazer com que as pessoas se emocionassem com mais uma história de minha querida a Luana.

Somar aos textos de “Opus 1” uma trilha sonora foi a grande novidade dessa série. Essa ideia me pairava já fazia algum tempo. Mas foi somente nesse conto, tão relacionado à música clássica, que resolvi fazer o “teste”. E, pelo que me parece, deu certo!

Ficarei toda essa semana sem postar por aqui, mas disponibilizo – agora num download completo – a trilha sonora de “Opus 1”.

Um grande abraço e obrigado pela leitura de sempre!

01. Promenade / Gnomus – Mussorgsky
02. Cavalino Rampante – Malmsteen
03. Winter (1st Movement) – Vivaldi
04. Allegro Non Troppo (Concerto N.º 1) – Shostakovich
05. Moonlight (1st Movement) – Beethoven
06. Piano Sonate N.º 15 (2nd Movement) – Mozart
07. Ballade N.º 1: Op. 23 – Chopin
08. Dance Of The Adolescents – Stravinsky
09. Caprice N.º 4 In C Minor – Paganini
10. The Great Gate Of Kiev - Mussorgsky

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quinta-feira, 27 de agosto de 2009

OPUS 1 - Final



No dia seguinte, a casa de Luana era tomada pelo mais mórbido silêncio. A menina, que não dormira, permanecia na cama. “Não há motivos para me levantar daqui”, dizia a si mesma. Da cozinha, no andar de baixo, vinha o barulho dos talheres. Era Celeste servindo o café de Marcos e Patrícia. Já se passavam das dez horas, mas quem “acordaria” Luana?

- Marcos, por que você não sobe? Vá ver se está tudo bem com Luana – dizia Patrícia.
- Eu posso imaginar o estado de minha filha, Patrícia. Melhor não incomodá-la.
- Não se trata de incomodar, Marcos, mas de acolher. Ela precisa de nós nesse momento. Afinal, foi por conta disso que não fomos trabalhar hoje!
- Você tem razão. Vou até lá.

Marcos subia as escadas pensando no que dizer à Luana. Um “Está tudo bem, filha?” não seria nada acolhedor. Era lógico que não estava nada bem!

Bateu na porta:

- Luana?
- Oi.
- Não vai tomar café? – dizia Marcos achando ser a melhor frase.
- Não. Estou sem fome, papai.
- Eu posso entrar, filha?

Marcos esperava por um “um minuto” ou um “não”, já que a menina, fazia alguns meses, não mais trajava roupas de dormir na sua frente. “Minha menina mal cresceu e já vive experiência tão brutal”, pensava ele.

- Pode, papai.

Marcos estranhou, mas, ao abrir a porta, entendeu a resposta positiva de Luana; a menina ainda estava com a mesma roupa da noite anterior.

- Minha filha! Passou a noite em claro? Estás com a mesma roupa!
- Passei, papai!

Os olhos puxados da menina se mostravam ainda menores de tão inchados. O tórax, ainda úmido, dava sinais de um pranto longo e de término recente. Marcos concluía que a filha chorara por toda a noite passada.

- Papai, parece que estou começando a cair na real, sabe? O Rômulo se foi...
- Acalme-se, Luana.

Marcos sentava-se à beira da cama da filha e:

- Deixe-me lhe contar uma coisa, Luana: Rômulo foi um rapaz maravilhoso para você. Eu, como pai, vi o quão mais feliz você se tornou após a chegada dele. Patrícia e eu, em nossas conversas, imaginávamos vocês dois juntinhos para sempre. Sei que eram muito jovens, mas, não sei, tudo em vocês era muito sincero; muito inocente também, mas muito real. Foi uma experiência muito linda a que viveu com ele, não foi?
- Foi... Foi inesquecível, papai.
- Então! Tente guardar contigo, Luana, as lembranças boas que esse namoro lhe rendeu. Pense que o romance de vocês foi tão perfeito, digamos assim, que sequer deu chance para que o tempo o desgastasse.
- O sorriso dele não me sai da cabeça.
- Isso é bom, Luana. Lembre-se sempre desse sorriso.
- Sabe a que horas exatamente será o enterro, papai?
- Sim. Jânio me ligou mais cedo para dizer que o velório terá início às duas.
- Não sei se quero ir.
- Eu também prefiro que não vá, Luana. Mas é você quem decide, OK?
- Tudo bem.

* * *
Por volta de uma da tarde, Marcos e Patrícia terminavam de almoçar. Luana aparecia no pé da escada; vestia uma calça jeans escura, e um casaco xadrez. A menina não comera nada desde a noite anterior.

- Vou com vocês – dizia Luana.
- Tem certeza, Luana? – perguntava Marcos.
- Tenho, papai.
- OK. Patrícia e eu vamos nos aprontar.

* * *
Conforme combinado, lá estavam Marcos, Patrícia, Celeste – que fizera questão de comparecer, afinal gostava muito do rapaz – e Luana no velório de Rômulo.

Luana estava abatida e sem palavras. Parecia tudo ser uma grande brincadeira, um pesadelo, ou, talvez, um enterro mesmo, mas de uma outra pessoa, não de Rômulo. Ao avistar a urna, coberta por uma quantidade enorme de flores, Luana aperta com força o braço do pai. Naquele instante, sentiu-se fraca diante do fato. Marcos e Patrícia procuravam os pais do menino em meio aos outros familiares.

“Fora de órbita”, a menina sentia um toque nas costas e, ao virar lentamente o rosto, recebia os cumprimentos de Gisele, também prima de Rômulo, com quem tivera, havia cerca de um ano, diversas guerras. [vide O Natal de Luana, Gisele e Verdades de Luana].

- Eu sinto muito, Luana! Muito! – dizia Gisele.

As duas se abraçavam e, num misto de tristeza e perdão, choravam. Gisele se apresentava completamente curada de suas obsessões e problemas psicológicos. Mais calma, foi quem durante todo o velório se manteve abraçada com Luana. Uma cena quase impossível anteriormente.

A urna de Rômulo não permitia uma visão do rosto ou do corpo por parte dos presentes. Jânio explicava que o acidente tornara irreconhecível a face do rapaz. “...queremos ficar com a lembrança de um Rômulo feliz, alegre e sorridente, como ele sempre foi...”, dizia aquele pai choroso pouco antes de seguirem todos para o enterro.

- Você vem, Luana? – perguntava Marcos.
- Não. Não quero vê-lo sendo enterrado.
- OK. Patrícia ficará aqui com você, está bem?
- Não precisa. Eu queria ficar sozinha.
- Luana?
- Por favor, papai. Por favor, Patrícia.
- Está bem, filha. Não demoramos.

Luana se sentava no mesmo banco de concreto onde, anos atrás, sentara-se com Rômulo, no enterro de sua prima Arlete. Tudo vinha à tona. Chegou a sentir a presença de Rômulo ao seu lado. Lembrava-se das palavras trocadas naquele dia também chuvoso:

- Posso te dizer uma coisa? - perguntava Rômulo.
- Diga.
- Há muito não sinto vontade de ter alguém como sinto agora.
- O quê?
- Luana envergonhava-se, porém, demonstrava agrado ao ouvi-lo em tal afirmação.
- É sério. Luana, isso pode parecer esquisito, por conta de toda essa situação, mas eu já estou com saudades de você só de pensar que amanhã não lhe verei.
- Poxa, Rômulo. Não sei o que dizer. Eu...
- Não precisa dizer nada. Apenas contribua para o cessar dessa saudade.


Ela abaixava a cabeça quando:

- Luana? – dizia um senhor de voz mansa.

- Oi, senhor. Como sabe meu nome?
- Eu estava no velório, meu anjo. Eu me chamo Vicente.
- S. Vicente? O professor de piano de Rômulo?
- Exatamente.
- Ele me falava muito no senhor. O tinha como um ídolo.
- O Rômulo era um menino muito bom. Talentosíssimo.
- É...
- Bem. Eu tenho uma coisa aqui que eu acho que lhe pertence.
- O que é?
- Isto!

Vicente lhe entregava um CD.

- O que tem nesse CD?
- Poucos minutos antes de falecer, Luana, Rômulo esteve lá em casa.
- Sim, eu soube.
- Então! Lá, ele me mostrou uma peça para piano que fora composta inspirada em ti. E – como faço sempre que meus alunos me mostram uma composição original – eu gravei sua execução numa fita cassete sem que Rômulo soubesse; a fim de mostrá-lo mais tarde, quando a composição já se mostrasse pronta.
- Não me diga que...
- Sim! Nesse CD está registrado três dos quatro movimentos do que seria “Luana - Op.1”.
- Meu Deus, S. Vicente! Não sei o que dizer! Muito obrigada!
- A gravação não está das melhores, por conta do cassete, mas...

* * *
À noite, em seu quarto, Luana colocava o CD para tocar. A peça começava exatamente como Rômulo a mostrara na noite do sequestro; uma melodia linda e alegre. O segundo movimento trazia notas fortes e tensas, que faziam Luana lembrar justamente da ação dos sequestradores. O terceiro movimento voltava, de maneira mais sutil, à melodia do primeiro. Dessa vez, era a união do casal chegando ao ponto mais extremo daquele amor o que vinha à mente da menina.

Antes de começar o quarto movimento, ouve-se na gravação a voz de Rômulo dizendo “esse movimento eu ainda não terminei, S. Vicente, mas será mais ou menos assim...”.

O que sucedia era uma melodia ainda mais rica e feliz, porém, logo interrompida pela voz do rapaz, que dizia “...é isso. Ainda falta terminar esse último movimento. O que achou, S. Vicente?”.

Com os olhos em lágrimas, Luana prendia o cabelo num elástico e abria a janela de seu quarto. Num pensamento saudoso e ao mesmo tempo reflexivo, a menina comparava aquela obra inacabada à própria vida de Rômulo; à sua própria vida ao lado dele: ambas interrompidas, talvez, em seus melhores momentos.

O vento forte, então, fazia com que adentrasse ao quarto de Luana, pela janela, uma folha avermelhada, que logo tratou de pousar entre a gola do casaco e a nuca da menina. Um prazeroso arrepio se fez presente; sucessivamente, um suspiro:

- Rômulo...

[Fim]

* * *
Foto da Capa: Ana Claudia Temerozo.
Trilha Sonora: The Great Gate Of Kiev – Modest Mussorgsky.
Mais histórias sobre Luana em:
LUANA, DUAS, O NATAL DE LUANA, GISELE, JANEIRO MEU, VERDADES DE LUANA e MINHA PRIMA LUANA.

OPUS 1 - Parte 9



Já era noite quando o telefone da casa de Luana soou. Celeste, já pronta para ir embora, ainda fez questão de atendê-lo. “Pode deixar, S. Marcos”, disse ela. Era o pai de Rômulo a fim de falar com Marcos. A empregada sentiu que Jânio trazia certo desespero no falar; pressentia que aquele telefonema não traria boa notícia. Celeste, curiosa, fingia checar algo na cozinha, esperando, assim, Marcos terminar a ligação.

“Meu Deus do céu!”, dizia Marcos com a mão na testa. O tom de sua fala atraia a atenção de Patrícia, que rapidamente ia do quarto para a sala.

- O que houve, Celeste? – perguntava Patrícia.
- Não sei, D. Patrícia. Sei que é o pai de Rômulo quem está no telefone.

Patrícia, vendo os olhos de Marcos se encherem de lágrimas, preparava-se para as piores das notícias. Celeste, diante disso, aguardava, agora sem disfarce algum, o que Marcos teria para contar.

Marcos desligava o telefone. Seu pranto vinha como uma avalanche. Patrícia chegava até o marido e, ainda sem saber o porquê de tal desespero, tentava acalmá-lo.

- Acalme-se, Marcos. O que houve?
- Rômulo, Patrícia! Você não vai acreditar! O garoto foi atropelado e...
- E o quê, meu Deus!
- Morreu na hora, Patrícia! Morreu!

Celeste se sentava em uma das cadeiras da cozinha e, de um jeito muito sutil, chorou. Patrícia e Marcos estavam agora mergulhados em um único pranto.

Luana, no segundo andar, em seu quarto, dedilhava seu violão, enquanto Mimi, como sempre, permanecia deitada sobre a cômoda; numa tristeza fora do comum, a gata olhava para a rua através da janela.

A menina pode ouvir um soluçar que vinha da sala. Não soube distinguir de quem, mas havia a certeza do pranto alheio. Então, largou o violão e desceu correndo.

Diante de Celeste, Marcos e Patrícia às lágrimas, Luana, sem ao menos imaginar os minutos futuros, perguntou:

- O que aconteceu, gente?

Os três se olharam e tiveram a sensação de seus desesperos aumentarem ao cubo. Quem daria tal notícia à Luana? Marcos lembrava-se das últimas frases de Jânio ao telefone: “Por favor, Marcos, dê você essa notícia à Luana. Terás mais tato que eu”. O pai de Luana se via na obrigação de tal atrocidade. Patrícia era a madrasta; Celeste a empregada. Sobrara para ele, como pai, a difícil tarefa de desmontar todo o castelo da filha.

- Luana, minha filha, sente-se aqui – dizia Marcos.

A menina, em passadas lentas, seguia até o sofá.

- O que houve, papai?
- Filha, me promete que será forte?
- Está me deixando preocupada, papai! O que houve?
- Uma tragédia, Luana.

Nesse momento, Patrícia teve suas lágrimas somadas a soluços ainda maiores e, por conta disso, correu para o seu quarto. Não queria presenciar aquele informe catastrófico. Luana observava a fuga de Patrícia e:

- Tragédia com quem, papai? Fale!

Marcos, depois de pausar choro e fala, num único suspiro:

- Rômulo, filha.
- O QUÊ?
- Jânio me ligou agora me dizendo que ele foi atropelado. É tudo o que sei...
- NÃO PODE SER, PAPAI! – gritava Luana – ERA O S. JÂNIO MESMO? NÃO ERA UM TROTE? PODEM SER OS SEQUESTRADORES! OUTROS SEQUESTRADORES, PAPAI! ELES ESTÃO QUERENDO NOS DESESTRUTURAR!

Luana perdia a noção de lógica; sentia-se como se a mente e o corpo estivessem anestesiados. Não conseguia aceitar tal notícia.

- Filha...
- NÃO ERA O S. JÂNIO! RÔMULO NÃO MORREU, PAPAI! ELE ESTÁ EM CASA! VAMOS LIGAR PARA ELE, PAPAI!

Celeste chorava ainda mais diante do desespero de Luana.

- Filha...
- ELE NÃO MORREU, PAPAI! NÃO... MORREU... NÃO... MORREU...
- Fique calma, Luana – dizia Marcos abraçando-a.

Celeste preparava um copo de água com açúcar para a menina, que derramava um pranto feroz sobre o peito do pai.

Marcos a abraçava como que numa vontade de fazê-la sumir em seu corpo, pelo menos por alguns dias. Sumir daquela situação. A filha mal se recuperara de um sequestro e já tinha de encarar a morte trágica de um amor tão significativo.

* * *
Minutos depois, um pouco mais calma, Luana dizia:

- Eu quero vê-lo, papai! Quero ver o Rômulo!
- Filha, ele será sepultado amanhã à tarde e...
- Não quero esperar até amanhã, papai! Quero vê-lo! Saber o que houve, quando, como!
- Jânio só me disse que ele foi atropelado por um ônibus quando vinha da aula de piano, Luana. Eu não sei se conseguirá vê-lo. Depende do estado como ele... ficou...

Luana voltava a chorar e:

- Podemos ir até a casa dos pais dele?
- É mesmo isso o que você quer, Luana? Por que não descansa para amanhã? Os pais dele estarão lá e...
- Tudo bem... Será em que cemitério, papai? Você já sabe?
- Provavelmente no mesmo em que enterramos minha prima Arlete, filha [vide DUAS – Parte 4 – Má Notícia]. Você se lembra?
- Como esqueceria? Foi lá onde conheci Rômulo, papai [vide DUAS – Parte 5 – Tudo Ao Mesmo Tempo].

Luana jamais esqueceria aquela capela e aquele banco de concreto onde se deixara levar apaixonadamente por palavras que culminaram com um beijo; o seu primeiro beijo.

Por mais que a menina já até perguntasse ao pai sobre detalhes do sepultamento, por dentro, ainda não acreditava que não teria mais o carinho de Rômulo. Por momentos chegou até a pensar que tudo aquilo se tratava de uma tristeza que se findaria na sexta-feira, quando Rômulo cruzasse o portão de sua casa. Demoraria até Luana entender que justamente a ausência permanente de seu amor era a causa de seu presente penar.

[Continua]

* * *
Foto da Capa: Ana Claudia Temerozo.
Trilha Sonora: Caprice N.º 4 In C Minor – Paganini.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

OPUS 1 - Parte 8



Na tarde do dia seguinte, Rômulo chegava à casa de seu professor de piano; um velhinho chamado Vicente. O rapaz tinha enorme orgulho de poder estudar com um dos mais competentes pianistas do país. Vicente já se apresentara nos mais importantes teatros do mundo, mas com o peso de seus oitenta e cinco anos, se dedicava então apenas ao ofício de mestre.

Vicente era um senhor de estatura baixa, cabelos brancos como algodão, olhos verdes e de fala bem mansa. Era mundialmente conhecido como Vicente Lago. Quando se sentava ao piano, não havia quem não se emocionasse com suas composições e interpretações. Usava sempre um número mínimo de notas, que, cuidadosamente pensadas, valiam mais do que milhares delas em outras mãos.

- Olá, Rômulo. Entre. – dizia Vicente.
- Tudo bom, S. Vicente?
- Tudo sim. Fiquei sabendo da confusão em sua casa, meu filho.
- Pois é.
- Li no jornal. O mundo anda muito violento, meu Deus...
- É, mas, graças a Deus, tudo acabou bem.
- Nem tudo, não é, meu filho? Aqueles sequestradores perderam a vida...
- É... Eu também lamento por eles, apesar de tudo, mas eram eles ou todos ali. A situação estava bem complicada.
- Eu posso imaginar. Bom, acredito que não tenha tido cabeça para estudar, não é?
- Para estudar não, mas compus algumas coisas, S. Vicente.
- Que maravilha! Até que enfim, Rômulo!

Vicente sempre incentivou o aluno a compor, já que sentia naquele rapaz um grandioso talento. Porém, Rômulo, quando compunha algo, ou não mostrava a Vicente, ou simplesmente rasgava as partituras após algumas semanas.

- Bem – continuava Vicente –, mostre-me primeiro o que você compôs. Depois eu lhe dou uma boa notícia.
- Ah? OK! – respondia um Rômulo curioso.

* * *
Luana conversava na cozinha com Celeste, que preparava um delicioso bolo de chocolate para o lanche. As duas papeavam sobre coisas sem importância. É que Celeste, a pedido de Marcos e Patrícia, evitava tocar no assunto do sequestro. Aquele episódio de terror, segundo eles, deveria ser esquecido por Luana o mais breve possível. Mas a menina, após alguns segundos de silêncio de ambas, perguntava:

- Celeste, o que você achou daquilo tudo?
- Daquilo tudo o quê?
- Do sequestro!
- Ah, Luana, já passou. Vamos mudar de assunto, pode ser?
- Mas é que...
- Você precisa esquecer isso, meu anjo. Sei que ainda está impressionada com tudo aquilo, mas a vida segue! Afinal, você correu sérios riscos ali, mas está aqui, vivinha!
- Sim, mas... Os policiais precisavam mesmo ter executado aqueles bandidos?
- A Polícia sabe o que faz, minha filha. Isso é um problema deles. Você não tem culpa alguma na morte daqueles rapazes.
- Eu sei, mas me sinto como tivesse.
- Mas não tem! E vamos mudar de assunto? Rômulo! Fale sobre o seu namoro, meu anjo! Nunca mais me contou sobre. Eu gosto de saber. – dizia Celeste a sorrir, a fim de quebrar o clima.
- Está bem, Celeste! Está bem! O Rômulo... Ai, o Rômulo, Celeste! Eu estou completamente entregue, entende? Estou nas mãos desse garoto!
- Ah!? Vá com calma, Luana! Com calma!
- Como assim? Estou apaixonada, Celeste! Quando digo que estou “entregue”, quero dizer...
- Quer dizer “entregue”, ora! Foi o que disse! E o foi o que quis dizer, Luana! Só que você precisa entender que, na sua idade, as coisas, às vezes, fogem de nosso controle. Está me entendendo onde quero chegar?
- Entendo. Fora de controle. É como eu me sinto quando...
- Quando?
- Quando ele me beija a nuca, Celeste! – dizia Luana ligeiramente encabulada.
- Ih... Já vi tudo... Vá com calma, minha filha! Com calma!

* * *
Vicente ouvia com atenção a composição inacabada de Rômulo. Foram ao todo três movimentos completos e um quarto por terminar. O professor ficava maravilhado com a carga sentimental presente naquelas melodias. Por diversas vezes sorriu silenciosamente a fim de não atrapalhar a execução do aluno.

- ...e é isso – dizia Rômulo – Ainda falta terminar esse último movimento. O que achou, S. Vicente?
- Estou muito emocionado, Rômulo! Sabia que era capaz de compor, mas não fazia ideia do quanto! Essa obra está linda, meu filho!
- Obrigado, S. Vicente!
- Trata-se de sua primeira obra, pelo visto!
- Mais ou menos. Eu já compus algumas valsas, mas não registrei nenhuma delas. Eram horríveis, para falar a verdade – Rômulo ria de si.
- E essa maravilha que acabou de me mostrar já tem nome?
- Tem sim. “Luana”.
- Hum... Sua namorada?
- Sim.
- Muito bom. Na sua idade, eu também compus algumas coisas inspiradas em uma namoradinha que tive.

Eles riam.

- Mas, S. Vicente, que boa notícia era aquela que tinhas para mim?
- Ah, sim, ia me esquecendo! É que, na semana passada, recebi esta carta! Trata-se de um convite para o XXI Concurso de Piano Clássico Johann Sebastian Bach, no qual há várias categorias; entre elas, “composições originais”. Que tal?
- Nossa! Acha que tenho chance?
- Lógico! Por que estaria lhe contando isso?
- Mas minha obra ainda não está pronta...
- Ainda não está! Mas estará! Você tem até o início do mês que vem para inscrevê-la! O que acha?
- S. Vicente – dizia Rômulo a catar suas partituras –, preciso ir!
- Que pressa é essa, meu filho!
- Preciso terminar essa composição já!
- Isso é um “sim”, então?
- É um “claro que sim”, S. Vicente!
- Fico feliz!

Rômulo saía da casa de Vicente a passos largos, que logo davam lugar a uma ansiosa corrida. O rapaz, em alta velocidade, sorria, pois, em sua mente, logo surgiam algumas melodias que concluiriam o movimento inacabado de sua obra. Rômulo era um misto de alegrias; tudo vinha como um emaranhado de sentimentos e lembranças. Luana, o concurso, as novas melodias, as folhas que voavam lhe abrindo caminho para sua corrida.

Ao dobrar uma esquina, pendurava-se com a mão desocupada em uma placa de trânsito e, antes de completar a curva, dava umas duas voltas ao redor do poste. Algumas partituras se soltavam da outra mão, mas Rômulo apenas sorria diante da bagunça que provocara. Sem parar de sorrir, catava pela calçada e pela rua as suas pautas. Uma menina que passava resolvia ajudá-lo e:

- Menino – dizia a jovem a catar as partituras –, o que te faz tão feliz? Suas folhas estão todas voando!
- Tudo! Nesse momento, tudo me faz feliz! – respondia Rômulo num sorriso que encantava a menina.

Foi quando um dos seus escritos voou para o meio da rua. Rômulo, num êxtase musical, corria até lá. O sorriso encantado da menina que o ajudava dava lugar a um grito agudo que rasgava a tarde fria:

- CUIDADO!

Era tarde. Um ônibus que vinha em alta velocidade acertava Rômulo em cheio. Seu corpo, já sem vida, voava por metros até rolar por vezes sobre aquele asfalto. Findavam ali um sonho, um amor, uma felicidade e uma obra que resumiria tudo isso.

[Continua]

* * *
Foto da Capa: Ana Claudia Temerozo.
Trilha Sonora:
Dance Of The Adolescents – Stravinsky.
Mais histórias sobre Luana em:
LUANA, DUAS, O NATAL DE LUANA, GISELE, JANEIRO MEU, VERDADES DE LUANA e MINHA PRIMA LUANA.

OPUS 1 - Parte 7



Durante aquela tarde, depois de quase implorar a Marcos, Rômulo pôde ficar algumas horas ao lado de Luana. A menina deitava-se no sofá da sala e, fazendo das pernas do namorado um confortável travesseiro, assistia a monotonia da TV. O rapaz, vivendo o ápice daquele amor, apenas a observava e a acariciava o rosto. Na verdade ainda não acreditara que tudo estava bem novamente.

O telefone tocava e Celeste, naquele caminhar preguiçoso como aquela tarde fria, o atendia.

- Alô!
- Celeste? É a Giovanna! Tudo bom?
- Oi, menina! Tudo bem, sim, e você?
- Também! A Luana está?
- Ela está deitada.
- Dormindo?
- Não, não. Descansando. Espere aí.

Antes que Celeste dissesse algo:

- É Giovanna? – dizia Luana.
- É sim, minha filha.
- Eu atendo!

Celeste passava o telefone para Luana e voltava para a cozinha.

- Oi, Giovanna, tudo bom?
- Sim, e você?
- Sim! Pelo menos agora.
- Por que “pelo menos agora”? Aconteceu algo? Não te vi nesse final de semana.
- Pois é, Giovanna. Você não vai acreditar no que aconteceu no domingo...

Luana contava todo o ocorrido à amiga. Giovanna se espantava a cada frase. Não conseguia acreditar que de fato ocorrera tudo aquilo.

- ...e foi isso, Giovanna.
- Meu Deus! E como você está agora, Luana?
- Bem. Só precisando descansar um pouco. Rômulo está aqui comigo.
- Novidade... – dizia Giovanna sorrindo.
- Foi à escola hoje?
- Fui sim. Não te vi por lá, por isso te liguei. À noite lhe faço uma visita, pode ser?
- Deve!
- OK!

* * *
Mais para o fim da tarde, Rômulo se despedia de Luana. Um aperto no coração do rapaz o fazia abraçá-la como se jamais fosse a ver novamente.

- Fica bem, meu amor! – dizia ele.
- Impossível!
- Por quê?
- Sem você não fico bem!
- Diga isso ao seu pai... – ele ria.
- Pois é... Você vem amanhã?
- Seu pai não vai gostar... Lembra da regra? Só nos fins de semana!
- Eu sei, mas é um caso especial. Eu preciso de cuidados.
- Sei... Espertinha! Deixe-me ir. Eu te ligo!
- Espere eu te ligar, pode ser? Giovanna vem aqui mais tarde.
- Ah, sim, é mesmo! Então, eu espero!

Luana, ainda deitada sobre o sofá, recebia de Rômulo um beijo de despedida. Beijo esse que o rapaz fazia questão de caprichar, pois sabia que Luana, após um beijo como aquele e o ausentar do namorado, ia às nuvens; e assim ela ficava por horas.

Já por volta de oito da noite, Giovanna chegava à casa de Luana. As amigas se abraçaram por quase um minuto. Celeste, que presenciava a cena, sorria diante de amizade tão sólida. Marcos e Patrícia saíam do quarto para cumprimentar a menina, que era praticamente a única amiga de Luana e, por isso, muito querida naquela casa.

Luana subia com Giovanna para o seu quarto. Mimi ia atrás, como sempre.

- Que bom que veio me ver, Giovanna. Precisava mesmo te contar uma coisa.
- Mas não me contou tudo ao telefone? Aconteceu mais alguma coisa?
- Não “aconteceu”, mas “está acontecendo”.
- O que foi?
- Estou me sentindo muito estranha depois disso tudo.
- Como assim?
- Eu estou me sentindo muito culpada pela morte dos sequestradores.
- Mas...
- Eu sei, eu sei! Eles podiam ter matado a mim e a todos naquela casa, mas...
- Mas?
- Mas não mataram! E morreram! Faz ideia? Morreram! Foram exterminados!
- Mas, Luana, entenda o lado daqueles policiais! Eles tinham de salvar vocês! Os criminosos eram eles!
- Eu tenho noção de tudo isso, Giovanna, mas me dói muito saber que eles foram mortos.
- Olha o que eles fizeram na sua cabeça, Luana! Isso não te revolta?
- Um pouco, sim, mas eu estou aqui, viva!
- Porque merece!
- E eles não mereciam?
- Não, ora! Eram criminosos! Eles a matariam se fosse preciso. Tem dúvida disso?
- Não... Pior é que não tenho.
- Então!

Luana baixava a cabeça e em seguida olhava, pela janela de seu quarto, o vento que balançava as árvores e anunciava mais chuva. Os dias cinzas, que sempre lhe trouxeram tantos sentimentos bons, eram associados, a partir de então, àquele episódio de medo na casa de Rômulo. Luana nunca desejara tanto o fim de uma frente fria.

Rômulo quebrava o silêncio de sua casa com suas notas musicais. Decidia que se dedicaria por inteiro à composição daquela obra para piano. Alguns movimentos já estavam prontos e, naquele momento, o rapaz começava a criação da parte que expressaria o sofrimento de Luana naquele sequestro. Eram melodias melancólicas, mas não menos lindas que as das outras partes da obra. De certa forma aquele piano cheio de vida ajudava a trazer de volta a alegria em sua casa. Jânio e Lúcia apreciavam em silêncio da cozinha.

- Mas me diga! E você e o Rômulo? – perguntava Giovanna – Isso deve ter os unido ainda mais, não?
- E como... Pouco antes dos sequestradores chegarem, Rômulo estava me mostrando uma peça para piano que ele está compondo inspirado em mim, Giovanna! Dá para acreditar nisso?
- Jura?!
- O movimento que mostrou é tão lindo... A mais linda das melodias, amiga!
- Ai, Luana, sem inveja! No bom sentido! Rômulo parece um rapaz raro, não? Acha mesmo que exista outro igual?
- Imagina! Deus rasgou a receita!

As duas riam. Era a tentativa de Giovanna fazer Luana esquecer, pelo menos aos poucos, dos momentos do domingo. Aquele papo gostoso entre amigas se prolongaria aos risos até bem tarde da noite.

Lá de baixo, na sala, Marcos e Patrícia ouviam as gargalhadas das duas.

- Luana e Giovanna são inseparáveis! Isso é incrível! – dizia Patrícia.
- É. Gosto dessa menina. É uma ótima amizade para Luana.
- E é a única, Marcos. Você sabia?
- Eu imaginava. Mas por que Luana possui apenas uma única amiga, Patrícia? Por que não pode ser como todas as outras?
- Não posso afirmar o motivo, Marcos, mas o que vejo é que Luana não é menos feliz por conta disso. Todos precisamos de amigos. Luana também precisará. E, acredite, ela saberá a hora exata para isso.
- Eu espero que sim, Patrícia. Espero que sim.

[Continua]

* * *
Foto da Capa: Ana Claudia Temerozo.
Trilha Sonora: Ballade N.º 1 - Op. 23 – Chopin.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

OPUS 1 - Parte 6



A segunda-feira amanhecia sob nuvens ainda mais negras que o dia anterior. A chuva continuava a cair, ora forte, ora fraca. Ninguém naquela noite dormira na casa de Rômulo. Embora todos ali estivessem vivos, aquela família ainda se mantinha bastante assustada. Os outros familiares ficaram por lá até o dia amanhecer.

Rômulo ligara para Marcos pelo menos umas dez vezes, a fim de saber notícias de Luana. E por mais que ouvisse do pai da menina que estava tudo bem, Rômulo ligava de novo e de novo e de novo...

- Rômulo – dizia Marcos na última ligação –, fique tranquilo, por favor. Luana logo acordará e em breve estará liberada pelos médicos. Está tudo bem! Acredite rapaz!
- Quero ir até aí! Quero vê-la!
- Não é aconselhável, Rômulo. Não agora. Ela precisa descansar. Logo vocês se verão, OK?
- Tudo bem, primo Marcos.

Por volta de onze da manhã, Luana recebia alta do Dr. Fernando. Marcos e Patrícia, que mais pareciam um casal de zumbis, sorriam aliviados ao saber que levariam a menina para casa. Luana, já mais esperta, abraçava Marcos e Patrícia com força no corredor do hospital.

- Está tudo bem agora, Luana – dizia Marcos – Vamos para casa, tomar um bom banho e descansar!
- Onde está Rômulo?
- Eu achei melhor ele não vir, filha.
- Mas queria tanto vê-lo!
- Posso imaginar o quanto, Luana, mas terá todo o tempo do mundo para vê-lo.
- Sim...

Pelo caminho, mas uma ligação de Rômulo para Marcos.

- Diga, Rômulo!
- Ela já recebeu alta, primo?
- Já. Estamos indo para casa.
- Eu encontro vocês lá, pode ser?
- Pode sim, mas me prometa que vai deixá-la dormir, OK?
- Prometo.

Celeste, a empregada da família de Luana esperava por eles no portão sem saber o que ocorrera, mas ao ver Luana com a cabeça enfaixada, aquela senhora, tomada por um sentimento quase que materno, largava o guarda-chuva no chão e corria para os braços da menina. “Meu anjinho! O que aconteceu, meu Deus?”, dizia Celeste.

- É uma longa história, Celeste – dizia Marcos – Mas está tudo bem, graças a Deus. Não tive como te contar antes, me desculpe essa espera toda.
- Não tem problema, mas me conte o que houve, homem de Deus!
- Assim que pudermos. No momento precisamos é de um bom banho e de uma boa comida.

Luana entrava em casa e ia direto abraçar Mimi, que miava alto de tanta saudade. Passava os olhos pela casa e, repentinamente, Luana tinha a noção de que por muito pouco não perdera a oportunidade de viver a alegria que era estar em casa, com sua família. Lembrava-se da voz de “Um”. Sentia-se como se nascesse novamente; suspirava aliviada.

* * *
Patrícia adiantava o ocorrido e ajudava Celeste com a comida e a mesa enquanto Marcos telefonava a fim de passar as ordens do dia aos seus funcionários dos supermercados.

Luana, no andar de cima, tomava um longo banho. Com cuidado para não molhar o curativo na testa, Luana ensaboava todo o corpo lentamente. Pensava muito em tudo o que ocorrera na noite anterior, mas sem tirar da cabeça uma melodia agora muito familiar: o primeiro movimento da obra que Rômulo compunha e mostrara a ela momentos antes do sequestro. Era uma melodia linda. Embalava aquele banho repleto de lembranças boas e ruins daquele domingo.

Luana se lembrava dos beijos de Rômulo em sua nuca, porém, lembrava-se também da violência com que teve seus cabelos puxados por aquele seqüestrador. Lembrava-se da chuva que levemente umedecia os sentimentos tão à flor da pele daquele frio fim de tarde. Deixava-se banhar pelas águas quentes do chuveiro, que se misturavam com as lágrimas que nasciam mudas de seus olhinhos puxados.

A melodia do piano de Rômulo tornava-se mais presente na mente de Luana à medida que lembrança lhe presenteava com mais alguns compassos. “Rômulo...”, sussurrava Luana ao sentir o corpo arder com o calor daquelas águas. Tudo o que mais queria era sentir novamente aquele beijo interrompido por armas e agressões. Luana sentia como se parte dela estivesse ausente, porém, a caminho.

Luana vestia um conjunto de moletom azul claro, calçava sua sandália e descia para o almoço.

Já na metade da escada, Luana pôde ver à mesa Patrícia, Marcos e, para sua inquietante e silenciosa loucura, Rômulo.

- Você está aí! Nem o ouvi chegar, meu... – dizia Luana, que tinha seu corpo abraçado por um Rômulo quase que doente de saudade, logo ao fim da escada.
- Como você está, meu amor?
- Bem! Muito melhor agora, Rômulo! Ai, me abraça forte!

O jovem casal evitava o beijo frente aos pais de ambos, sempre. Mas o abraço já dizia por si só. Marcos ficava sem graça diante da cena e, talvez, até um pouco enciumado. Patrícia e Celeste sorriam comovidas.

Durante o almoço, Luana se mostrou bem animada e, embora Marcos e Patrícia quisessem evitar, ela mesma puxava assunto sobre o sequestro – para alívio de todos, na verdade, já que morriam de curiosidade para saber o que de fato ocorrera naquele banheiro.

- ...foi quando aquele homem me pegou pelo cabelo e me levou para o banheiro. Ele abriu a porta e me jogou com força no chão. Eu bati com a testa no vaso sanitário e comecei a sangrar. Fiquei meio zonza e vi tudo “escurecendo”. Então ele falou alguma coisa comigo, levantou a minha cabeça e bateu de leve no meu rosto para ver se eu acordava. Eu fechei um pouco os olhos, mas cheguei a ver que ele ainda checou a minha pulsação, me deitou sobre uma toalha de banho e, com uma outra toalha, me cobriu. Com papel higiênico, ele enrolou a minha cabeça, acho que para estancar o sangue, não sei. Depois disso, não me lembro de mais de nada. Tudo foi apagando aos poucos. Pensei que estava morrendo.

Todos à mesa pareciam pensar na mesma coisa: aquele sequestrador, apesar de tudo, ainda tivera certo cuidado com Luana. A menina continuava:

- Tenho medo que eles voltem, Rômulo.
- Não vão voltar, Luana.
- Como tem tanta certeza?
- Porque eles estão mortos. Todos eles. A Polícia os matou.
- Meu Deus!
- Vamos mudar de assunto, gente? – pedia Marcos.

O silêncio tomava conta da refeição.

Luana abaixava seu garfo ainda com comida e, boquiaberta, olhava para o nada. Um fio de lágrima corria seu rosto até cair sobre o arroz de seu prato.

Chorava porque dentro de si um conflito enorme entre a felicidade de ter saído viva e as imagens de que sua própria mente criava em relação à morte daqueles sequestradores se fazia presente de modo assustador. O piso, o piano, o sofá e tudo aquilo que testemunhara o amor pleno e inocente de Rômulo e Luana fora também um cenário sangrento.

[Continua]

* * *
Foto da Capa: Ana Claudia Temerozo.
Trilha Sonora: Piano Sonata N.º 15 (2nd Movement)
– Mozart.
Mais histórias sobre Luana em:
LUANA, DUAS, O NATAL DE LUANA, GISELE, JANEIRO MEU, VERDADES DE LUANA e MINHA PRIMA LUANA.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

OPUS 1 - Parte 5



Luana estava agora em boas mãos. O Dr. Fernando era um médico muito competente. Seus mais de trinta anos de experiência deixavam Marcos e Patrícia um pouco mais tranquilos em relação à saúde da menina. Aquele senhor de óculos e barba grisalha bem feita passava imediatamente uma sensação de atenção e seriedade para com aquela profissão.

O casal aguardava no hall do hospital quando recebeu telefonema de um familiar de Marcos com a notícia de que o sequestro terminara.

- E então? O que houve? – perguntava Patrícia a Marcos.
- Acabou. Parece que a Polícia executou os sequestradores e...
- E Rômulo? Jânio, Lúcia... Estão bem?
- Sim... Estão todos bem... Graças a Deus! Só Luana que...
- Pare com isso, Marcos! Luana ficará bem também! Você vai ver! Aquilo foi só um corte, ora! Ela perdeu sangue, mas pensemos positivo!
- Fico pensando se um daqueles monstros fez mal a ela? Entende o que quero dizer?
- Estupro?
- É... Não sei o que pensar...
- O médico vai nos dizer, Marcos. Mas, por favor, não se acabe antes da hora!

O Dr. Fernando apontava no fim daquele longo corredor. Marcos se levantava e ia, a passos largos, ao encontro do médico.

- Doutor! Minha filha! Ela está bem? – perguntava Marcos já com os olhos cheios de lágrimas.

O Dr. Fernando ajeitou os seus óculos com toda aquela sua calma, pôs a mão sobre o ombro de Marcos e disse:

- Ela já está acordada!
- Que notícia ótima, doutor! E como ela está? Onde ela está? Quero vê-la!
- OK! Venham comigo.

O Dr. Fernando, durante o trajeto pelos corredores daquele hospital até o leito de Luana, explicava tudo o que ocorrera:

- Um sequestro, não foi? – Perguntava o médico.
- Sim, doutor! – dizia Marcos.
- Então, senhor, a sua filha estava apenas desmaiada por conta da pancada na cabeça. Ainda não conversei com ela e aconselho vocês a também não tocarem no assunto por enquanto. Ela precisa descansar e logo estará liberada.
- Mas, Doutor, foi somente a pancada? Os bandidos a trancaram no banheiro! Tenho medo que eles tenham...
- Não, não... Fique tranquilo. Sabendo da situação, já tomei a liberdade de pedir que a examinassem com esse intuito. Não houve nenhum tipo violência, nada disso. Foi só o corte mesmo. Ela já está com os pontos e um curativo.
- Fico mais tranquilo.
- Imagino.

Chegando ao leito de Luana, Marcos e Patrícia a viam abrir os olhos lentamente. “Papai...”, sussurrava a menina. “Estou aqui, filha. Descanse”, dizia Marcos, que logo pôs suas mãos nas de Luana.

Marcos acariciava o rosto da filha enquanto Patrícia, num pranto de felicidade, beijava aquela cabeça enfaixada. Luana, ainda sob efeito dos sedativos, voltava a sussurrar; perguntava por Rômulo.

- Descanse, filha. Está tudo bem, OK? Estão todos bem... – dizia Marcos à filha.
- Ele... vem... me... ver?
- Sim, claro que vem, minha filha!
- Eu... quero... vê-lo...
- E verá, mas agora você precisa descansar, OK?
- Está... bem...

Luana fechava os olhos. A menina parecia esperar apenas pela notícia de que todos estavam bem para mergulhar naquele sono induzido. Marcos e Patrícia zelavam como dois anjos.

- Vou deixá-los um pouco com ela – dizia o Dr. Fernando –, mas depois terão de sair, OK?
- Tudo bem, doutor! Obrigado por tudo!
- Não me agradeça, por favor. Fiquem bem.

Rômulo via assustado os corpos dos sequestradores serem retirados de sua casa. Ainda não assimilava tudo que ocorrera naquela noite, mas tinha em mente uma única certeza: precisava ver Luana o mais rápido possível. Seus pais eram acalmados pelo restante da família enquanto ele, dando passos em volta do piano, era tomado por um desespero sem tamanho. Um calor em seu corpo o consumia e rasgava rapidamente o frio daquela noite de inverno.

Sem saber exatamente o que fazia, Rômulo sentava-se ao piano e começava a tocar feito um louco. Os policiais que ainda andavam pela casa se calavam para ouvir os sons produzidos pelo rapaz. Os familiares achavam estar diante de um surto e se preparavam para tirá-lo do piano e acalmá-lo. Mas, a pedido de Jânio, o deixavam tocar.

- É o que ele mais gosta de fazer – dizia Jânio – E se ele está fazendo agora é porque precisa. Conheço meu filho.

Rômulo, tomado por um sentimento indescritível, tocou, por mais de dez minutos, melodias inéditas até para ele mesmo. Eram notas pesadas e rápidas; uma mistura ora harmonicamente bela, ora incompreensível entre sons graves e agudos.

Ao fim do último compasso, Rômulo acertava as teclas mais graves com o cotovelo, finalizando assim, intuitivamente, mais um movimento da obra que compunha inspirada em Luana.

Todos ali na casa, mesmo em meio a um cenário de morte e terror, ficavam boquiabertos diante do incrível fato de Rômulo conseguir se excluir do mundo enquanto compunha ou executava uma obra.

Rômulo se debruçava sobre o piano, fechava os olhos e dizia para si mesmo:

- Eu te amo tanto, Luana...

Naquele mesmo momento, no hospital, Marcos e Patrícia presenciavam um sussurrar de Luana ainda em sono profundo:

- Eu também te amo, Rômulo...

Marcos e Patrícia sorriam um para o outro.

[Continua]

* * *
Foto da Capa: Ana Claudia Temerozo.
Trilha Sonora: Moonlight (1st Movement) – Beethoven.

OPUS 1 - Parte 4



Marcos e Patrícia não conseguiam sequer pensar na perigosa situação em que Rômulo e seus pais se encontravam. A incerteza do real estado de Luana tomava todos os pensamentos do casal. Marcos tinha vontade de invadir aquele banheiro e trazer sua filha em braços seguros, mas, infelizmente, pelo menos naquele momento, a dolorosa espera era a sua única alternativa.

O comandante da operação caminhava para lá e para cá. Sabendo que se tratava de quatro loucos e que a situação poderia trazer um fim trágico àquela família, ele instruía os atiradores de elite nos fundos do quarteirão ao lado – a fim de que aquela ação não chegasse ao conhecimento dos sequestradores e muito menos da imprensa. Aquele policial tinha plena confiança naqueles atiradores. Muito experiente, tinha “carta branca” para agir nesses casos.

Enquanto isso, numa tentativa de acalmar a situação dentro da casa, o negociador, já encharcado de tanta chuva, conversava com “Um”.

Depois de muito conversar, o negociador conseguia convencer “Um” a entregar Luana. Conforme pedido do bandido, ele colocava sua arma no chão e retirava o casaco e a camisa; levantava então a barra da calça para que “Um” tivesse a certeza de que estava desarmado.

- Estou com as melhores das intenções, “Um”! Posso entrar agora? – perguntava o negociador.

Com muita cautela, o policial caminhava da varanda até a sala. “Um” lhe jogava as chaves da porta do banheiro pelo chão e pedia que a ação fosse rápida.

O policial chega até o banheiro. Por dentro carregava o medo enorme de encontrar uma jovem já sem vida. Ao abrir a porta, ele encontra Luana deitada sobre uma toalha de banho e coberta por outra. Na testa da menina, como adiantara “Um”, um corte que lhe ensopava de sangue o semblante e boa parte da toalha de baixo.

Com Luana já ao colo, o policial passava apressado pela sala.

- A nossa garantia, verme! Vou lhe dar dez minutos! – dizia “Um” ao negociador.
- Terá sua garantia!

O comandante só recebia a notícia de que seu negociador resgatara Luana minutos depois – voltando das últimas instruções aos atiradores, ele avistava seu policial com a menina no colo.

- Está viva? – perguntava o comandante.
- Sim! Mas precisa ir logo a um hospital. Ela perdeu bastante sangue. Tem um corte profundo na testa, senhor.
- Bom trabalho, rapaz!

Marcos e Patrícia, ao verem Luana naquele estado, correram até lá com os corações apertados.

- Como ela está? O que fizeram com minha filha, meu Deus? – perguntava um Marcos aflito.
- Calma, senhor – dizia o negociador –, ela está viva! Está ferida, mas viva!
- Luana! Meu amor! – dizia Patrícia a acariciar o rosto ensanguentado da desacordada –
O que fizeram com você?
- Não pude demorar muito no local, senhora, mas tudo indica que ela, por algum motivo, bateu com a cabeça em algum lugar naquele banheiro. O que temos que fazer agora é levá-la imediatamente a cuidados médicos!

Uma ambulância do Corpo de Bombeiros que estava de plantão levava Luana e seus pais para o hospital.

Outros familiares de Rômulo já estavam no local, o que deixava Marcos mais à vontade na hora de dar as costas àquela situação ainda muito assustadora.

- Gente – dizia Marcos –, me mantenha informado sobre a situação, OK? Eu preciso levar Luana e...
- Claro, Marcos, vá! Deus está conosco e vai ficar tudo bem! Melhoras para Luana! – diziam alguns familiares.

Rômulo ainda não sabia que Luana fora liberta. Com duas armas apontadas para sua cabeça, o rapaz sentia como se tudo ali silenciasse. Em sua mente, um filme lhe mostrava toda a trajetória daquele romance entre primos. Tentava anular os pensamentos ruins sobre o estado de Luana lembrando de todos aqueles beijos e sorrisos.

Fixando o olhar na chuva que caía sobre uma árvore atrás de sua casa, Rômulo enxergava a movimentação de dois atiradores. A esperança de sair ileso dali renascia, mas se misturava com o medo dos sequestradores terem a mesma descoberta que ele: aqueles policiais se preparavam para matá-los.

O comandante da operação tinha ciência de que os quatro tiros tinham de ser certeiros e no mesmo instante. Quatro atiradores – cada um com o seu alvo – teriam de atirar juntos e sob sua ordem.

Um documento de garantia falso foi providenciado e levado pelo negociador até “Um”, a fim de manter os sequestradores sob uma espécie de controle emocional.

Nos fundos da casa, “Dois” e “Quatro” já eram alvos fáceis; permaneciam imóveis com Rômulo. Os atiradores já estavam prontos para a ordem do comandante.

- Senhor – dizia um dos atiradores pelo rádio –, estamos prontos! Câmbio!
- OK! – dizia o comandante – Mantenham seus alvos! Aqui na frente estamos quase no ponto! Câmbio!

Na frente da casa, “Um” resolvia pedir para que o negociador lesse o documento. “Isso! Espero que eles fiquem quietos no momento da leitura”, pensava o comandante.

No momento da leitura, “Um” e “Três” mantiveram-se parados; prestavam atenção em cada palavra lida pelo negociador.

Também sobre uma árvore, ao lado dos atiradores da frente, o comandante se preparava para uma das ordens mais difíceis de sua carreira.

- Atenção! – dizia o comandante aos quatro atiradores pelo rádio – no “fogo”, como combinamos, um tiro só, na cabeça! Prontos?

O comandante recebia o “pronto” dos quatro atiradores. Respirava fundo, pedia perdão a Deus – como sempre fazia diante de decisões como esta – e então:

- Um, dois, três, fogo!

Os atiradores certeiramente atingiam as cabeças dos sequestradores, que, sem chance de qualquer tipo de reação motora, caiam atrás de seus reféns.

- Os dois estão no chão, senhor! Câmbio! – informava um dos atiradores dos fundos.
- Aqui na frente também, rapazes! Bom trabalho! Câmbio! – dizia aliviado o comandante.

- Acabou, gente! Acabou! Está todo mundo bem! – diziam os policiais a Rômulo e seus pais.

Rômulo ia de encontro a seus pais. A família se abraçava ainda muito apavorada com os corpos sobre o piso da sala e no quintal dos fundos.

- Onde está Luana, pai? Onde ela está? – perguntava Rômulo.
- Calma! Ela já foi liberta!
- Mas onde ela está?
- Não sei, meu filho! Vamos saber logo!

Rômulo ia até o negociador:

- Onde está Luana?
- No hospital. Ela está ferida, mas saiu daqui com vida. Os pais dela estão com ela.

Rômulo chorava; era um misto dos sentimentos mais assustadores que um ser humano pode ter. Ao passar a vista à sua volta, notava aquele cenário trágico, mas não conseguia tirar da mente a saúde de Luana. Seus pais estavam vivos, mas o jovem sentia que parte dele ainda corria sério perigo: o coração.

[Continua]

* * *
Foto da Capa: Ana Claudia Temerozo.
Trilha Sonora:
Allegro Non Troppo (Concert No.1 In A Minor For Violin and Orchestra, Op. 99II, Scherzo) - Dmitri Shostakovich.
Mais histórias sobre Luana em:
LUANA, DUAS, O NATAL DE LUANA, GISELE, JANEIRO MEU, VERDADES DE LUANA e MINHA PRIMA LUANA.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

OPUS 1 - Parte 3



Marcos e Patrícia, pai e madrasta de Luana, já se preparavam para ir buscar a menina da casa do namorado. Marcos vestia um casaco no quarto enquanto Patrícia, já pronta, o esperava na sala assistindo à TV. Mimi, a gatinha de Luana, andava por todos os cantos da casa a miar cada vez mais alto. Parecia querer dizer alguma coisa. Na certa pressentia que algo de ruim acontecia à sua dona.

- Por que essa gata não para de miar, Patrícia? – perguntava Marcos.
- Ah, Marcos, quem conversa com ela é Luana, não eu – brincava Patrícia.
- Ela tem comida no pote?
- Sim! Acabei de pôr.
- Eu hein...

Um plantão jornalístico interrompia o filme de Patrícia.

- Ai, meu Deus! Não gosto nada disso – dizia Patrícia.

...e estamos em frente a esta casa, onde ocorre, nesse momento, um sequestro. A informação que tivemos do comandante do Grupo de Operação de Resgate é que quatro bandidos armados mantêm, dentro da casa, uma família como refém. A denúncia veio através de um vizinho que, de sua janela, presenciou a invasão dos bandidos e...

- Marcos!
- O quê?
- Corre aqui! Na TV! Não é a casa de Rômulo?
- Casa de Rômulo? Na TV?
- Um sequestro, Marcos!

Marcos olhava fixamente a TV.

- Meu Deus! Mas é mesmo a casa de Rômulo! Minha filha está lá! Temos que ir até lá agora!
- Espere! Escute!

...acaba de nos chegar nova informação de que são três os reféns: um casal de senhores e seu filho. Segundo uma vizinha, os nomes deles são: Jânio, Lúcia e Rômulo, sendo os pais e o filho respectivamente...

- E minha filha? – perguntava-se Marcos – Eles não citaram o nome de Luana, Patrícia! Vamos até lá!
- Ai, meu Deus! Vamos! Rápido!

No caminho, Marcos tentava o celular de Luana, mas o aparelho encontrava-se desligado. Na verdade, a menina não levara o celular. O deixara em casa por estar sem carga.

- Merda! – dizia Marcos.

Na casa de Rômulo, as negociações iam lentas. A imprensa e um amontoado de curiosos cercavam todo o quarteirão. A chuva apertava, mas o povo não saía de perto.

Os bandidos sabiam que não tinham mais saída. Por mais que vidas fossem perdidas ali – o que complicaria ainda mais a situação deles – tinham ciência de que o plano falhara.

- Rendem-se, por favor! Para o melhor a vocês, rapazes! – dizia o policial negociador.
- Queremos entregá-los – dizia “Um” – e entregar as jóias e o dinheiro também! Mas queremos um documento que garanta nossa liberdade depois disso!
- Mas...
- Mas o quê? Nem eu nem meus amigos temos mais nada a perder aqui! Ou tragam essa garantia ou matamos essa família e matamos-nos um ao outro! Que tal?
- Não! Não precisa derramar sangue, cara! Ligaremos para as nossas autoridades e veremos o que podemos fazer! OK?
- Isso!
- Mas, por favor, não mate ninguém! De acordo?
- Sim! De acordo!

Marcos e Patrícia chegavam ao local. Ao se aproximarem da faixa de segurança que interditava o quarteirão, Marcos se identificava a um dos policiais.

- Meu nome é Marcos! Eu sou o pai da Luana! Ela está na casa!
- Senhor, não há Luana alguma na casa! Há apenas três pessoas: um jovem...
- Já sei, já sei! Eu vi pela TV, mas precisam averiguar melhor! Minha filha é namorada do Rômulo. E prima também! Nós somos da família!
- Espere aqui, sim?
- OK! Mas seja rápido!

O policial se dirigia até o comandante de toda aquela operação. De lá, o policial fazia sinal para Marcos e Patrícia irem até eles.

- Pois não, senhor. – dizia o comandante.
- Seu policial lhe explicou? – dizia Marcos.
- Sim, explicou! Mas, senhor, você tem certeza de que ela já não havia saído do local?
- Não! Eu estava vindo buscá-la! Ela tem dezesseis anos, comandante, e eu não a deixaria vir para casa sozinha, muito menos com essa chuva!
- OK! Deixe-me falar com o negociador. Fiquem aqui!

O policial negociador já estava chegando até ele para falar sobre a garantia solicitada pelos bandidos.

- Senhor – dizia o negociador –, eles querem uma garantia e...
- Esqueça! Pergunte a ele sobre uma menina que também estava na casa!
- Senhor, não há menina alguma por lá! Eu...
- PERGUNTE! Ela pode estar morta ou ferida em algum outro cômodo! Ande!
- Mas, senhor, eles querem uma garantia! Caso contrário, eles farão daquela casa um matadouro onde nem eles sairão vivos!
- OK! Diga que estou providenciando essa garantia, mas vá lá e pergunte sobre a menina.
- OK, senhor!

O negociador chegava mais uma vez até a varanda da casa.

- “Um”, quero saber se há uma menina na casa!
- Sim! Está no banheiro!
- E como ela está?
- Ferida! Tem um corte na cabeça, mas está bem! Só está dormindo!
- “Um”, ela pode estar precisando de atendimento médico! Eu quero a menina!
- E eu quero a garantia!
- Sem a menina, não haverá garantia, “Um”.
- SEM GARANTIA NÃO HAVERÁ NEM MENINA NEM NIGUÉM! JÁ DISSE!

O negociador sentia o drama pelos olhares amedrontados de Jânio e Lúcia. Precisava fazer o jogo daquele bandido, infelizmente.

- OK! Acalme-se! Eu já volto!
- ESTOU PERDENDO A PACIÊNCIA, VERME! PARA EU MATAR A TODOS AQUI POUCO CUSTA.

Chegando até o comandante da operação, o negociador expôs o querer dos bandidos.

- ...e é isso, senhor – dizia o negociador – Eles querem a garantia. Só depois entregarão a família e a menina.
- Merda! Os atiradores de elite já chegaram? Sabe dizer?
- Acabaram de chegar, senhor. Ali!
- Certo! Vamos acabar com essa bagunça já!

O comandante chegava até Marcos e Patrícia e:

- Fiquem calmos, OK? A menina está lá, realmente. Mas, segundo um dos bandidos, ela está no banheiro e com um corte na testa.
- Meu Deus! – suspirava Patrícia aos prantos.
- Não sabemos o real estado dela e eles não querem entregá-la antes de uma garantia de liberdade...
- E onde está essa garantia, comandante?
- Não haverá garantia alguma, senhor. Nossos atiradores se posicionarão para acabar de vez com isso! OK? Confiem na Polícia!

- Meu Deus! Minha filha... – chorava Marcos.

[Continua]

* * *
Foto da Capa: Ana Claudia Temerozo.
Trilha Sonora: Winter (1st Movement) - Antonio Vivaldi.
Mais histórias sobre Luana em:
LUANA, DUAS, O NATAL DE LUANA, GISELE, JANEIRO MEU, VERDADES DE LUANA e MINHA PRIMA LUANA.

domingo, 2 de agosto de 2009

OPUS 1 - Parte 2



Todos naquela casa já haviam sido rendidos pelos bandidos; o casal de jovens na sala e os pais de Rômulo no quarto ao lado. O encapuzado chamado de “Um”, que mantinha o revólver apontado para Rômulo e Luana, parecia ser o líder. Era ele quem ditava para onde cada um dos outros três deveriam ir e o que fazerem. A mando deste, “Três” cuidava dos pais de Rômulo, “Quatro” ficava de pé na varanda e “Dois” ia até os fundos averiguar a presença de mais alguém.
- Não há mais ninguém na casa, “Um”! – dizia “Dois”.
- Ótimo! Assuma o lugar de “Quatro” na varanda e mande-o fazer a limpa lá no quarto dos coroas! Rápido!
- OK!
- “Quatro”, mande “Três” trazer os coroas aqui! – dizia “Um”.
- OK!

Luana, deitada, imóvel, era apenas pranto. No chão, sob sua face, se formava uma poça de lágrimas. Rômulo tinha vontade de fazer algo, mas sabia que, naquele momento, nada podia.

Os passos daqueles homens encapuzados e armados andando para lá e para cá causavam certo pânico em Luana; tinha a impressão de que a qualquer momento perderia a vida. “Eles vão nos matar”, pensava a menina, que, por um segundo, virou o rosto. Seus olhos iam de encontro com os de Rômulo.

- Vamos ficar bem! Eu te amo! – sussurrava Rômulo.

Luana nada dizia. Estava assustada demais para emitir palavra sequer, mas entendia a intenção de Rômulo em tranquilizá-la.

- Escute aqui! Isso não é hora para romantismo, OK? – dizia “Um” ao casal.

“Três” chegava à sala com os pais de Rômulo. Eles pareciam tranquilos, mas, provavelmente, procuravam conter o pânico que lhes tomava os corpos.

- Filho, você está bem? Luana... – dizia Jânio, pai de Rômulo.
- Sim, estou! – respondia Rômulo.
- Não quero papo entre vocês, ouviram? – dizia “Um” – Vamos ficar todos bem quietinhos para não mancharmos esse piso tão lindo com o sangue de vocês, OK?

Luana, que até então chorava calada, após tal ameaça, se desesperava. A menina soluçava bastante, parecia estar passando muito mal.

- Acalme-se, meu amor, por favor! Vamos ficar bem! – dizia Rômulo, mas suas palavras pareciam não surtir efeito sobre a menina.
- Levantem-se! Andem! – dizia “Um” – Sentem os quatro no sofá! Já! Vamos!

Os quatro faziam o que “Um” mandava; sentavam-se no sofá. Luana, a última a chegar ao assento, antes que se acomodasse, teve seus cabelos violentamente puxados por “Um”.

- Mudei de ideia! – dizia “Um” – Você vem comigo, menina!
- DEIXE-A EM PAZ! – gritava Rômulo se levantando do sofá – VOCÊ QUER DINHEIRO? PEGUE TUDO O QUE QUISER, MAS NÃO TOQUE A MÃO NELA!
- Quieto aí, seu projeto de herói!
- FILHO DA MÃE!
- Fique de olho, “Três” – ordenava “Um” –, não deixe que eles saiam daqui. Eu já volto!

Para desespero de Rômulo e de seus pais, “Um” levava Luana até o banheiro. A menina tinha sua boca abafada pela mão enorme do assaltante.

Chegando ao banheiro, “Um” jogava Luana ao chão sem a menor piedade. A menina batia forte com a testa sobre a borda do vaso sanitário. O sangue de Luana logo escorria e contrastava com seu alvo semblante. Meio tonta por conta da pancada, Luana ainda tenta se levantar, mas é impedida por “Um”.

- Escute aqui, mocinha! Ou você para de chorar ou eu serei obrigado a fazer o que não gosto! Quero sair daqui tranquilamente com o dinheiro no bolso e sem deixar mortos, OK? E você vai me ajudar nessa, não vai?
- Minha cabeça... – dizia Luana, que parecia mergulhar lentamente num desmaio. Na certa sequer ouvira o que “Um” acabara de dizer.

Minutos depois, “Um” saía do banheiro, fechava a porta com a chave e se dirigia até a sala.

- “Quatro”, já fez a limpa? Quero as jóias! Jóias! – dizia “Um”.
- Sim! Peguei dinheiro, jóias, tudo! Os coroas cooperaram!
- O QUE VOCÊ FEZ COM LUANA, SEU VERME! – gritava Rômulo.
- Não fiz nada, moleque! Digamos que ela esteja dormindo!
- SEU...
- Acalme-se, filho, por favor! – dizia Jânio.
- E se ele fez algo à Luana, pai?
- Não há nada que possamos fazer no momento, filho! Daqui a pouco eles vão embora...

“Um”, usando um aparelho celular, ligava para alguém:

- Estamos prontos! Pode passar! (...) OK! Dois minutos!
- Ele está próximo? – perguntava “Três”.
- Sim! Vamos embora!

“Um” chegava até Rômulo e sua família e:

- Só queríamos o dinheiro! OK?
- Eu só peço que nos deixe em paz! - dizia Jânio.
- E estão! Em paz! Adeus!

O bando se preparava para sair da casa, mas por essa “Um” e seus comparsas não esperavam: um policial passava correndo entre as árvores daquele enorme quintal.

- Merda! Merda! Vocês devem ter dado algum mole! Algum vizinho deve ter visto a nossa entrada! Merda! – dizia “Um” aos outros bandidos – Vamos! Pelos fundos!

No quintal dos fundos já havia três policiais prontos para invadir a casa.

- Merda! Peguem os coroas e o moleque! – dizia “Um” – São reféns agora!

Os policiais posicionados no quintal da frente anunciavam a invasão, mas a paralisavam logo depois de perceberem que Jânio e a esposa estavam sob a mira de “Um” e “Três”. “Dois” e “Quatro” levavam Rômulo até os fundos para impedir a invasão policial por lá.

Com as armas apontadas para a cabeça e diante da paralisação de todos os envolvidos ali, Rômulo e sua família previam uma longa negociação. Dentro de suas crenças, aquela família passava a rezar em silêncio. Menos Rômulo, que não conseguia tirar Luana de sua cabeça. “Como será que ela está? Será que está bem, que está viva? O que aquele miserável fez com ela?”, pensava o rapaz deixando o pranto lhe descer o rosto.

[Continua]

* * *
Foto da Capa: Ana Claudia Temerozo.
Trilha Sonora: Cavalino Rampante - Yngwie J. Malmsteen.
Mais histórias sobre Luana em:
LUANA, DUAS, O NATAL DE LUANA, GISELE, JANEIRO MEU, VERDADES DE LUANA e MINHA PRIMA LUANA.

OPUS 1 - Parte 1



O vento gelado daquele fim de tarde fazia o casal se abraçar ainda mais forte. A varanda de Rômulo era bastante arejada e repleta de plantas dos mais variados tipos. O céu cinza e o anunciar de chuvas fortes não espantavam o romantismo dos dois; muito pelo contrário: eles amavam dias nublados. Com os olhos bem próximos dos de Luana, Rômulo tocava de leve o rosto meigo da menina, que, por sua vez, procurava quietar a boca trêmula de frio beijando a mão do namorado. Ambos sorriam e brincavam com aquele clima que tratava de uni-los mais e mais.

Com as suas pernas sobre as de Rômulo, Luana se encolhia e recostava o rosto gelado sobre o peito do rapaz, que a acariciava próximo à boca. Por minutos não disseram palavra. Os olhares, os gestos e as carícias diziam por si só. Talvez, nem eles mesmos saberiam expressar em dizeres o que sentiam um pelo outro naquele momento. Estava claro para ambos o poder daquele sentimento mútuo e avassalador.

Depois de muito se beijarem, um sussurro escapava dos lábios de Luana: “Eu te amo”. Sorrisos sincronizados nasciam em ambos os rostos.

Mais beijos.

Algumas gotas começavam a molhar o peitoril em granito da varanda quando a noite já se fazia presente. Para estranheza de Rômulo, as luzes da varanda não foram acesas por seus pais. Na certa porque, no quarto ao lado, estes dormiam ou assistiam TV sobre dois ou mais edredons.

- Ficou escuro de repente, Rômulo – dizia Luana – Seus pais não acenderam as luzes.
- Devem estar dormindo, no mínimo. Quer que eu as acenda?
- Ah, não deixe assim mesmo. Está tão bom – dizia a menina a se acomodar sobre o peito de Rômulo.

À frente daquela varanda havia um imenso espaço cuidadosamente gramado. Mais à frente, árvores que se harmonizavam até o portão de entrada. Luana avistava o verde, o céu escuro, a chuva a cair, e sentia o típico aroma de terra molhada. Sentidos que se uniam ainda ao sabor do beijo de Rômulo e ao calor daquele abraço acolhedor. Rômulo tomava Luana em seus braços como quem protege a inocência alheia da aproximação de algo maléfico. Proteção era o que Rômulo se dedicava incansavelmente em proporcionar à Luana.

A chuva apertava forçando o casal a procurar um abrigo mais seguro.

- Está chovendo aqui dentro, Rômulo – dizia Luana – Melhor entrarmos.
- Droga! Estava tão bom aqui.

O casal entrava.

Ainda na porta da sala, ao ver que Luana procurava pelo interruptor a fim de acender a luz do recinto, Rômulo impedia aquele braço de fragilidade tão sedutora.

- Não! Deixe... assim... – dizia Rômulo ao pé do ouvido de Luana.

O rapaz lhe beijava a nuca tendo a tempestade e os relâmpagos ao fundo.

- Melhor... acendermos..., Rômulo – dizia Luana – Seus... pais... podem... achar... ruim... eu... e você...
- São... apenas... beijos..., Luana!
- Sim..., mas... são... beijos... na nuca, Rômulo! – dizia Luana a fugir – Sabe que não resisto a beijo na nuca! Seu espertinho!
- Por isso mesmo, ora! Não a beijaria onde resistes!
- Refere-se à boca?
- Refiro-me a nada! Não há lugar em ti que resista a meus beijos!
- Hum... Convencido!
- Venha!

Afastando os cabelos macios de Luana, Rômulo a tomava novamente pela nuca. A menina se arrepiava e, num ato de reflexo, puxava com força a barra do casaco do namorado. Quando Rômulo a beijava daquela forma, Luana enfraquecia; rendia-se por completa aos encantos daquele romance.

- Pare, Rômulo, por favor...
- Por quê?
- Porque sim! – Luana fugia novamente – Sossega! Poxa!
- Está bem! Sosseguei! – dizia Rômulo estampando um sorriso moleque.
- Bobo! – Luana ria.

Rômulo acendia a luz e se dirigia até o piano. Como que num ritual de libertação daquilo que a consumia, Luana passava a mão sobre a nuca, fechava os olhos e, sem que Rômulo percebesse, mordia os lábios rapidamente. A menina se acomodava num dos sofás e procurava se recompor.

- O que vai querer ouvir, meu amor? – perguntava Rômulo ao piano.
- Ai... Com essa chuvinha... Toca aquela que eu amo!
- Qual, meu anjo?
- Aquela curtinha que começa com uma melodia, sem harmonia, lembra? Você a tocou ontem mesmo, Rômulo!
- Ah! “Promenade” do Mussorgsky!
- Isso! Lembrei! Desse moço aí mesmo!
- Moço... – Rômulo ria do jeitinho como Luana se referia ao compositor Modest Mussorgsky.

Rômulo executava “Promenade” a pedido de Luana, mas enchendo a música de floreios e pausas mais longas que as contidas na partitura original. O rapaz tinha o costume de executar as peças clássicas com muita propriedade. Ele fazia aquelas composições parecerem dele.

Luana apreciava boquiaberta, como sempre. Sem tirar o foco no namorado, a menina retirava o par de tênis e, exibindo suas meias de cor rosa com estrelinhas azuis, se encolhia junto a uma das almofadas do sofá.

Ao fim da execução, Rômulo emendava uma nova melodia.

- Isso não é da música, Rômulo! Para de inventar! – Luana dizia ao lhe arremessar uma almofada.
- Não estou inventando nada! Nunca ouviu falar em música incidental?
- Já, mas que música é essa? Nunca o ouvi tocá-la!
- Fiz para você...
- Para mim?
- Sim! Posso tocar?
- Deve...

Rômulo executou então a melodia mais bela que Luana tivera contato. Com pouco mais de três minutos, a peça era composta em tom maior e repleta de frases “ensolaradas”, o que gerava um clima feliz e esperançoso.

- E então, gostou? – perguntava Rômulo.
- Você está brincando? É a coisa mais linda, Rômulo!
- Que bom que gostou...
- Gostei? Eu amei! Ai, Rômulo!
- Essa foi só uma parte, Luana. Quero escrever uma obra inteira inspirada em você.
- Não mereço tanto, meu amor.
- Merece sim! E eu mereço também! Nunca tive fonte tão inspiradora, Luana!

A menina corria do sofá até o piano e se jogava nos braços de Rômulo.

- Eu te amo! – dizia Luana.
- Eu também te amo!

Um beijo interminável tomava conta do cenário. As mãos de Rômulo acariciavam o rosto de Luana em movimentos inquietos. Estava o rapaz num imenso conflito entre o desejo natural de seus dezoito anos e o respeito que se cobrava diante dos dezesseis de sua prima-namorada, que, por sua vez, respirava ofegante quando tinha sua nuca na mira de mais beijos.

Até que:

- Fim da festa, molecada!

Um homem com o rosto coberto por um capuz os interrompia com uma arma já na cabeça de Rômulo.

- Quietinhos, OK? – dizia o homem.

Brancos e sem ação, Rômulo e Luana apenas seguiam às ordens daquele homem.

- Deitados aí, olhando para o chão! “Três” – dizia ele a outro encapuzado – procure os coroas pela casa! Sei que eles estão por aí!
- OK, “Um”! – dizia o outro.

Eram quatro ao todo. Eles se espalharam pela casa e se chamavam por números ao invés de nomes. Invadiram a casa pelos fundos. O som do piano e a chuva forte não deixaram que Rômulo, seus pais ou Luana ouvissem qualquer barulho estranho no momento da invasão. Em poucos segundos estavam todos rendidos pelos bandidos.

Rômulo, ainda sem assimilar a situação, se sentiu tomado por um ódio inédito ao ver Luana com o rosto ao chão e a chorar calada.

[Continua]

* * *
Foto da Capa: Ana Claudia Temerozo.
Trilha Sonora: Promenade / Gnomus – Modest Mussorgsky.
Mais histórias sobre Luana em: LUANA, DUAS, O NATAL DE LUANA, GISELE, JANEIRO MEU, VERDADES DE LUANA e MINHA PRIMA LUANA.