segunda-feira, 30 de agosto de 2010

GABRIELA - O Labirinto Particular de Lysa - Parte 3

Mais uns três outros beijos como aquele se fizeram presentes naquela noite. O último, diga-se de passagem, foi Lysa quem sugeriu – para o aumento das esperanças de Gabriela, que, em diversos momentos, pensou em abrir o jogo de vez com a amiga. Mas não abriu. Lysa estava “alta” demais e por vezes abriu a frente do vestido. “A menina da roça está se libertando”, pensava Bruna.

No final da festa, já com a pista vazia e o DJ tocando quase que exclusivamente para as quatro meninas, Lysa pede licença ao grupo e vai de encontro a um rapaz, que a espera recostado em uma das pilastras da casa. Gabriela observa a atitude de Lysa, esboça uma reação, mas é impedida por Bruna.

- Chega de dar bandeira, Gabriela! – disse Bruna – Vamos ver qual é a dela, relaxe!

Gabriela, mesmo morrendo de vontade de enfiar a mão na cara do rapaz, atende ao pedido da amiga e apenas observa.

Lysa trajava um vestido branco que valorizava um par de coxas banhado de suor, torneado e reluzente. O rapaz dizia algo enquanto Lysa sugava um blue hawaii. Não demorou muito para que os lábios de ambos se encontrassem num beijo sem limites. Aquela pilastra apoiava agora um casal incendiário. Lysa, nitidamente bêbada, brincava com os botões da camisa do rapaz; ensaiava uma transa que, por conta de Gabriela, não ocorreria.

- Volte aqui, Gabriela! – disse Bruna tarde demais.

Gabriela chegou até o casal e puxou Lysa pelo braço e:

- Lysa, a gente está indo embora. Vamos?

- Massss já?

- Já, Lysa. Vamos?

- Massss eu tenho que pegar o... o... o telefone desse cara! Ele beija beeeeeeeem...

A mistura de bebidas mostrava o seu efeito na inexperiente Lysa.

- OK, pegue o telefone e vamos.

* * *
Para a sorte das amigas, Joyce dirigia e, como bebera pouco naquela noite, se dispôs a deixar cada uma das meninas em suas casas. No carro, Bruna no banco carona; Gabriela e Lysa no banco traseiro.

- Vocês são fodassss! – dizia Lysa – Aquele lance da gente se beijaaaar funcionou meeeeeeesmo, hein?! Que garoto gostoso que eu pesquei!

- OK, Lysa! OK! – dizia Gabriela – Você “pescou” um garoto! Pronto! Agora fique quieta, pelo amor de Deus!

- Gabriela! – dizia Bruna a fim de reprimir a amiga.

- Sabe o que é, Bruuuuuuna? – dizia Lysa – É que Gabriela deve estar com inveja, porque não pessssssscou ninguém!

Bruna e Joyce riam da situação, mas Gabriela, longe disso, não achava a menor graça.

Analisando o saldo da noite, Gabriela concluía que não saíra tão por baixo assim. Embora tivesse testemunhado uma excitante entrega de sua tara morena àquele rapaz, conseguira arrancar de Lysa beijos que por muitos dias não sairiam de sua memória. Mas o que Gabriela não sabia era que a noite ainda não havia terminado e aquele saldo poderia ser ainda mais positivo.

- Bruna – dizia Gabriela –, não quero ir para casa! Não quero olhar na cara da minha mãe!

- Por quê?

- Outro dia eu te explico.

- Bem, eu vou dormir na casa da Joyce, e...

- Não, tudo bem. Não quero atrapalhar.

- Fica na casa da Lysa!

- Na minha caaaasa? – dizia Lysa – Pode ser, pode ser...

- Posso dormir na sua casa, Lysa? Mesmo? – dizia Gabriela.

- Claro, porra!

- Ela precisa de ajuda mesmo, Gabriela – dizia Joyce.

Conforme combinado, Joyce deixava Gabriela e Lysa no apartamento da última.

Já no apartamento, Gabriela tentava convencer Lysa a ir para o chuveiro.

- Lysa, vai te fazer bem! Um banho gelado!

- Massss eu estou bem, cara!

- Não está! E está suada feito uma porca! Não creio que dormirá assim!

Tarde demais. Lysa já havia desabado no sofá da sala e, com as pernas e os braços abertos, parecia já entregue aos domínios de Morfeu.

Gabriela vai até a cozinha e bebe dois copos d’água. Observa os bilhetes presos por imãs na porta da geladeira – a maioria deles está relacionada a afazeres da faculdade. Algumas fotos dos pais de Lysa também estão lá, o que faz com que Gabriela se imagine, por alguns instantes, sendo parte de uma família normal.

De volta à sala, Gabriela se lembra de uma história que sua mãe sempre contava, a da morte de um cantor de rock, o Bon Scott, que acabou afogado por seu próprio vômito após um excesso alcoólico. Com medo, posicionou o corpo de Lysa de forma a evitar tal tragédia. Pensou em levá-la para a cama, mas a amiga se encontrava em um sono profundo demais; desistiu.

Ainda com as pernas abertas, Lysa deixava a calcinha à mostra, para loucura de Gabriela, que, a princípio, se julgou incapaz de se aproveitar da amiga naquele estado. Mas aquela vontade de despi-la com a língua lhe tomava a mente.

- Preciso de um banho gelado! Preciso! – dizia a si mesma Gabriela.

A água gelada caía sobre o corpo quente de Gabriela. No pensamento, apenas a calcinha de Lysa. Gabriela também bebera bastante naquela noite, o que lhe causava certa mistura nos seus sentimentos e lembranças. Os beijos de Lysa, a música alta, os beijos de Joyce e Bruna... tudo lhe vinha ao mesmo tempo. Resultado: uma masturbação psicodélica e demorada.

Gabriela saía do banho sem saber o que vestir. Não havia condição de se dormir com aquelas peças ensopadas de suor, fedendo a cigarro. Como estava cansada demais para procurar nas coisas de Lysa algo confortável, resolveu que dormiria nua mesmo.

Gabriela deixaria a amiga no sofá, por questão de segurança – “Meio que sentada ela não corre mesmo risco que o Bon Scott”, pensava – e dormiria na cama de Lysa. Mas, ao passar pela sala e avistar as pernas da amiga na mesma posição, não se conteve; foi até lá, se agachou frente ao sofá e, lentamente, ia levando a mão de encontro àquilo que tanto a torturava.

Numa luta interna entre o certo e o errado, Gabriela se viu vencida e acabou tocando rapidamente a parte íntima de Lysa. Recuou, pensou, mas voltou sua mão; dessa vez revelando a intimidade da amiga levando o elástico daquela calcinha para o lado. Mil coisas passaram pela cabeça de Gabriela, que, após alguns segundos boquiabertos de pura contemplação, se levantou e foi dormir tomada de tesão; o mais avassalador que já sentira. “O saldo foi melhor que o esperado”, pensava.

[Continua]

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

GABRIELA - O Labirinto Particular de Lysa - Parte 2

A noite costumava ser para Gabriela uma espécie de válvula de escape. Na pista, sob os efeitos do álcool e da música, Gabriela parecia esquecer de todos os problemas que a cercavam – a companhia de Lysa ajudava muito também.

Lysa ainda não era totalmente parte daquele mundo de badalação; pensava muito nos pais e no que eles diriam se presenciassem tamanha transformação em seu modo de encarar as coisas. Lysa via em Gabriela a ponte para o conhecimento de todas aquelas coisas que costumava apenas ouvir dizerem.

Gabriela conhecia muita gente e era muito querida também; seus cumprimentos com os amigos, pelo menos a princípio, chocavam um pouco Lysa.

- Você sumiu, sua vaca! – dizia Gabriela à Bruna, sua amiga, assim que a encontrava.

Bruna vinha acompanhada de Joyce.

- Gabriela, essa é a Joyce! – dizia Bruna.

- E aí? Beleza, Joyce? Tenho alguém para apresentar também, gente! – dizia Gabriela – Essa aqui é a Lysa. Gente finíssima!

As jovens se cumprimentaram numa bagunça de abraços e beijinhos nas bochechas, o que provocou uma gargalhada geral.

- E então? Vamos atacar? – sugeria Gabriela às amigas em relação à noite.

Não demorou muito para que toda a pista prestasse atenção em Lysa, Gabriela, Bruna e Joyce; as meninas dançavam de forma muito sensual – exceto Lysa, que se soltava aos poucos. Os meninos que as cercavam até tentavam uma aproximação, mas o foco das meninas estava na diversão, apenas na diversão.

Até que um rapaz alcançou o ouvido de Lysa com os lábios e:

- Você é deliciosa!

Antes mesmo que Lysa o respondesse ou o ignorasse, Gabriela chega até o rapaz e:

- Sai fora, OK?

- É namorada dela, é? – debochava o rapaz.

Pronto. Foi o suficiente para que Gabriela jogasse sua vodka no rosto do rapaz e a confusão tomasse conta da pista. Alguns seguranças controlaram a situação e mandaram as meninas para o andar de baixo da casa.

Lá:

- Você ficou maluca, Gabriela? – dizia Lysa – Ia sair na mão com o cara? Íamos apanhar ali!

- Foi mal, foi mal! – dizia Gabriela.

- Eu... eu vou ao banheiro – dizia Lysa nitidamente nervosa.

No ausentar de Lysa, Gabriela pedia licença à Joyce e puxava Bruna para o espaço lounge. Bruna, bissexual assumida, era a única amiga de Gabriela que sabia de sua opção sexual. Gabriela precisava desabafar.

- Porra, Bruna, eu perdi a linha! – dizia Gabriela – Você viu?

- Está gostando dessa menina, não é?

- Não sei... Eu...

- Caralho, Gabriela, eu te conheço! Quando me apresentou Lysa eu já vi tudo! Ela é gata demais mesmo!

- Bruna, eu já não sei o que faço! Eu a conheci faz pouco tempo, mas já a considero parte de mim e não consigo tirá-la da cabeça! Ela é um amor, mas não sei se toparia uma coisa dessas, me entende? E ela nem me parece...

- Sei como é... E a Joyce? O que achou dela?

- Não vai me dizer que... – dizia Gabriela incrédula.

- Sim, estou pegando, Gabriela!

- Nossa! Ela é muito linda também!

- É. A gente vem se conhecendo, sabe? Mas já estou amarradona nela, confesso!

- Fico feliz, Bruna. Espero que eu tenha a mesma sorte com Lysa.

- Eu sei como te ajudar!

- Como?

- Vamos fazer como naquela vez, lembra?, que nos beijamos no meio da pista para provocar os meninos!

- A Lysa não vai topar. Ela é “da roça”, Bruna! Acho que será a pior maneira de...

- Não será não! Eu coloco pilha! Vamos?

- Meu Deus, não sei por que te dou ouvidos, Bruna!

Gabriela e Bruna retornavam ao bar. Lysa já havia voltado do banheiro e Joyce lhe apresentava um bloodhound. Bruna, sem aviso prévio, alcançava os lábios de Joyce de forma avassaladora, para o espanto de Lysa.

- Meu Deus... – dizia Lysa em voz baixa, a si mesma.

Lysa não saberia explicar o que sentira naquele momento. O fato é que Lysa não conseguiu tirar os olhos daquele beijo. Num misto de surpresa e excitação não compreendida, Lysa se paralisava.

- Elas são lésbicas – dizia Gabriela em voz baixa, próxima ao ouvido de Lysa.

- ...

- O que foi, Lysa? – dizia Bruna a sorrir – Viu um fantasma?

- Não, não...

- Eu tenho uma ideia! – continuava Bruna – vamos provocar os meninos?

- Como? – dizia Lysa.

- Os meninos adoram ver meninas se beijando, Lysa! Então, a gente volta à pista e começa a se beijar! Que tal? Joyce e eu, você e Gabriela!

- Ei, mas eu não sou lésbica, gente!

- Deixa de ser “da roça”, Lysa! – dizia agora Gabriela – É tudo brincadeira!

- Mulher beijando mulher? – dizia Lysa – De brincadeira?

- É! Bruna e Joyce estão juntas, é diferente. Mas no nosso caso é brincadeira!

- Ah, gente... – dizia Lysa assustada com a proposta.

- Ah, Lysa, vai ser divertido! Prometo! Toma logo esse bloodhound e vamos!

Lysa não sabia ao certo se levaria tal brincadeira até o fim. Mas o fato é que, puxada pelo braço por Gabriela, Lysa subia à pista de dança.

O efeito do álcool e a agitação do local não deixaram Lysa escapar de tudo aquilo que a envolvia.

- Observe Bruna e Joyce e faça igual, OK? – dizia Gabriela.

- Mas... – tentava dizer alguma coisa Lysa.

Bruna e Joyce já eram quase que uma pessoa só, tamanha intensidade daquele beijo que já arrancava os olhos de todos à volta.

- Eu não posso fazer... – tenta, mais uma vez sem sucesso, dizer algo Lysa, que é interrompida pelos lábios alcoólicos de Gabriela.

Lysa demonstra resistência nos primeiros dois segundos de beijo, mas logo sua língua se entregaria de vez às habilidades de Gabriela.

Gabriela sentia suas expectativas sendo superadas e sua adrenalina indo às alturas. Sentia também como se um sentimento profundo, um envolvimento real entrasse pelos seus poros na forma de um líquido quente e prazeroso. Vinha-lhe então a mesma imagem que há muito lhe tomava os pensamentos: Lysa, em meio a um cenário campestre, acariciando a si mesma num despir inocente e ao mesmo tempo extremamente sedutor.

Após o beijo, Gabriela solta um grito, uma celebração à noite e à diversão – e àquele beijo, claro. Lysa, ainda sem saber o que pensar ou dizer, sorria e, dentro de si, dizia:

- Meu Deus, que loucura...

[Continua]

terça-feira, 24 de agosto de 2010

GABRIELA - O Labirinto Particular de Lysa - Parte 1

Na linha do tempo, esta série deve ser considerada antecessora à série Lysa23, publicada em junho de 2010. A leitura de Lysa23 não é pré-requisito para o entendimento desta série. Boa leitura.

- Ainda mato essa garota!

A voz tomada pela ira vem de Marly, uma mulher entregue ao alcoolismo e à falta de perspectiva. Quando soube da gravidez, aos dezesseis anos, Marly era a mais pura inocência, capaz de acreditar que o pai de sua filha as assumiria num ápice de felicidade. Seu mundo cor-de-rosa desabou quando viu virar as costas o namorado e, pior ainda, seu próprio pai.

Demorou alguns meses, mas, aos poucos, a visão encantada de Marly foi dando lugar a um entendimento forçado sobre o que de fato era a vida: dura e cruel. Sua sorte – se é que tal palavra pode ser de fato relacionada a esta fase de Marly –, estava em sua beleza física. Marly era uma jovem linda, que, apesar de ter apenas dezesseis anos, desenvolveu um poder de sedução ausente em muita mulher madura.

E foi através deste seu lado sedutor que Marly conseguiu um lugar sob o teto de Carlão – um cafetão do Centro da cidade que se dizia “perdidamente apaixonado” pelos olhos da jovem. Carlão, que já beirava os cinquenta, prometera à Marly que ninguém jamais tocaria num fio de cabelo seu. A promessa foi cumprida, mas só até Marly completar dezoito anos.

Obrigada a se prostituir (muitas vezes na presença da filha, a pequena Gabriela), Marly logo arruma um jeito de fugir e voltar à casa de seu pai, que, diante da neta e de todo o sofrimento vivido por Marly até então, resolve acolhê-las. A pequena Gabriela estava salva; cresceria num lar de verdade – pelo menos esse era o esperado.

A verdade é que Gabriela cresceu em meio a uma relação familiar bastante conturbada. Sua mãe nunca quis saber de trabalho – vivia às custas do pai desde que naquela casa aterrissou. O entra e sai de homens por conta de sua mãe era constante – cada um mais “promissor” que o outro – e muito embaraçoso também, já que algumas das cantadas e insinuações mais nojentas que Gabriela recebera na vida partiram deles.

Depois que o avô de Gabriela faleceu – quando esta tinha seus dezessete anos –, a desordem tomou conta de vez na casa e na vida de Gabriela. A solução era permanecer na rua o maior tempo possível e, dessa forma, se livrar das frequentes e constrangedoras situações causadas por uma mãe (constantemente bêbada).

- Ainda mato essa garota! – dizia a si mesma Marly sobre Gabriela.

Gabriela batia a porta com lágrimas nos olhos. É que a jovem, momentos antes, recebera de sua mãe a proposta mais asquerosa de toda a sua vida.

- Gabriela, esse cara me prometeu um ano de uísque se você... Uma noite, só isso! Sem penetração, sem nada! É um velho broxa – disse Marly.

Diante de situações como essa, o destino de Gabriela era um só: o apartamento de Lysa, sua melhor amiga.

Lysa era uma menina vinda do interior do estado; morava na capital – às custas dos pais – para estudar Administração de Empresas. As duas jovens se conheceram por acaso numa boate e, como Lysa não conhecia absolutamente ninguém no Rio de Janeiro, se tornaram rapidamente “unha e carne”.

Mas o que motivou a aproximação de Gabriela estava de fato na beleza estonteante de Lysa.

Sim. Gabriela, desde que se entende por gente, se denomina – até então não totalmente assumida – lésbica. Aventurava-se com alguns meninos, sim – e por isso, às vezes, se considerava bissexual –, mas tinha a convicção de que o sexo masculino só era capaz de lhe proporcionar diversão, nada mais que isso – talvez por conta dos péssimos exemplos que teve ao longo da vida.

Mas quem não se sentiria atraído por Lysa? Uma morena dona de um corpo capaz de enlouquecer até o Papa! Lysa era a mais interessante definição de sedução involuntária; digamos que mal vestida – pronta para dar “um jeitinho” na casa, por exemplo –, mesmo assim, Lysa faria com que o sujeito se masturbasse pelas próximas duas semanas sem parar. As pernas torneadas, os seios delicados... Enfim, uma verdadeira “princesa do campo” recém-instalada na cidade.

Gabriela também não ficava atrás, e, assim como sua mãe, sua sedução estava também presente no olhar. Mais ainda que no olhar, seu poder de atração estava na personalidade forte e na atitude sexy de se insinuar.

- Você não acredita na proposta que minha mãe acabou de me fazer, Lysa! – dizia Gabriela.

- Diga, Gabriela! Você está chorando?

- Porra! Ela quer que eu me deite com um velho em troca de bebida! Você tem noção?

- O velho é gato, pelo menos? – descontraía Lysa.

- Lysa?! Para uma menina “da roça” você está bem saída!

- Influência sua, amiga!

- Não é brincadeira, Lysa! Não posso mais com minha mãe! Não posso!

- Poxa, Gabriela, juro que se desse te oferecia um lugar aqui no apartamento, mas meus pais não me mandam tanto dinheiro e...

- Tudo bem, Lysa. Não se esquente! Você é uma fofa, viu? Eu vou dar o meu jeito, pode deixar.

- Sei que vai...

Bastavam alguns minutos na companhia de Lysa para Gabriela esquecer de seus problemas.

- Quero sair! – dizia Gabriela após enxugar as lágrimas.

- Hoje é sexta! – empolgava-se Lysa – Para onde vamos?

- Hummm... Já sei! Vamos numa festa foda, lá na boate daquele meu amigo, o Maurício?

- Pode ser! Vai ter muito homem por lá? Capricho no decote? – dizia Lysa fazendo gestos; quase mostrando os seios.

- Boa, Lysa! Capricha! – dizia Gabriela morrendo de vontade de abrir o jogo com a amiga.

A diversão estava garantida para as duas.

[Continua]

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

O LÍQUIDO

- Gol do Vasco! Putz, não acredito! – dizia Diogo nitidamente transtornado.

Eu degustava lentamente um Montecristo Churchill, enquanto Diogo enlouquecia com a hipótese de seu Flamengo não se manter bem no campeonato nacional de futebol. Naquele momento nossos olhares apresentavam rumos diferentes; enquanto o meu observava o transitar tranquilo das pessoas em volta daquele bar, o de Diogo se mantinha fixo na TV – no replay do gol. “Que idiotice”, eu pensava, ao mesmo tempo em que me questionava sobre o quão idiota eu deveria ser também – talvez até mais que aqueles torcedores fanáticos.

Diogo era capaz de não saber o nome do nosso atual governador, mas sabia, de ponta a ponta, todas as escalações presentes naquele raio de campeonato. Artilheiros, técnicos, número de cartões amarelos, pontos ganhos, classificação da tabela, tudo! Diogo sempre fez questão de se manter muito bem informado sobre essas coisas tão importantes às nossas vidas.

Era um domingo frio de julho e eu não sabia ao certo o motivo que me levara àquela mesa de bar com Diogo. Quando me encontro em depressão, qualquer convite para sair de casa é rapidamente recusado. Mas, sabe-se lá o porquê, naquele dia aceitei. Talvez, não sei, por causa da minha insistente vontade de morrer. É que, em depressão, posso ter concluído que ficando em casa as chances de óbito seriam mais remotas. A menos que eu cometesse o suicídio – coisa que tenho muito medo, confesso. Prefiro os acidentes, sabe? “Quem sabe um carro em alta velocidade não invade aquele bar?”, devo ter pensado.

- Gol do Vasco, foi? – eu perguntava observando o queimar de meu charuto.

- Merda! – respondia Diogo.

A minha neutralidade diante daquele entretenimento nacionalmente cultuado piorava ainda mais a fúria de Diogo, que, naquele momento, pouco se importava se, no fim do mês, seu salário não garantia sequer suas necessidades básicas – e isso eu também observava.

- Você me irrita, Luciano – continuava Diogo – Não sei por que te chamei para assistir ao jogo!

- Você me chamou para beber um pouco! Eu nem sabia do jogo, Diogo! – eu respondia.

- Inferno!

Verdade, eu me divertia com a fúria de Diogo. Mas eu ficava o tempo todo a comparar os motivos que o levam a sair do sério com os meus. Digo, que eu me recorde, a última vez em que fiquei nesse estado emocional foi quando concluí de fato que o mundo me julgava velho demais para os meus sonhos. A sensação de que o seu tempo de sonhar já passou é terrível. Ninguém me disse, mas é como se o mundo me emitisse vozes dizendo “está na hora de levar a vida mais a sério” ou “é difícil para você encarar as responsabilidades de uma vida adulta”. Eu pensava se Diogo algum dia passaria pelo que passo. Sempre concluí que não.

Sempre concluí – e nisso as aulas de filosofia me ajudaram muito – que a verdadeira felicidade está na ignorância. É! O saber te leva à loucura, aos questionamentos, ao autoconhecimento (ou à tentativa deste) e, por fim, muitas vezes, à depressão. Seria tão fácil me preocupar apenas com a posição do Flamengo na tabela do campeonato, por exemplo. Assinar sorrindo um contracheque de fome, ao mesmo tempo em que marco com os amigos uma noitada na qual toda aquela miséria será gasta com mulheres e bebidas... Deve ser bom demais. Viver um dia após o outro, só isso.

Por que diabos tenho que ficar pensando nos valores das coisas, se ninguém dá valor a nada? Por que preciso passar horas lendo, adquirindo cultura e informações que num piscar de olhos se transformam em lixo? A postura de um rapaz inteligente e sério está fadada à cafonice. Talvez porque o rapaz sério de hoje seja aquele que não leva absolutamente nada a sério. Frases que dizem que “isso” ou “aquilo” está morto são despejadas sem consequências e, pior, sem o mínimo de embasamento. Tudo isso me corrói, me deixa desarmado, confuso, sem ação.

E o Diogo? Provavelmente, nesse exato momento, deve estar acendendo um cigarro às gargalhadas frente à lama que toma a calçada de sua casa.

Naquele domingo, já à noite, chego em casa e me deparo com minha escrivaninha, que, embora desarrumada, me mostra com nitidez os meus projetos que se encontram pela metade; me alfineta. Na estante ao lado, a televisão. Mas ao lado ainda, o computador. As tecnologias, que deviam me ajudar, parecem me atrapalhar ainda mais. Não sei por que, mas, naquele instante, a imagem de uma das aulas da faculdade de Publicidade me vem à mente; uma aula chatíssima em que noto a preocupação primária do professor em preencher o tempo com informações que (essas sim) já se tratam de lixo antes mesmo de nos tocar o intelecto.

Desabei no sofá. Constatava que carro algum invadira aquele bar e que eu, infelizmente, ainda me encontrava vivo. Tentei tirar algum proveito disso, mas tudo o que me tomava era uma preguiça sem tamanho. Não uma preguiça qualquer, causa de um desgaste físico ou mental, mas uma preguiça da vida mesmo; uma sensação de mesmice que vinha desde o par de tênis que eu calçava ao infinito céu nublado que engolia minha casa. Era como se eu não fosse capaz de fazer nada aproveitável; como se o tempo passasse tão depressa que cada traço meu à caneta tivesse sua tinta dissolvida pelo futuro avassalador. Meus papéis continuariam em branco, sempre.

Quando você se sente anormal por conta de suas reflexões antes tão naturais à sua existência, é porque você já não sabe mais o porquê te tudo o que o cerca. “Qual o sentido disso tudo?”, eu pensei. Por mais sem resposta que possa parecer tal pergunta, insisti: “Qual o sentido disso tudo?”.

Deus nos deu as coisas concretas, perfeitas, lindas, mas nos deu também a capacidade de vagar pela escuridão do abstrato. E é ajoelhado nesse abstrato que sofro mais. Sofro naquilo que não posso desenhar, escrever, cantar ou musicar; aquilo que é só meu. Sofro com aquilo que insiste em viver dentro de mim – até porque lá fora não há vida capaz de compreendê-lo.

Foi quando, em meio a pensamentos que se misturavam, me veio uma imagem: uma faca desejando boa noite ao meu pulso esquerdo. Achei que já era hora de ir para a cama. E fui.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

CELINHA

Éramos feios. Meu Deus, como éramos feios naquela época. De longe, podia se enganar, achando se tratar de um grupo de jovens sadios e bonitos, aquele que nos visse sentados sobre o gramado em frente ao shopping. Mas bastava uma aproximação para a constatação de não passarmos de um bando de idiotas vestidos com malhas negras e calças jeans rasgadas – mais tarde fui saber que os alternativos nos chamavam de “mariolas”.

Zeca e eu, amigos inseparáveis, como que numa espécie de hora sagrada, comparecíamos ao gramado sempre às oito da noite. Carregando nossas bandas prediletas estampadas em verdadeiros trapos que chamávamos de camiseta, lá estávamos nós, todo santo dia, a fim de papo furado, vinho barato, som pesado e meninas.

O papo furado era certo – a quantidade de cabeças vazias naquele local era imensa –, o vinho barato também – era só o que nosso dinheiro dava para comprar –, o som pesado vinha de fitas cassetes para lá de gastas, de tanto rodarem em nossos antigos walkmans. Já as meninas... Bem, as meninas não eram das melhores. Elas fumavam muito, bebiam muito, gritavam muito umas com as outras, usavam camisetas masculinas e calças incapazes de atrair sequer um tarado na seca. Sim, as nossas meninas eram muito ruins, coitadas, mas... Fazer o quê?

Zeca e eu nunca nos envolvemos com nenhuma daquelas meninas. Exceto numa festa na casa do Franco, um amigo nosso, mas esse foi um episódio tão deprimente (além de etílico) que prefiro deixar para uma outra ocasião.

A verdade é que daquele gramado conseguíamos observar as chamadas patricinhas, que zanzavam serelepes pelo shopping. Tínhamos a noção de que vestidos daquele jeito não teríamos a menor chance com elas, mas, mesmo assim, as observávamos.

E como eram lindas as patricinhas! É engraçado concluir que nós (pelo menos Zeca e eu), ali, naquele gramado, queríamos mesmo era participar daquilo que as patricinhas participavam. Só em ter a chance de abraçar uma menina perfumada como elas... Mas a nossa cabeça estava tomada por aquele monte de besteiras que os astros do Heavy Metal nos faziam acreditar. Sim, nós acreditávamos que tais astros andavam como nós andávamos; rasgados, sujos, com a barba por fazer e com a pele de um ogro. Vê se pode! Enquanto isso, a cada dia, sabe-se lá quantos lábios doces deixávamos de beijar.

Até que, num determinado verão, o bando recebe uma nova integrante. Marcela, que mais tarde virou Celinha, na flor de seus dezessete anos, nos aparece como que perdida de uma floresta habitada por fadas alvas e virgens.

- Oi! Posso me sentar com vocês? – perguntava Celinha ao bando.

Como não poderia? Celinha era a junção perfeita do melhor dos dois extremos daquele shopping! Ela era a beleza, o charme e o cuidado de uma patricinha consumista, mas ao mesmo tempo a atitude de uma menina do gramado – pelo menos a atitude que nós meninos queríamos que as meninas tivessem.

A branquíssima Celinha me aparece com um tênis All Star cano longo, uma saia que nem sei descrever, uma camiseta preta justa, sem estampa alguma, e um cabelo que, sem exagero, é o mais belo cabelo que já vi; liso, negro, na altura dos seios, com mechas vermelhas, uma graça!

- Claro que pode! – respondemos em uníssono Zeca e eu.

Pronto. Estava determinado o marco zero do desentendimento histórico entre Zeca e eu, que, logo após a frase cordial, olhamos um para o outro num estranhamento inédito.

As meninas, logicamente, demonstraram, sem disfarce algum, todo o veneno de seus ciúmes. Mas como seria diferente? Todos! Eu disse todos! Todos os meninos do gramado não conseguiram olhar para mais nada que não fosse, ou não tivesse a ver com, Celinha.

- Obrigada. É que sou nova aqui na cidade. Cheguei nesse fim de semana de São Paulo e procurava por pessoas que, sei lá, curtissem as mesmas coisas que eu, entendem? – dizia Celinha com seu sotaque.

- Claro! – respondíamos novamente em uníssono Zeca e eu.

- Mas quem disse que gostamos das mesmas coisas que você, menina? – berrava Letícia, a mais feia do bando.

- Curtem rock, não? – dizia Celinha.

- Sim! – respondia Letícia – Mas você não parece curtir rock!

- Curto sim! Eu curto...

Celinha, então, derramou em nossas mentes uma lista de bandas que jamais tínhamos ouvido falar. Ela não curtia apenas Heavy Metal, mas todas as vertentes do Rock. Eu concluía que, além de estar completamente apaixonado por Celinha, estava também atrasado, e muito; enquanto Zeca e eu, por exemplo, discutíamos sobre a decadência do
Metallica, Celinha conhecia a fundo todos os detalhes das histórias contadas pelos discos do Rhapsody. Foi dessa forma que, mesmo sob os narizes torcidos das meninas, Celinha se juntou a nós.

Celinha passou a frequentar o gramado, mas não todos os dias. Sendo assim, as expectativas em relação a sua aparição – por parte de todos, é verdade – era diária. Zeca e eu, a essa altura, não tínhamos assunto que não fosse sobre cada pedaço de Celinha; dos lábios ao dedão do pé. E foi aí que começamos a notar que se tratava de uma disputa.

- Fernando – dizia-me Zeca –, não vê que não tem chances com Celinha?

- Por que diz isso? Acha que você tem? É isso?

- Ela se amarrou na minha, Fernando. Você sabe.

- Não, não sei. Sei que ela não tira os olhos de mim. Disso eu sei.

- É para rir, Fernando?

A verdade é que Celinha era uma menina muito carinhosa e atenciosa com todos. Seu carisma tomava os nossos corações. Com o tempo, até as meninas passaram a adorá-la, sendo Celinha, inclusive, o pivô de uma mudança radical na maneira daquelas feiosas se vestirem – algumas ficaram até bonitinhas.

* * *
O tempo passou. Zeca e eu, a essa altura, sequer nos suportávamos. Íamos para o gramado, mas em horários diferentes; ele ia mais cedo um pouco.

Até que, certo dia, eu resolvi ir para o gramado bem mais cedo, pensando numa chance (entre um milhão) de encontrar Celinha sozinha. E não é que tive sorte? Foi coisa de Deus mesmo, só pode. Naquele fim de tarde, por alguns segundos, pensei em Deus sem meus antigos preconceitos. “Deus, obrigado”, eu pensei.

- Celinha! – eu disse.

- Fernando!

- O que houve? Você cedo por aqui – eu disse.

- Nada. Vim olhar o mar, o Sol. Adoro ver o Sol se pondo.

- É bonito mesmo.

- E você? O que faz aqui mais cedo?

- Vim ver você vendo o Sol se pondo.

- Bobo. Sério. O que faz aqui tão cedo?

- Celinha, eu na verdade não sei. Acho que senti que estaria aqui também, não sei. Simplesmente vim.

Celinha percebeu a minha intenção de aproximar meus lábios aos seus e me parou com sua mão delicada sobre meu tórax.

- Fernando, qual é? Não ia me beijar, ia?

- Ia...

- Melhor não. O Zeca é muito seu amigo e...

- O que o Zeca tem a ver com o meu beijo, Celinha?

- É que o Zeca e eu estamos juntos. Mais ninguém sabe ainda, OK? Imaginei que ele tivesse contado a você, mas, pelo visto...

- Você e o Zeca? Mas ele não me disse nada... Bem, depois dessa, eu... Eu vou indo...

- Não vai ver o Sol se pondo? Comigo.

- Não. Acho que perdeu a graça. Vou nessa...

Pelo caminho pude ver o Zeca rumo ao gramado. Foi quando as peças finalmente se encaixaram; eles estavam realmente juntos. O Zeca ia mais cedo ao gramado a fim de se encontrar com Celinha.

Fiquei tomado por uma inveja mórbida por dias. Não conseguia ir ao gramado. Não conseguiria ficar ali sabendo que, minutos antes, Celinha e Zeca haviam trocado suas salivas. Daí à loucura: “Será que ela deixa o Zeca passar a mão na bunda? E nos peitos?”, eu pensava doentiamente.

Deixei de ouvir qualquer música que me lembrasse Celinha, ouvindo apenas
King Diamond – que ela odiava – bem alto. Em todos os rostos na rua era o de Celinha que eu via. Não dormi durante semanas por conta disso. Foram dias muito difíceis.

Alguns meses depois, Zeca batia à minha porta.

- Fernando.

- Lembrou que eu existo, seu filho da puta?

- Chega, Fernando! Sei que você tá puto, mas o que me traz aqui é sério.

- O que foi? Tirou o cabaço de Celinha, foi?

- Não, Fernando! Celinha foi baleada num assalto. Celinha morreu, cara! Vim te avisar do enterro de Celinha! Babaca!

Zeca, contendo as lágrimas, foi embora. Eu, sem dizer palavra, fechava a porta numa forte tristeza, mas também numa assustadora e macabra alegria. Chorava e ria compulsivamente ao som alto de
Conspiracy. Até hoje não entendo o que senti naquele momento.