segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

IRA

João teve a ira de todos os demônios ao ver aquela que lhe dissera ser o amor eterno em forma de esposa aos beijos com Arlindo, seu vizinho. Por mais real que fosse sua vontade de arrancar com as próprias mãos os olhos de Cassandra, tal cena lhe parecia ficção, pegadinha. João passou a mão no rosto como se quisesse acordar de um sonho ruim, mas o beijo entre Cassandra e Arlindo se tornava ainda mais impactante.

Talvez o fato de tal beijo se dar na varanda de sua própria casa tenha sido o causador maior de tamanha raiva – não admitiria uma coisa dessas de forma alguma, na vida ou na morte. João quis se aproximar, mas sentia suas pernas trêmulas travarem. Chegou a perceber os rostos de vizinhos sumirem rapidamente de suas janelas, embora alguns se mantivessem firme numa previsão de caos familiar, de entretenimento.

João venceu as pernas e foi até seu portão. O cansaço de um dia inteiro no canteiro de obras? Nem lembrava mais. Puxou forças do solo seco que pisava com a ira que já descrevi. A poeira que levantava no arrastar de suas sandálias gastas turvava um pouco a visão de traição tão descarada. Mas João manteve as vistas – o que ele tinha de melhor – bem focadas no flagrante.

João abriu o portão como uma flecha e:

- Que porra é essa?

Num susto sincronizado, Arlindo e Cassandra arregalaram enormes pares de olhos. João concluía rapidamente que tamanho descaramento não condizia com tal susto. Aquele casal de amantes parecia não dever satisfação nenhuma a ninguém. A vizinhança toda era testemunha daquela pouca vergonha e, consequentemente, da dor de João também.

Sem que houvesse resposta do casal, João acertou um soco na face de Arlindo. Cassandra, achando ingenuamente estar livre do monstro que tomava o marido, tinha seus cabelos puxados e seu corpo lançado ao chão. O quadril ossudo de Cassandra batia com força no piso vermelhão, emitindo assustador barulho.

Enquanto Cassandra se retorcia de dores, Arlindo, sem chances de reação, recebia uma série de socos de um João já fora de controle. Um sangre grosso escorria de Arlindo e se misturava ao tom daquele piso. As mãos de João também sangravam muito.

Cansado de tanto bater, João se distanciou dos dois. O que ele viu foi um Arlindo com o rosto totalmente deformado cuspindo dentes. Viu também Cassandra, que berrava de dores.

Ainda tomado pela cólera, João foi até Cassandra, levantou seu rosto pelos cabelos e:

- Por que fez isso comigo, mulher? Por quê? E Maria, Cassandra? Não pensou em nossa filha? Ela vai crescer e vai saber disso tudo!

Cassandra, com o rosto banhado pelo sangue de Arlindo, com muita dificuldade, disse:

- Quero mais é que ela saiba! Você não sabe o quanto me sinto feliz, João, em te dizer, enfim, que Maria não filha sua! É de Arlindo!

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

A PRIMA (Final)

No dia seguinte, logo cedo, fui direto ao portão lá de casa. E lá estava Dani em mais uma de suas intermináveis séries de abdominais. Eu tinha de tirar o chapéu para ela; era realmente uma menina muito forte e disciplinada. Ao mesmo tempo em que ela subia e descia seu tronco, fazendo aquele abdômen lindo trabalhar, eu imaginava a minha incapacidade de fazer sequer o terço daquele exercício.

Mas, mesmo assim, sorri. Sorri porque imaginei o tamanho de minha sorte naquele momento. Ter Dani aos meus lábios na noite anterior fazia de mim mais feliz, sei lá. Só sei dizer que me sentia muito bem, apesar do medo precoce de perdê-la.

Vendo Dani se exercitar, não me contive:

- Psiu!

Ela sequer olhou. Então repeti:

- Psiu!

Nada.

Desisti, mas continuei a observá-la. Observava cada gota de suor minada de seu corpo. Observava cada sopro, cada movimento dos fios de cabelo que teimavam em lhe cair sobre a face. Observava Dani por completa e, consequentemente, em minha cabeça surgiam situações entre ela e eu, mas que não passavam de réplicas de algumas das mais clássicas e lindas cenas de amor do cinema.

Enfim, Dani se levantava e, de sua varanda:

- Fred!

- Ah, me viu agora? – eu brincava – Fiz “psiu”, mas você nem olhou.

- Desculpe, Fred, eu o ouvi. Mas é que não paro meu exercício por nada, entende?

- Ah, sim, tudo bem, Dani.

- Desculpe. Mas diga lá!

- Não, nada. Quer dizer, você vai pegar onda hoje de novo?

- Ué, eu pensei que já estivesse combinado contigo, não?

- Não, mas... Ora, vamos!

E assim foi durante quase toda a estadia de Dani na casa de Carina e Camila: de manhã, praia; de tarde, beijos; e à noite mais beijos.

A cada dia que passava nos apegávamos mais e mais. Pode ser clichê dizer isso, mas era um sonho de verão mesmo. Dani parecia se interessar por mim como nenhuma outra menina antes. Carinhosa, amiga, divertida e linda. O que mais eu poderia querer? Como não se apaixonar por uma menina assim? E logo na estação mais propícia! A verdade é que eu estava “de quatro”.

Até que certo dia fui acordado pelo telefone.

- Alô.

- Fred, é a Camila!

- Diga, Camila, o que houve?

- A Dani foi à praia sem você.

- Ah? E daí? Eu estou ferrado no sono, ela gosta mesmo de ir bem cedo e...

- Fred, a Dani foi à praia com o Bernard!

- Com o... Bernard?

- É! E os dois nem me disseram nada. E, pelo visto, para você também não.

Dani e Bernard juntos na praia. Ambos tendo o amor pelo surf como um princípio de uma união que, na minha opinião, parecia mais sólida que aquela em que eu vivia.

- Sim, mas o que você quer que eu faça, Camila?

- Vamos até lá, ora!

- Para quê?

- Esteja pronto em cinco minutos, Fred!

E lá fomos nós para a praia que Bernard mais gostava de pegar onda.

Durante o caminho, sentia que o medo me tomava o peito, mas o sono me tomava o corpo inteiro. Camila falava sem parar, estava disposta a romper relações com a própria prima se descobrisse algum envolvimento da mesma com Bernard.

Podia até parecer que eu estava “cagando” para a situação – meus bocejos eram terríveis –, porém, sentia o coração bastante apertado; um misto de dúvida e medo.

Ao pisarmos na praia, não precisamos procurar muito. Logo avistamos Dani sentada na areia a apreciar as manobras de Bernard ao mar. Tive um impulso de ir até Dani, mas Camila me segurou pelo braço. “Não seja idiota, Fred. Vamos esperar aqui”, dizia-me Camila.

Debaixo de uma barraca, ficamos a observar. Bernard, depois de uma sequência de ondas, vinha até Dani. Ele arremessava sua prancha na areia e logo estava sentado ao lado dela. Os dois conversaram um pouco sobre as ondas e, minutos depois, se beijaram.

Deu pena de Camila, que deixava correr um fio de lágrima no canto do olho esquerdo. Confesso que me senti em pedaços, mas, não sei o porquê, senti mais foi dó de Camila. Tive vontade de voar no pescoço de Bernard, mas sentia que não era bem pela Dani – que, àquela altura, parecia perder todo o encanto –, e sim por Camila.

- Não fique assim, Camila – eu dizia.

- Como não? Minha própria prima, Fred! E o Bernard? Que cachorro!

- Venha, vamos sair daqui. Para mim já deu.

Camila me seguia, mas parte dela parecia querer ficar e ver até que ponto a traição chegaria.

* * *
À tardinha, sentados no portão das irmãs, Camila e eu conversávamos, mas procurávamos não tocar no ocorrido pela manhã. Os assuntos eram vagos e passageiros como as nuvens que por vezes se formaram sobre nós.

Até que, no início da rua, surgiam Bernard e Dani. E, ao contrário do que pensara, os dois caminhavam como “amigos”, ou seja, sem mãos dadas ou gestos que acusassem algo a mais. Vinham com eles dois sorrisos que, embora Camila e eu já soubéssemos de tudo, pareciam esconder alguma coisa.

- Lá vem eles, Fred – dizia-me Camila – O que a gente faz?

- Vamos esperar eles chegarem mais perto.

- Para quê?

- Bem, eu espero que esteja pronta.

- Pronta para quê?

No momento em que Bernard e Dani pisaram na calçada e esboçaram um beijo em seus referidos pares, eu tive a coragem que muitas vezes me faltara. Puxei o pescoço de Camila e alcancei seus lábios como um louco. Camila retribuiu o beijo como se já soubesse de minha ação. E mais: senti seus braços quentes me laçarem as costas com força paixão.

Depois do beijo:

- Onde foram os dois? – dizia Camila.

- Não sei, Camila. Devem ter...

- Ai, me beija de novo, vai.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

A PRIMA (Parte 2)

Não eram nem sete da manhã, meu Deus, e a Dani já demonstrava em seus exercícios abdominais mais disposição que eu. Era lindo ver aquilo. Ela prendera os longos cabelos num coque, vestia a parte de cima de um biquíni bem discreto e o mesmo short da noite anterior. Seus movimentos fortes e sua respiração atlética me fascinavam. Meu Nescau esquentou, meu sanduíche perdeu a graça e eu nada mais fiz a não ser observá-la.

Após a série de abdominais, Dani se levantava, alongava os braços e caminhava de um lado para o outro da varanda. A menina respirava um pouco e começava então uma série de leves golpes com a ponta dos dedos em seu abdômen. Que corpo maravilhoso ela exibia. Foi automático o meu olhar crítico ao meu corpo magro e sem músculos definidos. Senti-me fraco, porém, determinado a uma aproximação.

À noite, como sempre, estávamos todos ao portão das irmãs. Ríamos muito, conversávamos, flertávamos... aquela coisa toda. Nenhum dos meninos falava nada a respeito, mas a verdade é que todos nós ali não víamos a hora de Dani aparecer.

Até que o Guga, o mais “saidinho”, perguntou:

- Carina, cadê sua prima?

- Ela já vem. Está vendo um DVD de surf, sei lá.

Alguns minutos depois, lá estava ela, a musa esportiva Dani. Usando apenas um vestidinho de malha verde limão e uma sandália branca, Dani deu o ar da graça com um sorriso que era um misto de timidez e simpatia. Os cabelos molhados acusavam um banho recente. Ela então se sentou na calçada. Foi quando eu me cheguei.

- Vi você pela manhã...

- Onde?

- Ali na varanda. Fazendo abdominais.

- Ah sim – dizia Dani a sorrir –, me bisbilhotando, né?

- Não, não!

- Estou brincando, bobo.

E começamos a conversar.

Era nítido o desvio de atenção dos meninos. Camila e Carina pareciam perder o encanto diante de Dani. Além do mais, embora as irmãs fossem garotas muito bacanas, elas estavam com o Guga e o Bernard. Era de se esperar que a disputa ali passasse a ser pelos lábios da prima recém chegada.

Aqueles que antes disputavam o coraçãozinho da Carina, os mais novinhos, não entraram na briga, claro. A batalha agora era entre eu e os três mais velhos, visivelmente. Ah, sim, o Bernard, por vezes fora visto com olhar de arrependimento. É, arrependimento mesmo. Imagine só o quanto ele gostaria de estar ao lado de uma menina gata como a Dani e que ainda pegava onda como ele.

Os papos rolaram até altas horas. Até que D. Kátia, mãe de Camila e Carina, resolveu chamar as meninas para dentro de casa. Então fomos cada um para sua casa. A noite terminara.

No dia seguinte, à tarde, Camila, batia à minha porta.

- Oi, Camila.

- Oi, Fred, tudo bom?

- Sim. O que manda?

- Então. Poxa, me diga uma coisa, mas com sinceridade, OK?

- Sim, claro.

- Ontem à noite, ali no portão, você notou algo de estranho no Bernard?

- Algo de estranho?

- Bem, serei mais direta. Você notou o Bernard olhando para a minha prima?

- Ah, sim... Quer dizer, não... Quer dizer...

- Você viu, não viu, Fred?

- Ah, Camila, eu não quero me meter...

- Olha só. Estou disposta a colocar a Dani na sua mão! Topa?

- Como?

- É isso mesmo que ouviu! Não quero o Bernard dando mole para a Dani, cara, eu estou gostando dele, sério!

- Acho que entendi...

Parece coisa de novela, eu sei, mas foi exatamente assim que aconteceu. Camila estava disposta a entregar os lábios de Dani aos meus na intenção de desaparecer com um possível interesse de Bernard em sua prima. Claro que topei. Que mal haveria?

À noite, Camila fez de tudo para que Dani e eu nos “entendêssemos” melhor. Chegou a sugerir que, no dia seguinte, eu levasse sua prima para conhecer as praias da cidade. Dani adorou a ideia e soltou logo um “jura que você me leva?” bastante animador. Eu aceitei, logicamente.

Depois de firmar tal compromisso, Dani só teve olhos a mim naquela calçada, é verdade, o que de nada adiantou em relação aos olhares tortos de Bernard – ele continuava a observar cada curva e cada gesto de Dani. Camila já estava nitidamente aborrecida, mas acreditava que um beijo entre Dani e eu serviria como água fria naquele lance. Ora, um beijo eu também queria, mas eu precisava de mais tempo.

No dia seguinte, conforme combinado, logo pela manhã, lá estava eu disposto a levar Dani a algumas praias da cidade. E assim fiz.

Foram horas maravilhosas. Durante as intermináveis viagens de ônibus, conversamos muito. Quando chegávamos às praias, eu dava um inexperiente mergulho enquanto Dani alongava os músculos. Depois do alongamento ela caía ao mar e demonstrava o quão boa ela era sobre uma prancha de bodyboard. Era demais observá-la a aproveitar o mar de maneira tão diferente da qual eu costumava. Enquanto a minha cultura era a de ir à praia flertar e pegar um bronzeado, Dani explorava o limite das ondas; entrava em contato total com a natureza. Era lindo de se ver.

Ao tomarmos o último ônibus – depois de visitarmos quatro praias –, já de volta para casa, Dani, completamente exausta, resolvia cochilar sobre meu ombro. Não pude deixar de fazer um carinho sobre aqueles fios loiros e de observar o quão doce era o seu sono. Senti-me muito atraído em beijá-la, mas não seria leal de minha parte naquele momento.

Foi quando chegamos ao nosso ponto. Eu a acordei com um leve carinho sobre seu nariz.

- Chegamos, Dani.

- Nossa. Eu dormi em você, Fred?

- Relaxa. Está tudo bem. Você estava exausta, menina.

- Que vergonha... – ela ria.

Vê-la falando tão próxima a mim fez minha vontade chegar ao extremo. Nossos olhos se encontraram com ternura até que, loucamente, a beijei. Beijei sem pensar. Apenas beijei. E foi demais. Dani tinha um beijo diferente. O jeito de se beijar varia muito de cidade para cidade, constatei. Ela mexia a língua mais devagar que as meninas que beijara até então. Foi delicioso.

Descemos do ônibus de mãos dadas, e assim seguimos rua adentro.

Todos estavam no portão das irmãs, inclusive Camila e Bernard. Ao nos verem de mãos dadas, aquele monte de jovens sorridentes emitia um sonoro “hummmmm”. Bernard ficou nitidamente chateado, contrastando drasticamente com o meu semblante feliz. Ao deixar Dani no portão, antes de ir para casa – afinal, antes de qualquer coisa, precisávamos de um banho –, nos beijamos mais uma vez, para delírio da garotada.

- Ai, que fofos! – dizia Camila numa felicidade ímpar.

Após o banho, me deitei na cama num misto de paixão e medo. A paixão foi fácil de entender, mas o medo não. Analisando um pouco mais o que sentia naquele momento, constatei que o meu medo era o de perdê-la tão brevemente como a conquistei. Até as ondas, que tanto abraçavam Dani em suas manobras, me pareciam concorrentes. O meu medo era a consequência daquela paixão.

Com o corpo quente por causa do sol e mais quente ainda por conta de Dani, adormeci.

[Continua]

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

A PRIMA (Parte 1)

Ainda me lembro bem de quando as irmãs Camila e Carina se mudaram para a minha rua. Logo ao descerem do carro do pai, aquelas duas morenas já causaram um silêncio total entre nós meninos, que no momento formávamos uma roda de papo após o sagrado futebol. Camila, com seus dezessete anos, e Carina, com quinze, exibiam uma beleza tão estonteante que era difícil se decidir para qual das duas olhar.

Ambas carregavam na pele uma cor morena avermelhada de praia. Camila foi logo apelidada por nós de “gostosinha”, porque possuía um corpo com medidas maiores que as de Carina, mas nada que a fizesse menos ou mais bonita que a irmã. Carina, em compensação, trazia mais elegância no caminhar, restando a esta o carinhoso apelido de “magrinha”.

Aquela casa amarela, bem em frente a minha, abrigava anteriormente um casal de velhinhos. Um tédio. Sendo assim, é lógico que a chegada das duas irmãs faziam com que os nossos corações batessem com mais esperança. Ora, se tratava, sem dúvida alguma, das meninas mais bonitas daquela rua, o que causou até certo ciúme nas outras meninas. Mas isso foi por pouco tempo, porque, além de lindas, Camila e Carina eram meninas agradabilíssimas e logo conquistaram a amizade das que ali residiam.

Duas semanas depois daquela mudança já era possível ver o aglomerado de jovens frente ao portão de Camila e Carina. Enquanto as meninas da rua enchiam as irmãs de fofocas – além de, logicamente, queimar o filme dos meninos –, a disputa para ver quem de nós “fisgaria” primeiro uma daquelas morenas se mostrava acirrada. Éramos nove meninos, sendo que os quatro mais novos preferiam a Carina, e os cinco mais velhos a Camila. Eu estava no “time” da Camila.

Todos ali tinham plena capacidade de conquistar os novos corações da rua. Éramos meninos bonitinhos, mas cada um com a sua beleza própria. Sem dúvida, o que tinha ali mais chances com a Camila era o Bernard, que, além de ser um moreno de olhos verdes, era surfista. Já no time da Carina, o mais cotado ali era o Guga, que, se já não bastasse ser o “queridinho” das meninas, era um moleque divertidíssimo – Carina já dava gargalhadas eufóricas em sua companhia.

Algumas semanas daquele verão passariam até que Bernard desse o primeiro beijo em Camila. Ao restante dos concorrentes, incluindo este que vos fala, restara apenas uma tristeza sem fim. Fazer o quê? Tínhamos a noção de ter sido uma batalha justa, porque nós meninos éramos muito amigos um do outro. Não houve “puxada de tapete”, sabe? Bernard levou a morena porque tinha de ser ele mesmo.

Mais alguns dias se passam e o pequeno Guga, enfim, toca os lábios da linda Carina. Era de se esperar. A Carina não sossegava até que o Guga aparecesse em seu portão. “Ai, cadê aquele menino engraçado?”, dizia Carina todas as noites. Essa estava no papo.

Dessa forma, as noites no portão das irmãs passaram a ter um clima mais de romance. Tínhamos então certo cuidado em não ficarmos todos ali, porque não queríamos atrapalhar os beijos (sempre às vistas de D. Kátia) de Carina, Guga, Camila e Bernard. Íamos para lá somente depois das dez, porque julgávamos já ser o suficiente para os casais.

* * *
Durante aquelas noites quentes regadas a sorrisos e esperanças juvenis, em algum momento:

- Camila – dizia Carina –, a Dani acabou de ligar para mamãe! Disse que vai passar o carnaval aqui com a gente!

- Ai, que máximo!

- Quem é Dani? – eu perguntava à Camila.

- É uma prima nossa.

- Ah...

Quem dos meninos ali disser não ter imaginado a tal da Dani como uma coisa de outro mundo – sendo esta prima daquelas meninas –, mente. A partir daquela declaração de Camila, a expectativa de todos ali estava focada unicamente na chegada de Dani, que ocorreria dali a uma semana.

É. Ainda me lembro como se fosse ontem. A chegada da Dani à casa de Camila e Carina não poderia ter sido em melhor momento: numa sexta à noite, quando estávamos todos ali em frente ao portão. A Dani descia do táxi portando uma mochila enorme. Camila e Carina correram até Dani para um abraço daqueles. O abraço foi emocionante, mas atrapalhou demais a nossa primeira impressão sobre Dani – não conseguíamos vê-la direito, porque as irmãs se amontoaram sobre a prima.

Findado o abraço, Dani foi até à mala do táxi pegar sua prancha de bodyboard. Nem preciso dizer que, diante de tal cena, o também surfista Bernard ficou boquiaberto, não é?

Dani era uma branquinha bronzeada ainda mais linda que Camila e Carina. Era mais velha também, tinha seus dezoito anos. Atleta que era, Dani exibia pernas grossas e torneadas, um abdômen rígido e seios de médios para pequenos. Ela usava um short esportivo curto e uma blusa branca com estampas que remetiam ao mar, essas coisas. Os cabelos eram longos, bem lisos e de um loiro bastante afetado pelo sol.

- Dani – dizia Camila –, essa aqui é a galera. Galera, essa é a minha prima Dani.

Boquiabertos, nada dissemos.

- Oi, gente, beleza? Vocês me desculpem. É que eu estou morta de cansaço. Preciso de um bom banho e uma cama. Amanhã a gente se conhece melhor, pode ser? – dizia a simpática Dani a sorrir.

“Claro que podia”, eu pensava.

No dia seguinte, logo bem cedinho, com uma caneca de Nescau numa das mãos e um sanduíche na outra, fui até o meu portão. O sol já fazia a rua brilhar, mas quem brilhava mesmo era Dani, que, na varanda da casa, numa disciplina quase que sensual, fazia uma série interminável de abdominais. “Meu Deus...”, eu pensava diante de tal cena, enquanto percebia que o verão estava apenas começando.

[Continua]

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

PANE

Tudo parecia normal. Apenas mais um dia de trabalho, de stress, de calor. Eu chegava no prédio onde trabalho e encontrava as mesmas pessoas que todos os dias esperam pelo mesmo elevador. O mesmo “bom dia” falso de sempre escorregava daquelas bocas abertas e cansadas da rotina, mas era sempre bem recebido – antes falso que nada.

O primeiro elevador a aparecer lotou depressa, sobrando apenas uma mulher do décimo oitavo andar e eu, que descia no vigésimo segundo. Sendo assim, restou a nós aquele sorriso sem graça e aquela frase mais sem graça ainda: “É sempre na nossa vez, não é?”. Claro que não é assim, mas a gente acaba sempre falando dessa forma, como se fôssemos ali o azar em pessoa.

Logo aparecia outro elevador. Eu era o primeiro da fila, mas, por educação, deixava aquela mulher tomar a cabine na minha frente. Só tínhamos nós dois ali mesmo, que diferença faria?

Encarar a subida de um elevador sempre foi para mim uma experiência muito angustiante, ainda mais quando na companhia apenas de uma mulher linda como aquela. Eu não me sinto bem com aquele silêncio que impera, fico com vontade de puxar um assunto, sei lá. Sei que num elevador a última coisa que as pessoas querem é alguém puxando assunto, mas eu penso diferente. Tenho noção de minha chatice – ainda bem –, mas fico chateado comigo mesmo se não puxar um assunto qualquer.

Todos os dias aquele mulher tomava o elevador comigo, mas naquela condição, ou seja, apenas nós dois na cabine, nunca ocorrera. Sim, ela era uma das mulheres mais lindas que daquele edifício. Para ser mais sincero, eu me casaria com ela a qualquer momento. É verdade.

Ouvira de bocas alheias que seu nome é Beatriz. Morena, alta e com os cabelos ondulados e castanhos, Beatriz carregava no rosto uma combinação perfeita entre seus olhos azuis bem claros, um nariz atrevido, uma graciosa pinta um pouco acima da bochecha direita – que mais parecia um toque cuidadoso de Deus – e uma boca pequena e atrativa. O corpo de Beatriz era realçado por uma calça jeans bem justa e uma blusa bem solta, mas que não deixava de revelar a forma delicada de seus médios e rijos seios.

Pelo menos naquele dia eu vestia o meu terno de melhor corte, ou seja, estava à altura daquela beldade ao meu lado. “Tudo conspira para um assunto”, eu pensava.

- Calor, não é, menina? – eu dizia ajeitando o nó da gravata.

- Muito – dizia Beatriz olhando para frente.

- Se continuar assim, eu....

- Ai, aperta o dezoito para mim? Esqueci! – ela me interrompia.

- Sim, claro – eu atendia o seu pedido.

- Obrigada.

Na altura do décimo primeiro andar, aquilo que jamais imaginávamos aconteceu. O elevador deu um tranco, apagou suas luzes e parou.

- Ai, meu Deus! – dizia Beatriz já demonstrando certo desespero.

- Fique calma – eu dizia –, fique calma. Existe um botão de emergência por aqui e logo alguém virá nos tirar daqui. Fique calma.

- ENTÃO APERTA LOGO ESSE RAIO DE BOTÃO!

- Ei, ei, ei... Espere aí! Se não percebeu, está escuro aqui!

Eu abria o meu celular a fim de clarear o painel da cabine e achar o botão de emergência. Logo eu o achava e o apertava três vezes.

- Pronto. Agora é aguardar.

Beatriz nada dizia.

Um telefone localizado acima dos botões da cabine começa então a soar. Eu atendo.

- Alô!

- Aqui é da manutenção, senhor. Em que andar está e quantas pessoas estão aí com você?

- Acredito estar na altura do décimo primeiro andar e só há mais uma pessoa aqui comigo.

- OK. Mantenham-se calmos. Já estamos indo até aí?

- OK.

- O que eles disseram? – dizia Beatriz.

- Disseram que já vêm.

- Graças a Deus!

Dez intermináveis minutos se passaram sem que ouvíssemos sinais de socorro. Durante esse tempo tentei distrair Beatriz comentando que nunca, em quase dez anos trabalhando naquele edifício, presenciara tal problema.

- Eu morro de medo de ficar no escuro – dizia Beatriz.

- Fique tranquila. Não há o que temer. Quer segurar minha mão?

Beatriz, como uma flecha, pegava em minha mão e logo depois se agarrava em meu braço.

- Calma, Beatriz.

- Espere aí – dizia ela –, como sabe meu nome?

- Boa pergunta. Acho que ouvi alguém lhe chamar e, sabe-se lá o porquê, guardei seu nome.

- Guardou meu nome. Sei. E qual o seu?

- Fábio.

- Prazer, Fábio – dizia Beatriz um pouco mais tranquila.

- O prazer está sendo meu, Beatriz, em te conhecer. Pena ser em situação tão...

Começamos então a conversar naquele breu.

Não lembro bem em que ponto da conversa nós estávamos, mas lembro de sentir seus lábios já mexendo bem próximos aos meus. “Eu não posso me aproveitar dessa situação”, eu pensava, mas como não sentir vontade louca de beijar aquela boca maravilhosa? Nossos perfumes já se confundiam resultando numa fragrância que parecia nos estimular ao pecado.

Até que nos beijamos. Foi lindo, porque o silêncio agora fazia com ouvíssemos o barulho estimulante daquele beijo inusitado.

Por vezes ouvira dizerem “ela não dá mole para ninguém aqui do prédio”, mas naquele momento a coisa se mostrara diferente. Sentia que o medo de Beatriz acabava por neutralizar aquela barreira que ela demonstrava em relação aos homens que tanto a fitavam.

Não fomos muito longe no nosso “primeiro encontro”, até porque o local não permitia muita criatividade. Mas foi bom sentir sua mão por vezes passar sobre a fivela do meu cinto numa espécie de conflito entre o “posso” e o “não posso”.

Alguns minutos depois, finalmente, as portas do elevador se abriam. Feixes de luz adentravam a cabine interrompendo um último selinho entre nós. Os rostos dos operários da manutenção surgiam com ar de enorme interrogação. “Não eram duas pessoas?”, se perguntava um deles, acho que por estarmos tão juntos.

Ao sairmos de lá, resolvíamos subir o restante dos andares pela escada mesmo.

No décimo oitavo andar:

- Eu fico aqui – dizia Beatriz – Obrigada por me acalmar, Fábio.

- Foi um prazer, acredite. A que horas você larga?

- Às cinco. E você?

- Também! Podíamos, sei lá, tomar alguma coisa depois do expediente? Calor, não é, menina?

- Claro! – ela ria.

Chegando ao escritório, procurei logo o Juca.

- Juca – eu dizia –, você não vai acreditar quem subiu comigo no elevador. Melhor: quem ficou presa comigo no elevador, cara.

- Quem?

- A Beatriz do dezoito! Ela e eu nos...

- Fábio, quantas vezes precisaremos dizer a você que essa menina faleceu em Angra dos Reis, no final do ano? Procure um médico, rapaz. E rápido.