sexta-feira, 15 de outubro de 2010

TEORIA SOBRE O AMOR

Não adianta. Não me vem à cabeça o nome de nenhum dos professores que tive na vida – meus cinquenta e sete anos não deixam; exceto o de Valéria. Professora Valéria! Como poderia me esquecer deste que é o nome da promessa mais antiga de felicidade que tive? Promessa esta que nunca foi cumprida. E que é, talvez, a causa de meu único sofrimento.

Fui casado. Quatro vezes. Tenho cinco filhos e duas netas lindas! Mas se me perguntas sobre o amor, ah!, aí eu só tenho respostas que levam ao nome de Valéria, minha professora de violino na faculdade de Música. Como fui capaz de me casar quatro vezes? Ora, a vida colocou algumas pessoas em meu caminho, e, quando me dava conta, lá estava eu casando novamente. Casamentos não passam de contratos movidos à paixão; amor mesmo não gera nada, só sofrimento.

Eu digo isso em relação ao amor porque acredito que amores nunca se encontram de verdade. Numa relação a dois, no máximo um ama! Nunca os dois amam! Talvez, meus últimos três casamentos tenham fracassado pelo fato de eu não saber esconder o amor que eu não sinto. Estas mulheres me amaram, e disso eu sei, mas nunca as amei; eis o problema. No meu quarto e atual casamento venho melhorando na arte de interpretar o bom amante; isso já dura sete anos.

Valéria, a professora, nunca me amou. Eu a amei. E como acredito, desde a minha adolescência, na “minha teoria sobre o amor” – aquela dita há pouco –, ao perceber naquela época o meu sentimento por Valéria, sabia que este não teria futuro algum.

Em minha última aula com Valéria, antes desta viajar para a Inglaterra, toquei um dos caprichos de Paganini; não me recordo qual exatamente, mas sei que foi o mais melancólico dos vinte e quatro. Os olhos daquela professora se encheram de lágrimas. Assistindo sua fragilidade, ali, bem na minha frente, resolvi então me declarar:

- Não vá para a Europa, professora!

- Não há mais o que fazer aqui, Augusto! – disse Valéria – O meu futuro está lá. Há uma orquestra me esperando, entende?

- Há muito mais aqui para você do que uma simples orquestra, professora!

- E o que há?

- Eu! Eu te amo, Valéria!

Valéria foi tomada por um silêncio de cinquenta e quatro segundos.

Até que:

- Fico feliz que ame o meu trabalho, Augusto!

- Surda? Estás surda? Eu disse que te amo! Quero você!

Depois daquela frase, observei cada linha de seu semblante, cada característica física, e concluía que, naquele momento, ela já não estava mais no Brasil; sua pele alva, seus olhos verdes, seus cabelos louros sob um lenço azul; ela já parecia européia, o que me fez sentir sua ausência antecipadamente.

- Adeus, Augusto. Se cuide – disse Valéria friamente.

Foi a última vez em que a vi.

Anos mais tarde, um primo meu também foi morar na Inglaterra. Dei a ele a missão de me mandar notícias de alguma “violinista famosa chamada Valéria”.

- Não é tão fácil achar alguém por aqui, Augusto – dizia meu primo pelo telefone.

- Mas ela não é simplesmente “alguém”! Ela foi para aí tocar numa grande orquestra! Procure nas orquestras! Nas grandes!

- Augusto, a única violinista chamada Valéria que, por acaso, eu encontrei, tocava numa esquina, aqui em Londres, em troca de moedas. Mas não deve ser a mesma que procuras, não é?

- ...

- Augusto?

- ...

- Augusto? Você está me ouvindo?

- Esqueça, primo. Obrigado.

Covardia? Talvez. Mas a verdade é que nunca mais, apesar de todo o amor que ainda me arde o peito, tive coragem de ir atrás dela. Eu a amei, ela não me amou. Ela amou a música, mas parece que a música não a amou. Minha “teoria sobre o amor” se mantém firme.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

A TATUAGEM

Hugo ainda guarda no peito um pouco do momento de ira vivido naquele dia; Daniela, sua esposa, chegava em casa com aquela “surpresa” sobre o seio direito: uma singela borboleta azul. O fato é que os seios de Daniela já chamavam por si a atenção alheia; não pelo tamanho – eram médios –, mas pelo formato perfeito e pelas pequeninas pintas que estes carregavam; uma graça.

Hugo nunca imaginou uma tatuagem no corpo de Daniela, que sempre se mostrou uma menina muito conservadora e recatada para tal “ousadia”. Hugo tinha verdadeira adoração pelo corpo de sua esposa. “Seu corpo, Daniela, não merece tatuagem ou qualquer uma dessas coisas que o deforme”, costumava dizer Hugo.

- Você ficou maluca, Daniela?! – dizia Hugo diante do susto – Uma tatuagem nos peitos?! Nem me consultou!

- Amor, eu quis fazer surpresa!

- Isso lá é surpresa, Daniela? Uma borboleta bem no meio dos peitos? Diga! Ficou louca?

- Não gostou? – dizia Daniela já cabisbaixa.

- Claro que não! Que decepção...

- Só você vai ver, amor – tentava convencê-lo Daniela – Não o mostrarei a ninguém, eu prometo.

Hugo, ágil, analisava rapidamente tal promessa e concluía que dentro desta havia uma grande vantagem ao seu ciúme quase doentio: os decotes – comportadíssimos, diga-se de passagem –, vez em quando usados por Daniela, estariam, por ela mesma, terminantemente proibidos.

- Você promete? – dizia Hugo mais controlado.

- Claro, meu amor! Uma tatuagem dessa a mulher só deixa à mostra a quem ela realmente ama!

- Tudo bem, Daniela, eu aceito a sua tatuagem, vai – dizia Hugo ainda mais convicto de que a borboletinha azul tinha lá o seu pró: ninguém jamais poria os olhos sobre os belos seios de sua esposa.

Alguns dias se passaram e Hugo já havia, inclusive, aprendido a gostar daquela tatuagem. As noites do casal acabaram que apimentadas pela tal borboletinha azul. “Que babaca eu fui, Daniela”, dizia então Hugo sobre a tatuagem.

Mas o tempo passou e, assim como em muitos relacionamentos conjugais, as diferenças daquele casal passaram a prevalecer sob o teto em que viviam. Hugo, após ser promovido a um cargo de chefia na empresa em que trabalhava, passava a chegar mais tarde em casa – quase sempre de pileque. Os carinhos do rapaz davam aos poucos lugar a uma agressividade leviana. Adjetivos chulos como “safada”, que nunca fizeram parte do vocabulário de Hugo, marcavam agora presença quase que constante nas discussões do casal.

Cansada de tal tratamento, Daniela resolvia pagar na mesma moeda; sob a dica de uma amiga, caía de cabeça num mundo até então desconhecido: as salas virtuais de bate-papo. E passava então a marcar encontros às escondidas durante as tardes, enquanto Hugo trabalhava.

Até que certo dia, Hugo, coberto de segundas intenções, almoçava com uma cliente num pequeno e aconchegante restaurante, no Centro da cidade. A tal cliente – uma mulher de quarenta porém enxuta –, por sua vez, se derretia sobre as palavras do rapaz. Este, transbordante de galanteios, pegava as mãos delicadas daquela mulher a fim de beijá-las, quando, sem querer, avistava, numa mesa ao fundo, Daniela a conversar com outro.

A primeira reação de Hugo foi uma paralisia total; não acreditava no que vira e sequer pensava no risco de seu próprio adultério. A segunda reação foi o pranto, ao notar que, além de aparentar muito envolvida com o papo, Daniela exibia aos olhos do outro, através de um ousado decote, a borboletinha azul.