quarta-feira, 17 de novembro de 2010

QUEM MENTIU?

Confesso que a ideia de ficar em São Paulo por uma semana repleta de palestras chatas sobre os novos rumos do marketing não me agradara nem um pouco. Todo ano a empresa onde eu trabalhava enviava um representante para tal evento, mas eu sempre fui aquele funcionário, como posso dizer?, incompetente. Acho que por isso, em sete anos de empresa, nunca fora convocado; até aquele ano.

Recebi a ordem com a minha já conhecida cara de bunda, ao mesmo tempo em que meu chefe dizia que uma de suas secretárias já havia reservado tudo; passagens, hospedagem etc.

- OK... – eu disse.

- Só que desta vez enviaremos dois representantes – disse-me meu chefe. – Vai também a Viviane, da filial de Duque de Caxias.

- Eu a conheço?

- Creio que não. Ela está conosco há alguns meses.

- Ah...

A coisa começou a melhorar. Uma companhia feminina! “Quem está interessado nos novos rumos do marketing? Dane-se o marketing, ora essa!”, eu pensei comigo. Queria era sair daquela sala e descobrir logo quem era essa tal de Viviane.

Logo no corredor, me deparei com Ana Luiza, do DP.

- Aninha do meu coração! – eu disse, estampando um sorriso interesseiro.

- Diga, William, o que você quer? – disse-me Ana Luiza.

- Calma... Faz um favorzinho para mim?

- Diga.

- Tem como você me arrumar uma foto de uma tal de Viviane, da filial de Duque de Caxias?

- E por que eu faria isso?

- Porque você é minha amiga?

- Me erra, William!

Ana Luiza e eu tivemos um “casinho”, uns meses antes. Uma gracinha de menina, mas tão chatinha, meu Deus. Depois de mim, até então, creio eu, ninguém mais pousara naquele corpinho mignon – vinte e seis aninhos bem distribuídos em seios e bumbum pequeninos porém vistosos, bem vistosos. Ana Luiza, a Aninha, tinha a fama de ser – pasme – virgem! Sim, isso mesmo! Virgem! Está bem, confesso, eu não a levei para a cama, mas quem a levou?

- É importante, Aninha! – eu insisti. – Preciso saber quem é essa tal de Viviane!

- Posso saber o porquê?

- Vou a São Paulo com ela na semana que vem, e...

- Sabia! Quer, no mínimo, saber se a “tal da Viviane” é gostosa o suficiente! Poupe-me!

- Não é isso, Aninha! É que...

- É que o quê?

- Esqueça... Não precisa se incomodar. Eu dou meu jeito.

- Eu vejo para você, seu ridículo! – disse-me Ana Luiza fechando a cara e seguindo seu caminho.

Após o almoço, Ana Luiza chegava até minha mesa. Com um sorriso lindo, que só ela tem, carregava nas mãos um envelope.

- Parabéns, William! – ela dizia. – Estará em ótima companhia em São Paulo!

Ana Luiza, ainda sorrindo, me entregava o envelope e dava meia-volta. Antes de abri-lo, não pude deixar de dar uma bela sacada naquele bumbum a se distanciar. Ah, sim, abri o envelope e lá estava: a foto da tal Viviane.

- Puta que pariu! – escapuliu-me o palavrão.

Que mulher feia, meu Deus! Como alguém no mundo poderia merecer tamanha maldade? Não vou descrevê-la; apenas imagine uma pessoa feia, mais bem feia, e multiplique por mil. Na mesma hora imaginei uma semana em São Paulo ao lado “daquilo”.

Fui correndo à sala do chefe.

- Não posso ir a São Paulo! Não posso! – eu dizia ao entrar.

- Mas como, William? Você confirmou...

- Recebi uma notícia meio chata, Dr. Fausto. A minha mãe anda muito doente, sabe? – mentira; muito pelo contrário, minha mãe esbanjava saúde e tinha mais disposição que eu, inclusive –, e minha irmã ligou dizendo que ela piorou e...

- Meu Deus. Não, tudo bem, William. Indica alguém para substituí-lo na viagem?

- O Hélio, pode ser?

O Hélio era um invejoso que não largava do meu pé. Era a hora de me vingar de todo o seu veneno derramado sobre minha carreira.

- OK. Eu falo com ele.

- Muito obrigado, Dr. Fausto.

Passei no DP a fim de dar a notícia à Ana Luiza.

- Aninha, meu amor! Livrei-me daquela viagem! Graças a ti!

- Sabia que você só queria saber se a Viviane era uma “boa” companhia. Seu safado!

Foi quando vi o Hélio saindo da sala do chefe com uma cara ótima.

- E aí, Hélio? Indiquei você para aquela viagem! Gostou?

- Claro, William! Estava mesmo querendo ir a São Paulo ver meus pais. Muito obrigado!

- E terá companhia, hein, Hélio!

- Sim! Sim! Cá entre nós, essa Viviane é um espetáculo!

- Espetáculo? Mas... Você a conhece?

- Quem não a conhece, William? Ela está no meu Facebook, inclusive! Você quer ver?

- C... Claro...

A Viviane era a coisa mais linda do universo! A cada foto que Hélio me mostrava mais raiva eu sentia de Ana Luiza. Filha de uma égua!

Voltei ao DP.

- Ana Luiza! – eu dizia, puto da vida!

- O que houve, William?

- Isso não se faz! Por que mentiu para mim? Quem era “aquilo” que me mostrou?

- Ora, ora... A Viviane, ué?

- Mas o Hélio me mostrou outra Viviane! E linda!

- William, escute o que eu vou te dizer: Você terá que escolher em quem confiar, meu bem. O Hélio morre de inveja de você, não é? Eu sei que morre! Ele pode ter te enganado também, não? Pense.

Até hoje não sei quem mentiu; se o amor, naquela ocasião, ainda existente de Aninha, ou a inveja gritante de Hélio.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

ACIMA DE TUDO, FIEL

Um pacto. Isso mesmo! Tínhamos, Tatiana e eu, um pacto de não dizer palavra. A gente se encontrava, se beijava, se amava e se lambuzava com todos aqueles líquidos que da gente saía – que para nós, diga-se, eram afrodisíacos –, mas não dizia um “ai”; tínhamos um medo mortal de nos conhecer melhor e, com isso, acabarmos perdendo o tesão um pelo outro. Um medo muito do babaca, confesso. Mas tínhamos dezenove para vinte anos; o que se esperar dessa idade em termos de relacionamento?

Eu tinha a minha namoradinha, sabe?, a Beatriz. Mas era aquele namoro de sofá, entende? Beijinhos, mãos dadas, TV, lanche, mais beijinhos e tchau. Ela só tinha dezesseis e os pais dela não davam brecha.

- Você pode namorar a minha filha, rapaz – disse-me o pai dela certa vez –, mas porque tu tens um emprego e me parece, ouça bem, me parece ser de boa índole. Por enquanto, o namoro de vocês é aqui em casa e sob os meus olhos, entendeu?

Diante de tal conselho (leia-se ameaça), qualquer um abandonaria o barco no primeiro dia. Mas Beatriz era para mim uma jovem de qualidades muito raras. Eu via nela a mãe dos meus filhos! Palavra!

Beatriz era uma morena clara do cabelo bem negro, todo em cachinhos, na altura do meio das costas. “Dá um trabalho mantê-lo assim”, ela dizia sempre. Com aparelho nos dentes, sua fala saía meio “axim, xabe?”, o que para mim era um charme à parte! Dona de olhos grandes, claros e de cor indefinida, Beatriz possuía um rosto de menina, mas um corpo de mulher – quase sempre coberto por vestidinhos que eram um misto de sensualidade e inocência.

Era um pouco monótono, sim, confesso, mas ao mesmo tempo era muito bacana chegar à casa de Beatriz e ouvi-la dizer, com aqueles lábios pequenos, “amor, hoje fiz um bolo de cenoura, hummmm”.

Com Tatiana era o contrário. A gente se encontrava nos fundos da casa dela, em meio a um monte de ferramentas velhas, sempre às quintas-feiras à noite, quando seus pais saíam. Lá havia uma bancada de madeira que a gente forrava com um edredom velho; edredom este testemunha de todas as nossas loucuras.

Tatiana tinha a pele alva e o cabelo castanho, na altura do tórax; era bem liso, porém, nitidamente sem cuidados. Ela tinha uma combinação rara de medidas: bem magra, mas com seios fartos e rijos. Não tinha muito bumbum, é verdade, mas, sei lá, ela tinha sexy appeal, sabe? Estava sempre com uma calça skinny, uma camiseta de malha e um All Star vermelho. Ah! E com muito, mas muito tesão também.

Comigo, Tatiana não queria saber de nada que não fosse sexo. Era apenas isso. Se eu estava com a Beatriz, se eu ia me casar, se eu tinha faturado o prêmio da Mega Sena, nada disso importava. Tudo o que ela queria era que na quinta-feira eu estivesse lá, firme e forte! E põe firme e forte nisso, porque a magrelinha era incansável.

Como já disse, com a gente não havia diálogo. Era “pá-pum”, só que multiplicado por três ou, às vezes, até quatro.

Num desses nossos encontros mudos – não tão mudos assim, porque os gemidos de Tatiana costumavam rasgar o silêncio da noite:

- Preciso te dizer uma coisa – dizia Tatiana antes mesmo de nos beijarmos.

- Mas...

- Sim, eu sei, prometemos nunca falarmos um do outro, mas eu preciso te dizer que...

- Que o quê?

- Que não vai haver mais encontros entre nós dois. Estou com um cara.

- E desde quando isso é motivo para terminarmos aqui?

- Desde o momento que resolvi ser fiel a ele. Posso?

- Não! Não pode! Eu não sou fiel à Beatriz! Por que você tem que ser fiel a este cara?

- Porque eu SOU fiel!

- Desde quando?

- Desde sempre! Fui fiel a ti, não fui?

- E eu sei lá, Tatiana? Eu lá sei com quem você anda?

- Só andei contigo, seu babaca! E aposto que a Beatriz só andou contigo também! Acho que você é o único filho da puta nessa história!

- Essa é boa, Tatiana... Essa é boa!

Fazer o quê? Dei meia-volta e fui embora.

Naquela semana sofri horrores com o nosso rompimento. Até Beatriz me achou estranho naqueles dias. Realmente eu estava estranho; olhava para o nada, ficava quase sempre cabisbaixo. Senti como se eu realmente fosse dependente de Tatiana, ou melhor: do sexo de Tatiana.

Na outra quinta-feira, mesmo sabendo que Tatiana não me receberia, fui em direção aos fundos da casa dela, como sempre. Antes de chegar àquele muro, pude ouvir os gemidos de Tatiana. Ela estava lá, provavelmente com o tal cara de quem ela me falou. Que ódio eu senti. No mesmo dia e horário em que ela se dedicava a mim? A sua voz me dizendo “...eu SOU fiel” martelava a minha cabeça.

Sentei no muro e esperei. Pelas minhas contas foram umas três transas. Os gemidos de Tatiana me torturavam, mas eu precisava saber, de qualquer maneira, quem era aquele cara.

Quando ouvi a porta daquele cafofo se abrir, rapidamente desci do muro e me escondi, a fim de esperar pelo cara. Ele saiu, assim como eu saía, sem emitir palavra. Filho da mãe. Quando ele dobrou a esquina:

- Ei, cara! – eu o abordava.

Era um cara bonito. Forte, de estatura mediana, bem vestido...

- O que foi? – dizia ele não muito amigável.

- Estava com a Tatiana?

- Sim, por quê?

- Foi bom?

- Foi ótimo! Por quê?

- Estão namorando?

- Não é da sua conta!

- Preciso saber! Por favor!

- Que babaca! Quer mesmo saber? Eu tenho uma namorada, sim, mas não é a Tatiana. E ela sabe disso! Agora me dê licença!

A fidelidade de Tatiana sempre me espantou, mas naquele momento me causou nojo. Ali, parado naquela esquina, feito um completo idiota, senti uma vontade louca de comer um pedaço de bolo da Beatriz.