sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

O PANETONE

- Puta que pariu, Lucas! E o panetone?

Mamãe soltou a frase quando, às oito da noite do dia vinte e quatro, se deu conta de que em nossa ceia faltava aquilo que, segundo ela mesma, não poderia faltar, de forma alguma: o maldito panetone.

Antes mesmo que ela me dissesse o que fazer, corri até a sua carteira, puxei uma nota de vinte, peguei a bicicleta e ganhei a rua dizendo voltar logo com o panetone.

- Ou não me chamo Lucas! – eu disse.

- Ou eu te mato, seu imbecil! – disse mamãe.

Pedalei. E muito. Mas tudo o que eu via eram mercados descendo suas portas de metal, além de pessoas, já arrumadas, rumo às casas de seus familiares.

Enquanto riscava o asfalto, de tão veloz, pensava onde eu poderia comprar um panetone àquela hora. “Mamãe me mata se eu não chegar com essa merda de panetone em casa!”, eu pensava. Fui em todos os estabelecimentos de meu bairro, mas sem sucesso; estavam todos fechados.

Eu parava numa calçada para descansar, porque minhas pernas doíam. Foi quando Isadora, uma grande amiga, me tocou as costas.

- O que está fazendo por aqui, Lucas? – perguntou-me Isadora.

- Se eu te contasse...

- Diga!

- Estou atrás de um panetone, acredita?

- Às nove horas de um dia como hoje? Está maluco?

- Mamãe me dera tal missão ontem, mas... esqueci.

- Lucas, seu doido! Vamos, lá em casa deve ter mais de um. Acho que minha mãe não se incomodará se eu te der um dos nossos panetones.

- Não, que isso?, imagina... Não precisa se preocupar, Isadora.

- Não custa nada, Lucas. E Natal sem panetone não é Natal!

- Pensas como mamãe...

Isadora, então, sempre muito fofa, me deu um de seus panetones. Agradeci e ofereci os vinte reais a ela.

- Deixe isso para lá, Lucas! – ela disse, recusando a nota – Agora vá, que sua mãe deve estar aflita!

- Te devo essa, amiga!

Voltei veloz pelo mesmo caminho e, quase chegando à minha rua, eis que me surge um mendigo – que na verdade não era bem um mendigo, mas meu pai, posto para fora de casa havia dois meses, por conta do alcoolismo. Ele estava bêbado, como sempre.

- Lucas, meu filho! Diga a sua mãe para me aceitar de volta, por favor! É Natal...

- Papai, você está bêbado de novo! Como quer que mamãe lhe aceite?

- Meu filho, eu não estou... bêbado – disse-me ele, trocando as pernas –, eu só bebi um vinhozinho... o que tem de mais nisso? É Natal, porra!

- Papai, me dói muito lhe ver neste estado, mas não posso fazer muita coisa...

- Tenho fome, filho... Muita fome...

Na mesma hora peguei o panetone que Isadora me dera e:

- Segure, papai. É um panetone. Feliz Natal...

Papai não me respondeu; abriu a caixa do panetone como um animal faminto, o que me partiu mais ainda meu coração. Então, peguei a bicicleta e segui para casa.

Chegando:

- Conseguiu o panetone, Lucas? – perguntou-me mamãe.

- Consegui, mamãe, mas não o trouxe.

- Como “não o trouxe”, Lucas?

- Encontrei-me com papai. Ele estava com fome, e...

- Não credito que alimentou aquele animal como o nosso panetone, Lucas!

Meu sangue ferveu ao ver mamãe falando daquela forma do papai. Chamá-lo de animal? E o que havia de errado em alimentar papai se até nossos cachorros comiam bem lá em casa?

- Mamãe, a senhora e eu já comemos muitos panetones pagos por papai! Pense nisso!

Mamãe emudeceu.

- Ah! – eu continuei – e o panetone que dei a ele não lhe custou nada! Estão aqui os seus vinte reais! Engula-os!

Fui para o meu quarto e chorei. Chorei porque não consegui compreender como um simples panetone pode estragar o Natal de uns e ao mesmo tempo fazer o Natal de outros, ainda mais sendo ambos os lados meus pais.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

OITO ANOS DEPOIS

O tempo é realmente algo formidável, não? Ele transforma profundos aborrecimentos em coisas sem importância; bons colegas em velhos amigos, bons momentos em belas lembranças... Transforma crianças em jovens, e, logicamente, jovens em adultos. Ah, o tempo... Está aqui, ali, aí, neste e em todos os nossos momentos, agindo, tratando de transformar tudo e todos. Mas só fui dar tal importância ao tempo de uns dois anos para cá, quando fui convidado a passar o Natal na casa de um grande amigo, o Gerson, em Minas Gerais.

Na ocasião, eu estava por lá a trabalho; participava da (exaustiva) gravação da trilha sonora de um filme – que não emplacou, mas isso é outra história. Gerson é meu amigo de infância. Nascidos e criados em Niterói, Gerson e eu somos como irmãos. Fazia uns oito anos que Gerson – também músico – residia por lá com a esposa, um casal de bebês gêmeos e sua irmã mais nova, a Paulinha. E é justamente sobre Paulinha que quero falar.

Entre Paulinha e eu há uma distância de uns sete anos, por aí. Quando eles se mudaram para Minas, Paulinha era uma moleca, chata, de treze anos, se não me engano. Eu, na época com vinte anos, não podia, logicamente, imaginar a linda jovem que esta se tornaria. E a surpresa me veio naquele Natal.

Rever Gerson e conhecer sua prole foi demais. Aquele casal de bebês era tão lindo; completava, de fato, a harmonia daquela casa. Mariana, esposa de Gerson, era uma mulher muito atenciosa – sempre foi, diga-se de passagem, desde quando eles apenas namoravam – e me tratou muito bem sob aquele teto humilde e aconchegante.

- Quanto tempo, Juliano! – dizia-me Mariana a sorrir e me abraçar, assim que cheguei.

- Puta merda, Juliano, dá um abraço! – dizia-me um Gerson com nítidas lágrimas nos olhos – Como andas, rapaz? E essa gravação que veio fazer? Termina ou não termina? Soube que o produtor é o Duarte, né? Ele é um “carne de pescoço”.

- Pois é, Gerson, essa gravina está me consumindo. Sopro esse sax de manhã e só paro de madrugada...

- Nossa... Ah! Trouxe o sax, né? Vamos fazer um som mais tarde! Ainda aguenta?

- Claro! Acha que iria vir aqui e deixar de fazer um som contigo, Gerson?

Gerson e eu nos sentávamos no sofá a fim de colocar aquele papo, oito anos atrasado, em dia. Mariana nos servia doses de whisky e charutos; ela sabia exatamente como nos fazer feliz naquele momento.

- E Paulinha, Gerson? Ela mora com vocês, não é?

- Paulinha está no quarto dela, certamente. Não larga aquele computador nem à paulada. Mas deixe-me chamá-la – e berrou – PAULINHA! VENHA ATÉ AQUI! JULIANO QUER TE VER!

Eis que me chega à sala Paulinha. Aquele corpo franzino da “moleca chata” de outrora se transformara numa coisa de louco! Paulinha era agora uma negra alta de uns vinte e um anos. Assim como Gerson, a menina puxara a pele escura do pai, mas os cabelos lisos e, no seu caso especificamente, ondulados da mãe branca. Essa combinação, unida aos traços finos de seu semblante e às suas medidas “fartas”, fazia de Paulinha uma menina dona de uma beleza tipicamente brasileira, porém, rara!

- Juliano! Que saudade! – dizia-me Paulinha muito surpresa.

Eu me levantava para abraçá-la, mas, confesso, não sabia para onde olhar. Seu decote exibia um par de seios que eram uma afronta; seu short curto porém decente deixava à mostra pernas brilhantes de tão rígidas. O sorriso de dentes brancos e perfeitos... um convite!

- Paulinha, você está enorme, meu Deus – eu dizia durante aquele abraço forte e caloroso.

Mas logo Paulinha nos pedia licença e voltava, aparentemente muito feliz, saltitante, para o computador.

Era o fim da minha paz.

Conversei durante horas com Gerson, me diverti muito, mas, metade do meu pensamento estava na beleza de Paulinha, que, por sua vez, não saía daquele quarto.

As guloseimas da ceia de Mariana começavam a cheirar por toda a casa quando Gerson resolveu abrir o piano para fazermos um som. Saquei meu sax do case e pensei que tocá-lo me faria parar, pelo menos por um momento, de pensar em Paulinha.

Tocamos então aquilo que mais gostamos; Jazz, claro. Fazia anos que não tocávamos juntos, mas os temas fluíram como se aqueles nossos oito anos de jejum não existissem.

Foi quanto resolvemos tocar Say it; um tema lindo que foi capaz de tirar Paulinha do quarto – para a minha alegria.

Paulinha parou na porta da sala, se recostou na parede e, dali, ficou a me observar. Ela me inspirou na hora do improviso e, sim, fiz aquele solo para ela, olhando bem naqueles olhos castanhos. Como já estava anoitecendo, nossos corpos ali eram iluminados apenas pelas luzes da árvore de Natal, montada no canto da sala – o que deixava tudo aquilo com um clima indescritível.

Ao terminarmos aquele tema, Gerson se levantou do piano e foi até a cozinha.

- Vou pegar um vinho para a gente, Juliano! Segure aí! – dizia-me Gerson.

- OK...

Paulinha resolvia se aproximar.

- Gostou do que ouviu? – eu perguntava.

- O quê? Eu AMO essa música!

- É mesmo? E desde quando gosta de jazz?

- Como não gostar de jazz, quando você mora com um pianista como o meu irmão?

- É verdade... Então, quer dizer que você anda ouvindo os discos do Gerson.

- Sim, de vez em quando.

- Que bom...

Depois de uma pausa de exatos trinta segundos:

- Eu me lembro muito de você, sabia? – dizia-me Paulinha.

- Fico feliz, porque faz muito tempo... Lembro de você também, só que bem diferente... Você era uma criança, né... E agora...

- O que sou agora, Juliano? – dizia Paulinha rindo.

- Ah, uma mulher... Linda! Uma linda mulher...

- Lindas mulheres procuram lindos rapazes, sabia?

- Faz sentido. E a internet deve estar cheia deles, não acha?

- Impressão sua. No momento, a sala da minha casa parece mais interessante.

Estava claro que se tratava de uma conversa que nunca tivéramos; uma conversa de adultos.

- Seu irmão não ia gostar nada desse nosso papo, Paulinha.

- Não faz mal... Acredita no poder da noite de Natal e em todas as coisas boas que esta pode proporcionar? Acredita?

- Paulinha...

- Após a ceia, quando todos se recolherem, teremos um encontro, pode ser?

- Por favor, eu não quero estragar tudo, Paulinha...

- Quem falou em estragos? Estamos falando de sonhos e de realizações.

- Do que está falando?

- Você lembra de mim bem menina, não lembra?

- Sim, claro!

- Meninas possuem sonhos... Entende?

Paulinha dava meia-volta e seguia em direção ao seu quarto.

* * *
Durante a ceia, à mesa, Paulinha fez questão de se sentar à minha frente. A jovem trajava um vestido xadrez com um decote singelamente sedutor. Trocamos muitos olhares e sorrisos. Porém, as tentativas de Paulinha em roçar nossas pernas sob a mesa falharam, porque eu, covardemente, fugia.

Lá pelas duas da madrugada, já cansados, fomos todos dormir, inclusive Paulinha, que, na verdade, fingia. Fui para o quarto de hóspedes e me deitei, sem saber que, poucos minutos depois, Paulinha ali adentraria.

Vestindo apenas uma camiseta de malha e um short estonteante, lá estava ela, pronta para sei lá o quê.

- Menina, você ficou maluca?

- Sim! Estou maluca desde quando me mudei para cá, Juliano! Entenda! Eu sempre fui apaixonada por você!

- Não invente, Paulinha! Você era uma criança!

- Era! Disse bem! Era! Mas não sou mais! E se a minha idade o impedia de me querer, hoje não impede mais! Impede? Diz que não me quer? Diz que não para de olhar o meu corpo! – ela acertava tudo, em cheio – Diz, Juliano, que você não quer me despir e...

E foi o que eu fiz. Naquele quarto de hóspedes da casa do meu melhor amigo, amei sua irmã num misto de tesão e culpa. Durante toda a madrugada, nosso sexo forçadamente silencioso deu início a um caso amoroso e, logicamente, proibido – Gerson me mataria, fato –, que se estendeu por todos os dias que me encontrei em Minas.

Hoje, recebo do carteiro um cartão de Natal, vindo de Paulinha, que diz:

Que neste Natal o tempo seja tão generoso para ti quanto foi para mim em 2008.

Feliz Natal.


O que ela não sabe é que naquele Natal de 2008 o tempo foi generoso para mim também...

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

O PRESENTE

As Meninas

Na minha adolescência, quando o fim de ano se aproximava, uma coisa estranha me tomava o peito e a alma. Não sei explicar, mas acho que acontece com todos nós nessa fase da vida. Acho que tem a ver com aquele misto de alegrias gerado pelas férias escolares, pelo verão, aquela coisa toda. Sei que a impressão era a de que tudo mudava; o clima, o astral das pessoas.

Nessa época do ano, na fase das aulas de recuperação da minha escola, quando o uniforme – que era um verdadeiro “ultraje” à feminilidade das meninas – já não era obrigatório, nós, meninos, costumávamos ter diversas surpresas. É que sem a obrigatoriedade da calça jeans, do tênis preto e da tradicional camisa polo – sem falar no jaleco –, as meninas, bem à vontade, coloriam o pátio com suas camisetinhas, shortinhos e sandalinhas.

Claro que durante o ano tínhamos oportunidades de vê-las sem uniforme, mas nada comparado aos trajes de verão. Elas exibiam suas marquinhas de biquíni e, a fim de refrescarem a nuca, prendiam seus cabelos em rabos de cavalo, tranças e coques.

Lamentávamos algumas “baixas” também; as meninas mais inteligentes (não, não eram as feiosas da sala, muito pelo contrário) não precisavam de recuperação. A Karina, por exemplo, a mais gata de toda a escola, aluna da minha classe, só tirava boas notas. Então... Se quisesse encontrar com Karina em dezembro, que fosse à praia.

Mas, no final do último ano do ensino médio, num desses períodos de recuperação, mas precisamente no dia quinze de dezembro, estávamos numa roda de papo, aguardando pela divulgação do resultado final, quando:

- Gente, Karina me ligou hoje! – dizia Rafaela – Ela disse que vem aqui ver a galera!

Rafaela era a melhor amiga de Karina, andavam sempre juntas.

- Nossa! – eu dizia aos meninos – Imaginem a Karina como deve estar, bronzeadinha...

Rafaela nos olhou com uma pontinha visível de ciúme, mas logo se refez.

Na roda estávamos Rafaela, Bianca, Laura, Gabi, Elaine, Pedro, Flávio, Bruno e eu. Nós, meninos, observávamos, ali, jogando conversa fora, a beleza de cada uma daquelas meninas.

Eu tinha lá a minha a queda por Rafaela. Mas era aquela queda de adolescente, sabe? A gente não consegue manter o foco numa queda só, então acaba tendo quedas por várias meninas... Mas confesso que a queda era, sim, mais intensa por Rafaela.

A Rafaela era uma branquinha que, desde o ensino fundamental, sempre sonhei em namorar. Mas namorar mesmo! Palavra! Durante os cinco anos em que estudei com ela, não destacaria as qualidades de seu corpo muito bem feitinho e nem de seu rosto angelical, mas sim as qualidades de uma alma rara. Rafaela era amiga de todo mundo. Não tinha como não se apaixonar por ela, porque era uma menina linda, gente finíssima e confiável. Ah, e aquela coisa toda de inocência também, que Rafaela, diferentemente das demais meninas, deixava transparecer.

A menina

Por conta do jeito de ser de Rafaela, nunca havia tido oportunidade concreta de lhe dizer o que sentia. Ela parecia sempre tão desencanada em relação a namoros... Não sei explicar, mas era bem difícil levar uma conversa com ela às segundas intenções, porque ela não dava chances para que isso ocorresse. E aquele final de ano, por ser o último na escola, teoricamente, era a chance restante de dizer, enfim, o que sentia por Rafaela.

- Ih! Olha a Karina lá! – dizia Rafaela ao avistar a amiga.

Rafaela ia de encontro à Karina. As duas se abraçavam e vinham, de braços dados, de encontro ao grupo. Meu Deus, como descrever Karina naquela tarde?

Karina, bronzeadíssima, vestia um short verde guerra e uma camisetinha branca, bem leve. Seus cabelos lisos e loiros estavam presos numa trança que se portava sobre o seio esquerdo. O que mais me chamava atenção era a rigidez de suas coxas, que não eram exageradamente grossas, mas apenas grossas e lindas. Ora, Karina já era uma deusa sob o ridículo uniforme escolar, o que esperávamos?

Bianca, Laura, Gabi e Elaine emudeceram diante do nosso emudecer. Karina, ali, daquele jeito, era como uma miragem para nós.

Já era de se esperar que toda a atenção dos meninos se voltasse para Karina. E não foi diferente.

Com Pedro, Flávio e Bruno bajulando Karina, era a vez de Bianca, Laura, Gabi e Elaine tratarem de dar uma volta – talvez até para estudar um pouquinho, não sei. Foi quando me senti à vontade para, finalmente, chegar à Rafaela com as minhas reais intenções.

- Rafa! – eu dizia.

- Oi.

- Eu queria... Eu queria te contar uma coisa. Eu...

- Pode falar, Marcelo.

- Aqui não. Venha, vamos dar uma volta. Eu te conto pelo caminho, pode ser?

- Ah, Marcelo, o que é? Não estou a fim de ficar andando debaixo de sol! Fala!

- Olha, Rafaela, sem essa, vai... Durante cinco anos você criou inúmeras situações, nas quais eu sempre me vi sem armas para dizer que...

- Que o quê?

- Que eu te quero!

Rafaela ficou sem ação. E eu não sabia se olhava nos olhos dela ou se esperava por uma resposta olhando para o chão. Mas lembro que preferi olhar nos olhos, porque, no fundo, estava tomado por uma curiosidade imensa: a de saber como reagiria Rafaela diante de uma declaração como aquela.

- Você está falando sério, Marcelo?

- Estou.

- Eu não sei o que te dizer, porque...

- Não precisa me dizer nada agora, se não quiser. Aguardei cinco anos... Acho que posso aguardar mais alguns dias. Só não quero te perder de vista, Rafaela.

- OK...

A verdadeira menina

O resultado final foi colocado no mural e logo constatamos que todos nós havíamos sido, finalmente, aprovados. A felicidade foi geral, porque ninguém ali gostaria de passar mais um ano naquela escola; pensávamos em faculdade etc...

Em meio àquele misto de alívio e saudade precoce, abraçávamos uns aos outros, mas, nitidamente, evitávamos, Rafaela e eu, de nos abraçarmos, como se, calculadamente, nos programássemos para nos abraçar por último.

Quando não havia mais quem abraçar, fui em direção à Rafaela, que parecia esperar mais do que um simples abraço da minha parte. “Beijo ou não beijo? Beijo ou não beijo?”, eu pensava enquanto me aproximava.

Antes do abraço, acariciei de leve seu rosto, fui ao seu ouvido e:

- Vou ficar esperando o seu “sim”.

- Então – ela dizia –, sim.

Seus lábios ainda faziam aquele aceite quando os meus, afoitos, os tocaram, proporcionando a todos uma imagem inédita: o beijo de Rafaela.

A partir daquele momento, foi como se quiséssemos recuperar os cinco anos de silêncio mútuo. Mútuo, sim, porque logo Rafaela me confirmaria que também, por cinco anos, esperou por um sinal meu.

O sentimento recíproco é bom demais, mas na adolescência a coisa é ainda mais forte e incontrolável. Nossos encontros eram bailados ao som da descoberta; eram intensos. Ali eu sabia que, na verdade, eu não sabia nada a respeito de Rafaela. A inocência e a infantilidade que sempre relacionei à Rafaela se desmanchavam nos beijos que trocamos nos dias seguinte, até o Natal, quando:

- Marcelo – dizia-me Rafaela, pelo telefone, em pleno dia vinte e quatro –, eu quero te dar um presente. Pode vir aqui em casa agora?

- Mas agora? São duas da tarde ainda!

- É que meu presente pode, digamos, se desfazer, se não for dado agora...

- Bem, se você diz... Estou indo para aí.

Fui pelo caminho tentando decifrar o que de fato poderia se “desfazer”, mas sem sucesso.

Cheguei ao portão do prédio de Rafaela e toquei o interfone. Falei com o porteiro, que logo me deu permissão para subir.

Chegando à porta de Rafaela, toquei a campainha conforme ela me pedira: dois toques curtos.

- Entre! – ela dizia lá de dentro.

Entrei. E encontrei Rafaela a atingir o ápice do ineditismo; estava completamente nua. O pior é que Rafaela sabia fazer tudo aquilo, e parecia muito experiente ao dizer:

- Mas um pouquinho e o seu presente, ó, “puft”, já era, Marcelo...

- Mas... o que é o presente em si, Rafa?

E Rafaela, então, respondia, deixando bem claro o quanto eu a desconhecia:

- Meu tesão, Marcelo!

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

EU TENHO MEDO DESTE NATAL

- Não acredito, Daiane! Mais um Natal na casa da sua mãe? – eu disse desanimado.

O problema não era a casa de minha “sogra” em si, muito pelo contrário; um palácio com piscina, churrasqueira e até um campinho de futebol, desses de se jogar quatro na linha e um no gol, maior barato! O problema todo estava no fato de, novamente, ter de encontrar os olhos da prima de minha namorada, a Luciana.

Luciana não é nem de longe mais bonita que Daiane. Enquanto minha namorada exibe um corpitcho bronzeado e de medidas perfeitas, Luciana anda aos estalar dos ossos que lhe sobressaltam; magrela, coitadinha, Luciana precisa da identidade para provar seus vinte e um anos – aparenta dezesseis, no máximo, por conta da ausência de, digamos, atributos.

Vamos fazer um comparativo? Daiane: estatura mediana, morena, cabelos longos na cor do mel, na altura do meio das costas. Olhos negros num rosto de traços delicados. Seios e bumbum rijos, um abdômen hipnotizador e um par de pernas que, meu Deus... Luciana: estatura mediana também, branca como um papel, cabelos negros e longos, na altura da cintura. Rosto sardento, mas de traços finos. Seios e bumbum pequeninos de dar pena. Mas os olhos... Ah, os olhos de Luciana...

Grandes, amendoados e claros, os olhos de Luciana são – mais ainda que o abdômen de Daiane – também hipnotizadores. Por vezes me peguei paralisado frente àqueles olhos; não tem como! Palavra! É como se Deus tivesse deixado o capricho todo voltado naquele par de olhos e se esquecesse do restante de Luciana.

No Natal passado, fui flagrado três vezes por Daiane.

- O que tanto você olha para a Luciana, Saulo? – perguntou-me Daiane já no terceiro flagrante.

- De novo com essa história, Daiane? Que coisa!

- “Que coisa” é uma ova! Já é a quarta...

- Terceira!

- Que seja! Já é a terceira vez que te pego olhando para essa magrela! O que é que tá rolando?

Eu sentia nas palavras de Daiane uma convicção numa espécie de superioridade de beleza em relação à sua prima. Era como se fosse, segundo Daiane, impossível um homem trocar o “conjunto da obra” por um par de olhos. Realmente é impossível, você deve estar pensando. Mas, diante de Luciana, você treme na base.

- Vamos parar com esse assunto, Daiane! – eu dizia. – Nem falo direito com a sua prima! Está viajando com essa paranóia.

- Paranóia, né, Saulo? Paranóia? Na próxima vez que eu o vir fitando Luciana, Saulo, eu faço um escândalo, ouviu?

- OK, Daiane... OK...

Mas o pior ainda estava por vir... eu havia tirado a Luciana no amigo oculto da família. Como não olhar nos olhos de um amigo oculto? Confesso que por muito pouco não troquei os presentes com o Guilherme, irmão de Daiane – um grande amigo, que me entenderia.

Na hora de entregar o meu presente, tive que, como todos os participantes da brincadeira, dar pistas sobre o meu amigo oculto.

- Bem – eu começava –, não tenho muito a dizer sobre meu amigo oculto. A gente pouco se conhece e...

- O seu amigo oculto é bonito, Saulo? – perguntava um tio chato de Daiane, o Alberto.

- Bem – eu pensava no que ia falar –, posso dizer que sim, por que não, né? E...

- O que o seu amigo oculto tem de mais bonito, Saulo? – perguntava agora a chata da minha “sogra”, no mínimo achando ser ela.

- Acho que...

- Fala, Saulo! Fala logo! – insistiam.

- Pode falar, amor, que vergonha é essa? – dizia Daiane – É uma brincadeira.

- Bem... Eu acho que... Os olhos! Sim – agora com entusiasmo –, os olhos do meu amigo oculto são lindos! Lindos demais!

- Hummm – diziam, em uníssono.

- Então diga logo quem é, Saulo! – dizia minha sogra.

- É a Luciana!

Eu entregava o presente à Luciana ao mesmo tempo em que notava duas coisas engraçadas ocorrendo ali, diante de minha declaração sobre os olhos daquela menina: o desapontamento de Daiane e o silêncio daqueles familiares. Senti que ninguém via a beleza que eu via nos olhos de Luciana. E isso se confirmou mais tarde, quando todos dormiam e eu contemplava, acompanhado de um copo de vinho, o bailar das águas daquela piscina, no momento tão calmas.

- Acordado ainda, menino? – dizia-me Luciana a “surgir”.

- Sim. Perdi o sono. E você?

- Não consigo dormir.

- Entendo. Quer vinho? Ajuda...

- Quero – ela sorria.

Servi a ela um copo.

- Sabe, Saulo – ela dizia – não consegui dormir porque não paro de pensar no que disse sobre meus olhos.

- Não gostou?

- Claro que gostei, Saulo. Nunca ninguém exaltou uma beleza minha, assim, como você fez hoje.

- Que injustiça, Luciana.

- É sério. Você foi a primeira pessoa que... que me disse algo assim.

- Disse a verdade, só isso.

Luciana olhou para os lados – a fim de constatar que estávamos realmente sozinhos – e tocou-me os lábios com um beijinho rápido.

- Feliz Natal, Saulo – ela dizia, sumindo para dentro daquela casa.

Aquele momento ficou na minha memória. Marcou.

No dia seguinte, os olhares meu e de Luciana se encontraram por diversas vezes. Daiane não tocou no fato do amigo oculto e de oculto mesmo ficou aquele beijo que somente os copos de vinho testemunharam.

Tenho medo do que possa acontecer neste Natal.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

QUEM MENTIU?

Confesso que a ideia de ficar em São Paulo por uma semana repleta de palestras chatas sobre os novos rumos do marketing não me agradara nem um pouco. Todo ano a empresa onde eu trabalhava enviava um representante para tal evento, mas eu sempre fui aquele funcionário, como posso dizer?, incompetente. Acho que por isso, em sete anos de empresa, nunca fora convocado; até aquele ano.

Recebi a ordem com a minha já conhecida cara de bunda, ao mesmo tempo em que meu chefe dizia que uma de suas secretárias já havia reservado tudo; passagens, hospedagem etc.

- OK... – eu disse.

- Só que desta vez enviaremos dois representantes – disse-me meu chefe. – Vai também a Viviane, da filial de Duque de Caxias.

- Eu a conheço?

- Creio que não. Ela está conosco há alguns meses.

- Ah...

A coisa começou a melhorar. Uma companhia feminina! “Quem está interessado nos novos rumos do marketing? Dane-se o marketing, ora essa!”, eu pensei comigo. Queria era sair daquela sala e descobrir logo quem era essa tal de Viviane.

Logo no corredor, me deparei com Ana Luiza, do DP.

- Aninha do meu coração! – eu disse, estampando um sorriso interesseiro.

- Diga, William, o que você quer? – disse-me Ana Luiza.

- Calma... Faz um favorzinho para mim?

- Diga.

- Tem como você me arrumar uma foto de uma tal de Viviane, da filial de Duque de Caxias?

- E por que eu faria isso?

- Porque você é minha amiga?

- Me erra, William!

Ana Luiza e eu tivemos um “casinho”, uns meses antes. Uma gracinha de menina, mas tão chatinha, meu Deus. Depois de mim, até então, creio eu, ninguém mais pousara naquele corpinho mignon – vinte e seis aninhos bem distribuídos em seios e bumbum pequeninos porém vistosos, bem vistosos. Ana Luiza, a Aninha, tinha a fama de ser – pasme – virgem! Sim, isso mesmo! Virgem! Está bem, confesso, eu não a levei para a cama, mas quem a levou?

- É importante, Aninha! – eu insisti. – Preciso saber quem é essa tal de Viviane!

- Posso saber o porquê?

- Vou a São Paulo com ela na semana que vem, e...

- Sabia! Quer, no mínimo, saber se a “tal da Viviane” é gostosa o suficiente! Poupe-me!

- Não é isso, Aninha! É que...

- É que o quê?

- Esqueça... Não precisa se incomodar. Eu dou meu jeito.

- Eu vejo para você, seu ridículo! – disse-me Ana Luiza fechando a cara e seguindo seu caminho.

Após o almoço, Ana Luiza chegava até minha mesa. Com um sorriso lindo, que só ela tem, carregava nas mãos um envelope.

- Parabéns, William! – ela dizia. – Estará em ótima companhia em São Paulo!

Ana Luiza, ainda sorrindo, me entregava o envelope e dava meia-volta. Antes de abri-lo, não pude deixar de dar uma bela sacada naquele bumbum a se distanciar. Ah, sim, abri o envelope e lá estava: a foto da tal Viviane.

- Puta que pariu! – escapuliu-me o palavrão.

Que mulher feia, meu Deus! Como alguém no mundo poderia merecer tamanha maldade? Não vou descrevê-la; apenas imagine uma pessoa feia, mais bem feia, e multiplique por mil. Na mesma hora imaginei uma semana em São Paulo ao lado “daquilo”.

Fui correndo à sala do chefe.

- Não posso ir a São Paulo! Não posso! – eu dizia ao entrar.

- Mas como, William? Você confirmou...

- Recebi uma notícia meio chata, Dr. Fausto. A minha mãe anda muito doente, sabe? – mentira; muito pelo contrário, minha mãe esbanjava saúde e tinha mais disposição que eu, inclusive –, e minha irmã ligou dizendo que ela piorou e...

- Meu Deus. Não, tudo bem, William. Indica alguém para substituí-lo na viagem?

- O Hélio, pode ser?

O Hélio era um invejoso que não largava do meu pé. Era a hora de me vingar de todo o seu veneno derramado sobre minha carreira.

- OK. Eu falo com ele.

- Muito obrigado, Dr. Fausto.

Passei no DP a fim de dar a notícia à Ana Luiza.

- Aninha, meu amor! Livrei-me daquela viagem! Graças a ti!

- Sabia que você só queria saber se a Viviane era uma “boa” companhia. Seu safado!

Foi quando vi o Hélio saindo da sala do chefe com uma cara ótima.

- E aí, Hélio? Indiquei você para aquela viagem! Gostou?

- Claro, William! Estava mesmo querendo ir a São Paulo ver meus pais. Muito obrigado!

- E terá companhia, hein, Hélio!

- Sim! Sim! Cá entre nós, essa Viviane é um espetáculo!

- Espetáculo? Mas... Você a conhece?

- Quem não a conhece, William? Ela está no meu Facebook, inclusive! Você quer ver?

- C... Claro...

A Viviane era a coisa mais linda do universo! A cada foto que Hélio me mostrava mais raiva eu sentia de Ana Luiza. Filha de uma égua!

Voltei ao DP.

- Ana Luiza! – eu dizia, puto da vida!

- O que houve, William?

- Isso não se faz! Por que mentiu para mim? Quem era “aquilo” que me mostrou?

- Ora, ora... A Viviane, ué?

- Mas o Hélio me mostrou outra Viviane! E linda!

- William, escute o que eu vou te dizer: Você terá que escolher em quem confiar, meu bem. O Hélio morre de inveja de você, não é? Eu sei que morre! Ele pode ter te enganado também, não? Pense.

Até hoje não sei quem mentiu; se o amor, naquela ocasião, ainda existente de Aninha, ou a inveja gritante de Hélio.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

ACIMA DE TUDO, FIEL

Um pacto. Isso mesmo! Tínhamos, Tatiana e eu, um pacto de não dizer palavra. A gente se encontrava, se beijava, se amava e se lambuzava com todos aqueles líquidos que da gente saía – que para nós, diga-se, eram afrodisíacos –, mas não dizia um “ai”; tínhamos um medo mortal de nos conhecer melhor e, com isso, acabarmos perdendo o tesão um pelo outro. Um medo muito do babaca, confesso. Mas tínhamos dezenove para vinte anos; o que se esperar dessa idade em termos de relacionamento?

Eu tinha a minha namoradinha, sabe?, a Beatriz. Mas era aquele namoro de sofá, entende? Beijinhos, mãos dadas, TV, lanche, mais beijinhos e tchau. Ela só tinha dezesseis e os pais dela não davam brecha.

- Você pode namorar a minha filha, rapaz – disse-me o pai dela certa vez –, mas porque tu tens um emprego e me parece, ouça bem, me parece ser de boa índole. Por enquanto, o namoro de vocês é aqui em casa e sob os meus olhos, entendeu?

Diante de tal conselho (leia-se ameaça), qualquer um abandonaria o barco no primeiro dia. Mas Beatriz era para mim uma jovem de qualidades muito raras. Eu via nela a mãe dos meus filhos! Palavra!

Beatriz era uma morena clara do cabelo bem negro, todo em cachinhos, na altura do meio das costas. “Dá um trabalho mantê-lo assim”, ela dizia sempre. Com aparelho nos dentes, sua fala saía meio “axim, xabe?”, o que para mim era um charme à parte! Dona de olhos grandes, claros e de cor indefinida, Beatriz possuía um rosto de menina, mas um corpo de mulher – quase sempre coberto por vestidinhos que eram um misto de sensualidade e inocência.

Era um pouco monótono, sim, confesso, mas ao mesmo tempo era muito bacana chegar à casa de Beatriz e ouvi-la dizer, com aqueles lábios pequenos, “amor, hoje fiz um bolo de cenoura, hummmm”.

Com Tatiana era o contrário. A gente se encontrava nos fundos da casa dela, em meio a um monte de ferramentas velhas, sempre às quintas-feiras à noite, quando seus pais saíam. Lá havia uma bancada de madeira que a gente forrava com um edredom velho; edredom este testemunha de todas as nossas loucuras.

Tatiana tinha a pele alva e o cabelo castanho, na altura do tórax; era bem liso, porém, nitidamente sem cuidados. Ela tinha uma combinação rara de medidas: bem magra, mas com seios fartos e rijos. Não tinha muito bumbum, é verdade, mas, sei lá, ela tinha sexy appeal, sabe? Estava sempre com uma calça skinny, uma camiseta de malha e um All Star vermelho. Ah! E com muito, mas muito tesão também.

Comigo, Tatiana não queria saber de nada que não fosse sexo. Era apenas isso. Se eu estava com a Beatriz, se eu ia me casar, se eu tinha faturado o prêmio da Mega Sena, nada disso importava. Tudo o que ela queria era que na quinta-feira eu estivesse lá, firme e forte! E põe firme e forte nisso, porque a magrelinha era incansável.

Como já disse, com a gente não havia diálogo. Era “pá-pum”, só que multiplicado por três ou, às vezes, até quatro.

Num desses nossos encontros mudos – não tão mudos assim, porque os gemidos de Tatiana costumavam rasgar o silêncio da noite:

- Preciso te dizer uma coisa – dizia Tatiana antes mesmo de nos beijarmos.

- Mas...

- Sim, eu sei, prometemos nunca falarmos um do outro, mas eu preciso te dizer que...

- Que o quê?

- Que não vai haver mais encontros entre nós dois. Estou com um cara.

- E desde quando isso é motivo para terminarmos aqui?

- Desde o momento que resolvi ser fiel a ele. Posso?

- Não! Não pode! Eu não sou fiel à Beatriz! Por que você tem que ser fiel a este cara?

- Porque eu SOU fiel!

- Desde quando?

- Desde sempre! Fui fiel a ti, não fui?

- E eu sei lá, Tatiana? Eu lá sei com quem você anda?

- Só andei contigo, seu babaca! E aposto que a Beatriz só andou contigo também! Acho que você é o único filho da puta nessa história!

- Essa é boa, Tatiana... Essa é boa!

Fazer o quê? Dei meia-volta e fui embora.

Naquela semana sofri horrores com o nosso rompimento. Até Beatriz me achou estranho naqueles dias. Realmente eu estava estranho; olhava para o nada, ficava quase sempre cabisbaixo. Senti como se eu realmente fosse dependente de Tatiana, ou melhor: do sexo de Tatiana.

Na outra quinta-feira, mesmo sabendo que Tatiana não me receberia, fui em direção aos fundos da casa dela, como sempre. Antes de chegar àquele muro, pude ouvir os gemidos de Tatiana. Ela estava lá, provavelmente com o tal cara de quem ela me falou. Que ódio eu senti. No mesmo dia e horário em que ela se dedicava a mim? A sua voz me dizendo “...eu SOU fiel” martelava a minha cabeça.

Sentei no muro e esperei. Pelas minhas contas foram umas três transas. Os gemidos de Tatiana me torturavam, mas eu precisava saber, de qualquer maneira, quem era aquele cara.

Quando ouvi a porta daquele cafofo se abrir, rapidamente desci do muro e me escondi, a fim de esperar pelo cara. Ele saiu, assim como eu saía, sem emitir palavra. Filho da mãe. Quando ele dobrou a esquina:

- Ei, cara! – eu o abordava.

Era um cara bonito. Forte, de estatura mediana, bem vestido...

- O que foi? – dizia ele não muito amigável.

- Estava com a Tatiana?

- Sim, por quê?

- Foi bom?

- Foi ótimo! Por quê?

- Estão namorando?

- Não é da sua conta!

- Preciso saber! Por favor!

- Que babaca! Quer mesmo saber? Eu tenho uma namorada, sim, mas não é a Tatiana. E ela sabe disso! Agora me dê licença!

A fidelidade de Tatiana sempre me espantou, mas naquele momento me causou nojo. Ali, parado naquela esquina, feito um completo idiota, senti uma vontade louca de comer um pedaço de bolo da Beatriz.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

TEORIA SOBRE O AMOR

Não adianta. Não me vem à cabeça o nome de nenhum dos professores que tive na vida – meus cinquenta e sete anos não deixam; exceto o de Valéria. Professora Valéria! Como poderia me esquecer deste que é o nome da promessa mais antiga de felicidade que tive? Promessa esta que nunca foi cumprida. E que é, talvez, a causa de meu único sofrimento.

Fui casado. Quatro vezes. Tenho cinco filhos e duas netas lindas! Mas se me perguntas sobre o amor, ah!, aí eu só tenho respostas que levam ao nome de Valéria, minha professora de violino na faculdade de Música. Como fui capaz de me casar quatro vezes? Ora, a vida colocou algumas pessoas em meu caminho, e, quando me dava conta, lá estava eu casando novamente. Casamentos não passam de contratos movidos à paixão; amor mesmo não gera nada, só sofrimento.

Eu digo isso em relação ao amor porque acredito que amores nunca se encontram de verdade. Numa relação a dois, no máximo um ama! Nunca os dois amam! Talvez, meus últimos três casamentos tenham fracassado pelo fato de eu não saber esconder o amor que eu não sinto. Estas mulheres me amaram, e disso eu sei, mas nunca as amei; eis o problema. No meu quarto e atual casamento venho melhorando na arte de interpretar o bom amante; isso já dura sete anos.

Valéria, a professora, nunca me amou. Eu a amei. E como acredito, desde a minha adolescência, na “minha teoria sobre o amor” – aquela dita há pouco –, ao perceber naquela época o meu sentimento por Valéria, sabia que este não teria futuro algum.

Em minha última aula com Valéria, antes desta viajar para a Inglaterra, toquei um dos caprichos de Paganini; não me recordo qual exatamente, mas sei que foi o mais melancólico dos vinte e quatro. Os olhos daquela professora se encheram de lágrimas. Assistindo sua fragilidade, ali, bem na minha frente, resolvi então me declarar:

- Não vá para a Europa, professora!

- Não há mais o que fazer aqui, Augusto! – disse Valéria – O meu futuro está lá. Há uma orquestra me esperando, entende?

- Há muito mais aqui para você do que uma simples orquestra, professora!

- E o que há?

- Eu! Eu te amo, Valéria!

Valéria foi tomada por um silêncio de cinquenta e quatro segundos.

Até que:

- Fico feliz que ame o meu trabalho, Augusto!

- Surda? Estás surda? Eu disse que te amo! Quero você!

Depois daquela frase, observei cada linha de seu semblante, cada característica física, e concluía que, naquele momento, ela já não estava mais no Brasil; sua pele alva, seus olhos verdes, seus cabelos louros sob um lenço azul; ela já parecia européia, o que me fez sentir sua ausência antecipadamente.

- Adeus, Augusto. Se cuide – disse Valéria friamente.

Foi a última vez em que a vi.

Anos mais tarde, um primo meu também foi morar na Inglaterra. Dei a ele a missão de me mandar notícias de alguma “violinista famosa chamada Valéria”.

- Não é tão fácil achar alguém por aqui, Augusto – dizia meu primo pelo telefone.

- Mas ela não é simplesmente “alguém”! Ela foi para aí tocar numa grande orquestra! Procure nas orquestras! Nas grandes!

- Augusto, a única violinista chamada Valéria que, por acaso, eu encontrei, tocava numa esquina, aqui em Londres, em troca de moedas. Mas não deve ser a mesma que procuras, não é?

- ...

- Augusto?

- ...

- Augusto? Você está me ouvindo?

- Esqueça, primo. Obrigado.

Covardia? Talvez. Mas a verdade é que nunca mais, apesar de todo o amor que ainda me arde o peito, tive coragem de ir atrás dela. Eu a amei, ela não me amou. Ela amou a música, mas parece que a música não a amou. Minha “teoria sobre o amor” se mantém firme.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

A TATUAGEM

Hugo ainda guarda no peito um pouco do momento de ira vivido naquele dia; Daniela, sua esposa, chegava em casa com aquela “surpresa” sobre o seio direito: uma singela borboleta azul. O fato é que os seios de Daniela já chamavam por si a atenção alheia; não pelo tamanho – eram médios –, mas pelo formato perfeito e pelas pequeninas pintas que estes carregavam; uma graça.

Hugo nunca imaginou uma tatuagem no corpo de Daniela, que sempre se mostrou uma menina muito conservadora e recatada para tal “ousadia”. Hugo tinha verdadeira adoração pelo corpo de sua esposa. “Seu corpo, Daniela, não merece tatuagem ou qualquer uma dessas coisas que o deforme”, costumava dizer Hugo.

- Você ficou maluca, Daniela?! – dizia Hugo diante do susto – Uma tatuagem nos peitos?! Nem me consultou!

- Amor, eu quis fazer surpresa!

- Isso lá é surpresa, Daniela? Uma borboleta bem no meio dos peitos? Diga! Ficou louca?

- Não gostou? – dizia Daniela já cabisbaixa.

- Claro que não! Que decepção...

- Só você vai ver, amor – tentava convencê-lo Daniela – Não o mostrarei a ninguém, eu prometo.

Hugo, ágil, analisava rapidamente tal promessa e concluía que dentro desta havia uma grande vantagem ao seu ciúme quase doentio: os decotes – comportadíssimos, diga-se de passagem –, vez em quando usados por Daniela, estariam, por ela mesma, terminantemente proibidos.

- Você promete? – dizia Hugo mais controlado.

- Claro, meu amor! Uma tatuagem dessa a mulher só deixa à mostra a quem ela realmente ama!

- Tudo bem, Daniela, eu aceito a sua tatuagem, vai – dizia Hugo ainda mais convicto de que a borboletinha azul tinha lá o seu pró: ninguém jamais poria os olhos sobre os belos seios de sua esposa.

Alguns dias se passaram e Hugo já havia, inclusive, aprendido a gostar daquela tatuagem. As noites do casal acabaram que apimentadas pela tal borboletinha azul. “Que babaca eu fui, Daniela”, dizia então Hugo sobre a tatuagem.

Mas o tempo passou e, assim como em muitos relacionamentos conjugais, as diferenças daquele casal passaram a prevalecer sob o teto em que viviam. Hugo, após ser promovido a um cargo de chefia na empresa em que trabalhava, passava a chegar mais tarde em casa – quase sempre de pileque. Os carinhos do rapaz davam aos poucos lugar a uma agressividade leviana. Adjetivos chulos como “safada”, que nunca fizeram parte do vocabulário de Hugo, marcavam agora presença quase que constante nas discussões do casal.

Cansada de tal tratamento, Daniela resolvia pagar na mesma moeda; sob a dica de uma amiga, caía de cabeça num mundo até então desconhecido: as salas virtuais de bate-papo. E passava então a marcar encontros às escondidas durante as tardes, enquanto Hugo trabalhava.

Até que certo dia, Hugo, coberto de segundas intenções, almoçava com uma cliente num pequeno e aconchegante restaurante, no Centro da cidade. A tal cliente – uma mulher de quarenta porém enxuta –, por sua vez, se derretia sobre as palavras do rapaz. Este, transbordante de galanteios, pegava as mãos delicadas daquela mulher a fim de beijá-las, quando, sem querer, avistava, numa mesa ao fundo, Daniela a conversar com outro.

A primeira reação de Hugo foi uma paralisia total; não acreditava no que vira e sequer pensava no risco de seu próprio adultério. A segunda reação foi o pranto, ao notar que, além de aparentar muito envolvida com o papo, Daniela exibia aos olhos do outro, através de um ousado decote, a borboletinha azul.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

MEMÓRIAS DE UM PUBLICITÁRIO - VOL. 2

Resíduo de Princípios

Dado o aceite à proposta do Pr. Geraldo, eu tratei, logo no dia seguinte, de dar início aos trabalhos na campanha que visava induzir os fiéis de sua igreja a serem mais “solidários” na hora do dízimo. Não posso negar que naquela noite, quando de fato quebrei meus princípios em prol da comida na panela, aceitando tal job, voltei para casa com a pulga atrás da orelha. Mas também não posso negar que as cifras oferecidas pelo pastor me cegaram em parte – um adiantamento de 25% dos quarenta mil reais, só para começar a pensar.

Eram seis da manhã. Eu abria meu bloco de desenho e começava a escrever e rabiscar elementos num brainstorm solitário e focado. Várias ideias me vinham, mas eu sentia que um restinho de princípio ainda residia em minh’alma, o que resultava num bloqueio na hora de ousar; eu ainda estava pensando que aquilo ia contra o que eu acreditava em relação à fé. O jeito era me desprender daquele “resíduo de princípios”. E eu já sabia como.

Liguei a TV e comecei a buscar programas de cunho religioso, o que não foi difícil naquele horário – encontrei uns três. Mas eu queria um daqueles que pede o dinheiro sem metáforas ou palavras de enfeite; queria um daqueles no qual o dízimo é levado a sério mesmo! Escolhi um e passei a observá-lo.

O pastor pregava uma palavra cujo foco era, sem dúvida alguma, o dízimo. Resumindo: tem que agradecer a Deus com dinheiro, e pronto! Ao observar a maneira como aquele pastor se dirigia às suas “ovelhas”, notei o domínio que este possuía em relação à psicologia e à oratória. As câmeras, propositalmente, mostravam os semblantes convencidos dos fiéis presentes naquele culto, enquanto aquele pastor derramava, com desenvoltura, todo o seu apelo sobre estes.

Com muita dificuldade, tentei enxergar o serviço prestado pela igreja como um serviço prestado por uma empresa qualquer, que, evidentemente, precisa de dinheiro para se sustentar. Procurei me desprender de todo o luxo contido na sala de jantar do Pr. Geraldo, por exemplo. Se eu quisesse criar, sem culpas, uma campanha que realmente convencesse os fiéis a serem menos econômicos na hora do dízimo, eu teria de encarar aquela religião como um negócio, mas sem transparecer isso ao público alvo. E foi o que eu fiz.

Depois de algumas horas vendo aquele programa na TV, voltei ao bloco de desenho já com um esboço, uma ideia de conceito. Rabisquei, escrevi, rasurei, refiz. Até que, lá pelas cinco horas da tarde, eu fechava, enfim, a frase que traria o conceito de toda a campanha:

Eis o que há por trás da igreja.

Se eu usasse, por exemplo, esta frase numa peça de grande dimensão, bem localizada, na frente da igreja, eu teria, no mínimo, a atenção dos fiéis – por parecer, a princípio, se tratar de algo com a intenção de difamar a instituição. A frase seria usada apenas para chamar a atenção mesmo, porque a mensagem vital viria logo abaixo, ilustrada por uma foto que mostrasse bastidores de um culto, como por exemplo, um operador de som em meio àquela aparelhagem enorme, cheia de cabos, microfones etc:

A palavra de Deus não tem preço! Mas os meios pelos quais a palavra chega até você sim. Ajude-nos a manter a sua fé bem alimentada. Seja um dizimista.

Livre de Princípios

Naquela noite, fui até a igreja e fiz várias fotos que passassem a ideia de “bastidores do culto”, ou melhor: daquilo que custa dinheiro, mas que, seja lá o porquê, se apresenta aos fiéis como algo que, de forma mágica, simplesmente aparece na igreja.

As minhas peças precisavam fazer com que os fiéis pensassem da seguinte forma: “Eu venho à igreja e alimento a minha fé. Nada é de graça. Tudo custa dinheiro. E para a igreja não é diferente. Por isso, devo ajudá-la a manter esse trabalho”.

Em meio às fotos, eis que me surge o Pr. Geraldo.

- Meu caro irmão Victor! – disse-me ele – Vejo que já está trabalhando!

- Sim, pastor! Amanhã mesmo já devo lhe apresentar alguma coisa.

- Que benção!

- Espero que goste!

- Eu também espero, irmão!

Virei a madrugada tratando fotografias, diagramando peças, escolhendo cores etc. Às sete da manhã do dia seguinte eu já tinha uma série de peças, um conceito e uma defesa já decorada. Dormi até às três da tarde e, assim que acordei, telefonei para o Pr. Geraldo.

- Alô!

- Pastor, sou eu, o Victor!

- Diga, irmão Victor!

- Já possuo algo da campanha para te mostrar.

- Ágil você, hein, irmão? Glória a Deus!

- Quando podemos nos ver?

- Hoje, às seis da tarde, lá em casa, pode ser?

- Claro, pastor! Estarei lá!

Conforme combinado, lá estava eu, na luxuosa casa do Pr. Geraldo, com algumas peças impressas e um discurso decorado.

- Diga, irmão Victor. O que você nos trouxe?

- Bem, já consegui fechar o conceito, a linguagem etc. Só preciso que você aprove ou não, OK?

Eu lhe entregava os modelos de um folder, um flyer, um cartaz em A3 e uma faixa (em dimensão reduzida), e começava o meu discurso:

- O que procurei com esta campanha, Pr. Geraldo, foi conscientizar os fiéis da importância do dízimo para a continuidade do trabalho que a igreja lhes presta. É importante que o fiel entenda que tudo o que ele deposita na caixinha o retorna em forma de serviços, ou seja, num culto de qualidade. Sabemos que há muitos fiéis que não entendem que tudo aquilo ali, o som, os impressos, a manutenção da igreja, custa dinheiro, e...

- Mas não sei se gostei desse “eis o que há por trás da igreja”, irmão Victor. Parece ofensivo.

- Mas essa é a ideia, pastor! O fiel, principalmente aquele que não dá o devido valor ao dízimo – aquele a quem a peça mais se dirige –, é aquele que se deixa levar por escândalos, fofocas, essas coisas, e essa frase causa impacto neste tipo de fiel!

- É, acho que tem razão! Brilhante! E, de fato, as mensagens que você usou abaixo estão muito boas! Parabéns, irmão Victor! Ô glória!

- Obrigado. Agora, entenda que a faixa na frente da igreja será o pivô da campanha, que será reforçada pela distribuição desses impressos menores em suas mãos.

- Excelente, irmão Victor! E quando começamos?

- Acredito que em uma semana todo o material estará pronto e impresso, pastor.

- Ótimo! Precisa de mais algum adiantamento?

Meu Deus, lá vinha mais dinheiro! Eu já tinha recebido dez mil reais só para pensar.

- Não, não precisa, pastor. Você me paga o restante no início da veiculação da campanha, pode ser?

- Fechado!

Eu ia para casa sentindo o cumprimento do dever latejar meu peito, mas, ao mesmo tempo, ouvindo a palavra “mentira” soar diversas vezes, por várias vozes diferentes.

- Foda-se! – eu disse àquelas vozes, bem alto.

E as vozes se calaram.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

MEMÓRIAS DE UM PUBLICITÁRIO - VOL. 1

A Criação

Quando comecei minha carreira, recém-formado em Publicidade e Propaganda, numa agência pequena, atuei como mídia, mas sempre sonhando com a área de criação. Sempre que tinha um tempinho, passava lá na sala dos irmãos Duarte – a melhor dupla de criação que conheci na minha vida; Leonardo Duarte na redação e Pablo Duarte na direção de arte. Eles mandavam muito bem e eu acabei aprendendo muito com eles, mesmo trabalhando um andar acima.

Comecei como “clínico geral” mesmo, ou seja, fazia um pouquinho de tudo. Nas outras agências atuei nas áreas de planejamento, atendimento, depois novamente em mídia, enfim, mas nunca em criação. Isso me frustrava um pouco. Queria colocar as minhas ideias para fora, com arte, mas todos os meus afazeres se resumiam a planilhas, agendas, telefonemas, cálculos etc.

Até que, numa dessas agências, me deparei com a pior dupla de criação que conheci na minha vida. Eles não conseguiam acertar o conceito das peças antes das mesmas voltarem às suas mesas pelo menos umas dez vezes. Tudo era entregue em cima da hora. Isso era o suficiente para manter toda a agência com o “cu na mão” na hora da veiculação. Num desses casos, uma determinada campanha foi para as ruas com um erro grotesco de gramática, o que rendeu a cabeça do redator.

Quando soube do ocorrido, fui correndo me oferecer à vaga. Sim, eu queria a direção de arte, porque me sentia mais à vontade com as imagens, mas não seria de tão ruim começar como redator. E, modéstia à parte, eu sempre tive uma boa redação.

- Mas precisamos de você na mídia, Victor! – disse-me Sócrates, “O cara” da agência.

- Mas precisam de mim como redator também! – eu disse – A criação é o meu lugar, só preciso de uma chance!

- OK! – disse Sócrates depois de pensar – Você vai ficar lá por uma semana, Victor! Uma semana! Vamos ver como se sai.

- Obrigado!

No dia seguinte, lá estava eu, ocupando uma cadeira na sala de criação. Não deu tempo de sequer beber um gole d’água do bebedouro daquela sala. O Danilo, diretor de arte, já tinha uma peça – ruim, diga-se – precisando de texto; era para uma campanha de xampu.

- Mas eu pensei que nós trabalhássemos juntos – eu disse.

- E não trabalhamos? Eu fiz a arte, você faz o texto, ora! Vamos, vamos, é para ontem!

- Onde está o briefing? – eu me referia àquilo que rege tudo o que será comunicado na campanha – Estou por fora dessa campanha, totalmente.

- Cara, não temos tempo para ler o briefing – disse Danilo – Esse é um trabalho que comecei com o Carlos, mas ele foi demitido, você sabe...

- Sim, eu sei, mas preciso ler o briefing para escrever!

- Já começamos mal! Ou você faz logo esse texto, ou abro novamente a vaga de redator! Aliás? Que experiência tem você como redator?

- Nenhuma.

- Ótimo. Direi isso ao Sócrates!

Danilo saiu da sala irritadíssimo na promessa de falar ao Sócrates sobre minha incompetência em “criação de texto publicitário sem briefing”. Aproveitei a ausência do troglodita para vasculhar os arquivos da campanha. Li o suficiente para entender que a peça já começava errada pela imagem escolhida por Danilo. Retirei a foto que trazia uma mulher com cabelos “de mentira” – cabelo de comercial, me entende? – e usei apenas a foto da embalagem do xampu com o texto que criei.

Antes mesmo de Danilo voltar à sala, eu já tinha enviado a peça para aprovação.

- O Sócrates mandou você voltar para a mídia – disse-me Danilo.

- Ele disse isso, foi? OK!

- Já vai tarde, Victor. Seu lugar não é aqui.

- Não mesmo! Ah, já mandei a peça para aprovação, OK?

- Fez o texto?

- Sim, claro!

Deixei a sala de criação em menos de quarenta minutos de atuação. Foi bom, mas melhor ainda foi ouvir, dias depois, sobre a cara do Danilo diante da peça aprovada sem a sua arte. Ele foi até a sala de mídia à minha procura, mas não me encontrou; eu já tinha pedido demissão.

Mais tarde soube que a campanha do tal xampu fora um sucesso fenomenal. Mas por que será? Será que foi por conta do texto que usei?

Somos contra o cabelo de mentira! Somos a favor do SEU cabelo.

A Ascensão

Decidido, montei a minha própria agência de publicidade. Nela, eu era tudo: atendimento, planejamento, pesquisa, mídia, criação. Um de meus princípios era o de fazer uma publicidade com ética, inteligência e consciência social. Decidi que, diferentemente das agências onde trabalhei, apenas pegaria jobs de clientes cujo trabalho eu me identificasse, de acordo com meus princípios.

Isso foi na mesma época em que comecei a frequentar a uma igreja perto da minha casa. Os momentos de paz na minha vida eu buscava lá, nos cultos do Pr. Geraldo, que era um cara de muita visão. Ele começara com uma igreja na garagem de sua casa, e, naquele momento, já possuía seis templos e um projeto de televisionar os seus cultos, palavras e orações.

Acabei ficando amigo do Pr. Geraldo e, sabendo de minha agência, me convidou para um jantar em sua casa.

- Um jantar, digamos, de negócios, irmão Victor – disse-me o pastor.

- Sim, claro! Estarei lá.

Numa quinta-feira à noite, à mesa de jantar, não pude deixar de reparar no conforto em que vivia aquele homem. A sala onde estávamos era, sem sombra de dúvida, maior que a minha casa inteira. Havia muito luxo naquele lugar, o que ia contra a maioria de seus cultos, nos quais ele pregava o desapego aos bens materiais.

Ali, diante de conclusões que me vinham a todo instante, me encontrei confuso em meio aos meus princípios.

- Bem, vamos ao que interessa, irmão Victor – disse-me o pastor.

- Claro.

- Você já deve ter notado que, nas últimas semanas, meus cultos têm se voltado à questão do dízimo. Notou?

- Sim, notei.

- Isso tem um porquê. É que no mês passado fiquei muito, mas muito triste com a quantia das ofertas, entende, irmão? A igreja precisa desse “dinheirinho”.

- Entendo.

- Então. Queria a sua ajuda para que os fiéis passassem a colaborar mais, entende, irmão Victor? Porque meus apelos não estão funcionando.

- Entendo. Uma campanha publicitária para ajudar nos dízimos.

- Isso, irmão Victor! Isso!

- E quanto à igreja está disposta a investir? – resolvi jogar o jogo dele, mesmo me sentindo esfarelando minha fé e meus princípios.

- Algo como 25% dos dízimos do mês passado.

- O que significa...?

- Quarenta mil reais, a princípio. Acha que dá? Quero cartazes pela igreja, panfletos, muito material gráfico. Mas tem que ser eficiente! Quero dobrar o rendimento no mês que vem! E mantê-lo, claro.

Assustado com a postura do Pr. Geraldo, vi minhas ideias se voltando contra tudo aquilo que eu acreditava como profissional autônomo – e como seguidor daquela religião também. Pensei nas minhas contas que se acumulavam sobre a mesa da sala e no contraste entre a minha casa e a daquele pastor cuja escolaridade não chegava ao ensino médio.

- OK! Vamos fazer! – eu aceitava.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

UMA NOITE COM ZOOEY DESCHANEL

Deitado na rede, pensava, a cada balançar, num semblante diferente; ora no de Rosa, ora no de Joana. Mergulhado em dúvida cruel, Pedro sabia que, mais cedo ou mais tarde, teria de tomar difícil decisão: qual daqueles dois corações fazer sorrir – o que o levaria a uma segunda e automática decisão: qual deles fazer chorar.

Embora uma não soubesse da existência da outra – Rosa, “a amante”, morava no interior, enquanto Joana, a namorada, era da capital, como ele –, Pedro tinha a consciência de que não seria possível levar dois relacionamentos por mais tempo. Àquela altura, já com cinco meses de vida dupla, a convivência com as duas já lhe rendera trocas dos nomes e frases mal colocadas. Isso sem contar na luta que era estar na cidade e no campo quase que ao mesmo tempo.

A decisão não seria fácil. Rosa, morena – como na música de Dorival Caymmi –, vinte e dois aninhos, trazia na boca os dentes que, de tão brancos, causavam atraente contraste em relação à pele. Seu corpo era esculpido pelo trabalho pesado, comum entre as meninas do campo; bumbum pequeno porém empinado, pernas torneadas, abdômen livre de qualquer imperfeição, seios médios e rijos. Rosa era tudo isso e mais: uma mulher dona de um coração enorme, capaz de abrigar o mundo – embora tivesse um “cantinho especial” só para Pedro.

Joana não ficava atrás. Mas, diga-se de passagem, possuía beleza diferente da de Rosa; tinha a cor da cidade e sua correria, tinha “cor de escritório”; era bem branquinha – Pedro costumava chamá-la de “floquinho de neve”. O corpo magro e de medidas delicadas dava à Joana a elegância, a maturidade e a sofisticação que Pedro não via em Rosa. Joana não precisava, mas fazia bom uso das maquiagens e outros artifícios em prol da beleza de seus vinte e sete anos. “Como vou chegar no escritório sem um batom, Pedro?”, dizia sempre.

Pedro reservara aquela noite para pensar na decisão. E para que tal momento não se mostrasse tão doloroso, Pedro abria um bom vinho e acendia um de seus charutos cubanos. No aparelho de som, um LP do She & Him. “O som dessa dupla sempre de me dá uma luz”, dizia a si mesmo.

Pedro, agora no sofá da sala, começava a dissecar as virtudes e os defeitos de Rosa e Joana, a fim de chegar a uma conclusão quase que matemática. Não preciso dizer que as coisas do coração não se resolvem com a razão, não é mesmo? Logo, não preciso dizer também que as “contas” de Pedro foram em vão.

Os minutos passaram, o charuto queimou, a garrafa de vinho esvaziou e o objetivo de Pedro se misturava agora aos acordes de M. Ward e às frases de Zooey Deschanel. Já sem a mesma capacidade de raciocínio, Pedro já não conseguia assimilar sequer o porquê de tudo aquilo. “No que eu estava pensando mesmo?”, repetia, bêbado, a si mesmo. Até que, ali mesmo, naquele sofá, adormeceu.

Mas logo acordou e:

- Ah? – se assusta Pedro.

- O que houve? diz Zooey Deschanel, a voz!

- O que está fazendo aqui?

- Acalme-se e durma mais um pouco.

- Mas... Você...?

- Não consegue dormir?

- N...

- Eu te ajudo. Durma e, em seus sonhos, tocarei o seu rosto...

Pedro, mesmo que não quisesse, mesmo que lutasse para, pelo menos por mais alguns segundos, encarar aquele par de olhos enormes de Zooey, voltou a dormir.

Pedro sonhou com ela durante todo o sono. Os dois passeavam de mãos dadas por campos floridos e praias completamente desertas. Perdeu a conta de quantos beijos roubou daquela mulher. Sonhou também com uma forte chuva, que, ao mesmo tempo em que molhava o casal, parecia “limpá-lo” de toda dúvida de outrora. Sentiu-se leve por horas, até que despertou.

- Um sonho... – dizia a si mesmo Pedro.

Depois daquela noite, e que noite!, Pedro nunca mais pensou em Rosa ou Joana, mas unicamente em Zooey.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

GABRIELA - O Labirinto Particular de Lysa - Final

O máximo que as amigas usaram naquele sábado foram calcinhas. Gabriela aproveitava cada segundo dentro da privacidade de Lysa; não acreditava no grau de amizade e confiança que conquistara em tão pouco tempo. Lysa agia como se estivesse devidamente vestida, não se importava – o que se esperar depois de uma masturbação exibicionista como aquela, horas antes? Gabriela chegou a pensar no absurdo de Lysa estar ainda sob efeito do álcool da noite anterior, mas logo descartava tal hipótese.

Envoltas em papos interessantíssimos, as amigas cozinharam, almoçaram, ouviram música, navegaram na Internet, assistiram a filmes... Um laço ainda mais forte tornava-as cúmplices uma da outra.

Em alguns momentos, Gabriela chegou a se abrir a respeito de sua estranha relação com a mãe. Era quando Lysa sentia pena da amiga e a abraçava a fim de consolá-la. Tais abraços, inevitavelmente, faziam com que os seios de ambas se encontrassem e, antes que Lysa pensasse em os separarem, Gabriela os posicionavam de maneira ainda mais embaraçosa. Gabriela sabia olhar no olho quando esse tipo de situação acontecia.

Lysa se via como que mergulhada num lindo e obscuro lago – quanto mais fundo resolvia nadar, mas gosto tinha pelo que descobria. Nunca em sua vida passara uma tarde tão agradável na presença de uma amiga. Nunca! E o que dizer da interação entre o seu corpo e o de Gabriela? Lysa sentia a liberdade de não só poder abraçar a amiga, mas, por que não?, beijá-la, quando bem entendesse – embora conflitos ainda surgissem em sua cabeça.

- Você é tão diferente, Gabriela - dizia Lysa.

- O que quer dizer com isso?

- Não sei bem como, mas sinto que você me modificou muito!

- Para melhor, espero.

- Sim, sinto que para melhor! Nossa, quando imaginei beber daquele jeito, como ontem? E me divertir daquela forma? E papear assim, nua? Nunca imaginei!

- Sente-se bem?

- Muito, Gabriela. Sinto-me feliz ao seu lado.

- Que bom, Lysa. Eu também me sinto muito bem ao seu lado.

A mão suave de Gabriela parte para um carinho no rosto de Lysa, que sorri diante de tal atitude. Gabriela se vê forçada a aproximar seus lábios dos da amiga; sente que é “O momento”. Mas é travada no meio do caminho quando Lysa diz:

- Vai me beijar, Gabriela?

Gabriela não entende a entonação da amiga; não sabe se deve prosseguir ou não. Tem medo de estragar tudo, mas, mesmo assim, pergunta a sorrir:

- O que você acha?

- Você é maluca? Não estamos na pista de dança!

- Eu sei disso. Mas digamos que estivéssemos. Você deixaria eu te beijar? – dizia Gabriela tão próxima a ponto de Lysa sentir sua respiração.

- Que papo estranho, Gabriela! Está falando sério?

A seriedade com que Lysa emitira tal pergunta faz com que Gabriela se desarme e volte à estaca zero:

- Estou brincando, sua roceira!

- Ah, bom!

Gabriela queria muito tê-la, mas, caso não a tivesse, que pelo menos não perdesse aquela amizade tão bacana. Cautela. Mas vê-la nua para lá e para cá parecia não ser mais o bastante.

Mas o que Gabriela não sabia era que dentro de Lysa um monstro começava a ganhar forças: a dúvida.

Após o “quase beijo”, Lysa se calou e, nitidamente, procurou por assuntos menos intensos. Chegou a ensaiar a procura de uma blusa para vestir, mas – talvez devido à própria dúvida que começava a lhe consumir – se manteve.

* * *
No céu, as primeiras estrelas já se faziam presentes. As amigas haviam adormecido por volta das três da tarde e agora despertavam meio que perdidas em relação à hora.

- Que horas são? – dizia Lysa.

- Seis e quinze – dizia Gabriela ao olhar o relógio sobre a cama.

- Da manhã?!

- Não, louca! Da tarde!

- Ah, sim. Pensei que já era domingo.

- Doida. Escuta – dizia Gabriela ao notar a luz que vinha do notebook –, você o deixa ligado direto?

- Sim. Nos fins de semana.

Gabriela se apossava do aparelho e começava a digitar o endereço de uma espécie de YouTube pornográfico. Lysa, ao notar as primeiras figuras carregadas na tela, diz:

- Que isso, menina?

- Quer ver vídeos de quê, Lysa?

- Como assim “de quê”?

- Ué, cada um curte suas coisas, entende? Sexo oral, sexo anal, essas coisas.

- Gabriela?! Que louca! Como descobriu essa página?

- Google! Já ouviu falar?

- Boba!

- E então? Vai de quê?

- Ah, eu sei lá. Escolhe você.

- OK.

Gabriela, maliciosamente, escolhe um vídeo, digamos, soft, no qual um lindo casal pratica um sexo isento de cenas que poderiam ser julgadas por Lysa como “nojentas”. Tiro e queda!

- Caralho, Gabriela!

- O que foi?

- Porra, eu estou ficando com tesão!

- Mas o filme mal começou, Lysa!

- Mesmo... assim...

Gabriela apenas se acariciava e observava Lysa, que, olhando fixamente para a tela do notebook, já se masturbava de forma frenética.

- Nunca fez vendo filmes? – dizia Gabriela com malícia.

- Nããão...

- E sem as mãos?

- Cooomo? Sem as mãos, Ga... briela?

- Assim, olha!

Gabriela substitui rapidamente os dedos de Lysa pelos seus, para loucura da amiga, que, em meio àquele clima, não demonstrou resistência.

- Que iiiissooo, Gabrieeeela? – dizia Lysa próxima ao seu segundo orgasmo do dia.

Gabriela aproveitou os olhos fechados de Lysa para contemplar sem medo o contorcer dos músculos.

- Gostou? – dizia Gabriela.

- Você... é maluca!

Gabriela ia até o banheiro lavar as mãos, deixando uma Lysa ainda mais pensativa e confusa entre os lençóis. “Meu Deus do céu. O que foi que acabei de deixar Gabriela fazer comigo?”, pensava Lysa. O vídeo ainda rodava no notebook e aquilo já nem fazia tanta importância – Lysa só pensava no que acontecera.

- Gostou, né? – dizia Gabriela ao retornar ao quarto.

- Louca!

- Por quê?

- Você é lésbica, Gabriela?

Gabriela pensou por alguns segundos e, sabe-se lá o porquê:

- Não.

- E por que fez isso?

- Você faz muitas perguntas, Lysa. Precisa viver mais e perguntar menos. Foi bom?

- Foi, né!

- Isso é o que importa.

O telefone de Lysa toca.

- Alô!

- Lysa?

- Sim. Quem fala?

- Aqui é o Diego. Nós nos conhecemos ontem à noite, lembra?

- Ah! Claro que lembro!

- Vai fazer algo esta noite?

Gabriela não precisou de pistas para entender que se tratava daquele rapaz da noite anterior. Diante da nítida empolgação de Lysa, Gabriela respirou fundo, foi até o banheiro, se vestiu e saiu do apartamento sem que a amiga notasse.

- ...OK, Diego – dizia Lysa –, às nove! Beijos!

Lysa corria à procura de Gabriela para contar sobre o rapaz, mas logo notava a fuga da amiga. “Saiu sem falar nada. Será que foi algo que eu falei?”, pensava.

Até a hora do encontro com o tal Diego, Lysa era só confusão. Um filme passava em sua cabeça com as cenas mais intensas daquela tarde com Gabriela. Uma vontade obscura de repetir tudo aquilo lhe tomava o corpo como um veneno. Era duro confessar a si mesma, mas a verdade é que não tirava da cabeça o orgasmo que Gabriela lhe proporcionara há pouco. Sentia-se como que num prazeroso labirinto de sentimentos.

Gabriela, já no inferno de sua casa, mais especificamente em seu quarto, sozinha, apenas chorava.

[Fim]

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

GABRIELA - O Labirinto Particular de Lysa - Parte 4

O relógio de Gabriela, deixado sobre a pia do banheiro na noite anterior, já marcava onze da manhã quando Lysa despertou. Com uma dor de cabeça “dos infernos”, a jovem se levanta com dificuldades e acaba tropeçando na mesa de centro da sala.

- Merda! – diz Lysa.

Com os olhos ainda não totalmente abertos, Lysa, quase que intuitivamente, segue até a geladeira, pega uma garrafa d’água e, sem fazer uso do copo, bebe quase que um litro de uma vez só – era a ressaca dando seu sinal mais comum. Caminhando de volta à sala, Lysa vai se lembrando aos poucos da noite anterior; pensa em desabar novamente no sofá, mas resolve ir ao banheiro antes.

Frente ao espelho, Lysa se depara com um rosto inchado e de maquiagem borrada. “Meu Deus, estou acabada”, pensa. Nunca imaginou que beberia tanto em sua vida. A sensação atual não era boa, mas Lysa sentia uma leve vontade de repetir tudo àquela noite, se possível. Olhando em volta de si mesma, meio zonza, Lysa encontra as roupas de Gabriela jogadas pelo chão. “Gabriela dormiu aqui?”, se questiona.

Ainda cambaleando, Lysa vai até o seu quarto e, para seu espanto, bate de frente com Gabriela em sua cama. Nua e mergulhada num sono ainda sem indícios de um despertar, Gabriela exibia um corpo digno de uma contemplação, mesmo que feminina. Inevitavelmente os beijos com a amiga na noite anterior brotam como flores da primavera nos pensamentos de Lysa. Num misto de confusão e, por que não?, tesão, Lysa tenta entender o que sente. Mas sem sucesso.

“Preciso de um banho”, pensa Lysa, que vai direto para o chuveiro.

Enquanto a água lhe cai sobre o corpo, Lysa sente como se o banho a libertasse de toda aquela confusão. “Foi tudo uma brincadeira, só isso”, diz a si mesma em voz baixa. “Um beijo, que mal há? Tenho convicção de que eu gosto é de homem! Beijar Gabriela é como beijar um espelho, uma laranja, não há sentimento ali”, continua Lysa, dessa vez tentando se enganar.

Lysa tinha, sim, a convicção em sua opção sexual. Heterossexual. Mas não devia, naquele momento, desprezar o que sentira durante aqueles beijos. Talvez fora, sim, como beijar um “espelho”, já que Gabriela, no sentido sexual da coisa, é o reflexo de Lysa – tem seios e vagina –, mas nunca como uma “laranja”. Laranjas não possuem requisitos suficientes para penetrar uma língua em sua boca de forma tão possessiva e delicada ao mesmo tempo.

Gabriela acaba despertando com o barulho do chuveiro. Mais consciente, pensa: “Meu Deus, eu dormi nua!”. Mas logo conclui que não há com o que se preocupar. “Ah, não há nada aqui que a Lysa não conheça. Somos mulheres, porra. Nunca nos trocamos uma frente à outra, mas...”, pensa.

Gabriela se levanta e vai até o banheiro.

- Bom dia! – diz Gabriela.

- Bom... dia. – diz Lysa um pouco assustada com a atitude de Gabriela.

Gabriela consegue ver através do vidro do box a perfeição que era a nudez de Lysa. Não disfarça. Olha-a dos pés à cabeça e, também nua, insinua uma carícia com os dedos entre as pernas. Mas logo cessa. Lysa nota tal atitude, mas não dá importância – na verdade sequer assimilara.

- Que noite, hein? – diz Gabriela a procurar por uma escova dental.

- Na segunda gaveta tem escovas novas. Pode pegar uma – diz Lysa ainda séria.

- Valeu.

- Não lembro de muita coisa da noite de ontem – mantém a seriedade Lysa.

- Como não?! Você bebeu feito um gambá, Lysa! Sua dor de cabeça deveria te ajudar a lembrar disso pelo menos! – brinca Gabriela.

- Nem me fale... Minha cabeça parece que vai explodir.

- Tome um remédio. Logo passa.

- Dê-me licença, Gabriela. É que eu...

- Ah, Lysa, faça-me um favor! Vergonha de mim agora?

- Não tenho o costume de ficar nua na frente dos outros, Gabriela.

- Ah, é?! A menina “da roça” não tem o costume... – debocha Gabriela – Vou te mostrar uma coisa!

Gabriela entra no box de repente.

- Sua maluca! Sai daqui! – diz Lysa.

- Vou acabar com essa sua falta de costume agora! – diz Gabriela a abraçar Lysa – Olha só, menina “da roça”, não há mal algum em duas amigas ficarem nuas! A menos que você sinta tesão diante de minha nudez! Sente? Você sente tesão?

Lysa se recorda da sensação que teve ao avistar Gabriela em sua cama, mas:

- Claro que não, sua louca! – diz Lysa já se rendendo aos risos.

- Então deixa de ser ridícula, sua roceira! – brinca Gabriela.

Por fim, as duas já dividiam o chuveiro sem problemas. Gabriela disfarçava a excitação quase que incontrolável, enquanto Lysa, evitando olhar diretamente para as partes íntimas da amiga, comentava sobre alguns fatos da noite anterior.

- Você se lembra que nos beijamos, Lysa?

- Ah, que vergonha, Gabriela!

- Foi só uma brincadeira, relaxa.

- Sim, claro. Brincadeira que acabou me rendendo aquele cara!

- Sério? Ele te pegou por causa dos beijos?

- Acho que sim!

- E o que ele disse?

- Ah, não lembro... Eu estava muito mal...

- Sei bem.

As duas saíram do banho às gargalhadas e foram para o quarto.

- Lysa – diz Gabriela –, você tem algo confortável para eu vestir?

- Tenho. Pode pegar ali, naquela gaveta – diz Lysa apontando.

- Valeu.

Ainda nua – e, aparentemente, liberta de qualquer “falta de costume” de outrora – Lysa desaba na cama e:

- Será que eu ligo para aquele cara?

- Deixa de ser louca, Lysa! Ele nem lembra mais da sua cara! Acorda!

- Posso te contar uma coisa?

- O quê?

- Sabe o que ele fez durante o beijo?

- O quê?

- Ele me tocou.

- Ali? Que isso?

- Foi.

- E você... gozou?

- Não deu tempo. Você interrompeu, lembra?

- Ah...

Gabriela concluía que tinha o poder de desinibir Lysa com suas imposições de comportamento. Em menos de meia hora, Lysa ia da menina com vergonha da nudez à confessora de intimidade chulas e excitantes. Lysa, talvez sem se dar conta, alisava os seios enquanto contava, demoradamente, cada detalhe sobre a “invasão” daquele rapaz sob os panos de seu vestido. Gabriela assistia a tudo no ápice de sua excitação.

- Lysa! Você não vai se masturbar na minha frente, vai? – diz Gabriela, coberta até cabeça de segundas intenções, ao notar o falar arrastado e excitante da amiga.

- Que mal há?

- Ah?!

Dessa vez era Lysa, anestesiada por um misto de tesão e descoberta, quem surpreendia a amiga, que por sua vez a assistia boquiaberta até o último suspiro daquele orgasmo.

- Isso me faz um bem, Gabriela! – diz Lysa após o ato – Vamos preparar o almoço! Vamos!

- ...

[Continua]

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

GABRIELA - O Labirinto Particular de Lysa - Parte 3

Mais uns três outros beijos como aquele se fizeram presentes naquela noite. O último, diga-se de passagem, foi Lysa quem sugeriu – para o aumento das esperanças de Gabriela, que, em diversos momentos, pensou em abrir o jogo de vez com a amiga. Mas não abriu. Lysa estava “alta” demais e por vezes abriu a frente do vestido. “A menina da roça está se libertando”, pensava Bruna.

No final da festa, já com a pista vazia e o DJ tocando quase que exclusivamente para as quatro meninas, Lysa pede licença ao grupo e vai de encontro a um rapaz, que a espera recostado em uma das pilastras da casa. Gabriela observa a atitude de Lysa, esboça uma reação, mas é impedida por Bruna.

- Chega de dar bandeira, Gabriela! – disse Bruna – Vamos ver qual é a dela, relaxe!

Gabriela, mesmo morrendo de vontade de enfiar a mão na cara do rapaz, atende ao pedido da amiga e apenas observa.

Lysa trajava um vestido branco que valorizava um par de coxas banhado de suor, torneado e reluzente. O rapaz dizia algo enquanto Lysa sugava um blue hawaii. Não demorou muito para que os lábios de ambos se encontrassem num beijo sem limites. Aquela pilastra apoiava agora um casal incendiário. Lysa, nitidamente bêbada, brincava com os botões da camisa do rapaz; ensaiava uma transa que, por conta de Gabriela, não ocorreria.

- Volte aqui, Gabriela! – disse Bruna tarde demais.

Gabriela chegou até o casal e puxou Lysa pelo braço e:

- Lysa, a gente está indo embora. Vamos?

- Massss já?

- Já, Lysa. Vamos?

- Massss eu tenho que pegar o... o... o telefone desse cara! Ele beija beeeeeeeem...

A mistura de bebidas mostrava o seu efeito na inexperiente Lysa.

- OK, pegue o telefone e vamos.

* * *
Para a sorte das amigas, Joyce dirigia e, como bebera pouco naquela noite, se dispôs a deixar cada uma das meninas em suas casas. No carro, Bruna no banco carona; Gabriela e Lysa no banco traseiro.

- Vocês são fodassss! – dizia Lysa – Aquele lance da gente se beijaaaar funcionou meeeeeeesmo, hein?! Que garoto gostoso que eu pesquei!

- OK, Lysa! OK! – dizia Gabriela – Você “pescou” um garoto! Pronto! Agora fique quieta, pelo amor de Deus!

- Gabriela! – dizia Bruna a fim de reprimir a amiga.

- Sabe o que é, Bruuuuuuna? – dizia Lysa – É que Gabriela deve estar com inveja, porque não pessssssscou ninguém!

Bruna e Joyce riam da situação, mas Gabriela, longe disso, não achava a menor graça.

Analisando o saldo da noite, Gabriela concluía que não saíra tão por baixo assim. Embora tivesse testemunhado uma excitante entrega de sua tara morena àquele rapaz, conseguira arrancar de Lysa beijos que por muitos dias não sairiam de sua memória. Mas o que Gabriela não sabia era que a noite ainda não havia terminado e aquele saldo poderia ser ainda mais positivo.

- Bruna – dizia Gabriela –, não quero ir para casa! Não quero olhar na cara da minha mãe!

- Por quê?

- Outro dia eu te explico.

- Bem, eu vou dormir na casa da Joyce, e...

- Não, tudo bem. Não quero atrapalhar.

- Fica na casa da Lysa!

- Na minha caaaasa? – dizia Lysa – Pode ser, pode ser...

- Posso dormir na sua casa, Lysa? Mesmo? – dizia Gabriela.

- Claro, porra!

- Ela precisa de ajuda mesmo, Gabriela – dizia Joyce.

Conforme combinado, Joyce deixava Gabriela e Lysa no apartamento da última.

Já no apartamento, Gabriela tentava convencer Lysa a ir para o chuveiro.

- Lysa, vai te fazer bem! Um banho gelado!

- Massss eu estou bem, cara!

- Não está! E está suada feito uma porca! Não creio que dormirá assim!

Tarde demais. Lysa já havia desabado no sofá da sala e, com as pernas e os braços abertos, parecia já entregue aos domínios de Morfeu.

Gabriela vai até a cozinha e bebe dois copos d’água. Observa os bilhetes presos por imãs na porta da geladeira – a maioria deles está relacionada a afazeres da faculdade. Algumas fotos dos pais de Lysa também estão lá, o que faz com que Gabriela se imagine, por alguns instantes, sendo parte de uma família normal.

De volta à sala, Gabriela se lembra de uma história que sua mãe sempre contava, a da morte de um cantor de rock, o Bon Scott, que acabou afogado por seu próprio vômito após um excesso alcoólico. Com medo, posicionou o corpo de Lysa de forma a evitar tal tragédia. Pensou em levá-la para a cama, mas a amiga se encontrava em um sono profundo demais; desistiu.

Ainda com as pernas abertas, Lysa deixava a calcinha à mostra, para loucura de Gabriela, que, a princípio, se julgou incapaz de se aproveitar da amiga naquele estado. Mas aquela vontade de despi-la com a língua lhe tomava a mente.

- Preciso de um banho gelado! Preciso! – dizia a si mesma Gabriela.

A água gelada caía sobre o corpo quente de Gabriela. No pensamento, apenas a calcinha de Lysa. Gabriela também bebera bastante naquela noite, o que lhe causava certa mistura nos seus sentimentos e lembranças. Os beijos de Lysa, a música alta, os beijos de Joyce e Bruna... tudo lhe vinha ao mesmo tempo. Resultado: uma masturbação psicodélica e demorada.

Gabriela saía do banho sem saber o que vestir. Não havia condição de se dormir com aquelas peças ensopadas de suor, fedendo a cigarro. Como estava cansada demais para procurar nas coisas de Lysa algo confortável, resolveu que dormiria nua mesmo.

Gabriela deixaria a amiga no sofá, por questão de segurança – “Meio que sentada ela não corre mesmo risco que o Bon Scott”, pensava – e dormiria na cama de Lysa. Mas, ao passar pela sala e avistar as pernas da amiga na mesma posição, não se conteve; foi até lá, se agachou frente ao sofá e, lentamente, ia levando a mão de encontro àquilo que tanto a torturava.

Numa luta interna entre o certo e o errado, Gabriela se viu vencida e acabou tocando rapidamente a parte íntima de Lysa. Recuou, pensou, mas voltou sua mão; dessa vez revelando a intimidade da amiga levando o elástico daquela calcinha para o lado. Mil coisas passaram pela cabeça de Gabriela, que, após alguns segundos boquiabertos de pura contemplação, se levantou e foi dormir tomada de tesão; o mais avassalador que já sentira. “O saldo foi melhor que o esperado”, pensava.

[Continua]

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

GABRIELA - O Labirinto Particular de Lysa - Parte 2

A noite costumava ser para Gabriela uma espécie de válvula de escape. Na pista, sob os efeitos do álcool e da música, Gabriela parecia esquecer de todos os problemas que a cercavam – a companhia de Lysa ajudava muito também.

Lysa ainda não era totalmente parte daquele mundo de badalação; pensava muito nos pais e no que eles diriam se presenciassem tamanha transformação em seu modo de encarar as coisas. Lysa via em Gabriela a ponte para o conhecimento de todas aquelas coisas que costumava apenas ouvir dizerem.

Gabriela conhecia muita gente e era muito querida também; seus cumprimentos com os amigos, pelo menos a princípio, chocavam um pouco Lysa.

- Você sumiu, sua vaca! – dizia Gabriela à Bruna, sua amiga, assim que a encontrava.

Bruna vinha acompanhada de Joyce.

- Gabriela, essa é a Joyce! – dizia Bruna.

- E aí? Beleza, Joyce? Tenho alguém para apresentar também, gente! – dizia Gabriela – Essa aqui é a Lysa. Gente finíssima!

As jovens se cumprimentaram numa bagunça de abraços e beijinhos nas bochechas, o que provocou uma gargalhada geral.

- E então? Vamos atacar? – sugeria Gabriela às amigas em relação à noite.

Não demorou muito para que toda a pista prestasse atenção em Lysa, Gabriela, Bruna e Joyce; as meninas dançavam de forma muito sensual – exceto Lysa, que se soltava aos poucos. Os meninos que as cercavam até tentavam uma aproximação, mas o foco das meninas estava na diversão, apenas na diversão.

Até que um rapaz alcançou o ouvido de Lysa com os lábios e:

- Você é deliciosa!

Antes mesmo que Lysa o respondesse ou o ignorasse, Gabriela chega até o rapaz e:

- Sai fora, OK?

- É namorada dela, é? – debochava o rapaz.

Pronto. Foi o suficiente para que Gabriela jogasse sua vodka no rosto do rapaz e a confusão tomasse conta da pista. Alguns seguranças controlaram a situação e mandaram as meninas para o andar de baixo da casa.

Lá:

- Você ficou maluca, Gabriela? – dizia Lysa – Ia sair na mão com o cara? Íamos apanhar ali!

- Foi mal, foi mal! – dizia Gabriela.

- Eu... eu vou ao banheiro – dizia Lysa nitidamente nervosa.

No ausentar de Lysa, Gabriela pedia licença à Joyce e puxava Bruna para o espaço lounge. Bruna, bissexual assumida, era a única amiga de Gabriela que sabia de sua opção sexual. Gabriela precisava desabafar.

- Porra, Bruna, eu perdi a linha! – dizia Gabriela – Você viu?

- Está gostando dessa menina, não é?

- Não sei... Eu...

- Caralho, Gabriela, eu te conheço! Quando me apresentou Lysa eu já vi tudo! Ela é gata demais mesmo!

- Bruna, eu já não sei o que faço! Eu a conheci faz pouco tempo, mas já a considero parte de mim e não consigo tirá-la da cabeça! Ela é um amor, mas não sei se toparia uma coisa dessas, me entende? E ela nem me parece...

- Sei como é... E a Joyce? O que achou dela?

- Não vai me dizer que... – dizia Gabriela incrédula.

- Sim, estou pegando, Gabriela!

- Nossa! Ela é muito linda também!

- É. A gente vem se conhecendo, sabe? Mas já estou amarradona nela, confesso!

- Fico feliz, Bruna. Espero que eu tenha a mesma sorte com Lysa.

- Eu sei como te ajudar!

- Como?

- Vamos fazer como naquela vez, lembra?, que nos beijamos no meio da pista para provocar os meninos!

- A Lysa não vai topar. Ela é “da roça”, Bruna! Acho que será a pior maneira de...

- Não será não! Eu coloco pilha! Vamos?

- Meu Deus, não sei por que te dou ouvidos, Bruna!

Gabriela e Bruna retornavam ao bar. Lysa já havia voltado do banheiro e Joyce lhe apresentava um bloodhound. Bruna, sem aviso prévio, alcançava os lábios de Joyce de forma avassaladora, para o espanto de Lysa.

- Meu Deus... – dizia Lysa em voz baixa, a si mesma.

Lysa não saberia explicar o que sentira naquele momento. O fato é que Lysa não conseguiu tirar os olhos daquele beijo. Num misto de surpresa e excitação não compreendida, Lysa se paralisava.

- Elas são lésbicas – dizia Gabriela em voz baixa, próxima ao ouvido de Lysa.

- ...

- O que foi, Lysa? – dizia Bruna a sorrir – Viu um fantasma?

- Não, não...

- Eu tenho uma ideia! – continuava Bruna – vamos provocar os meninos?

- Como? – dizia Lysa.

- Os meninos adoram ver meninas se beijando, Lysa! Então, a gente volta à pista e começa a se beijar! Que tal? Joyce e eu, você e Gabriela!

- Ei, mas eu não sou lésbica, gente!

- Deixa de ser “da roça”, Lysa! – dizia agora Gabriela – É tudo brincadeira!

- Mulher beijando mulher? – dizia Lysa – De brincadeira?

- É! Bruna e Joyce estão juntas, é diferente. Mas no nosso caso é brincadeira!

- Ah, gente... – dizia Lysa assustada com a proposta.

- Ah, Lysa, vai ser divertido! Prometo! Toma logo esse bloodhound e vamos!

Lysa não sabia ao certo se levaria tal brincadeira até o fim. Mas o fato é que, puxada pelo braço por Gabriela, Lysa subia à pista de dança.

O efeito do álcool e a agitação do local não deixaram Lysa escapar de tudo aquilo que a envolvia.

- Observe Bruna e Joyce e faça igual, OK? – dizia Gabriela.

- Mas... – tentava dizer alguma coisa Lysa.

Bruna e Joyce já eram quase que uma pessoa só, tamanha intensidade daquele beijo que já arrancava os olhos de todos à volta.

- Eu não posso fazer... – tenta, mais uma vez sem sucesso, dizer algo Lysa, que é interrompida pelos lábios alcoólicos de Gabriela.

Lysa demonstra resistência nos primeiros dois segundos de beijo, mas logo sua língua se entregaria de vez às habilidades de Gabriela.

Gabriela sentia suas expectativas sendo superadas e sua adrenalina indo às alturas. Sentia também como se um sentimento profundo, um envolvimento real entrasse pelos seus poros na forma de um líquido quente e prazeroso. Vinha-lhe então a mesma imagem que há muito lhe tomava os pensamentos: Lysa, em meio a um cenário campestre, acariciando a si mesma num despir inocente e ao mesmo tempo extremamente sedutor.

Após o beijo, Gabriela solta um grito, uma celebração à noite e à diversão – e àquele beijo, claro. Lysa, ainda sem saber o que pensar ou dizer, sorria e, dentro de si, dizia:

- Meu Deus, que loucura...

[Continua]

terça-feira, 24 de agosto de 2010

GABRIELA - O Labirinto Particular de Lysa - Parte 1

Na linha do tempo, esta série deve ser considerada antecessora à série Lysa23, publicada em junho de 2010. A leitura de Lysa23 não é pré-requisito para o entendimento desta série. Boa leitura.

- Ainda mato essa garota!

A voz tomada pela ira vem de Marly, uma mulher entregue ao alcoolismo e à falta de perspectiva. Quando soube da gravidez, aos dezesseis anos, Marly era a mais pura inocência, capaz de acreditar que o pai de sua filha as assumiria num ápice de felicidade. Seu mundo cor-de-rosa desabou quando viu virar as costas o namorado e, pior ainda, seu próprio pai.

Demorou alguns meses, mas, aos poucos, a visão encantada de Marly foi dando lugar a um entendimento forçado sobre o que de fato era a vida: dura e cruel. Sua sorte – se é que tal palavra pode ser de fato relacionada a esta fase de Marly –, estava em sua beleza física. Marly era uma jovem linda, que, apesar de ter apenas dezesseis anos, desenvolveu um poder de sedução ausente em muita mulher madura.

E foi através deste seu lado sedutor que Marly conseguiu um lugar sob o teto de Carlão – um cafetão do Centro da cidade que se dizia “perdidamente apaixonado” pelos olhos da jovem. Carlão, que já beirava os cinquenta, prometera à Marly que ninguém jamais tocaria num fio de cabelo seu. A promessa foi cumprida, mas só até Marly completar dezoito anos.

Obrigada a se prostituir (muitas vezes na presença da filha, a pequena Gabriela), Marly logo arruma um jeito de fugir e voltar à casa de seu pai, que, diante da neta e de todo o sofrimento vivido por Marly até então, resolve acolhê-las. A pequena Gabriela estava salva; cresceria num lar de verdade – pelo menos esse era o esperado.

A verdade é que Gabriela cresceu em meio a uma relação familiar bastante conturbada. Sua mãe nunca quis saber de trabalho – vivia às custas do pai desde que naquela casa aterrissou. O entra e sai de homens por conta de sua mãe era constante – cada um mais “promissor” que o outro – e muito embaraçoso também, já que algumas das cantadas e insinuações mais nojentas que Gabriela recebera na vida partiram deles.

Depois que o avô de Gabriela faleceu – quando esta tinha seus dezessete anos –, a desordem tomou conta de vez na casa e na vida de Gabriela. A solução era permanecer na rua o maior tempo possível e, dessa forma, se livrar das frequentes e constrangedoras situações causadas por uma mãe (constantemente bêbada).

- Ainda mato essa garota! – dizia a si mesma Marly sobre Gabriela.

Gabriela batia a porta com lágrimas nos olhos. É que a jovem, momentos antes, recebera de sua mãe a proposta mais asquerosa de toda a sua vida.

- Gabriela, esse cara me prometeu um ano de uísque se você... Uma noite, só isso! Sem penetração, sem nada! É um velho broxa – disse Marly.

Diante de situações como essa, o destino de Gabriela era um só: o apartamento de Lysa, sua melhor amiga.

Lysa era uma menina vinda do interior do estado; morava na capital – às custas dos pais – para estudar Administração de Empresas. As duas jovens se conheceram por acaso numa boate e, como Lysa não conhecia absolutamente ninguém no Rio de Janeiro, se tornaram rapidamente “unha e carne”.

Mas o que motivou a aproximação de Gabriela estava de fato na beleza estonteante de Lysa.

Sim. Gabriela, desde que se entende por gente, se denomina – até então não totalmente assumida – lésbica. Aventurava-se com alguns meninos, sim – e por isso, às vezes, se considerava bissexual –, mas tinha a convicção de que o sexo masculino só era capaz de lhe proporcionar diversão, nada mais que isso – talvez por conta dos péssimos exemplos que teve ao longo da vida.

Mas quem não se sentiria atraído por Lysa? Uma morena dona de um corpo capaz de enlouquecer até o Papa! Lysa era a mais interessante definição de sedução involuntária; digamos que mal vestida – pronta para dar “um jeitinho” na casa, por exemplo –, mesmo assim, Lysa faria com que o sujeito se masturbasse pelas próximas duas semanas sem parar. As pernas torneadas, os seios delicados... Enfim, uma verdadeira “princesa do campo” recém-instalada na cidade.

Gabriela também não ficava atrás, e, assim como sua mãe, sua sedução estava também presente no olhar. Mais ainda que no olhar, seu poder de atração estava na personalidade forte e na atitude sexy de se insinuar.

- Você não acredita na proposta que minha mãe acabou de me fazer, Lysa! – dizia Gabriela.

- Diga, Gabriela! Você está chorando?

- Porra! Ela quer que eu me deite com um velho em troca de bebida! Você tem noção?

- O velho é gato, pelo menos? – descontraía Lysa.

- Lysa?! Para uma menina “da roça” você está bem saída!

- Influência sua, amiga!

- Não é brincadeira, Lysa! Não posso mais com minha mãe! Não posso!

- Poxa, Gabriela, juro que se desse te oferecia um lugar aqui no apartamento, mas meus pais não me mandam tanto dinheiro e...

- Tudo bem, Lysa. Não se esquente! Você é uma fofa, viu? Eu vou dar o meu jeito, pode deixar.

- Sei que vai...

Bastavam alguns minutos na companhia de Lysa para Gabriela esquecer de seus problemas.

- Quero sair! – dizia Gabriela após enxugar as lágrimas.

- Hoje é sexta! – empolgava-se Lysa – Para onde vamos?

- Hummm... Já sei! Vamos numa festa foda, lá na boate daquele meu amigo, o Maurício?

- Pode ser! Vai ter muito homem por lá? Capricho no decote? – dizia Lysa fazendo gestos; quase mostrando os seios.

- Boa, Lysa! Capricha! – dizia Gabriela morrendo de vontade de abrir o jogo com a amiga.

A diversão estava garantida para as duas.

[Continua]