sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

JANEIRO MEU VI

Ao sair da água, Luana encontraria Denis, que também seguia até o restante do pessoal. Ela, em sua serenidade, caminhava, passava a mão nos cabelos e ajeitava a parte de cima do biquíni. Denis corria com sua prancha até Luana.
- A água está uma delícia, não?
Dizia Denis.
- Sim, está.
- E sua amiga? Não vai cair na água?
- Disse que ia.
- Ela podia cair agora, pois queria conversar um pouco com você.
- A fim de?
- De lhe conhecer melhor, Luana.
- OK. Se a Manoela me deixar em paz, você quer dizer.
- Você a conhece?
- Sim. Infelizmente.
- Esquece a Manu. A gente se senta um pouco afastado do pessoal e conversa. Pode ser?
- Sim, claro.

Luana tinha em mente que a decepção estava próxima. Sentia que logo tiraria Denis da cabeça. Aqueles pensamentos que a perturbavam. Mas a cada frase trocada com Denis, a menina se sentia mergulhando num poço cada vez mais profundo.

- Luana – dizia Giovanna –, a água está muito gelada?
- Um pouco, mas está gostosa.
- OK! Vou lá.
Giovanna seguia até a água, deixando a canga livre para Denis e Luana.

Os dois se sentavam. A menina estava nervosa. Denis nem tanto. Ele passava carinhosamente as costas da mão sobre o rosto de Luana, a fim de tirar os fios que ficavam na frente dos olhos.
- Pode deixar, Denis. Eu me ajeito.
- Sabe por que venho tentado manter um contato maior com você?
- Não. Uma nova amizade, talvez?
- Também. Bem, eu sempre a vejo sair de casa para o colégio e tal. Sempre pensei que algum dia nós fossemos nos falar. Mas você quase não sai de casa, então...
- Bem, estamos nos falando, não?
- Sim. Mas depois daquele dia, em que assobiei para você, eu fiquei meio que...
- Meio que o quê?
- Não vai rir?
- Juro que não.
- Apaixonado. É sério!
Luana não sabia o que dizer, mas disse o que veio à mente:
- Eu já te disse, Denis, eu tenho namorado. Acho que terá de me esquecer. Pelo menos nesse sentido.
Mal sabia Denis da luta para Luana o tirar da mente. Ah, se soubesse....
- Eu sei disso. Não quero atrapalhar a relação de vocês, mas...
- Não está atrapalhando nada – imagina! –, te juro! Mas não posso corresponder a esse sentimento seu.
- Gosta do seu namorado?
- Sim! E muito!
- OK! Eu não vou mais tocar no assunto, então.
- Acho melhor. Melhor para todos.
- Não. Pode ser melhor para você, mas para mim não é.
- Bem, eu...
- DENIS!
Gritava um de seus amigos.
- OI!
Respondia Denis.
- NÃO VAI QUERER?
O amigo de Denis fazia um gesto levando a mão à boca.
- VOU SIM! SEGURA UM POUCO PARA MIM!
Dizia Denis.
- O que ele te ofereceu, Denis?
Perguntava Luana.
- Maconha. Você quer?
- (!!!) Eu não acredito que você...
- Qual o problema, Luana? Vai me dizer que nunca...
- NÃO! Nunca!
- Experimenta! É bom!
- NÃO! Não quero saber dessas porcarias!
- OK. Vou ali e já volto.
- (!!!)

Luana observava. Eles dividiam a droga entre eles. Os cigarros passavam de um a um. Um cheiro forte começava a incomodar Luana. Denis tragava, tapava o nariz, delatava as bochechas e, logo depois, soltava a fumaça. Dava um sorriso de satisfação e, num reflexo, acertava uma tapa nas nádegas de uma das amigas. Manoela dizia alto: “Eu também quero essa porra!” referindo-se à maconha, talvez, ou à tapa.

Giovanna chegava da água e:
- O que está havendo ali, Luana? É o que estou pensando?
- É sim, Giovanna. Acho melhor irmos embora.
- Que cheiro horrível, putz! E olha o Denis!
- Se fosse só o cheiro... Eu não tenho nada a ver com a vida deles, Giovanna, mas, sinceramente, não me sinto bem aqui. Podemos ir? Você se incomodaria?
- Claro que não, Luana! Vamos!

As meninas se vestiam rapidamente, quando:
- LUANA? VOCÊS JÁ VÃO?
Perguntava Denis.
- Sim, Denis. Vamos sim.
Denis chegava mais perto e:
- Mas por quê? Mal chegaram!
- Denis, na boa. Fica aí com a sua galera e aproveite a praia. Eu não curto essas coisas. Se eu chego em casa com o cheiro dessa porcaria, meu pai me mata! Ele nem sabe que estou com vocês, aliás.
- Então, me dá um beijo! Só assim te deixo ir.
- O quê? Ficou maluco?
- É isso mesmo! Eu sei que você está na minha!
Denis pegava com força no braço de Luana.
- Larga o meu braço, seu...
Luana movia o braço com força e soltava-se de Denis. Puxava consigo o braço de Giovanna. As duas correriam até saírem das vistas de Denis.
- VAI, FILHINHA DE PAPAI!
Gritava Denis.

* * *
Já no ônibus, Luana e Giovanna respiravam fundo. Ficavam mudas por um tempo. Apenas olhavam uma para a outra com os olhos arregalados. Até que:
- Amiga... [respira] Responde uma coisa... [respira]
Dizia Giovanna ofegante.
- Di... [respira] Diga... [respira]
- O que... [respira] O que houve com.... [respira] Denis?
- Sei lá... [respira] Só sei.... [respira] Só sei de uma coisa.... [respira]
- O... [respira] O quê?
- Os olhos... [respira] Os olhos de Denis... [respira]
- O que tem? [respira]
- Os olhos... [respira] Os olhos de Denis... [respira] Eles perderam... [respira] Eles perderam o brilho. Eu... [respira] Eu consegui! Não... [respira] Não me senti mais... [respira] Não me senti mais hipnotizada... [respira] Ele... [respira] Ele é um estúpido!

[Continua]

* * *
Foto da Capa: Ana Claudia Temerozo.
Mais histórias sobre Luana em:
LUANA, DUAS, O NATAL DE LUANA e GISELE.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

JANEIRO MEU V

Luana, depois de alguns longos minutos, chegava até o portão. Vestia uma blusa de malha, um short jeans e sandálias leves. Denis observava Luana de cima a baixo, várias vezes.
- O que foi? Viu um fantasma? Estou branca, eu confesso, mas...
- Está linda.
- Denis! Antes de qualquer coisa, gostaria que soubesse que eu tenho namorado.
- É. Eu já imaginava. Mas só disse que está linda. Só isso.
- Tudo bem. Vamos só aguardar a minha amiga, sim?
- Tudo bem.

Naquele momento, passava pela frente da casa de Luana a galera do Denis. Uns doze ou treze jovens, entre garotas e rapazes.
- Não vai, Denis?
Perguntava um deles.
- Sim! A Luana vai também. Estamos esperando uma amiga dela.
- Hummmm...
Faziam em coro.
Luana não sabia onde enfiava o rosto. Morria de vergonha.
- Vão indo. Nos encontramos por lá.
Dizia Denis aos amigos.
- OK!
Eles respondiam.

Luana ficava assustada com a quantidade de gente e com os modos também. As meninas falavam alto, riam alto, apertavam as nádegas dos rapazes e, logicamente, tinham as suas também apertadas por eles. Pensava seriamente se seria uma boa idéia encontrar-se com eles à praia.
- Não ligue para eles, está bem?
Dizia Denis.
- Nós vamos ficar com eles lá na praia?
- Sim. Qual o problema? Não gostou deles?
- Sei lá. Não os conheço bem e...
- Não me conhecia também, Luana. E estou aqui no seu portão conversando contigo.
- É. Que coisa.

Mais alguns minutos se passaram num silêncio estranho. Até que:
- Aquela é a sua amiga?
Apontava Denis à Giovanna.
- Sim. É ela! Já podemos ir. Deixe só eu me despedir de Celeste.

Enquanto Luana entrava, Giovanna chegava sem graça.
- Oi.
- Oi. Você deve ser a Giovanna.
- Sim. E você deve ser o Denis, não é?
- Como sabe? A Luana já falou de mim?
Putz! Que mancada, Giovanna!
- Não, não... Quer dizer... Falou assim, por alto... Que ia conosco à praia. Lembrei do seu nome.
- Sei.
Giovanna mal chegava e já colocava Luana em situação de desvantagem.

Luana chegava de volta.
- Oi Giovanna! Vamos?
- Vamos!

Os três tomavam o ônibus, mas no caminho até a praia, Luana ia num banco com Giovanna e Denis sozinho em outro. As duas trocavam frases em voz baixa.
- Luana! Mas esse menino é um gato mesmo, meu Deus.
- Giovanna?
- Olha. Não estou dizendo o que deva fazer, mas que esse Denis é lindo demais, eu preciso confessar.
- Tudo bem. Você precisa me ajudar. E dessa forma está me deixando ainda mais confusa.
- Estou?
- Sim! Você acha que hoje, antes de você chegar, eu já não perdi minutos tentando enxergar no Denis algo que me o fizesse esquecer?
- O que você fez?
- Nada! Apenas fiquei olhando seus olhos. Aqueles olhos são um perigo!
- Luana. Não quero te desanimar. Mas acho que será difícil sua tarefa. E o que eu noto é que ele está caidinho por ti.
- Eu já percebi isso. Ele me trata super bem, precisa ver.
- Sei.

* * *
Chegando lá, Denis levava as meninas até o seu grupo, que ficava sempre na mesma altura daquela praia. Pareciam ainda mais numerosos do que quando passaram por Luana, mais cedo, na sua rua. Deviam ter uns vinte ou mais. Alguns “pegavam onda”, como o Denis. Fincavam suas pranchas na areia, faziam alongamento. As meninas dividiam latinhas de cerveja e cigarros também. Luana e Giovanna não se agradaram com todo aquele clima, mas...
- Fala aí, galera! Beleza? Essas aqui são a Luana e a Giovanna! – Dizia Denis.
Todos acenavam num misturado de “oi”, “fala aí” e “qual é”, no qual não se entendia quase nada. As meninas também acenavam.

Denis pegava sua prancha e ia para mais perto do mar. Luana e Giovanna estendiam suas cangas e sentavam-se.
- VOCÊ VAI SE QUEIMAR DE BLUSA? – Dizia uma voz feminina familiar.
Luana olhava para ver de quem vinha. Manoela [vide “Luana IV - Golpe Baixo”].
- Putz! Não creio que essa menina também está aqui!
Dizia Luana à Giovanna.
- Ih! É aquela menina da sua sala? A Manoela?
- Sim! Eu já devia esperar por isso. Ela mora no final da minha rua, mas não nos falamos. Toda aquela história com o Daniel, etc.
- FALEI COM VOCÊ, LUANINHA! VAI FICAR DE BLUSA MESMO?
Implicava novamente Manoela.
- Não enche!
Dizia Luana.
- ELA NÃO VAI TIRAR A BLUSA GALERA, PROVAVELMENTE, PORQUE TEM VERGONHA DESSA COR DE CDF QUE ELA TEM. FORA O CORPO FRANZINO!
Alguns riam, outros ficavam calados. Provavelmente também não engoliam a antipatia de Manoela.
- O que você vai fazer, Luana?
Perguntava Giovanna.
- Simples. Vou ignorar.

Luana se levantava, desprendia o cabelo, erguia sua blusa com os braços cruzados e lançava-a sobre a canga. Em seguida, desabotoava o short e o descia até os pés. Ajeitava os nós de seu biquíni, que era um misto lindo de cores vivas, e:
- Vou dar um mergulho, Giovanna. Você vem?
- Vai lá, amiga! Vou depois.

Manoela ficava sem ação ao notar que corpo tão gracioso e delicado chamava – e muito – a atenção dos rapazes. Tudo em Luana era harmonioso e inocente. A confiança da menina em si mesma era nítida e irradiante. Era diferente! Os longos fios de Luana balançavam como que num clipe de bossa nova. Ouvia-se na areia coisas como “que princesinha”, “olha que doce”...

Manoela levantava-se num pulo e mandava:
- Fala sério! Vocês são ridículos! Ela é uma fedelha! Isso sim!
Ela falava como que numa vontade de comparar seu corpo, que era bem mais desenvolvido, com o de Luana. Porém, o que Manoela tinha para mostrar já era comum e já visto diversas vezes entre os que ali estavam. Luana era a novidade sob o sol escaldante. Era como uma nova ilha a ser descoberta.
- Manoela – dizia um dos rapazes –, não tire nossa atenção, por favor. Essa menina é uma coisinha!
Todos riam. Manoela irritava-se.

Denis, no mar, montado em sua prancha, via Luana a dar um tímido mergulho. A menina não ia muito ao fundo. Queria apenas molhar-se, mas, acima de tudo, ignorar a presença de Manoela. Tudo levava a crer que seria um longo dia ao sol.

[Continua]

* * *
Foto da Capa: Ana Claudia Temerozo.
Mais histórias sobre Luana em: LUANA, DUAS, O NATAL DE LUANA e GISELE.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

JANEIRO MEU IV

Na manhã seguinte, Luana despertava com a sensação de ter um péssimo dia pela frente. O dia anterior fora confuso o bastante para embaralhar todos os seus sentimentos e conceitos. Permanecia na cama. Embora Luana fizesse uma tremenda força contrária, à mente vinha Denis. Confundia-se ainda mais. Que diabos há nesse garoto?, pensava Luana. Nunca sentira algo assim. Atração! A palavra que dera a luz às conclusões de sua amiga Giovanna. Às suas também.

Levantava-se devagar e, em seu costume de verão, abria a janela de seu quarto. A rua estava molhada. Chovera durante toda a madrugada, mas o clima abafado permanecia. Um tímido sol anunciava aos poucos a praia dos meninos da rua de Luana, que olhava para o relógio e notava que ainda era bem cedo, umas sete e meia. Onde estaria Mimi?, perguntava-se.

Mimi havia dormido na sala. Luana descia a fim de vê-la.
- Mimi? Dormiu aí, não é? Sua gata maluca!
Mimi levantava-se e ia direto para as canelas de Luana. Entrelaçava-se entre as pernas da dona se espreguiçando.
- Celeste, papai e Patrícia já foram para o trabalho?
- Sim, Luana. Foram bem cedo.
- Hum...
- Acordou cedo, hein! Esqueceu que está de férias, Luana?
- Não. Eu não dormi bem, essa noite.
- Foi o Denis, não foi?
- O quê?
- Não precisa me responder. Mas eu sei que foi. Deve ter sonhado com o menino.
Celeste acertava na mosca.
- Não! Eu tenho namorado, Celeste. Gosto muito do Rômulo!
- Eu sei, Luana. Não precisa ficar brava. Mas você quer ouvir uma história?
- Que história?
- Sente-se aí. Tome seu café enquanto conto.
- Está bem.

Celeste começava:
- Quanto eu tinha a sua idade... Não. Um pouco mais velha, eu acho... Bem, eu tinha um namorado também. Eu namorava escondida dos meus pais, porque, naquela época, as coisas eram bem diferentes de hoje. Meus pais eram muito bravos e não queriam saber de filha deles namorando antes dos vinte.
- Vinte?
Luana admirava-se.
- Pois é. Voltando. Eu gostava muito desse meu namorado. O nome dele era Claudinei. E...
- Claudinei [risos].
- Está rindo do quê, menina? Claudinei é um nome lindo!
- Sim, sim. Continue, Celeste.
- Então... Eu gostava muito do Claudinei e achava até que me casaria com ele. Vê se pode.
- Hum...
- Até que um certo dia, me apareceu o Agnaldo.
- Agnaldo [risos].
- Para de rir, menina! O Agnaldo me balançou, Luana. Por mais que eu gostasse muito do Claudinei, eu não tirava o Agnaldo da cabeça. Foi quando percebi que o que eu sentia pelo Claudinei não era assim tão forte, entende?
- Acho que sim.
- O que eu quero que você entenda é que a gente, principalmente quando está na sua idade, nunca sabemos ao certo o que sentimos por alguém. Tudo é muito novo e isso faz com que confundamos as coisas. Não se sinta culpada se está se sentindo atraída pelo Denis. Isso é muito normal nessa fase de descobertas.
- Mas quem lhe disse que estou atraída pelo Denis?
- Luana, eu convivo com você desde que era uma menina de colo. Participei, de certa forma, do seu crescimento. Pode não saber, mas lhe conheço como poucos.
- (!!!)
- Ontem, você saiu para dar uma volta e retornou logo depois. Ao chegar aqui, disse que o bicho que havia lhe mordido se chamava Denis. À noite, você veio com a história de que tinha de pedir desculpas ao menino. Voltou e nem deu muita bola ao recado de Rômulo. Pensa que eu não liguei as coisas? Acha que nasci ontem?

Luana percebia que Celeste sabia de tudo. Admirava-se por isso e:
- OK, Celeste. É isso mesmo. Há alguma coisa no Denis, mas não sei o que é. E não sei o que fazer também.
- Não faça nada, Luana. Deixe as coisas acontecerem. O único cuidado que deverá ter é de não ser injusta com o Rômulo e nem com o Denis. Ih! – Celeste via da janela. – E por falar no Denis...
- O que foi?
Perguntava Luana com os dois olhos enormes.
- Olha quem está no portão.
- Denis?
- Pode acreditar.
- Ai, meu Deus.

- LUANA!
Chamava Denis.
- O que eu faço, Celeste?
- Vá lavar esse rosto, e... Você dormiu com essa roupa?
- Sim. Peguei no sono e nem vesti minha roupa de dormir.
- Troque-a.
- Sim.
- Eu falo para ele esperar.
- OK.
Luana seguia o recomendado.

* * *
Apresentável, Luana ia até Denis, que no portão a esperava.
- Desculpe, é que eu tinha acabado de acordar.
- Nossa. Então, foi mal, gatinha. É que...
- Já falei para não me chamar de gatinha, Denis.
- Foi mal. Bem, passei aqui para te chamar para irmos à praia.
- Não gosto. Prefiro piscina.
- Por quê?
- Fico toda vermelha, a areia me incomoda... Além do mais, ficar exposta ao sol e ao sal faz mal à pele.
- Passe um protetor solar. Fique debaixo da barraca. Sei lá. Mas vamos!
- Acho melhor não. E nem falei nada com o meu pai.
- Eu falo com ele.
- Ele já foi trabalhar.
- Eu ligo para ele.
- Ele lhe dará um fora.
- Bem, não vou insistir mais. Acho que você é quem não quer ir mesmo. Eu vou indo, então.
Luana sentia vontade inédita de ir à praia.
- Espere um minuto, Denis! Fique aí! Eu já volto.
- (???) OK!

Luana entrava correndo e ligava para Giovanna.
- Giovanna?
- Oi, Luana. Diga.
- Vamos à praia?
- À praia? Mas você...
- Eu sei. Eu sei. Mas o Denis me convidou. Meu pai só deixaria eu ir se você fosse. Sei disso!
- Menina! Você não disse que tentaria esquecê-lo?
- Mas é isso o que quero fazer! Quero conhecer o seu interior. Sei que me decepcionarei. Sei que a atração dará lugar à razão.
- Está brincando com fogo, Luana.
- Vamos ou não?
- Seu pai já deixou?
- Digamos que sim.
- OK! Vamos! Eu passo aí!
- Ótimo.

Luana ligava para o pai. Dizia sobre a companhia de Giovanna e:
- Bem, pelo que sei, você não gosta de praia, Luana, mas... Sim, filha, pode ir. Mas cuidado, ouviu? Não vá para o fundo! Use protetor solar! E chegue antes das duas, entendeu? Você e a Giovanna!
- Sim papai! Pode deixar!
- Beijo e boa praia!
- Beijo, papai!

A menina ia até o portão.
- Denis, eu vou, mas preciso esperar uma amiga minha. Você se incomoda?
- Não... Já esperei tanto, não é?
- Desculpe-me. Quer entrar? Eu vou me arrumar.
- Não. Eu fico aqui mesmo. Estarei te esperando.
- Você é quem sabe. Já volto.

Luana subia até o seu quarto e separava biquíni, protetor solar... A sensação de um dia péssimo dava lugar à esperança de uma decepção feliz. Luana era um misto de empolgação e confusão. Olhava pela janela, avistava Denis a esperar e o sol a clarear o gramado de seu quintal.
- Ai, clarão, prepare para mim um dia de mudanças! Eu lhe peço!
Conversava Luana com o sol.

[Continua]

* * *
Foto da Capa: Ana Claudia Temerozo.
Mais histórias sobre Luana em: LUANA, DUAS, O NATAL DE LUANA e GISELE.

domingo, 25 de janeiro de 2009

JANEIRO MEU III

Ao chegar em casa, Luana recebia de Marcos o recado de que Rômulo havia ligado à sua procura. Aquilo fazia com que a menina voltasse ao mundo real. Lembrava-se do namorado como que num susto. O semblante perfeito de Denis tomava cada canto de pensamento, até então.
- Você me ouviu, filha? O Rômulo ligou.
- Ah! Sim! Eu vou retornar.
- Eu disse a ele que você tinha ido dar uma volta lá fora, por conta do calor.
- OK, papai.

Luana estava nitidamente deslocada e pensativa. Saiu uma e voltou outra. Marcos percebia e, ao terminar de beber um copo de água, perguntava:
- Aconteceu alguma coisa lá fora, Luana?
- Ah?
- Perguntei se aconteceu alguma coisa lá fora. Estás estranha.
- Não, papai. Não aconteceu... Nada.
- Espero mesmo.

Luana subia até o seu quarto. Mimi encontrava-se dormindo sobre o tapete. Acariciava Mimi, deixava o vento forte tocar sua face e, enfim, pegava o telefone.
- Oi Luana!
- Oi Rômulo. Tudo bem?
- Tudo sim. Está com uma voz triste. O que houve?
- Triste? Eu? Não. É só esse calor. Fico desanimada.
- Entendi. Seu pai me disse que estava dando uma volta para se refrescar, não é?
- Sim.
- E então, nos vemos amanhã?
- Amanhã?
- Sim, Luana. Fiquei de aparecer aí amanhã, lembra?
- Ah! Sim! Amanhã! Sim, sim. Estarei te esperando.
- Você me parece esquisita, Luana. Está tudo bem?
- Sim, claro.
- Estou com saudades.
- Eu também, Rômulo.

O papo pelo telefone foi o mais sem sal de todos os tempos. Rômulo, no fundo, sabia que algo ocorrera com a namorada. Não sabia exatamente o quê, mas sentia no falar de Luana certa insegurança.

Ao desligar o telefone, Luana colocava a cabeça para o lado de fora de sua janela, a fim de enxergar Denis. Estranhava seu próprio comportamento. Negava dentro de si, mas sentia, sim, uma enorme vontade de voltar até lá e conversar um pouco mais com Denis.

Giovanna! Precisava conversar com Giovanna, lembrava Luana.
- Luana?
- Sou eu, Giovanna. Tudo bom?
- Tudo. E você?
- Mais ou menos, amiga.
- O que houve?
- Nem eu sei, mas eu lhe contarei tudo e você me ajudará a entender.
- Assim espero, Luana. Conte.

Luana contava tudo à Giovanna. Desde o assobio daquela tarde até aquele momento. Tudo o que sentira e tudo o que achara. Enfim, tudo. Giovanna ouvia tudo e analisava cada palavra da amiga. Juntava sua análise também ao estado emocional de Luana, que parecia estar nas nuvens.
- E isso é tudo, Giovanna. O que você acha?
- É claro que você está gostando desse tal de Regis.
- É Denis, Giovanna! Denis!
- Isso. Denis. É claro que você está gostando desse Denis.
- Mas não pode ser! Eu amo o Rômulo. Não posso estar atraída pelo Denis, que mal conheço.
- É. Talvez “gostando” seja a palavra errada, mas “atraída” sim. Você matou a charada.
- É sério, Giovanna. Estou ficando confusa.
- Se você está confusa, isso só confirma ainda mais a minha conclusão. Aceite, Luana. Estás atraída por esse Denis.
- Pior que eu acho que você está certa, amiga.
- E o que vai fazer?
- Nada. Isso vai passar. Uma atração boba. Ele é bonito. Só isso. Aposto que se tivermos cinco minutos de conversa, verei que ele não passa de um surfista sem nada na cabeça.
- Será?
- Quase certo.
- E se não for?
- Se não for? Ah, Giovanna, não me faça pergunta difícil. Eu sei que é! Pronto!
- Então conversará com ele.
- Não!
- Ora, e como saberá que ele não é nada mais que um rosto bonito?
- Ai, amiga, não sei. Não quero voltar a falar com ele. Se você visse os olhos desse menino, saberia do que estou falando.
- Eles hipnotizam?
- Exatamente. São verdes. Enormes. Eu não soube como agir quando estive frente a eles.
- Nossa! Então, ouça o que eu digo: Se não quer confusão, trate de esquecer esse Denis. Esses meninos que nos atraem assim, facilmente são um poço de encrenca.
- Estou percebendo.
- E outra: O Rômulo também é muito bonito, Luana. Além de ser inteligente, educado e romântico. Não é?
- Você tem razão. Tenho que esquecer o Denis. Tirá-lo de minha mente.
- Isso. Qualquer coisa é só me ligar, OK?
- Está bem Giovanna. Eu te adoro, sabia?
- Eu também te adoro. Força aí.
- Beijos!
- Beijos!

Luana desligava o telefone e, ao olhar pela janela, avistava Denis, desta vez sem o grupo de amigos, andando em frente a sua casa. A menina fechava a janela antes mesmo que Denis a visse. Mimi acordava com o barulho e miava parecendo reclamar do calor.
- Ah, Mimi, vai dormir, vai! Já se refrescou o bastante por hoje!
Mimi dava outro miado, levantava-se e descia.
- Isso! Vai lá para a sala. Deixe-me só. Estou precisando.
Luana, sem ao menos por a roupa de dormir, deitava-se em sua cama. Ali, permanecia com os olhos bem abertos e pensava se Denis ainda estava por perto. Numa constante luta entre o desejo e a razão, Luana acabava pegando no sono. Fora um dia quente e confuso para a menina.

[Continua]

* * *
Foto da Capa: Ana Claudia Temerozo.
Mais histórias sobre Luana em: LUANA, DUAS, O NATAL DE LUANA e GISELE.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

JANEIRO MEU II

À medida que a noite chegava, o calor dava sua trégua. Para a alegria de Luana, os ventos se mostravam mais fortes e pareciam anunciar um temporal daqueles. Mimi, sobre a cômoda de Luana, dormia profundamente. Luana pensava numa oportunidade de pedir desculpas a Denis por conta do ocorrido naquela tarde. Mas o Denis devia mexer com toda menina que passava por ali e já devia estar até acostumado com as grosserias, pensava Luana.
- Ai, Mimi, o que eu faço? Detesto ser grossa, mas se eu chegar até ele, a fim de me desculpar, poderá parecer que estou dando confiança. Você não acha, Mimi?
A gata apenas dormia.
- Mimi, sua preguiçosa!
Luana ria.

Marcos e Patrícia, pai e madrasta de Luana, chegavam do trabalho. Luana escutava as vozes dos dois e descia as escadas até a cozinha.
- Oi papai! Oi Patrícia!
- Oi Luana!
Dizia Patrícia.
- Oi filha! Muito calor?
Perguntava Marcos.
- Ai, papai, muito. Nossa!
- E como vocês duas se viraram nesse calor?
Perguntava Patrícia à Luana e Celeste.
- Dona Patrícia, Luana só tomou um banho à tarde porque eu praticamente a pus debaixo do chuveiro.
Dizia Celeste.
- Que isso, Luana? Que porquinha!
- É mentira dela, Patrícia.
Luana ria. Celeste, Marcos e Patrícia também.
- Então vá tomar um banho, Luana – dizia Marcos –, para nós jantarmos.
- Vou lá.

* * *
Já à mesa do jantar, Marcos, que andava com a pulga atrás da orelha desde o Natal [vide “O Natal de Luana”], perguntava à filha sobre seu primo-namorado.
- O Rômulo não viria aqui hoje, filha? O que houve?
- Ah! Ontem, ele havia me dito que hoje teria de ajudar a mãe dele com umas coisas e não saberia a que horas estaria livre. Por isso preferiu vir só amanhã.
- Sei. Esse Rômulo.
- O que foi, papai?
- Nada. Nada.
- Marcos!
Repreendia-o Patrícia.
- Poxa, você sempre adorou o Rômulo, papai. De uns dias para cá, você faz essa cara toda vez que toco no nome dele.
- Deixa para lá, filha. Esquece.
- Ah! – Dizia Luana – Depois do jantar, preciso ir à rua.
- Fazer o quê? Posso saber?
Perguntava Marcos.
- Preciso falar com um menino que mora naquela casa rosa. Preciso pedir desculpas a ele.
- Por quê? O que você fez com ele?
Perguntava Patrícia.
- Você acredita que hoje à tarde eu estava caminhando pela nossa rua e esse menino assobiou para mim?
- Que história é essa, Luana?
Marcos aparentava estar bravo.
- Não, papai, não tem nada a ver. Só que fui grossa com ele. E sem razão.
- Claro que tem razão! Onde já se viu esses marmanjos assobiando para minha filha?
- Não é bem assim, papai. Não houve maldade alguma. Preciso pedir desculpas a ele.
- OK. Você pode ir, mas contarei no relógio, Luana. Você terá dois minutos para fazer isso. Não quero você, Luana, metida com esses garotos daqui da rua. São todos uns malucos.
- Não demorarei, papai. Prometo.

* * *
Depois do jantar, como comunicado, Luana ia até à rua a fim de encontrar Denis. Logo avistava um grupo de jovens. Denis estava lá. Com o Denis havia mais quatro rapazes e seis meninas. Isso deixava Luana meio sem jeito de se chegar, mas antes que a menina pudesse se arrepender, Denis a via e:
- Luana!
Luana parava há uns cinco metros do grupo e encabulava-se ao ver que todos eles se calavam e olhavam para ela.
- Oi.
- Chega mais, Luana.
- Não. Você pode vir até aqui?
O grupo soava em coro: “Hummmm!”
- Qual é pessoal?
Dizia Denis, que deixava o grupo e seguia em direção à Luana.
- Diga, Luana.
Denis vestia uma malha verde clara e uma bermuda estampada com flores e temas havaianos. As luzes dos postes faziam com que os olhos de Denis se mostrassem numa cor diferente. Uma cor difícil até mesmo de distinguir.
- Bem – dizia Luana –, acho que não fui legal contigo hoje à tarde. Queria lhe pedir desculpas pela grosseria, OK?
- Está tudo bem, menina. Não precisava se preocupar com isso. Nem me lembrava mais.
- Nem se lembrava mais do quê?
Luana arregalava os olhos.
- Calma! De você é claro que eu lembro, gatinha. Eu não lembro é das coisas que me disse.
Luana encontrava-se num misto de vergonha, satisfação e irritação.
- Não me chame de gatinha outra vez. Eu só vim até aqui para lhe pedir desculpas. Pedi e, agora, estou indo. Tchau.
- Espere aí. Não quer conhecer a galera?
- Não. Outro dia, quem sabe. Tenho que ir. Meu pai está me esperando.
- OK. A gente se vê?
- Claro! – Vacilava Luana – Digo... Quem sabe? A gente se esbarra.
- OK. Tchau, então, Luana.
- Tchau.

Luana voltava para casa um pouco confusa. Estava longe de entender que a figura de Denis, mesmo aparentando ser o oposto da dela, lhe mantinha anestesiada e sem saber o que pensar. No fundo, Luana sabia que não precisava de desculpas alguma. Sabia que seu interior queria e precisava mesmo era ver mais uma vez o semblante de Denis. Por poucos segundos esquecia-se até mesmo de Rômulo. Sentia-se estranha. Precisava conversar. Precisava de Giovanna, sua melhor amiga. E rápido!

[Continua]

* * *
Foto da Capa: Ana Claudia Temerozo.
Mais histórias sobre Luana em:
LUANA, DUAS, O NATAL DE LUANA e GISELE.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

JANEIRO MEU

O auge das férias batia à porta. Janeiro chegava e trazia consigo seus dias quentes. Luana abria a janela de seu quarto e assim a deixava durante todo o dia. Às vezes, generoso vento balançava as cortinas e levava a sensação rara de frescor ao rosto levemente suado da menina. Alguns de seus fios de cabelo grudavam no rosto e nos lábios. Deitada ao chão, já que a cama parecia ferver, Luana pedia baixinho por mais uma dose de brisa.
- Venta! Venta! Venta!
Mimi, sua gatinha, se deitava sobre a cômoda de Luana, logo abaixo da janela. Os pelos de Mimi balançavam quando o vento se fazia presente. Quando não, a felina miava. Parecia ajudar sua dona nos pedidos.

Luana enrolava sua camiseta, que já se encontrava úmida de suor, até a altura da barriga. Soprava para baixo como se quisesse refrescar seu próprio umbigo, mas isso só ajudava a menina a se sentir mais cansada. O verão mostrava a sua força como que num convite a um passeio pela rua. Celeste, empregada da casa, parecia entender tal força. Batia à porta da menina.
- Entra, Celeste.
- Luana, minha filha, por que não sai desse quarto quente?
- Não tenho forças.
- Deixa de ser boba, menina! Toma um banho gelado e vá dar uma volta na rua.
- Nesse sol?
- Faladora! Essa rua tem árvores por toda a calçada.
- Mas está muito quente lá fora, Celeste.
- Aposto que está mais fresco que aqui dentro. Pelo menos você pega um vento. Olha como você está, menina, toda ensopada! Vá tomar um banho, pelo menos.
- Ai, me puxa Celeste.
Luana adorava levantar com um puxão de Celeste.
- Você não muda, não é? Há quantos anos te puxo assim, hein?
- Sei lá. Mas é que eu gosto.
- Boba. Vai tomar um banho, vai.
- Estou indo.
Luana seguia até o banheiro com um som portátil numa das mãos e uma muda de roupas limpas e frescas na outra. Mimi, como sempre, seguia junto.

O chuveiro despejava os primeiros jatos enquanto o locutor da rádio preferida de Luana anunciava a próxima música: “Rapaz de Bem” de Johnny Alf. A menina adorava ouvir aquelas gravações antigas. Divertia-se com os arranjos “engraçados”, mas se emocionava na mesma proporção que com as músicas contemporâneas. Lembrava-se de um especial do cantor que ela assistira há tempos na TV e tentava imitar seus trejeitos num piano imaginário. Engrossava a voz e cantava alto. O banho animara Luana.
- Luana!
Batia Celeste à porta do banheiro.
- O que foi?
- Está passando bem, minha filha?
- Sim! Só estou cantando, ora!
- Mas isso nem é do seu tempo, Luana!
- Se foi feito dentro de nossa galáxia, seja lá em que ano ou século, é do meu tempo, sim!
Celeste sorria com as respostas rápidas de Luana.

Mimi, deitada sobre as roupas de Luana, bocejava. A menina parecia não querer mais sair debaixo do chuveiro. Lavava o cabelo sem pressa. Ensaboava-se menos afoita ainda. O rádio agora tocava “Lobo Bobo” com João Gilberto. Luana ria coberta de sabão. Ria da letra e ria de si mesma, principalmente.

Após o banho, já devidamente vestida, Luana parecia outra menina. Disposta, pegava a chave do portão e avisava à Celeste que estaria por perto.
- Não demoro, Celeste. Estarei aqui pela frente.
- Está bem, Luana. Entre antes de seu pai chegar, OK?
- Pode deixar!

Luana passeava pela calçada com Mimi ao lado. Com um pacote de biscoito recheado nas mãos, a menina percebia que o vento, sim, como Celeste havia dito, estava muito mais agradável que em seu quarto.

Luana era uma menina que pouco saía de casa. Sentia-se bem em seu quarto com seus livros, discos... Os vizinhos conheciam Luana apenas de vista. Não possuía amigos naquela rua. Não que não gostasse dos jovens que por ali moravam, mas simplesmente não se sentia atraída a participar das rodas de conversa e, muito menos, das “baladas” daquele grupo. A média de idade daqueles meninos e meninas passava dos dezessete. Luana seria a mais novinha do grupo, porém, a dotada de mais conteúdo, talvez. Luana se queixava das risadas exageradas e da falta de assunto que, mesmo assim, os mantinha reunidos quase que em todos os dias.

Naquele dia, a rua estava deserta, como costumava ser à tarde. Ideal para tal passeio com Mimi. De repente, Luana ouvia um assobio que vinha do alto. Fingia não ser para ela e, por isso, não procurava sua origem. Continuava a caminhar. Mais alguns passos e: outra vez o assobio. “Fiu-Fiu”. Luana corava-se. Agora sabia de onde vinha, mas não olhava. Apertava o passo.
- Não precisa correr, gatinha!
- Ah?
Luana olhava para a janela de onde vinha tal frase.
- É isso mesmo. É tão raro vê-la pela rua, menina. Agora que a vejo, não vai correr, vai?
- Não enche, garoto!
- Eu tenho nome, Luana!
- Como sabe meu nome?
- Pois é! Como é que sei o seu nome e você não sabe o meu?
- E eu sei lá!
- Prazer, me chamo Denis.
- Prazer. Tchau!
- Opa! Espere aí! Eu vou descer aí para falar contigo, posso?
- Não precisa. Eu já estou indo para casa.
- Mas você mora na outra direção.
- Não seja por isso!
Luana dava meia volta e:
- Pronto. Tchau!
- O que foi que eu te fiz, Luana?
Luana não respondia. Seguia agora a passos firmes.

Denis tinha a pele bem queimada de praia, os olhos verdes bem claros e o cabelo em caracóis castanhos. Parecia um modelo dessas lojas de surf, pensava Luana.

Chegando em casa:
- Mas já? Pensei que demoraria mais pela rua, Luana.
Dizia Celeste.
- Enjoei.
- Não vai voltar para aquele quarto quente, vai?
- Vou.
- Que bicho lhe mordeu, Luana?
- Denis. Esse é o nome do bicho.
- (???)

Luana deitava no mesmo chão, levantava a camiseta até acima da barriga, soprava a si mesma e, num momento de arrependimento, danava a pensar: “Por que tratei aquele menino daquela forma? O que ele fez para mim? Meu Deus, como fui grossa! E a troco de quê?” O fato é que a imagem de Denis sorrindo à janela, de alguma forma ficava grudada na cabeça de Luana. Precisava se desculpar com o garoto, pensava.

[Continua]

* * *

Foto da Capa: Ana Claudia Temerozo.
Mais histórias sobre Luana em: LUANA, DUAS, O NATAL DE LUANA e GISELE.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

AZUL PISCINA

Calor! Muito calor! No verão, o Clube dos Líderes ficava entupido de gente. Eu chegava cedo. Não gostava de ficar disputando as melhores mesas – as que ficavam à sombra. Antes do clube se transformar num verdadeiro formigueiro, eu já estava acomodado e com, no mínimo, cinco cervejas na mente. Ah! E com algumas voltas dadas naquela piscina maravilhosa também.

A piscina não chegava a ser olímpica, mas se mostrava bem extensa para um cara feito eu, desligado aos exercícios físicos. Ela tinha o formato de um “L” e dividia-se em três profundidades diferentes. A cada mergulho que eu dava, na saída da piscina, minha respiração se apresentava mais ofegante. Mas eu gostava. Era um mergulho e uma cerveja.

Mais tarde, por volta da hora do almoço, o clube se transformava no formigueiro em que eu falei ainda pouco. Crianças e jovens, em sua predominância, ocupavam todo aquele “L”, mais o campo de futebol, a sala de jogos e todo e qualquer metro quadrado daquele espaço de lazer veraneio. A coisa começava a ficar um tanto quanto insuportável. Mas, enquanto o sol escaldava, lá estava eu, vangloriando-me de minha sombra.

Por volta de umas quatro da tarde, eu resolvia dar o meu último mergulho antes de ir embora. Mas onde? Não havia brecha naquelas águas azuis. Mas eu já levantara de minha mesa decidido a dar um mergulho. Então, o faria nem que fosse para afogar alguém que ousasse a não me dar um espaço.

“Tibum”. Eu caía à água. Desviando-me do povo, tentava chegar até a outra borda do “L”. Pelo fundo, eu avistava a parede tomada por pessoas, mas achava um canto e me erguia. Ao tirar o rosto de dentro da piscina, notava que todos ali naquela borda olhavam fixamente para um mesmo ponto. Eram todos homens. Jovens e alguns nem tão jovens assim. Olhavam sem dar um pio. Olhavam os olhos mais azuis que eu já vira em minha vida.

Os olhos eram de uma menina que aparentava uns vinte e poucos anos. Ela bebia o seu refrigerante e parecia não se incomodar com tamanha devoção ali exposta. Eu olhava os rostos daqueles homens e ficava boquiaberto com o fascínio que aqueles olhos azuis causavam. Em mim também causou, lógico. A menina trajava um biquíni azul, da cor de seus olhos. Os óculos de sol ficavam sobre a testa. Os cabelos lisos e cortados à altura do pescoço balançavam-se harmonicamente. Às vezes, uns fios grudavam em seus lábios. E que lábios, meu Deus! Claro que sim, mas a impressão que nos dava era a de aquela boca nunca ter beijado ninguém.

Alguém resolvia falar. Era um rapaz bem jovem, mais ou menos com a idade da menina.
- Que olhos!
- Eu estou vendo.
Eu respondia.
- Como pode ser tão sonsa?
- Como assim?
- Veja! Ela sabe que estamos olhando para ela! E não olha para ninguém aqui!
- Lógico! Eu também não olharia! Somos um bando de homens feiosos à beira de uma piscina. Enrugando nossos membros só para assistir esse espetáculo azul.
- Você é poeta?
Ele me perguntava.
- Quem me dera.
- Por que não tenta?
- Ser poeta?
- Não! Falar com ela!
- Jamais. Olha essa concorrência. Eu já estou de saída. Acho que vou deixar essa com vocês.
- Bem, acho que ninguém aqui terá coragem. Estamos aqui há quase meia hora.
- Tudo isso?
- É!
- Bem. Acho que vou tentar sim.
- Isso! Vai lá!
O rapaz me encorajava.

Eu levantava da piscina e resolvia falar com a menina.
- Boa tarde.
- Boa tarde!
Ela me respondia empolgada, porém, não olhava nos meus olhos. Parecia-me um deboche. Começara mal, eu pensava.
- Tem alguém com você nessa mesa?
- Tem sim. O meu irmão, a esposa dele e dois filhos.
- Ah... Sim... Acha que ele se incomodaria se eu a fizesse companhia?
- Claro que não! Pode ficar! Eu até acho bom! Estou sem dizer uma palavra faz umas duas horas.
Mas que debochada! Ela olhava para o céu enquanto falava comigo. Ria e sugava aquele refrigerante.
- Bem, eu só gostaria que você olhasse para mim enquanto falasse.
- Desculpe é que...
- Melhorou. Seu rosto está diante do meu, porém, os olhos não. E que olhos hein, menina?
- É que...
- Continua a não me fitar. Tem vergonha de seus olhos serem tão azuis e lindos, menina? A propósito, qual o seu nome?
- Bem, meu nome é Marcela. E o seu?
- João.
- Prazer, João.
- O prazer é meu, Marcela. Mas diga. Você ia me dizer algo. Mas, por favor, olhe para mim!
- Pois é, João. O que estou tentando lhe dizer é que, embora meus olhos sejam azuis e lindos, como você mesmo disse, eu não enxergo.
- Ah? Queres me dizer que és totalmente cega?
- Isso. Agora entende?
- Claro, claro. Que indelicadeza a minha. Desculpe-me, por favor. Eu... Eu já vou indo. Eu...
- Vai por quê? Porque sou cega?
- Não, imagina. Vou porque, no momento, morro de vergonha de minhas palavras devastadoras.
- Mas não enxergo sua vergonha.
- Não precisa. Está mais presente entre nós que este sol que nos derrete.
- Você é poeta?
- Não, não.
- Você fala tão... Sei lá.
- Impressão sua. Eu falo normal.
- Eu sou cega, não sou surda, João.
- Claro, claro. Mas... Não sou poeta.
- Aqui nesse clube, você foi o que mais tempo ficou aí sentado.
- Mas e seu irmão?
- Meu irmão? Desse sim, eu enxergo a vergonha.
- E ele tem vergonha de quê?
- Do que carregas ao seu lado por questões sanguíneas.
- Mas ele não tem medo de lhe deixar aqui sozinha?
- Não. Pelo visto, não.
- Então, acho que ele não se incomodaria de vê-la beijando alguém, não é mesmo?
- Acho que isso nem passa pela cabeça dele. Nunca ninguém chegou a esse ponto mesmo.
- Por quê?
- Só em perguntar o porquê, vejo que tu não sentes o abismo que há entre nós.
- Abismo? Mas que abismo? Tudo o que sei é que estou diante de uma menina linda e...
- Então?
- Quero lhe beijar. Disso eu também sei.
Beijamos-nos. E beijamos-nos mais e mais.

Cheguei a namorar Marcela por alguns meses, mas os seus pais mudaram-se para outro estado. Na memória, guardo não só aqueles olhos, mas o sorriso também. Embora Marcela não tivesse noção de imagem alguma, parecia viver muito bem com a sua imaginação. Na cabeça de Marcela, esse mundo devia ser muito mais bonito, muito mais azul do que é. Bastava vê-la sorrindo. Sorria para a vida.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

VOYEUR VI (Final)

Assim como Isadora e Olga, eu também fui convidado a depor. Eu confirmava a minha versão, omitia o trato entre Durval e eu e omitia também a transa com sua filha. Eu não tive mais contatos com Isadora durante o desenrolar das investigações, mas tinha confiança de que a jovem não me colocaria numa fogueira, apesar de tudo. Sabia que ela, assim como eu, omitiria o sexo e alegaria que eu fora enganado sobre sua real idade.

Mais alguns dias se passavam e o detetive Cosme me chamava novamente até a sua sala.
- Caro Fábio, tudo bem?
- Tudo, detetive. E o senhor?
- Também. Sente-se, por favor.
- Obrigado.
- Aceita um café?
- Não, obrigado.
- Como quiser. Bem, eu lhe chamei aqui novamente porque me surgiu uma dúvida após os depoimentos da senhora Olga e de sua filha, a Isadora.
- Pois diga.
- Bem, Isadora disse que você não sabia que ela era menor de idade. Confere?
- Sim, senhor.
- Agora, você, como fotógrafo profissional que é, não pediu a identidade da jovem?
- Olha, detetive, era o que eu, profissionalmente, deveria ter feito. Mas Durval era um velho amigo meu. O que me faria pensar que Durval estivesse mentindo sobre a idade de sua própria filha?
- Eu entendo, mas é isso que não me entra na minha cabeça. Não dá para compreender o motivo pelo qual levou Durval a mentir sobre a idade da própria filha. A menos que...
- A menos que o quê?
- A menos que ele, mais do que ninguém, até mais que a própria Isadora, quisesse essas fotos. As fotos de Isadora nua, você sabe.
Eu sentia que Cosme chegava perto da verdadeira história. Merda!
- Mas detetive, ele é pai de Isadora!
- Mas ele encomendou essas fotos, não?
Cosme me pressionava. O que eu ia responder? Eu já estava metido em tanta mentira que precisava raciocinar para não me contradizer.
- Sim. Ele disse que eu poderia tirar fotos nuas de sua filha. Então, eu perguntei a idade dela e ele me disse: dezenove. Simples assim!
- É, Fábio, mas não é tão simples assim...

* * *
Duas semanas mais tarde, o detetive Cosme voltava a me procurar. Dessa vez, na minha casa.
- Bom dia, Fábio.
- Bom dia, detetive. Entre.

Cosme sentava-se e logo começava:
- Devo lhe informar que o caso está praticamente encerrado. Olga está presa.
- Mas... Como? Foi ela quem matou Durval?
- Quase.
- Como assim?
- Eu explico. Bem, nós andamos investigando ao redor do estúdio fotográfico da Cia. Zero. Fizemos algumas perguntas aos moradores daquele local. O crime foi durante o dia, logo, dificilmente, alguém não teria visto a entrada de pessoas no estúdio. Uma senhora, que na tarde do crime estava em sua varanda – que possui vista total para o estúdio – presenciou tudo.
- Tudo?
- Sim, tudo o que ocorreu do lado de fora, é claro. Ela viu o senhor chegar e, logo depois, Durval e Isadora chegarem também. Viu Durval parar o carro atrás do estúdio e entrando pela porta dos fundos. Isso a deixou curiosa. Sabe como é velha fofoqueira, não?
- Sei sim.
- Pois bem. Isso fez com que esta senhora ficasse ali observando, pois sabia que algo não cheirava bem. Foi quando ela viu a entrada de um sujeito também pela porta dos fundos.
- E quem era?
- Calma, Fábio. Vamos voltar à parte onde Durval liga para você combinando tudo!
- Combinando tudo? Como assim?
- Fábio, nós já sabemos de tudo. Sabemos que você nunca foi fotógrafo, que Durval sentia atrações por Isadora, o voyeurismo de Durval... Enfim, tudo!
- Meu Deus.
- Continuando. Olga, pela extensão telefônica, sem querer, ouvira toda a conversa entre você e Durval. Logicamente, como mãe, ficou revoltada.
- Então ela sabia de tudo a todo tempo! Queria me incriminar forçando aquela versão sobre o coração de Durval. Que tola.
- Sim! E quando soube de tudo, quis fazer justiça com as próprias mãos, ou melhor, com a mão do Lucas.
- Lucas?
- Sim. Parece que esse Lucas vivia atrás da Isadora e, por isso, Olga sabia que poderia contar com ele para qualquer loucura a favor da filha.
- Sim! Estou lembrado desse Lucas. Eu o vi na festa da casa de Durval, onde tudo começou! Então, Olga contratou Lucas para dar fim a Durval?
- Exatamente.
- Mas como vocês chegaram ao Lucas?
- Aquela senhora, a vizinha do estúdio, para nossa sorte, conhecia o rapaz. Ele vivia por lá, provavelmente atrás de Isadora.
- Que babaca.
- A senhora sabia até o nome do pilantra. Ele não teve sequer o cuidado de usar uma máscara. Foi fácil pressionarmos Olga e Isadora para descobrirmos que raio de Lucas era esse.
- Meu Deus. Que história maluca! Mas detetive, se vocês já sabem de tudo, acredito que eu também irei preso. Você veio aqui me prender, não foi?
- Não, Fábio.
- Não?
- Não. Nós sabemos, sim, que você e Isadora tiveram relações naquela tarde. As provas colhidas no estúdio comprovam. Mas quando fomos chegando ao final das investigações, Olga se viu sem saída e desesperada. Então, nos procurou, contou toda a verdade e se entregou.
- Mas Isadora continua sendo menor de idade, detetive.
- Sim, mas Isadora afirma que a relação sexual que tiveram também partiu dela. E como nem Olga e nem Isadora quiseram prestar queixa contra você... Se ela tivesse quatorze, você estaria, sim, bem encrencado. Não importariam em que circunstâncias.
- Foi por um triz, então.
- Foi sim. E convenhamos, que morra aqui, mas aquela Isadora é um pedaço!
- Se é, detetive. Mas uma coisa eu não entendi. E o Lucas?
- Está foragido. Mas foi na casa dele onde encontramos todas as provas do crime. Sem elas, nem prender Olga poderíamos. Um celular com as ligações de Olga. Umas trocas de mensagens entre os dois também, etc. O que sabemos é que ele entrou pelos fundos do estúdio e, tomado pelo ódio de saber que Durval tinha tramado coisa tão horrenda, a mando de Olga, estrangulou-o. Pelo estado do corpo, chegamos à conclusão de que Durval chegou a assistir alguma coisa. Até o sexo, talvez.
- Meu Deus. Mas Isadora e eu não ouvimos nada! Trata-se de um assassino profissional, detetive?
- Acho que não. O rapaz não possui antecedentes criminais. Ah! Tem outra coisa que acho que você precisa saber.
- O quê?
- Isadora não é filha de Durval.
- O quê?!
- Isso mesmo. Olga também acabou nos contando isso. E Durval, segundo Olga, sabia que não era pai de Isadora. Nesse caso, não havia incesto. Ele morria era de tesão pela enteada. Uma enteada que ele criou como filha, mas... Enteada.
- E por que ele não me disse?
- Isadora é fruto de uma traição de Olga, segundo ela mesma diz. Que homem admite um caso desse?
- Nossa! Quem diria...
- Bem. Eu vou indo, Fábio.
- Tudo bem. Obrigado por me trazer tais informações. Sorte nas buscas, detetive.
- OK. Ah! Fique longe de problemas, cara. Por pouco você não se lasca.
- Pode deixar.

* * *
Alguns dias se passavam e, sem eu saber como, Isadora aparecia à minha casa. Parecia, pelo menos, recuperada de toda aquela confusão.
- Oi Fábio.
- Oi Isadora. Acho que lhe devo desculpas. Eu...
- Não vai me convidar para entrar?
- Sim! Claro! Entre!

Isadora entrava e, como se não fosse aquela máquina que havia montado em mim naquele estúdio, sentava-se recatadamente.
- Acredito que o que a traz aqui são meus pedidos de desculpa.
- Esqueça isso. Eu não sei nem dizer quem foi o mais louco nessa história. Meu pai, ou melhor, padrasto, tinha tara por mim. Minha mãe, descobre tudo e manda matá-lo. O Lucas, veja só, o Lucas aceita a proposta de minha mãe e agora é um assassino foragido. Você, se faz passar por fotógrafo a fim de transar comigo e completar todo esse ciclo de loucura!
- Desculpe-me, Isadora. Eu...
- O que te fez aceitar a trama de meu pai?
- Tesão, Isadora. Unicamente. Mas se eu soubesse que era menor de idade, nada disso teria ocorrido.
- Eu acredito em você. Não sei por que, mas, dessa vez, acredito.
- Que bom, Isadora.
- A propósito, eu vim até aqui não para relembrar todo esse pesadelo, mas para lhe ver.
- Para me ver?
- Eu gostei de você, Fábio.
- Olha, Isadora, acho que já nos envolvemos em problemas demais. Outra: você é menor de idade, esqueceu?
- Não mais. Completei dezoito a exatos cinco minutos, segundo minha certidão de nascimento.
- Não acredito que...
- Sim! Vim para ficar com você!
- Mesmo depois de tudo?
- Depois do quê? Do dia de hoje para trás, nada quero saber. De hoje em diante é o que me importa.

Beijávamos-nos loucamente. Precisou a morte de um pai, a prisão de uma mãe e a fuga de um pentelho assassino para que pudéssemos nos curtir em paz. Durval deveria estar, de algum lugar, concretizando o voyeurismo para fim de uma tara que acabou por lhe consumir. Deveria ser, naquele momento, um anjo voyeur. Ou um capeta. Dane-se. Estávamos Isadora e eu, um sobre o outro. Devia tudo aquilo às minhas mentiras. Mentir! Mentir!

[Fim]

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

VOYEUR V

A polícia, enfim, chegava ao estúdio fotográfico da Cia. Zero. Uma viatura com alguns peritos. Olga permanecia próxima ao corpo. Ainda chorava muito. Eu sentia que os policiais olhavam fixos à bunda de Olga. Ainda não tinham visto a filha da beldade. Provavelmente eles acreditariam em qualquer história que uma das duas contasse, eu pensava. Como naqueles filmes policiais, onde os tiras se encantam com as vítimas, as assassinas etc.

Antes da chegada da polícia, numa boa oportunidade, Isadora me chamava num canto.
- Fábio, aconteça o que acontecer, não diga nada sobre nossa transa.
- Claro que não. Diremos toda a verdade à polícia, mas omitiremos o sexo. Mas Isadora, mesmo que contássemos sobre o sexo, não teremos culpa. Sexo não é crime. A menos que você fosse menor de idade.
- Pois é. Aí é onde mora o problema.
- Como? Mas... Seu pai me disse que tinha dezenove, Isadora! Dezenove! Não é?
- Ele disse?
- Sim! Por isso – eu mentia –, lhe propus o ensaio nu.
- Eu tenho dezessete, Fábio.
- Meu Deus! Mas isso é terrível. Eu...
- Fábio, por que o meu pai mentiu para você? Por que ele disse que eu tinha dezenove? Não entendi!
- Ora, e por que você não me disse que era menor de idade, Isadora? Por que aceitou fazer o ensaio nu?
- Sempre tive vontade de fazer, Fábio! Eu me senti segura diante de ti. Talvez por ser amigo de meu pai, sei lá. Estou confusa com isso tudo. E isso não vem ao caso.
- Mas claro que vem, Isadora. Se a polícia descobrir que transamos, eu posso estar bem encrencado!
- Não vão descobrir. Nossa transa nada teve a ver com a morte de meu pai, Fábio.
- Eu espero mesmo que não. Como espero.

O detetive Cosme foi o primeiro a abrir a boca.
- Bem, eu quero saber quem estava aqui no momento do crime.
- Não houve crime algum, detetive!
Respondia Olga.
- OK! Eu vou perguntar novamente – dizia Cosme. Quem estava aqui no momento da morte?
- Isadora e eu.
Eu respondia.
- Vocês viram alguma coisa?
- Não. Eu sou fotógrafo e...
- NUNCA FOI!
Berrava Olga.
- Senhora, acalme-se. Nós vamos ouvir a todos, OK? Primeiro os que estavam presentes. Prossiga, senhor... senhor...
- Fábio. Meu nome é Fábio.
- Sim. Prossiga, Fábio.
- Então. Estávamos Isadora, filha da vítima, e eu, fazendo algumas fotos. Durval, a vítima, havia nos deixado aqui, às três da tarde, e disse que nos pegaria às seis. Somente às sete horas foi que demos falta de Durval. Isadora ligou para o celular dele, a fim de saber onde ele estava, e, através do toque do aparelho, para nossa surpresa, encontramos o corpo. Foi assim que tomamos conhecimento do ocorrido. Isso é tudo.
- OK – dizia Cosme. Você, Isadora, confirma a versão do Fábio?
- Confirmo, sim, senhor.

Cosme olhava para os outros agentes, que examinavam o corpo de Durval, com cara que quem não engolira muito bem tal história.
- Bem, a senhora é...
- Esposa. Meu nome é Olga e sou esposa de Durval.
- Viúva, a senhora quer dizer.
- Que seja!
- Pois bem, conte-me o que sabe.
- Eu não estava aqui na hora, mas sou esperta o suficiente para saber que Fábio e minha filha estavam transando nesse estúdio. Durval flagrou os dois e, como sofria do coração, não resistiu. É a minha versão.
- Mas o que a faz acreditar que sua filha e o fotógrafo estavam...
- Olha, senhor detetive, eu não nasci ontem! Esse lugar fechado é capaz de manter odores por muito tempo. Quando cheguei aqui, esse lugar estava cheirando à vagina e suor!
- Meu Deus.
Dizia Cosme, que parecia imaginar a cena. Olhava para Isadora como se dissesse “seria mesmo uma foda de matar o pai”.

- Cosme!
Dizia um dos peritos.
- Diga!
- Há sinais de estrangulamento, senhor.
- Certeza?
- Como dois e dois são quatro.
- Então, senhorita Olga, acho que sua versão não tem muito fundamento.
Olga ficava com cara de babaca. Não sabia o que pensar nem o que dizer.

- Cosme!
Dizia outro perito.
- O que foi?
- Dê uma olhada aqui nessa câmera.
O perito mostrava a Cosme as fotos recém tiradas por mim. Eu esquecia de apagar as fotos. Merda! Estava arruinado, eu pensava.
- Isadora! Desculpe perguntar, mas qual a sua idade?
Eu estava definitivamente encrencado. Isadora gelava, mas não poderia mentir. Não a idade.
- Dezessete.
- Seu pai tinha ciência dessas fotos?
- Sim, senhor.
- Refiro-me às nuas, Isadora.
- Fábio me disse que sim...
- Muito estranho.
Dizia Cosme.

Olga chorava.
- Meu Deus, Isadora! Como foi capaz disso? Posar nua?
- Mas mãe... Foram só umas fotos...
- Mas você é menor de idade, Isadora. O que você pretendia com isso? Ou devo fazer essa pergunta ao Fábio?
- EU SENTI TESÃO, MÃE! PRONTO!
- Meu Deus...
- E outra: Meu pai havia dito a Fábio que eu já tinha dezenove e que podia, sim, me fotografar nua!
Ufa, eu pensava.
- Como é?
Indignava-se Olga.
- Esperem aí, gente! – Dizia Cosme. – O que temos aqui? Uma reunião de mistérios? Um pai que mente a idade da filha para um fotógrafo sem propósitos claros. Um fotógrafo que tira fotos sensuais de uma menor de idade, a princípio, sem saber. Agora o pai aparece estrangulado, embora tudo leve a crer que o falecido assistira a tudo.
- Tudo o quê?
Perguntavam Isadora e Olga ao mesmo tempo.
- Bem, não entrarei em detalhes. Esse estúdio será lacrado para que possamos investigar. O corpo vai para o IML e a investigação seguirá o seu devido rumo. Peço que voltem para casa e, caso sejam convidados a prestarem depoimentos à polícia, atendam nosso chamado. Meus pêsames e até breve.

Eu tinha certeza de minha inocência quanto a tudo ali. Somente me arrependia amargamente por ter aceitado entrar nessa confusão. Eu saía dali sob os insultos de Olga, o silêncio de Isadora, a desconfiança de Cosme e o martelar de uma dúvida. Quem matou Durval?

[Continua]

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

VOYEUR IV

Isadora despia-me. Não podia ser virgem. Isso eu concluía logo nas primeiras poses do ensaio nu. E acertava! Ela tinha dentro de si uma vontade imensa. Um tesão que parecia ter sido libertado pela lente da câmera. Sabe o gênio da lâmpada? Quase isso. Isadora gemia ofegante sobre mim. Por alguns minutos esquecia-me da presença de Durval naquele estúdio. Fazia com Isadora o que faria com qualquer outra mulher. Mas algo ali estava diferente. Pela primeira vez sentia-me profundamente desejado. Nem com as namoradas mais quentes que tive em minha vida me sentira assim.

O estúdio fotográfico tornava-se palco de um sexo sem muitos fundamentos. Animal. Causal. Voraz. Isadora gemia cada vez mais alto. Durval devia estar se esbaldando atrás daquelas coisas, eu pensava. Como um pai poderia, sei lá, masturbar-se ao ver a própria filha sendo enrabada por um amigo de infância? Eu não agüentaria. Juro que não.
- Nossa Fábio! Vai Fábio! Vai Fábio!
Gemia Isadora.
Eu estava dividido entre o tesão e a razão. Tinha ciência de que não estava cometendo pecado algum. O errado ali era o Durval. Eu não podia dispensar aquela coisinha. Pensava nisso enquanto a via de costas. Que nádegas! Eu estava em plenos quarenta e cinco anos, mas esbanjava vigor. E com uma Isadora nua e pedindo mais e mais, quem vigor não faria nascer? Das cinzas até!

Durante uns vinte minutos, transamos como se o mundo fosse inundar-se.
- Meu Deus. O que acabamos de fazer?
Eu dizia deitado ao chão, de barriga para cima.
- Nem eu sei. Posar nua me acendeu um tesão que... Ai, meu Deus, me desculpe, Fábio. É que...
- Não se preocupe, Isadora. Foi muito bom. Mas o que seu pai acharia disso?
- Fábio, você não vai falar para ele, vai?
- Claro que não. Acho que ele me mataria.
Eu mentia.
- E a mim também, Fábio. Deus me livre. Será nosso segredo.
- Sim. Nosso segredo.
Eu confirmava. Que mentiroso eu era.
- Segredo gostoso. Puta merda!
Ela dizia. Isadora me surpreendia a cada frase e a cada atitude. Quem diria? Aquela menina tímida era uma máquina de sexo.
- Ainda vai tirar mais fotos?
Ela perguntava.
- Acho que por hoje chega.
- Posso ver como ficaram?
- Pode sim.
Eu nem me preocupava mais com o que ela acharia do resultado. Provavelmente estaria uma porcaria. Não usara nenhuma daquelas luzes nem nada. Apenas a câmera.

Ela pegava a câmera digital e começava a passar as fotos pelo visor.
- Nossa! Ficaram ótimas, Fábio!
- É mesmo? Ficaram?
- Eu quero todas essas que fiz nua!
- Serão todas suas, Isadora.
Eu ainda respirava fundo.
- Nossa. Ver-me em certas posições me dá um calor...
- Não vai me dizer que...
- Quero mais!
Isadora montava novamente sobre mim. Eu não neguei. Também quis mais.

* * *
Já se passavam das sete da noite. Estávamos dormindo no chão do estúdio. Pingando de suor, nossos corpos encontravam-se completamente esgotados. Foram três ao todo! Há tempos não chegava a tanto. Eu olhava para o relógio e...
- Isadora!
- Oi...
Respondia sonolenta Isadora.
- Seu pai não viria lhe buscar?
- Sim...
- Que horas?
- Às seis.
- Mas já são sete e meia!
- Nossa! Vou ligar para ele!
- Ligue.
Eu dizia. Na certa Durval já devia estar a caminho.

Um telefone celular tocava aos fundos do estúdio.
- É o seu?
Eu dizia à Isadora.
- Não! Estou ligando para o meu pai. Deve ser o seu.
- Eu não trouxe meu telefone.
- Espere aí. Esse toque é o do telefone de meu pai. Está vindo lá dos fundos.
Mas será que Durval havia esquecido o aparelho dele no estúdio? Que mancada!

Isadora seguia o barulho do telefone até que:
- AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH!
Isadora dava um berro!
- O que houve?
Eu perguntava assustado.
- Meu pai! Ele está caído aqui nos fundos, Fábio!
Dizia a menina aos prantos.
- Mas... Como?
Fazia-me de desentendido. De certa forma eu só entendia o fato de Durval estar ali, mas não o fato de estar caído.
- Eu não sei! Vamos levá-lo a um hospital. Anda!

Eu checava a respiração e os batimentos de Durval. Estava morto. Seu corpo não apresentava ferimentos ou sinais que pudessem ser notados à simples vista de um leigo. Não fazia idéia de sua causa mortis.
- Isadora, seu pai está morto. Eu sinto muito...
- O QUÊ? NÃO PODE SER!
- Mas é, Isadora. Ele está morto. Acalme-se.
- MEU DEUS! O QUE ELE ESTAVA FAZENDO AQUI?
- Eu não sei, Isadora. Vamos chamar a polícia ou os bombeiros, sei lá.
- VOU LIGAR PARA MINHA MÃE!
- NÃO!
- POR QUE NÃO?
- Não. Nada. Pode ligar.

* * *
Olga chegava ao estúdio. Deparava-se com Isadora e eu de pé, próximos ao corpo de Durval.
- Filha o que foi que houve?
Olga chorava bastante.
- Eu não sei, mãe. Eu estava aqui fazendo umas fotos com o Fábio. Meu pai havia me deixado aqui mais cedo e disse que me buscaria por volta das seis e...
Isadora contava tudo à Olga. Omitia a parte do sexo, claro. As duas choravam muito.
- Mas... Desde quando você, Fábio, é fotógrafo?
Olga, apesar do desespero, questionava-me.
- Faz um bom tempo, Olga. Mas acho que isso não vem ao caso agora, não é mesmo? O Durval faleceu de maneira misteriosa e...
- Olha aqui, Fábio. Eu não sou criança. Esse estúdio está cheirando a sexo. Você e Isadora não...
- Não?
Perguntava Isadora.
- Vocês dois não estavam transando aqui, estavam?
- O que é isso mãe? Ficou louca?
- Não estou louca, filha! Seu pai sempre sofreu do coração! Aposto que Durval flagrou vocês dois em pleno ato e não agüentou cena tão grave!
- Mamãe! Isso é hora para delirar? Pelo amor de Deus!

Olga podia ter razão, eu pensava. Embora tenha cavado sua própria cova, Durval poderia, sim, ter morrido da exata forma descrita por sua esposa. Eu fingia estar mais preocupado com o corpo do que com as hipóteses desesperadas de Olga.

- Gente, essa discussão não tem cabimento. Vamos pensar no falecido, por favor!
Eu dizia.
- Eu já liguei para a polícia.
Dizia Isadora.
- Meu Deus... Meu Durval...
Olga ajoelhava-se sobre o corpo de Durval.

Eu sentia a presença de uma grande encrenca. Uma encrenca das boas.

[Continua]

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

VOYEUR III

No dia seguinte, conforme combinado, lá estava eu na porta do estúdio fotográfico da Cia. Zero Street Wear. Durval realmente havia montado um império. Aquelas roupas estavam nos outdoors, na TV, nas revistas e na cabeça dos jovens. Na porta do estúdio, fotos de alguns modelos e recortes de algumas campanhas de revista. Pensava o quão bacana seria se tivesse como profissão tirar fotos daquelas beldades. Alguns dos recortes traziam Isadora, mas eu notava que a menina, mesmo sendo muito bonita e sexy até, não se encaixava nos padrões das outras tão magricelas.

Logo o carro de Durval chegava ao estúdio.
- Demorei, Fábio?
Dizia Durval.
- Não. Imagina.
Eu respondia. Que bela cena.
- Bem, aqui está a Isadora. Fique à vontade. É uma honra ter minha filha na mira de lentes tão famosas, Fábio. E tão amigas também.
- Pois é. Sua filha é o que procuro há muito tempo.
Isadora sorria meio sem graça e:
- Será um prazer posar para o senhor.
Aquele “senhor” me machucava.
- “Senhor” não, por favor. “Você”, eu prefiro.
- Desculpe-me, Fábio.
Ela ria.
- Bem, deixe-me ir. Tenho outros compromissos. Cuide bem da minha filha, Fábio.
- Fique tranqüilo, Durval. Até mais tarde.
- Até.

Durval dirigia-se até a parte de trás do estúdio. Entraria pela porta dos fundos. Observaria tudo escondido entre os cases e equipamentos. Isadora e eu entrávamos para o início dos trabalhos. Mas como se dava início a um trabalho daquele? Ah, dane-se. O fotógrafo famoso ali era eu. Eu decidiria isso na hora.
- E então, Isadora? Fale-me um pouco de sua experiência como modelo, enquanto preparo as lentes.
Durval já deixara a câmera pronta sobre uma mesa. Tudo que eu teria de fazer era focalizá-la e apertar um botão. Click! Pronto!
- Bem, as campanhas das quais participei foram todas da Cia. Zero, ou seja, da loja do meu pai. Por isso, não me sinto assim tão experiente.
- Sei. Mas é um bom começo. Estive vendo suas fotos ali na porta do estúdio. Você tem brilho no olhar, sabe? Sem contar o corpo, que, meu Deus, é lindo demais.
Eu vira na TV uma vez um fotógrafo falando. Eles são bem descolados e não têm vergonha de elogiar suas meninas. Eu embarcava na onda.
- Obrigada, Fábio. Mas me diga, como vamos fotografar primeiro?
- Bem, que tal biquíni? Quero aproveitar essas suas marcas de praia. Pode ser?
- Você é quem manda!
Aquela frase fez explodir meu coração. Aquela voz doce dizendo “você é quem manda” realmente me estremeceu.

A menina trazia consigo uma bolsa com algumas peças de roupa e o estúdio tinha um acervo enorme também. Ela puxava o biquíni da bolsa e dirigia-se até uma espécie de provador a fim de se trocar. Em poucos minutos, Isadora me aparecia com um biquíni branco. Ela ainda dava o laço na parte de baixo do biquíni.
- Ficou bom?
- Ficou ótimo! Vamos começar!
- Você não tem ajudantes, Fábio?
Perguntava Isadora.
- Não. Eles me atrapalham. Gosto de ter controle da situação, entende?
- Então, vamos.
- Bem, quero poses sensuais, OK?
- OK.

Isadora sabia fazer. Fazia poses que nem o meu imaginário seria capaz de compor. E a expressão facial? Seus lábios parados pareciam dizer “sexo”. Carnudos. Isadora apertava os seios, insinuava despir-se, abria e fechava as pernas numa experiência estonteante. Eu não sabia o que fazia. Apenas clicava aquele botão feito um louco.

Eu ficava imaginando o estado emocional de Durval àquela altura. Sua filha em poses sensuais. Será que já não seria o suficiente? Mas ele queria a transa. E eu levaria aquele jogo até o fim.
- Ufa! Está ótimo!
Eu pausava.
- Posso ver como ficaram?
Ela perguntava.
- Não! Sou muito chato quanto a isso. Entenda. Somente depois de tudo. OK?
- Mas por quê?
- Atrapalha. Você dará suas opiniões e isso influenciará a próxima bateria de fotos.
- Ah! Entendi.
De onde eu tinha tirado tantas respostas inteligentes? Achava que ali eu pensava com a cabeça certa. Pura ilusão. A cabeça certa apenas estava trabalhando em função da errada.
- Sente-se um pouco, Isadora. Descanse.
- OK. Vou me trocar.
- Vai por o quê?
- Não sei. O que quer que eu ponha?
- Nada.
- Não entendi.
- Não ponha nada. Seria interessante um nu artístico. Você topa?
- Nua? Ah, não sei se meu pai vai gostar disso, Fábio.
Ela dizia com um sorriso entre os dentes.
- Eu já conversei com seu pai. Disse a ele que algumas fotos nuas poderiam ajudar bastante na sua carreira. Não serão nada vulgares. Eu prometo. Será puramente artístico.
Eu estava demais naquele dia. Nossa!
- Ai, meu Deus. Você tem certeza que...
- Bem, eu tenho. Mas é você quem sabe. Não quero que faça nada sem querer.
Eu mentia. Estou dizendo. É tudo mentira o que atrai. Ela pensava com o dedinho no queixo. Aquilo me deixava excitado.
- OK. Mas não repare minha timidez. Eu nunca posei nua.
- Tudo tem sua primeira vez, Isadora. Eu já estou acostumado com isso.
- Tiro aqui mesmo?
- Pode ser. Não terá nada aí que eu já não tenha visto uma centena de vezes, Isadora.
Eu brincava. Queria que se sentisse o mais à vontade possível. E funcionava.

Em segundos, Isadora estava como veio ao mundo. Nua. Encabulada, sim, mas completamente nua. Encantava-me com os pelos resultantes de um trabalho magnífico de depilação. Uma obra de arte.
- Bela depilação, Isadora. Já esperava pelo ensaio nu, pelo visto.
- Não... Imagina.
Pelo sorriso eu via que sim.

Eu deixava a câmera sobre a mesa e chegava mais perto de Isadora. Observava cada curva, cada detalhe daquele corpo. Ela, a princípio, tapava os seios com um braço e a vulva com o outro.
- Não tenha medo de mim, Isadora. Relaxe. Dessa forma, as fotos ficarão estranhas. Tente se sentir natural.
- Eu tento, mas...
Eu pegava em seus braços e a destapava.
- Olhe para você, Isadora. És linda! Não há do que se envergonhar.
- Tudo bem.
Em pouco tempo, Isadora já caminhava pelo estúdio com naturalidade.
- Você quer um roupão?
Eu perguntava. Durval devia estar querendo me matar.
- Ah! Sim! Quero sim!
Eu precisava mostrar certo profissionalismo. Mesmo sem ser um profissional.

* * *
- Podemos começar as fotos?
Eu perguntava.
- Sim! Vamos!
- Lembre-se. Mantenha-se relaxada. OK?
- Tentarei.

Tentar? Meu Deus. Isadora dava um show de sensualidade. Soltava-se frente à câmera como se fosse um ensaio pornográfico. Não se importava em esconder nada. Eu conseguia que Isadora se sentisse totalmente à vontade e desinibida. Abria as pernas sem pestanejar. Eu, vendo a imensa vontade de Isadora em se exibir, atiçava-a ainda mais.
- Abra mais as pernas... Alise os seios, Isadora... Pegue firme nas nádegas... Puxe-as...
Ela obedecia com um sorriso provocante e dizia:
- Você disse que não seria nada vulgar, Fábio.
- Pois é, mas você está ótima, não quero cortar o feeling.
- Ai, eu estou ficando... Sei lá...
- Excitada?
- Acho que é. Nunca fiz isso, mas estou adorando.
Mas que safadinha. Eu imaginava o Durval vendo tudo aquilo. Isso não o ajudaria em nada. Por Deus, que não.
- Eu também estou ficando...
- Excitado?
- É. Coisa que raramente acontece no meu trabalho.

Isadora, ciente de seu domínio, vinha até mim.
- Chega de fotos! Vamos brincar um pouco!
- Brincar?
Eu perguntava já sabendo o resultado de tudo aquilo.
- É. Brincar!
Eu conseguia. Para o delírio de Durval e mais ainda para o meu.

[Continua]

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

VOYEUR II

Pensei, pensei, pensei. Eu tinha de lhe dar uma resposta baseada na razão e no bom senso. Tive que pesar nos prós e nos contras de toda aquela maluquice de Durval. Pensava ora na minha moral, ora nas coxas de Isadora. Ora no meu caráter, ora nos seios redondos e rijos de Isadora. Então, com a mais perfeita das conclusões, me baseando na lógica, fui firme:
- OK! Eu aceito!

Eu tinha ciência da merda em que me metia. E como tinha. Pensar com a cabeça errada sempre me metia em encrencas. Eu era mestre nisso, já que a cabeça certa pouco funcionava.
- Ótimo, Fábio. Agora precisamos aproximar vocês.
- Aí é que está o problema, Durval. Quantos anos sua filha tem?
- Dezenove.
- Ufa! Pelo menos já é maior de idade. Mas pense bem, Durval. O que uma menina de dezenove anos verá num quarentão? Pior: Num quarentão como eu. Duro e desinteressante!
- Isso é o de menos, Fábio. Ela não sabe da sua vida! Podemos criar uma bem atraente para você.
- Criar uma vida para mim? Mentir? Ora, Durval, eu não te entendo. Quer que eu minta, quer que eu transe com sua filha e quer... ver? É isso? Repito: Ela é sua filha, Durval! Estou assustado.
- E o que você quer que eu faça? A agarre? Na minha cabeça, ver um ato sexual de minha filha me saciará a vontade que tenho de... você sabe. Não consigo falar.
- Entendo. Mas você acha mesmo que isso saciará sua vontade? Não acha que isso não fortalecerá ainda mais esse... distúrbio?
- Não é distúrbio, Fábio!
- E o que é? Uma atração sexual pela própria filha, Durval? Desculpe-me, mas precisa de um tratamento, não de voyeurismo.
- Olha, quanto a mim, deixe que me viro, OK? Tudo que tem a fazer é... você sabe.
- Durval, não vou negar. Estou aceitando sua proposta porque a sua filha é um arraso, viu? Mas tenho medo.
- De quê?
- Um dia ela terá de saber a verdade sobre mim, Durval.
- Detalhes.
- Detalhes? Espero.
- Como eu disse, precisamos aproximar vocês.
Dizia Durval com certa fissura ao olhar para Isadora. Eu me assustava ainda mais.
- Está bem, mas quem é aquele cara ali próximo a ela? Parece estar interessado na sua filha, não? Olha como ele fala ao ouvido dela! E ela ri!
- Aquele ali é um imbecil. O nome dele é Lucas, se não me engano. Vive atrás de Isadora, mas é carta fora do baralho. Palavra!
- Sei.

Durante a festa, Durval me mantinha informado de tudo que eu teria de dizer a Isadora para que despertasse o mínimo de interesse por parte dela. Eu seria um fotógrafo. Na farsa, fotografava para as melhores revistas, jornais e campanhas publicitárias. Isso seria um elo para uma tarde de fotos, talvez. A menina era bem vaidosa e já havia feito alguns trabalhos como modelo. Durval parecia já ter toda aquela idéia na cabeça. Como alguém pensaria em tudo aquilo ao mesmo tempo em que falava?
- Mas eu não sei nada de fotografia.
Eu dizia.
- Dane-se. Ela não precisa ver foto alguma. Isso será apenas uma forma de vocês estarem sozinhos.
- Mas eu não tenho câmera, Durval. Muito menos um estúdio de fotografia.
- E quem disse que precisa disso? Eu tenho tudo isso. Minha marca possui todo o aparato para produzir as campanhas, fotos...
- Ah! Sim! Entendi.
- Você usará o meu estúdio, Fábio.
- Mas Durval, eu não sei fotografar!
- E quem disse que ela precisará ver as fotos? Tem de traçar a menina antes mesmo das fotos.
- Isso não vai dar certo.
- Eu conheço minha filha, Fábio. Aquilo ali é interesseira que só. Eu farei bem a sua fama com ela. Entrará no estúdio já encantada por sua pessoa. Acredite!
- Não sei, Durval. Ainda sinto medo.
- Relaxa. Dará tudo certo.

* * *
No dia seguinte, conforme mais tarde me disse, Durval conversava com Isadora a respeito de minha pessoa. Estava disposto a “fazer a minha fama”. Coisa que eu acreditava não ser o suficiente para nada do que Durval objetivava.
- Filha, você lembra daquele moço que lhe apresentei ontem, na festa?
- Sim. Acho que sim. Flávio, não é isso?
- Quase. Fábio é o nome dele. Fábio Camargo. Já ouviu falar dele, não?
- Não, pai. Fábio Camargo? Nunca! Por quê? É irmão do Zezé Di Camargo?
- Que irmão do Zezé Di Camargo, filha? Fábio Camargo é um dos fotógrafos mais requisitados desse país. E no exterior também.
- Isso tudo? Aquele cara é isso tudo?
- Nem parece, não é mesmo? Ele é bem humilde ao se vestir.
- Diferente para um fotógrafo com esse currículo, não, pai?
- Pois é. Ser diferente é o que faz de Fábio esse sucesso que ele é.
- Hum...
- Bem, o que eu queria lhe contar é que ele te achou muito bonita e gostaria de fotografá-la. O que acha?
- Jura?! Será que ele pode me dar uma força na minha carreira de modelo?
- Não só pode como já me garantiu isso em conversa.
- Ai, pai! E quando ele quer fotografar?
- O quanto antes. Eu marco com ele direitinho.
- OK!
Isadora saía daquela conversa com a cabeça cheia de idéias e sonhos. Quem não sairia? Durval sabia mentir. Talvez por isso tinha Olga ao seu lado. O homem deve mentir para conquistar a fêmea. É como os animais. O pavão mostra sua calda, os macacos fazem sei lá o que e os homens mentem. Caso o homem seja verdadeiro, causará repulsa. É da natureza do homem ser nojento e asqueroso.

- Alô!
- Fábio? É Durval!
- Diga, Durval.
- Já falei com ela tudo aquilo que combinamos. A menina está no céu! Está confiante de que você dará um empurrão em sua carreira de modelo.
- Como tem coragem, Durval?
- Cara! Não pense que está sendo fácil fazer isso, OK? Eu preciso me libertar dessa coisa e sei que será dessa forma que conseguirei.
- Bem, e qual o próximo passo?
- Vamos marcar essa tarde de fotos para amanhã, pode ser?
- Tudo bem.
- Anote o endereço do estúdio. (...) Não haverá ninguém por lá. Apenas eu, claro. Escondido.
- Espere aí! Você quer que eu transe com sua filha no estúdio? No primeiro encontro? Ela seria tão fácil a esse ponto, Durval?
- Bem, eu confio em você. Como eu disse, ela está no céu. Faça uso dessa vantagem.
- Ela deve ser virgem, Durval.
- E se for? Qual o problema? Ah! E use camisinha, viu? Não quero ser avô tão cedo.
A naturalidade de Durval me dava nojo, mas o tesão que tinha por Isadora, ainda maior que o dele, me mantinha naquele jogo sujo.
- OK. Vamos ver o que eu consigo, então.
- Então, amanhã às três.
- Confirmado.

[Continua]

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

VOYEUR

Durval, um grande e velho amigo meu, que há muito não via, comemorava com uma enorme festa os vinte anos de seu casamento. Vinte anos ao lado de Olga eu também tiraria de letra. Olga mantinha-se jovem e linda em plenos quarenta e seis. Ambos mereciam aquela festa. Amavam-se como jamais vira um casal. Durval não era um sujeito feio, confesso, mas também não tinha, no meu ponto de vista, uma beleza à altura da de Olga. Era fácil surgirem comentários do tipo “o que ela viu nele?” ou “mas justo com esse cara sem sal?”.

O fato é que esse meu amigo, o Durval, era um cara muito inteligente. Sempre esteve à frente de seu tempo em relação a tudo. Objetivou melhores empregos e melhorou de vida por conta de suas boas idéias. Durval era dono da mais bem sucedida loja de roupas da cidade. Várias filiais, propagandas em horário nobre da TV etc. Estava bem. Muito bem de vida. E com Olga por perto, quem não estaria ainda melhor?

Olga era uma morena de mais ou menos um metro de setenta, cabelos lisos, volumosos e longos. Um corpo esculpido nas máquinas mais modernas de sua academia particular, eu imagino. Olga era do tipo que ao sorrir já nos fazia imaginar toda sua educação alimentar exemplar. Um molde para as quarentonas. Um belo molde!

Lá estava eu. Naquela casa enorme de Durval com minha única calça e minha mais apresentável blusa. Uma listrada de botões. Durval me apresentava cada pessoa naquele imenso jardim. Muitos eram homens de negócios. Amigos de interesse, dizia Durval.

- Mas o que você anda fazendo da vida, Fábio?
Ele me perguntava.
- Ora, Durval, correndo atrás, não é?
- Mas saiba que deve correr na frente. Atrás não.
Durval tentava injetar um pouco de seu ânimo em minha pessoa.
- Pois é. Eu não tive a mesma sorte que você, Durval. Ou melhor, a mesma garra!
- Pois fique sabendo que além de garra contei muito com a sorte também, Fábio. Veja minha esposa – lá ia ele falar da gostosa da Olga. – Olha que mulher linda! Isso não é uma baita sorte? Ela me ajuda muito a crescer, além de tudo.
- É. Uma grande sorte a sua.
- Olha lá, Fábio!
Apontava Durval.
- O quê?
- A Isadora.
- Isadora?
- Não lembra de minha filha, Fábio?
- Ah! Sim! Que desligado sou. A vi muito pequena. Mas onde ela está? Não a vejo.
- Ora, Fábio. Aquela ali com as amigas. Ela é a de vestido azul.
- Ah! Sim! Mas está enorme. Meu Deus!
- O tempo, Fábio. Passa.
- Se passa.

O que eu via era uma jovem linda. Não tão linda como a mãe, talvez, mas linda. Mais morena que Olga, provavelmente por conta de longas manhãs na praia. Tinha o corpo delicado, porém, com formas invejáveis. Nada vulgar. Suas medidas pareciam ter sido encomendadas depois de muito estudo. O vestido azul deixava as coxas à mostra. E que coxas. Nem enormes nem magricelas. Torneadas. Isadora devia se cuidar como a mãe. Durval e Olga tinham caprichado na menina.
- ISADORA!
Chamava Durval.
- Sim, pai!
- Venha até aqui. Quero que conheça um amigo meu.
- Estou indo.
Ela vinha. Ajeitava seus longos fios atrás daquelas orelhinhas perfeitas. Fazia sinal para as amigas dizendo que voltaria logo. Ela vinha. Caminhando pelo jardim num rebolar inocente e, por isso, talvez, mais provocante que a mãe.

- Filha, este aqui é o Fábio. Um velho amigo da escola. Não o vejo faz tempo. Encontrei com ele esses dias e...
- Prazer, Fábio. Isadora.
Interrompia a menina.
- O prazer é meu, Isadora.
Eu também a cumprimentava.
- Ele te viu bem pequena, filha.
Dizia Durval.
- É mesmo?
Ela perguntava.
- Sim. Vi sim. Bem pequena. E agora, esta moça! Você é muito linda, sabia? Com todo o respeito, Durval.
- Tudo bem, Fábio. Que isso?
- Obrigada, Fábio. Agora, se me dão licença, eu vou até minha amigas.
- Fique à vontade, Isadora.
- Tchau.
Ela voltava às amigas. Dessa vez me colocando à vista as costas nuas com suas marquinhas de biquíni. Um par de nádegas médias e perfeitamente sincronizadas. Uma coisa de louco. Fazia-me, por alguns minutos, esquecer-me de Olga.

- O que você achou?
Perguntava-me Durval.
- O que eu achei do quê?
- Ora, Fábio. Da Isadora.
- Bem. Está uma moça muito bonita.
- Espere aí, Fábio. Quero ouvir o que você realmente achou da Isadora.
- Não entendi. Eu já disse: Uma moça...
- Gostosa. Não é isso o que você achou?
- Como assim, Durval? É sua filha!
- Fiz uma pergunta, Fábio. Achou ela gostosa?
- Está gozando comigo, não é?
Eu não entendia as intenções de Durval.
- Não. Só quero saber isso. Se a achou gostosa.
Claro que tinha achado, mas como diria isso ao pai dela? O que Durval queria afinal?
- A achei linda. É isso. Linda.
- Pode falar. Minha filha está uma tremenda gostosa, não está?
- Durval... Que papo é esse? É sua filha. Como pode falar assim?
- Fábio, eu não sou cego! Minha filha está gostosa e eu não posso negar isso.
- Você não vai me dizer que você sente...
- Não! Não sinto atração pela minha filha! Ficou louco?
- Que bom.
- Quer dizer...
Vacilava Durval.
- Quer dizer o quê?
- Fábio, eu preciso confessar uma coisa.
- O quê?
Eu perguntava já imaginado o teor de gravidade em sua confissão. Durval checava se havia alguém muito próximo e:
- Sinto-me atraído, sim, pela Isadora.
- O QUÊ?
- É isso mesmo. Sinto-me atraído pela Isadora. Não sei mais o que fazer.
- Precisa cuidar disso, Durval. Não vá cometer uma loucura. Isso daria uma merda tremenda. Você está completando vinte anos de uma união tão bacana. E a Olga é tão linda...
- Sei de tudo isso. Mas acho que sei como amenizar minha tara.
- Como?
- Quero vê-la com alguém.
- Você quer dizer namorando alguém?
- Não, Fábio! Transando mesmo! Palavra!
- Ficou maluco?
- Acho que sim. Mas juro que quero.
- Durval, por que conta tudo isso para mim? Eu, sinceramente, não gostaria de saber de nada disso.
- Conto isso para ti porque acho que pode me ajudar.
- Como? Arranjando alguém para Isadora? Está louco...
- Não! Sendo esse alguém! O que acha?

Eu gelava. Jamais esperava tal proposta. Vindo de Durval? A vontade que tive de aceitar, confesso, era gigante. Imaginava Isadora em meus braços e... Mas entre seu próprio pai sugerir nossa intimidade e a menina querer havia uma distância incalculável. Na certa não vingaria. Ao mesmo tempo eu pensava seriamente em não aceitar aquela loucura. Seria monstruoso de minha parte. Pensei por alguns segundos.

[Continua]