domingo, 29 de março de 2009

E AQUELE NOSSO CAFÉ?

Em meio à poeira infinita, surgia aquele ser de ombros largos, camisa xadrez, calça jeans e botas cobertas de lama. Embora suas roupas estivessem sujas, estas em nada atrapalhavam o rosto e o olhar sedutores daquele rapaz. Com um capacete sob o braço esquerdo e um par de óculos de sol sobre a testa, ele se dirigia até o portão de uma casa.

O rapaz tentava avistar sinais da presença de alguém naquela casa, mas, diante das janelas fechadas, pensava: “não deve haver ninguém aí”. Ele reparava as ferrugens e os rabiscos de giz daquele portão. “Crianças”, ele pensava.

Resolvia então bater palmas para certificar-se de sua intuição; nada. Batia novamente. Até que:

- Já vai!

O rapaz se alegrava.

A porta se abria. Era uma senhora que aparentava uns oitenta anos, aproximadamente. O rapaz foi logo se apresentando:

- Bom dia, senhora.
- O quê?
- BOM DIA, SENHORA.
- Ah, sim, bom dia. O que você quer? – agia com certa antipatia a senhora.
- Meu nome é Pablo, sou engenheiro e trabalho na obra aqui em frente. Eu...
- Essa obra de vocês é um inferno! O que vocês têm na cabeça? Eu não consigo fazer nada com todo esse barulho!
- Senhora...
- Vocês deveriam sumir! Ninguém precisa de um novo supermercado por aqui! Seus idiotas!
- Calma! Podemos conversar?
- Que conversar o quê! Quero que sumam daqui!

Naquele momento, o rapaz já perdia as esperanças de um diálogo com aquela senhora. Eis que surgia, por trás da tagarela, uma jovem.

- O que está acontecendo, vovó?
- É esse cara! Ele é o responsável por todo esse inferno, Ingrid!
- Vovó, entre! Deixe-me ver o que ele quer, sim?

A velha entrava, para alegria de Pablo.

Ingrid era uma dessas jovens simples. À primeira vista, não provocava nenhum tipo de atração. Usava um vestido estampado com pequenas flores, que ia até o meio dos joelhos. Os cabelos estavam presos num rabo de cavalo e levemente despenteados. Com uma toalha de prato nas mãos, Ingrid parecia estar no meio de mil afazeres. Mostrava-se apressada.

- Bom dia. Em que posso ajudar? É rápido?
- Bem, meu nome é Pablo. Chama-se Ingrid, não é mesmo? Ouvi sua avó dizer.
- Sim.
- Então, eu trabalho na obra aqui em frente e gostaria de ter uma conversa com o proprietário da casa.
- Sou eu mesma.
- Ótimo. Primeiramente, gostaria de, em nome da empresa, desculpar-me por toda essa confusão. A poeira nesse período da obra é inevitável, mas lhe garanto que esse incômodo terá fim em breve.
- Tudo bem.
- Bem, em segundo, o que eu queria lhe informar é que nossa empresa possui muito interesse na compra de seu imóvel.
- Mas ele não está à venda. Esta casa é a única coisa que meus pais me deixaram.
- Tudo bem, mas você não quer ouvir pelo menos a nossa proposta?
- Não, obrigada.
- Olha, digamos que você precisasse vendê-la. Quanto gostaria de receber por esta casa?
- Nunca pensei nisso. Nem sei o quanto ela valeria. Provavelmente, um valor que vocês não poderiam pagar.
- Está enganada. Não posso dizer a ti, por enquanto, mas lhe asseguro que a empresa está disposta a comprar sua casa por uma quantia bastante animadora.
- Vender esta casa não me anima em nada, senhor.
- Pode me chamar de Pablo, Ingrid.
- OK. Mas, como lhe disse, não há o menor interesse na venda desta casa. Era só isso?
- Espere um momento, Ingrid.

Pablo pegava seu telefone celular e discava para seu chefe. “Dr. Alcindo? É o Pablo, tudo bom? Estou aqui com a dona daquela casa. Bem, ela me disse que não há o menor interesse na venda. O que eu faço? (...) Entendi. (...) Pode deixar”.

- Bem, acabei de falar com o meu chefe e...
- Não quero saber!
- Não quer escutar quanto ele oferece na casa?
- Não! Além do mais, eu...
- Olha Ingrid, eu estarei agindo contra os interesses lucrativos da empresa, mas escute: ele pensa em um teto de oitocentos mil reais!
- O quê?
- Isso mesmo, Ingrid! Oitocentos mil pela casa! Não é animador?

Na certa Ingrid não esperava um valor como aquele. Anteriormente, chegou a imaginar uns cem mil reais, o que daria para comprar duas casas daquela.

- Mas por que querem tanto assim minha casa?
- A localização dela é perfeita para a ampliação do supermercado, Ingrid. Pense bem, pois esta proposta é como um raio: dificilmente cairá novamente no mesmo local. O que acha?

Ingrid dividia seus pensamentos entre a proposta e os traços finos do semblante de Pablo. À medida que a defesa de Ingrid para com Pablo ia se dissolvendo, a jovem notava naquele rosto uma pessoa muito amiga. A voz de Pablo era serena e grave. Durante toda a conversa, Pablo soltava leves e simpáticos sorrisos. Sempre muito educado, o engenheiro pedia licença:

- Bem, a proposta está feita. Pense direitinho. Quando tiver uma resposta, me ligue.

Pablo entregava à Ingrid um cartão com o seu telefone e continuava:

- Deixe-me ir. Um abraço! Tenha um bom dia! – despedia-se Pablo.

* * *
Alguns dias se passaram, até que Ingrid, enfim, ligasse para Pablo, que, em poucos segundos, chegava à casa da jovem.

- Boa tarde, Ingrid. Tudo bem?
- Tudo. E com você?
- Também está tudo bem. E então? Pensou na proposta?
- Pensei
- E?
- Vou vender à sua empresa.
- Que bela notícia, Ingrid. Fico feliz por você e sua avó. Uma grana dessa ajuda e muito!
- Eu sei. Aceitei porque minha avó precisa de remédios caríssimos.
- Entendo. Agora escute. Quando propuser o preço ao Dr. Alcindo, diga novecentos mil, OK? Ele certamente lhe fará uma contraproposta de uns seiscentos mil. Só depois disso, você chega aos seus oitocentos!
- Se o seu chefe souber que me deu dicas de negócios...
- Rua! Na certa.
- E porque me ajudou? Nem me conhece.
- Por puro bom senso. Acredito que você e sua avó necessitem muito mais dessa grana que o Dr. Alcindo.
- Ele deve ser muito rico, não?
- Você nem faz ideia.

Depois daquele segundo encontro, Pablo notava que algo havia mudado na sua compreensão a respeito de Ingrid. A notara mais bonita e até muito atraente, já que, dessa vez, Ingrid acabara de sair do banho. Os fios molhados e soltos revelavam cachos lindos. A pele morena clara já não apresentava o suor do primeiro encontro. E o vestido de outrora dava vez a uma camiseta de malha e um short jeans nem curto nem longo, apenas no tamanho ideal para que Pablo pudesse notar a beleza daquele corpo bem definido em curvas e medidas.

* * *
As negociações foram rápidas, devido à pressa da empresa em demolir a casa. Ingrid agiu conforme Pablo a instruíra. Mas, por fim, a casa foi vendida por satisfatórios setecentos e oitenta mil reais.

No dia da mudança de Ingrid, Pablo, a fim de se despedir, ia de encontro à jovem.

- Então, hoje é o seu dia. – dizia Pablo.
- É. Com o dinheiro conseguimos comprar um apartamento aqui perto mesmo. Minha avó gosta muito desse bairro.
- Ah, é mesmo? Que ótimo! Então, ainda a verei por essas bandas?
- Sim, provavelmente.
- Então, tudo resolvido, não é mesmo?
- Quase tudo. – dizia Ingrid a olhar para o nada.
- Como assim “quase tudo”?
- Nada... Bem, para lhe agradecer, gostaria que, assim que eu estiver totalmente instalada, você aparecesse por lá para tomar um café.
- Seria uma honra. Você me liga?
- Sim, claro.
- Bem, deixe-me ir. Boa sorte em seu novo lar e...
- E?
- A gente se vê, não é?
- Sim.

O engenheiro caminhava rumo à obra e sumia em meio à nuvem de poeira.

A obra chegava ao fim, o supermercado era inaugurado e aquele café com Pablo jamais foi marcado. O engenheiro, que não tomara nota do telefone ou endereço de Ingrid, nada pôde fazer a não ser esperar. E assim, ambos permanecem até os dias de hoje – Pablo em infinito aguardo e Ingrid a passar um café para três: sua avó, ela e sua insegurança.

quinta-feira, 26 de março de 2009

O DUELO

- Quero a virgindade de sua irmã!
A frase me vinha como uma bofetada! Na certa Gustavo não sentiu – nem nunca sentirá – o peso, a pancada que aquela frase me causou. Lógico! Gustavo não tem irmã, ora. Mas eu, por azar, por destino, carregava-a sob o título de irmão mais velho a menina mais cobiçada do bairro: Viviane.

Deixe-me explicar do início. Eu estava em casa, na mais perfeita paz, assistindo a um jogo de tênis no qual eu não sabia nem o nome dos que ali atuavam. Eu apenas me sentia contagiado pelo barulhinho da bola sendo rebatida para lá e para cá. Dava-me certa moleza no corpo... Até que o telefone tocou: “Já vai!”, eu gritava inutilmente.
- Alô! – atendia ao telefone com vontade de esganá-lo.
- Humberto?
- Fala, Gustavo. Sou eu.
- Está de bobeira?
- Não!
- O que faz?
- Estou vendo um jogo de tênis.
- Desde quando você gosta de tênis?
- Gosto do barulho da bola.
- OK. Desliga essa TV e traz o seu canário para a praça.
- Para quê?
- Para disputar com o meu, ora.
- De novo? Não cansa?
- Não! Não canso! Quero vencer o seu Juquinha!
- Tenho que rir. Já está provado que o canto do meu Juquinha é o mais alto e belo canto que já se ouviu na história da humanidade?
- Isso até você conhecer o meu Cacá!
- Cacá?
- Isso! Venha até a praça. Traga seu perdedor.
- Fechado. Mas... Cacá? Por que Cacá?
- Derivado de canário. Cacá!
- Que merda. Estou indo.

Chegando na praça, avistei Gustavo e seu canário, o tal do Cacá. Eu, de nariz em pé e peito estufado, me aproximei. Gustavo exibia um sorriso de vencedor! Eu devia ter me preparado para o que estava por vir, mas a minha confiança em Juquinha...
- O que esse tal de Cacá tem a oferecer, Gustavo?
- Opa! Primeiro vejamos o que nós temos a oferecer um ao outro.
- Sim. Você tem o quê?
- Esse relógio.
Era um relógio bonito até, mas não me interessava. Mas mesmo assim:
- OK. Vai esse relógio mesmo – eu dizia.
- E você, Humberto?
- Bem, eu vou fazer o seguinte com você. Pode escolher o que quiser!
- Tem certeza?
- Só não vale a minha casa, nem meu carro.
- Aquele barraco e aquele Fusca 69? Está louco? Quero coisa melhor.
- O quê, então?
- Quero a virgindade de sua irmã!
- Ah?! Você ficou louco?
- Você disse para eu escolher o que eu quisesse! Então, quero sua irmã na minha cama!

Aqui na minha terra, aposta é aposta! Mas aquilo fora uma afronta! Minha irmã? Ela tinha acabado de completar dezoito anos! O Gustavo não tinha noção? Minha irmã?

- Olha, Gustavo, eu só não acerto um soco no meio da sua cara porque não quero receber o seu relógio sujo de sangue. Mas vamos lá! Como quiser. Você não tem chance mesmo. Vou deixá-lo sonhar um pouco. Coloque logo essa coisa feia para cantar!
- Primeiro o Juquinha, Humberto!
- Ah é? OK!
Eu estava com tanta raiva que queria acabar logo com aquilo. Rapidamente, eu desencapava minha gaiola. Juquinha cantava divinamente, e com vigor! Parecia ter ouvido a insanidade de Gustavo.

- Vai. Agora ponha essa rolinha para cantar – eu dizia –, Gustavo.
- Pra já!
Gustavo tirava a capa de sua gaiola, mas o Cacá permanecia quieto.
- Cadê o canto, Gustavo?
- Calma!
Cacá não cantava. Não dava pio. Até que:
- CANTA DESGRAMADO! – berrava Gustavo.

Então, o danado do Cacá começava aquilo que até hoje soa em meus ouvidos: um cantar forte, lindo e cheio de vibratos e ornamentos. Eu ficava boquiaberto. Não entendia o que ocorrera. Juquinha entristecia logo após.

- E então, Humberto? Quando passo a lhe chamar de cunhado?
- Nunca, Gustavo. Nem que Viviane assim quisesse!
- Olha, quanto ao querer dela eu nem quero saber. Você apostou, logo, deve colocá-la na minha mão. Trate de aprontar seus argumentos, pois ela me parece ser difícil, não?
- Tudo bem – com muita raiva eu dizia.
Como eu já disse, aqui na minha terra, aposta é aposta. Dá até morte para um sujeito que não tem palavra. Eu me retirava da praça com meu então fracassado Juquinha. Só pensava em o que dizer à Viviane.

* * *
Ao chegar em casa, avistava Viviane a preparar o jantar. Usava um short tão curto que seu tecido não seria o suficiente nem para um lenço.
- Oi Viviane.
- Oi mano.
- Por que não se veste como uma menina decente?
- Estou em casa, Humberto. Larga de ser chato. Vai cuidar do seu passarinho, vai!
- E por falar em passarinho, você adivinharia o que o Gustavo quis apostar dessa vez?
- Não. O quê?
- A sua virgindade.
- E você deve ter rido da cara dele, no mínimo.
- Não. Eu aceitei.
- VOCÊ ACEITOU ISSO?! VOCÊ FICOU LOUCO, SEU...
- Calma! Desculpe-me, mas é que eu estava confiante em Juquinha.
- E EU POSSO SABER O QUE EU TENHO A VER COM OS PASSARINHOS DE VOCÊS?
- Eu sinto muito, Viviane, mas isso não vai ficar assim. Se não quiser, não precisa... Eu dou um jeito...
- Mas nem que te matassem eu entraria nessa! Outra: eu nem posso, Humberto!
- Está “naqueles dias”?
- Não, seu idiota! Por acaso, na aposta ele falou “virgindade”, foi isso?
- Sim. “Virgindade”. Por quê?
- Pode mandá-lo esquecer. Já se foi faz tempo, mano.
- !?!?!
- Acho que terá de dar a sua virgindade para ele, Humberto. Espero que goste! Aposta é aposta.

* * *
Foto da capa por Rodrigo Rosse.

segunda-feira, 23 de março de 2009

VERDADES DE LUANA VII (Final)

Parte I:

Chegando à altura da escola, Luana descia do ônibus. Logo depois, Gisele também descia. As duas vinham num caminhar quase que sem destino e separadas por, pelo menos, uns quatro metros de puro silêncio. Luana avistava Giovanna, que, conforme combinado no dia anterior, a aguardava em frente ao portão da escola.

Ao chegar perto de Giovanna, Luana mantinha o silêncio até que Gisele passasse pelas duas.
- O que houve, Luana?
Perguntava Giovanna.
- Estava esperando Gisele passar.
- Ah! Aquela é a Gisele?
- Ela mesma.
- Hum...
- Ela me abordou ainda pouco.
- Para quê?
- Para me pedir desculpas. Dá para acreditar?
- Não!
- Pois é. Estou desconfiada, mas, acima de tudo, confusa.
- Eu também ficaria. Mas que audácia!
- O pior você não sabe.
- O quê, Luana?
- Ela disse que “queria ser eu”.
- Como assim?
- Ela está completamente desorientada, coitada.
- Coitada?
- Giovanna, você acredita que o Rômulo esteve na casa dela e a forçou a “consertar” tudo o que ela fez?
- Você ligou para o Rômulo, para confirmar?
- Não. Ela me disse isso faz alguns minutos, ora. E outra: não quero falar com Rômulo.
- Mas menina, se ele fez isso é porque gosta de ti, não?
- Não sei, Giovanna. Vejo que, mesmo contra minha vontade, terei, sim, de ligar para o Rômulo. Farei isso quando chegar em casa.
- OK. Mas me diga, como entrará na escola? Ligaram para os seus pais? Você não me ligou, Luana. Fiquei preocupada!
- Desculpe, amiga. Ligaram sim. A diretora quer conversar comigo. Outra hora eu lhe conto os detalhes.

Naquele exato momento, Dra. Leda chegava à escola. Ao avistar Luana e Giovanna ainda do lado de fora, dirigia-se até as duas meninas.
- Vocês duas, não vão entrar? Já vai bater o sinal, meninas.
- Sim, senhora.
Diziam as duas.
- Dra. Leda!
Chamava Luana.
- Pois não.
- A nossa conversa está de pé? Eu sou a Luana.
- Ah! Sim! Nossa! Na foto de sua ficha você está tão diferente, Luana. Parece um bebê! Bem, vamos adiantar logo isso. Vem comigo. Vamos para a minha sala, sim?
- Sim, senhora.

Luana olhava firme para Giovanna, que dizia:
- Vai lá, amiga. Boa sorte com a diretora!
- Obrigada, Giovanna!

Chegando à sala da Dra. Leda, Gisele se encontrava de pé, frente à porta. “Mas o que ela quer agora, meu Deus?”, perguntava-se Luana. Gisele carregava um semblante preocupado, bem diferente do que costumava carregar – tão cheio de confiança em si mesma.
- Está me esperando?
Perguntava Dra. Leda à Gisele.
- Sim, estou.
- É muito importante? Se não for, vá para a sala de aula. Já vai bater o sinal. E eu preciso conversar com a...
- Luana! É sobre a Luana mesmo que quero falar, diretora.
- Mas...
- Quero dizer que a tapa que Luana deu em Manoela foi por minha culpa!
- Ora, meu Deus, entrem as duas, andem!
Ordenava Dra. Leda.

Na sala, Gisele contava toda a cena da manhã anterior. Gisele não demonstrava nenhum tipo de bloqueio ao reconstituir as obscenidades cruéis dirigidas à Luana. Em meio a toda aquela confissão, Gisele chorava. Parecia não chorar por vergonha ou sentimento parecido, mas por ter dentro de si o gosto de uma derrota que parecia prometer um amargo por tempos incalculáveis.

Luana, calada, assistia a tudo. Não emitia palavra. Dra. Leda, psicóloga, parecia avaliar o comportamento de Gisele. Luana pedia a Deus que Gisele não dissesse frase que, poucos segundos após sua súplica, ouviria:
- Diretora – dizia Gisele aos prantos –, eu queria ser ela! Queria ser Luana!
- Mas o que é isso, menina? Não se deve querer ser outra pessoa!
- É que eu quero ter o que ela tem, diretora. Eu...
- Pare, pare, pare!... Luana – interrompia Dra. Leda –, olha, vai assistir sua aula, vai. Acho que você é apenas a ponta do iceberg. Preciso conversar seriamente com Gisele.
- Mas a senhora não acha que Manoela cobrará de ti uma punição a mim?
- Eu determino quem merece punição aqui, Luana. Fique tranquila, sim? Agora vá.

Luana olhou para Gisele aos prantos e, sem entender seu próprio gesto, pois a mão sobre a cabeça da outra e disse:
- Vai ficar tudo bem, Gisele. Fique calma.

* * *
Naquele dia, Luana assistia às aulas apenas com a vista, pois a mente estava longe – mais precisamente onde não queria estar: em Rômulo.

Manoela não aparecera na escola, o que tornava o dia de Luana um pouco menos desagradável.

Antes da volta para casa, Luana contava o ocorrido para Giovanna.
- Credo – dizia Giovanna.
- Pois é. Senti pena de Gisele.
- Está louca?
- Louca? Eu? Louca está ela! Você precisava ver, Giovanna. A visita de Rômulo a ela não a fez nada bem.
- Que loucura.
- E por falar nisso, preciso ligar para Rômulo, assim que chegar em casa.
- Hum... Sei...
- Para, Giovanna. Não é o que está pensando.
- OK. Mais tarde você me diz.
- Boba.

Ao chegar em casa, Celeste perguntava à Luana sobre a conversa com a Dra. Leda.
- E então, como foi? O que você disse?
- Não disse nada.
- Como assim, minha filha?
- Eu lhe explico melhor depois, Celeste. O que importa é que está, aparentemente, tudo bem.
- Louvado seja Deus.
Dizia a empregada.

Parte II:

Luana subia até seu quarto. A cada degrau da escada, pedia que Rômulo já estivesse chegado em casa. Estranhava e lutava contra sua própria euforia em vão. O pulsar de seu coraçãozinho por Rômulo era maior que toda aquela confusão. Gisele, Manoela, tudo parecia inexistir a partir do momento em que colocava Rômulo na cabeça.

- Oi Mimi, que saudade!
Abraçava a gatinha.
Pegava o telefone, discava e, sem pensar ainda nas palavras, escutava o telefone a chamar. Ele atendia:
- Alô.
Era a voz desanimada de Rômulo.
- Oi. Sou eu...
- Luana! Que surpresa!
- Tudo bem?
- Até então, não! Mas está ótimo agora!
- Preciso lhe perguntar uma coisa.
- Diga.
- O que você foi fazer na casa da Gisele, ontem, quando saiu daqui?
- Ora, pelo visto já ficou sabendo! Bem, fui tentar fazer com que ela consertasse todo o estrago que nos causou. Por quê?
- Porque, hoje, a Gisele...
E, então, Luana contava tudo a Rômulo.
- Meu Deus, Luana. Ela está louca!
- A coisa parece séria, Rômulo. Tive pena.
- Luana, esquece a Gisele! Vamos pensar em nós!
- Não sei, Rômulo. Preciso de um tempo para assimilar tudo isso!
- Assimilar o quê, Luana? Assimilar que eu te amo? Assimilar que tudo não passou de uma provocação de Gisele, aquela maluca? Ela mesma te confirmou isso! Afinal, você nunca se sentiu provocada por alguém? Nunca se sentiu fraca diante de alguém? Responda!
Luana pausava por uns segundos e:
- Sim, Rômulo. Já.

Rômulo, embora esperasse uma resposta positiva, a fim de justificar seu erro passado, ficava gelado ao ouvir aquele “sim”.
- Você disse “sim”, Luana?
- Sim. Disse “sim”.
- Eu posso saber por quem?
- Não fará diferença. Passou já.
- Mas você...
- Não, Rômulo. Diferente de você, eu não me entreguei.
- Mas omitiu a história.
- Como você também omitiu, não é mesmo? Omitiu uma história muito mais grave.
- Grave por conta do beijo?
- Sim, claro.
- E o que difere o meu beijo em Gisele do seu desejo de beijar essa tal pessoa que lhe atraiu?
- Exatamente o beijo.
- Luana, você só não o beijou por pura ineficiência dessa pessoa.
“Rômulo tem razão”, pensava Luana.
- Quer dizer que somos assim tão vulneráveis?
- Quero dizer que somos seres humanos, Luana! E seres humanos, assim como se sentem atraídos por pessoas do sexo oposto, também erram..
- Erram em omitir tal atração?
- Exatamente!
- Então, não quero mais errar! Há uma atração que não quero omitir, Rômulo.
- Qual, Luana?
- A que sinto por ti agora, nesse momento!
- Ah, Luana...
- Vem me ver!
- Agora! Mas e as regras de seu pai? “Somente nos fins de semana”, você se lembra?
- Nem que você passe aqui no meu portão para me dar um beijo. Só isso.
- Estou indo.

Como combinado, Rômulo “pousava” no portão de Luana e, sem dizer palavra, beijava-a como se o título de ex-namorado ruísse depois de cem anos.
- Promete uma coisa?
Perguntava Luana.
- O que você quiser, Luana!
- Daqui para frente, sem omissões?
- Sem omissões!
- Apenas verdades?
- Apenas você e eu, meu amor! A mais verdadeira das verdades!

O casal se beijava sob os olhares de Celeste, que sorria ao concluir que tudo estava realmente bem.

Longe dali, Gisele implorava à mãe, numa quase loucura, para que a trocasse de escola. A verdade nua e crua a respeito do desejo e adoração de Rômulo por Luana a fizera cair num surto que acabava por infernizar toda a família. Não queria, por nem mais um dia, rever a figura de Luana. A figura que queria ser.

Manoela, que não aparecera na escola naquela manhã, dividia, em algum local, um cigarro de maconha com seu amigo Denis.
- Lembra daquela fedelha lá da rua, a Luana?
Dizia Manoela.
- Sim, claro. Por pouco não tracei.
- Pois é. Me deu uma tapa!
- Que isso!? E você?
- Ah! Foda-se. Porra, eu estava esculachando a garota também, Denis. Depois te conto a história. No lugar dela, eu acho que faria o mesmo. Sabe que gostei da atitude dela, pensando bem?
- Ih!
- É! E você já pensou se eu parto para cima dela? Não ia sobrar nada!
- Coitada. Você fez bem. Deixe-a pra lá. Você não presta mesmo, que eu sei.
- É! Ei, passa isso para cá! Vai fumar sozinho?
Manoela era um “caso perdido”.

* * *
À noite, Patrícia procurava por Luana, que estava deitada em seu quarto, tranquila, ouvindo um CD do Joey Ramone.
- Luana?
- Oi.
- Posso entrar?
- Claro.
- E aí? Como foi com a diretora?
- Foi tudo bem, mas...
Luana contava tudo à Patrícia, que, após, dizia:
- Olha, Luana, fico feliz que tenha terminado tudo – em termos – bem. Mas espero que tenha entendido, Luana, o que uma simples omissão pode nos trazer de mal. Entre você e Rômulo não deve existir meias verdades, minha filha. Ele tem que entender isso também. Vocês são muito novos, mas já que se gostam tanto, precisam ser confidentes!
- Sim. Foi o que prometemos um ao outro. Mas sabe o que me deixa triste?
- O quê?
- Ter escondido isso de papai.
- Deixe que com o seu pai eu resolvo. Contarei a ele, mas de um jeito certo.
- Eu te amo tanto, Patrícia.
- Eu também, Luana. Mas prometa que daqui para frente...
- Prometo! Apenas verdades!
- Isso aí. Agora me dá um abraço forte.

As duas se abraçavam. A janela aberta do quarto de Luana mostrava, como uma espécie de fundo, uma noite de céu limpo. Mimi, que dormia sobre a cômoda da menina, tinha seus pelos levemente balançados pela brisa que, no momento daquele abraço, invadia o quarto como se os deuses trouxessem novos ares para Luana. Ela agradecia.

[Fim]

* * *
Foto da Capa: Ana Claudia Temerozo.
Mais histórias sobre Luana em
Luana, Duas, O Natal de Luana, Gisele e Janeiro Meu.

quinta-feira, 19 de março de 2009

VERDADES DE LUANA VI

No dia seguinte, terça-feira, Luana acordava com um frio na barriga. No intervalo das aulas, como combinado, teria uma séria conversa com a diretora da escola, a Dra. Leda. Mas e até lá? Não tinha noção de como seria a recepção por parte de Manoela e Gisele.

Tomara seu café da manhã com o pai e a madrasta. Esta última, sem dizer nada, tinha no olhar um ar de “tudo dará certo” e, ao mesmo tempo, sorria para a menina, que se sentia cada vez mais confiante.

Ao se despedir, Patrícia chegava até o ouvido de Luana e:
- Qualquer coisa, me ligue!
- Pode deixar...
Respondia Luana a disfarçar.

A sós, Celeste e Luana trocavam palavras.
- Luana, veja bem o que vai falar à diretora, hein.
- Pode deixar, Celeste. Direi a verdade. Apenas a verdade.
- Deus te proteja, minha filha – dizia a empregada olhando para o céu.

Ao fechar o portão de sua casa, Luana era surpreendida com um puxão em seu braço.
- Ah!?
Espantava-se Luana.
- Calma, sou eu!
Para o desprazer de Luana, era Gisele.
- O que você quer? Solte-me!
- Está bem, desculpa. É que eu preciso falar com você?
- Falar o quê, Gisele? Já não acha que estou encrencada demais?
- Escute-me. O Rômulo esteve lá em casa ontem.
- Ah – dizia Luana com nítida raiva –, normal, não é?
- Não é o que você está pensando, Luana.
- E o que é, então?
- Ele exigiu que eu consertasse toda essa confusão e...
- Mas que confusão? – ironizava Luana – Não existe confusão. Existem verdades.
- Olha, você precisa me ouvir, Luana.
- Que engraçado, Gisele. Primeiramente: eu não me lembro de ter lhe informado o meu endereço. Segundo: ontem, você e Manoela me humilharam com toda aquela conversa e, hoje, você quer que eu lhe ouça? Ouvir o quê? Mais detalhes sobre o Natal? É isso?
- NÂO!
Luana se assustava com o tom alto de Gisele, que continuava:
- Estou aqui para lhe pedir desculpas.
- !!!
- É isso mesmo, Luana. Somente ontem, diante da atitude de Rômulo, lá em casa, percebi o que estava claro todo o tempo: Rômulo não é e nunca será meu.

Luana não sabia, mas Gisele passara a noite em claro. Imaginara as drásticas consequências se Rômulo resolvesse mostrar a quantidade de calcinhas deixadas por ela na gaveta do rapaz. A partir daí, Gisele não tinha escolhas. Após concluir que nada tiraria Luana do pensamento do primo, decidia seguir as palavras ameaçadoras de Rômulo. Consertaria toda aquela confusão.

- Mas o que Rômulo fez, afinal?
Perguntava Luana.
- Foi rude e grosso o bastante para que eu repensasse em tudo o que ocorreu. Passei a noite a refletir e cheguei à conclusão de que você nada tem a ver com o meu sofrer.
- E por que sofres?
- Eu o amo, está entendendo? Eu amo o Rômulo! Sempre amei! Desde muito nova o amei.
- Hum...
Luana não sabia o que dizer. A sinceridade de Gisele lhe causava estranheza, desconfiança, medo e, acima de tudo, pena.
- Você não tem noção das coisas que fiz para conquistá-lo. Aí vem você... Você! Tão... Tão...
- Tão?
- Desculpe-me, Luana, mas não vejo nada em você que possa despertar aquela adoração de Rômulo.
Confessava Gisele, com os olhos cheios de lágrimas. Continuava:
- O que é que você tem, Luana? O que é que você tem que eu não tenho?! Eu... Eu queria tanto ser... Ser você.
- Eu não sei onde você quer chegar, Gisele!
- O Rômulo te ama, Luana! Dá pra entender? O Rômulo te ama! Tudo aquilo que ocorreu no Natal foi por minha culpa! Ele cedeu, sim, mas não foi de alma, entende?
- Não entendo como uma pessoa possa “ceder” sem alma.
- Foi corpo, Luana! Apenas corpo! A alma de Rômulo é sua! Deu para entender?

Luana fazia silêncio. Refletia. Tentava entender. Tentava se colocar no lugar de Rômulo. Imediatamente lhe vinha à mente o mês de janeiro e toda aquela atração que sentira por Denis [vide Janeiro Meu]. Luana passava então a entender o que poderia ter levado Rômulo a beijar Gisele. Como se descobrisse, naquele momento, um segredo do ser humano, Luana concluía que não beijara Denis por puro desvio de destino. Luana revivia em poucos segundos aquele imã que lhe puxara a Denis.

- Eu o provoquei, Luana. E ele cedeu, mas não parava de falar o seu nome.
- Olha, Gisele, se o que você quer é que eu volte para o Rômulo, esqueça.
- Mas é que estou me sentindo muito culpada, Luana.
- Azar o seu, Gisele. Eu não estou. E, se me der licença, eu preciso ir para a escola.
- Você não entende? Se você e Rômulo não reatarem... Sei lá... Eu não sei o que Rômulo é capaz de fazer comigo.
- Diga a ele que... Que você tentou, mas não funcionou. Tchau.
Luana seguia para o ponto de ônibus. Gisele ia atrás.

Durante todo o percurso, Gisele atormentava o juízo de Luana, que, por sua vez, não entendia aquela mudança de comportamento da outra. Gisele queria ir do diabo ao anjo em menos de vinte e quatro horas! Luana se confundia com tanta informação. Queria se concentrar na conversa que teria com a Dra. Leda, mas não conseguia sob a tagarelice de Gisele.
- Gisele, escuta uma coisa: eu não quero pensar no Rômulo! Deixe-me em paz, por favor!
- Olha, Luana, eu era para me sentir a menina mais feliz do mundo, diante dessa sua frase. Mas, definitivamente, o Rômulo é seu! Pene nisso!

Gisele, séria e aparentemente preocupada, deslocava-se para um assento mais distante de Luana, que, completamente confusa, danava a pensar. Luana observava Gisele enquanto a frase “...não vejo nada em você que possa despertar aquela adoração de Rômulo” martelava em sua cabeça. Por alguns segundos, como se fosse um homem, como se fosse Rômulo, tentou analisar a beleza de Gisele.

Ora, não precisava ser homem, heterossexual, para concluir que Gisele era uma beldade. Maléfica, sim, mas uma beldade. Luana olhava o reflexo de si mesma, produzido pela janela do ônibus, e outra frase de Gisele lhe vinha. “O que é que você tem, Luana? O que é que você tem que eu não tenho?! Eu... Eu queria tanto ser... Ser você”. “Ser você”. “Você”. “Você”. Nunca ninguém lhe dissera tal coisa. Luana deixava escorrer um fio de lágrima.

[Continua]

* * *
Foto da Capa: Ana Claudia Temerozo.
Mais histórias sobre Luana em Luana, Duas, O Natal de Luana, Gisele e Janeiro Meu.

segunda-feira, 16 de março de 2009

VERDADES DE LUANA V

Naquela tarde, ao sair da casa de Luana, Rômulo ia direto à casa de Gisele. Embora estivesse, no momento, se sentindo sem chão, ou melhor: sem rumo, tinha o reflexo de procurar a prima causadora de tal confusão. A tristeza resultante do término de seu namoro ia dando lugar a uma raiva incontrolável. “Gisele fora longe demais”, pensava Rômulo.

Rômulo tocava a campainha da casa de Gisele com força, como se o botão, ao ser violentamente pressionado, fosse capaz de trazê-la aos chutes até a porta. Respirava ofegante. Estava fora de controle.
- Priminho!
Atendia à porta uma Gisele risonha, quase nua. Um short que poderia ser classificado como calcinha jeans e uma blusa de malha fina sem gola ou mangas. Qualquer rapaz naquela idade estremeceria diante da tentação em forma de menina. Porém, Rômulo nem se deu conta de tamanha provocação. Avançava no pescoço de Gisele com força.
- Escuta aqui, sua...
- Você está me machucando, Rômulo!
- Ótimo! Acho que precisamos conversar, não?
- Do que está falando?
- Não se faça de besta, Gisele – dizia Rômulo apertando ainda mais o pescoço da prima.
- Ah... ah...
Gisele ficava sem ar. Rômulo a soltava.
- SEU MONSTRO!
- Eu sou o monstro, Gisele? Você tem noção do que você fez? O que foi que você falou para Luana, sua...
- Eu não disse nada a ela! Se você resolveu se acusar, o problema é seu!
- Eu não tive escolha, Gisele. Eu preferi sacrificar o meu namoro a ela ouvir uma versão sua para toda aquela palhaçada no Natal.
- Ah! Palhaçada? Beijar-me daquela forma e alisar minhas pernas agora se chama palhaçada? Mudou de nome, porque, até onde eu saiba, aquilo se chama safadeza!
- Não me force a fazer em você o que Luana fez na sua amiguinha, Gisele!
- Ué? Onde está aquele pianista intelectual e paciente da família? Vai perder a cabeça, vai? Perde de vez e faz comigo o que eu sei que você quer!
- Você é louca, Gisele! Como é capaz? Luana está arrasada e encrencada na escola! Meu namoro terminado! O que mais você quer?
- Quero você! Sabe disso!
- Louca! Acho bom você pensar numa forma de consertar a merda que fez! Caso contrário, venho aqui e conto para os seus pais tudo o que vem aprontando, sua...
- Sua o quê? Vai, fala!
- Sua vagabunda!
Gisele levava a mão com força até o rosto de Rômulo, que, num reflexo incrível, segurava-a pelo pulso antes que o acertasse.
- Solta o meu pulso, Rômulo! Está me machucando!
- Tente mais uma vez e saberá o que significa o verbo machucar!
- Isso não vai ficar assim... Eu vou falar com seu pai, Rômulo. Eu...
- Fala. Vai ser muito interessante colocar suas atitudes esdrúxulas à mesa de nossa família!
- Ridículo!
- Ah! E vá vestir uma roupa decente! – dizia Rômulo ao arremessá-la no chão. – Quem lhe vê atender a porta imagina um bordel, não uma casa de família!
- ...
- Não se esqueça, Gisele! Conserte a merda que fez! Você tem vinte e quatro horas! Tchau!

Gisele via o primo se distanciar. Sentia a seriedade das palavras de Rômulo. Nunca tivera ideia do que aconteceria caso seus pais soubessem das dezenas de calcinhas deixadas na gaveta do primo, das visitinhas ao quarto do rapaz... Pela primeira vez pensava na cova que cavara para si mesma ao atrapalhar o namoro de Luana. No fundo já tinha ciência de que Rômulo jamais seria seu. Muito menos agora. Por último, lhe invadia uma admiração – ainda maior – por Rômulo. A maneira como o rapaz defendeu o seu amor a fazia querer, diante da mais cruel inveja, ser Luana.

Rômulo chegava em casa em pedaços. Analisava se fora muito rude com Gisele, mas, em poucos segundos de meditação, concluía que não. Gisele precisava, sim, de um freio.

* * *
Após o jantar, Patrícia seguia com Luana até o quarto da última. A menina subia a escada sob o abraço da madrasta. Pegava forte na mão de Patrícia, que, sem dizer palavra, deixava um beijo singelo na testa da enteada.

Chegando ao quarto, Luana abria a janela; deixava a brisa lhe acariciar o rosto e, então, sentava-se à cama. Patrícia ficava de pé.
- O que realmente aconteceu, Luana?
- Ai, eu não sei por onde começar.
- Comece do começo, ora.
- Bem, vamos lá...
Luana, então, contava tudo à madrasta. E, sem perceber – tamanha era a confiança depositada em Patrícia naquele momento –, acabava contando também o episódio da escola. Patrícia ouvia tudo calada e boquiaberta. Até que:
- Mas Luana! Como você foi capaz?
- Patrícia! O que você faria se ao invés de mim, fosse você? E ao invés de Rômulo, fosse papai?
Patrícia pausava por uns segundos e:
- Eu não sei, Luana. Dessas coisas só se sabem vivendo e...
- Pois é! E eu vivi! Ou melhor: morri!
- Não fala isso, Luana.
- Não sei mais o que fazer, Patrícia! Em relação à escola, amanhã conversarei com a Dra. Leda. Tentarei consertar as coisas. Quero poupar meu pai, entende? Não acho que meus problemas de adolescente devam aterrissar sobre a cabeça adulta e cheia de assuntos sérios de papai.
- Mas você, Luana, é assunto sério para seu pai. E para mim também, ora essa.
- Eu sei.
- Nada justifica o que você fez. Onde está aquela Luana inteligente? Que pensa e que nos ganha com suas palavras sempre bem usadas? Não se resolve nada com a força, minha filha.
- Eu sei. Sinto-me envergonhada por isso.
- Olha, isso será um segredo nosso. Eu espero que consiga resolver-se com a diretora. Caso contrário, saiba que estamos aqui, seu pai e eu! Entendeu?
- Claro. Obrigada por me ouvir.
- Não precisa agradecer. Ouvir seus problemas é uma obrigação minha!
- Eu te amo.
- Seu pai e eu também te amamos muito, querida. Ah! E sobre o Rômulo...
- Diga.
- Dê um tempo. Deixe o mar se acalmar. Quando o horizonte se mostrar sereno e as nuvens negras abrirem espaço para um céu lindo e azul, sente-se com ele sobre as areias claras e conversem.

[Continua]

* * *
Foto da Capa: Ana Claudia Temerozo.
Mais histórias sobre Luana em Luana, Duas, O Natal de Luana, Gisele e Janeiro Meu.

quarta-feira, 11 de março de 2009

VERDADES DE LUANA IV

Durante toda aquela tarde, Luana apenas chorou e refletiu. Se já não bastasse todo aquele problema com o Rômulo, a diretora de sua escola ainda teria uma séria conversa com seus pais – logicamente sobre a agressão feita à Manoela. Tentava em vão anular um dos problemas de sua mente, mas eles martelavam forte fazendo-a, por vezes, sentir-se à beira da loucura. Luana precisava pensar numa maneira de sair de tamanha encrenca. Mas como?

Quando se dava conta, as luzes dos postes já iluminavam parcialmente o seu triste quarto. Aquela tarde já se despedira como quem diz “espero que de tudo certo, Luana” e uma noite de ventos fortes parecia já trazer soluções. Luana tinha uma relação interessante com o clima. Ao abrir a janela, dependendo do que a recebia – o sol, a chuva, os ventos... –, a menina tendia a meditar sobre suas questões mais íntimas. A brisa fria ondulava os cabelos de Luana; fazia-a fechar os olhos e penetrar-se no fundo de si mesma, na incansável busca da plena compreensão dos fatos.

Em breve, Marcos e Patrícia chegariam do trabalho. Celeste daria o recado da escola e...
- Celeste!
Dizia Luana ao chegar à cozinha em passos rápidos.
- Oi, minha filha, ainda choras?
- Já passa.
- Mas vejo que choras desde cedo, Luana!
- Bem, esquece isso. Você poderia me fazer um favor?
- Qual?
- Queria que não desse o recado da escola ao papai.
- Não posso fazer isso, Luana!
- Por favor, Celeste!
- Não! Seu pai não iria gostar nada disso, quando descobrisse!
- Mas é que eu preciso de tempo, Celeste! Quero resolver sozinha, entende?
- Ora, Luana – pausava um instante Celeste –, por que você não liga para a diretora e conversa você mesma com ela?
Luana pensava na ideia de Celeste e:
- Será?
- Custa tentar? Você sempre foi uma ótima aluna, Luana, o que não justifica a sua agressão, mas lhe dará créditos na hora de se explicar para a diretora, não acha?
- Acho que você tem razão, Celeste. Ligarei agora!
- Tomara que ainda a ache na escola.
- Sim! Muito obrigada, Celeste! Você é o meu anjo!

Luana saía em disparada até o telefone da sala; discava o número de sua escola e:
- Alô.
- Eu gostaria de falar com a Dra. Leda.
- Quem deseja?
- Diga que é a Luana. Sou aluna daí.
- Sei...
Dizia a secretária imaginando que seria a mesma Luana referente ao recado dado pela manhã.
- Ela ainda está na escola?
- Estava de saída. É importante?
- Muito!
- Espere.
Aqueles trinta segundos que Luana esperava pareciam trinta anos. Até que:
- Ela vai lhe atender.
- Obrigada.

- Pois não.
Dizia a diretora.
- Boa noite, Dra. Leda.
- Boa noite. Primeiramente: és a mesma Luana da confusão de hoje cedo?
- Sim, diretora. Eu...
- Minha filha, eu desejo conversar seriamente com os seus pais, não com você.
- Apenas me escute, Dra. Leda.
- OK. Seja breve, por favor.
- Eu sei que errei. Não deveria ter feito o que fiz. Nem a agressão e nem a fuga.
- Foi muito grave o que fez, Luana.
- Eu gostaria de, amanhã, logo pela manhã, conversar com a senhora. Por favor, poupe meus pais desse problema.
- Olha... – a diretora fazia uma breve pausa –
Eu estive vendo o seu histórico e constatei que você é uma das nossas melhores alunas. Conversei com alguns de seus professores do ano passado – que ficaram abismados com a sua atitude – e todos a elogiaram muito. Sinceramente eu não entendi o que houve. Devo lhe informar que a menina agredida já apresentou uma versão para o caso.
- Eu posso explicar tudo! Não quero que me dê razão. Apenas quero que entenda o que me levou a tal atitude.
- Tudo bem, Luana. Estarei lhe esperando na minha sala. Apareça durante o intervalo.
- Combinado, Dra. Leda. Muito obrigada!
- Espero que seja convincente. Caso contrário, seus pais serão chamados. OK?
- OK.

* * *
Marcos e Patrícia chegavam em casa e encontravam Celeste e Luana estampadas pela omissão. Pareciam esconder algo. Marcos percebia rapidamente. Conhecia Luana como ninguém. Os olhos inchados da menina a forçavam a confessar parte de toda aquela história.
- Terminou com o Rômulo? Mas o que foi que houve, minha filha?
Perguntava o pai.
- Ah, pai. Não quero entrar em detalhe, por favor. Apenas não deu certo. Só isso.
- Sei.
Dizia Marcos olhando para Patrícia, madrasta de Luana. O olhar dizia “depois converse com Luana, por favor”. Patrícia entendia e chegava até a menina com um gesto carinhoso que tinha: o de fazer cafuné. Dizia ao pé do ouvido:
- Vamos jantar e depois conversamos, como sempre, pode ser?
Luana balançava a cabeça dizendo “sim”.

[Continua]

* * *
Foto da Capa: Ana Claudia Temerozo.
Mais histórias sobre Luana em
Luana, Duas, O Natal de Luana, Gisele e Janeiro Meu.

segunda-feira, 9 de março de 2009

VERDADES DE LUANA III

Assim que Rômulo chegava à casa de Luana, Celeste, numa espécie de espanto, abria a porta já olhando de forma estranha ao rapaz. Rômulo, já imaginando que Celeste tinha conhecimento de pelo menos parte da história, corava-se. Numa frase rápida e sem olhar fixo, soltava:
- A Luana está?
- Sim, mas, pelo que sei, não é dia de se verem, não é?
- Não, não é mesmo. Mas é que preciso falar com Luana. É importante. Ela me espera.
- Imaginava. – dizia Celeste com ar de reprovação.

Ao entrar na cozinha, Rômulo encontrava Mimi sobre a mesinha de centro da sala. Aquela gatinha parecia sentir o que Luana sentia. Olhava fixamente para Rômulo e emitia um miado longo e sonolento.
- LUANA – gritava Celeste –, RÔMULO ESTÁ AQUI!
- Já vou....
- Sente-se, Rômulo. Já almoçou?
- Já sim, Celeste. Obrigado.
Rômulo sentava-se e esperava por uma Luana que descia as escadas lentamente. No peito do rapaz, um medo voraz. Seu coração batia fortemente no triplo da velocidade do caminhar da namorada à sua direção.

Luana sentava-se no sofá, bem ao lado de Rômulo. Não diziam palavra. Luana simplesmente desabava aos prantos sobre o ombro do namorado.
- Calma, Luana. O que foi que houve?
- O que foi que você fez, Rômulo? O que foi? – dizia às lágrimas.
- Mas como assim, Luana?
- A sua prima, Rômulo! A Gisele! Ela, eu sei lá o porquê, está na minha classe! Ela me disse coisas em pedaços, mas que pareciam ser horríveis. Eram coisas sobre o Natal. Sobre o momento que eu não mais estava lá. O que você tem para me dizer, Rômulo?
- Bem. Eu devo confessar que omiti, sim, essa história, mas... Prefiro que saiba disso por mim.
- Eu também prefiro. Conte-me, por favor!

Rômulo, num temor terrível, gaguejava nas primeiras palavras. Não sabia por onde começar. Se pela sua própria fraqueza ou se pela malícia de Gisele. Aos poucos, o rapaz ia contando – sem entrar em detalhes que só fariam a pobre Luana sofrer ainda mais – todo o ocorrido. A cada frase rumo ao final da história, lágrimas de tristeza e raiva desciam como cachoeira sobre o rosto alvo da menina. A essa altura, Celeste estava longe. Procurara o que fazer no quintal da casa.
- Meu Deus, Rômulo! Como você foi capaz?
- Eu não queria, Luana! Eu juro!
- Como não? Você acaba de me dizer que a beijou! Como se beija sem querer? Como?
- Ela me provocou, Luana!
- Sem essa, Rômulo, por favor! Como faço agora? Sabe o que eu fiz?
- O quê?
- Ao ver Gisele e Manoela – outra menina insuportável que só quer o meu mal – zombando da minha cara por conta dessa história louca, acertei uma tapa no rosto da última!
- Mas... Por que fez isso, Luana?
- Porque não agüentei! Estava morrendo de raiva diante de tudo aquilo. Uma história que envolvia a minha infelicidade, nas bocas daquelas duas!
- Mas... Você pode ser expulsa, Luana!
- Eu sei! Mas isso não vem ao caso, Rômulo.
- E o que vem?
- Você e eu. Está tudo acabado, Rômulo.
- Luana, você está se precipitando!
- Não, não estou.
- Mas eu te amo!
- Como me ama? Beijando aquela sua prima oferecida, Rômulo?
- Foi uma fraqueza! Depois daquilo eu vim até aqui e disse o quanto te amo, lembra?
- Lembro! O que faz de sua atitude ainda mais nojenta!

Rômulo se viu forçado a pausar seus argumentos. Não tinha mais nada a dizer. Não conseguiria, não naquele momento, convencer Luana de seus reais sentimentos. A menina era um misto de preocupações. Manoela, Gisele, Rômulo, sua situação na escola... Por fim, vinha frase que Rômulo já esperava:
- Por favor, Rômulo, vá embora.
Com lágrimas nos olhos:
- Sim, Luana. Como quiser. A gente se fala?
- Dê-me um tempo, sim? Por enquanto, não quero mais lhe ver ou sequer ouvir sua voz.
- OK. Adeus.
Luana não respondia. Permanecia de cabeça baixa.

Rômulo cruzava o portão e nem sequer despedia-se de Celeste. Estava ainda mais branco que já era. Os passos do rapaz eram vagarosos e sem destino. Caminhava por aquela rua a pensar que poderia ser a última vez que por ali passasse.

Dentro de casa, Luana era rios. Seu acento naquele sofá já se encontrava coberto de gotas que não cessavam. O telefone tocava e Celeste entrava correndo. Antes de atender:
- Luana, minha filha, pare de chorar.
E, então, atendia ao telefone:
- Alô.
- Quem fala?
- Celeste.
- É da casa da Luana?
- Sim, mas...
Celeste já diria que a menina não estava em condições de falar com ninguém.
- OK. O Sr. Marcos ou a Sra. Patrícia estão?
- Não. De onde fala?
- É da escola onde Luana estuda. Passe um recado para os dois, por gentileza?
- Claro.
- Peça que um dos dois ou até mesmo os dois compareçam à escola e procure pela diretora, a Dra. Leda, para uma conversa.
Celeste já imaginava o motivo e:
- Tudo bem. Eu dou o recado.
- Obrigada.
- Por nada.

Luana nem prestara a atenção na conversa de Celeste ao telefone. Continuava cabisbaixa e chorando.
- Luana – dizia Celeste –, ligaram da escola.
Luana só faltava pular do sofá:
- Meu Deus! O que eles queriam?
- Conversar com seus pais, minha filha.
Luana trocava o rosto triste por um aflito. Os olhos, ainda inchados, nunca estiveram tão arregalados. Pensava: “Estou perdida”.

[Continua]

* * *
Foto da Capa: Ana Claudia Temerozo.
Mais histórias sobre Luana em Luana, Duas, O Natal de Luana, Gisele e Janeiro Meu.

quinta-feira, 5 de março de 2009

VERDADES DE LUANA II

Após respirar um pouco, Luana contava à amiga o real motivo daquela fuga pelo muro da escola. Giovanna, antes mesmo de ouvir qualquer palavra, já se encontrava boquiaberta e com os olhos arregalados. Jamais esperara tal atitude de Luana. Fugir da escola? Nunca!

Luana não deixava nenhum detalhe escapar. Contava tudo! Sobre o Natal e sobre Gisele.
- Giovanna, tem algo de muito errado nessa história.
- Mas o quê?
- Gisele não me disse exatamente o que aconteceu naquele Natal, mas pelas dicas que ela deu, não foi nada bom. Quer dizer, nada bom para mim!
- Meu Deus, sabe o que eu estou pensando?
- O que, Giovanna?
- Seu ano letivo não será nada agradável com Gisele e Manoela juntas. Ainda mais depois dessa tapa que você acertou na Manoela. Menina, o que deu em você? Agressão?
- Sei lá, Giovanna. Acho que essa bofetada estava guardada há muito tempo. Estou morrendo de vergonha, mas...
- Posso imaginar. E o que você pensa em fazer agora?
- Não sei. Se a Manoela for à direção da escola eu posso ser expulsa.
- Será?
- Acho que sim. Papai. O que papai dirá? Meu Deus... Sinto que fiz uma grande besteira.
- Sinto muito, Luana, mas eu também acho.

Luana e Giovanna perderam horas sentadas naquela praça. Luana já estava confusa o bastante com toda aquela história de Gisele sobre Rômulo. E agora, precisava pensar no que fazer a respeito da agressão à Manoela.
- Giovanna, você acha mesmo que o Rômulo teria coragem de me enganar?
- Poxa, Luana, é você quem tem que saber, não?
- Sim, mas eu estou tão dividida. Não posso dar ouvidos à Gisele, mas, por outro lado, não posso acreditar cegamente em tudo o que Rômulo me disser. E se Gisele tiver razão? Meu Deus, que vergonha. Você precisava ver, Giovanna, como Gisele contava o fato à Manoela! Ela não tem noção alguma!
- Acha que o que aconteceu foi grave?
- Acho. Se algo aconteceu, foi grave, sim, amiga.
- Nossa. Tem noção do quê?
- Noção eu tenho, mas não quero acreditar, Giovanna.

Mais ou menos no horário de saída da escola, Luana e Giovanna seguiam cada uma para a sua casa, mas antes:
- Fique firme, Luana. Estarei por perto para qualquer coisa.
- Obrigada, Giovanna.
- Vamos entrar juntas amanhã?
- Sim, claro. Quem chegar primeiro, espera em frente ao portão da escola.
- OK!

* * *
Luana chegava em casa com os olhos enormes de tanto chorar pelo caminho. Celeste, a empregada, notava o rostinho de Luana e se espantava.
- Menina, o que houve? Você estava chorando?
- Ai, Celeste. Eu estou frita!
Luana desabava.
- Mas me diga o que aconteceu, Luana!

A menina, aos soluços, contava tudo à Celeste, que dividia a atenção com o almoço no fogo. Celeste fazia caras de espanto a cada frase de Luana. Na certa não esperava tantas atitudes modernas daquela tal de Gisele.
- Meu Deus, Luana!
- E tem mais, Celeste...
Luana contava a parte da agressão e da fuga pelo muro da escola.
- Não!
- Sim, Celeste. Não me pergunte de onde tive coragem para tudo isso, mas foi o que eu fiz.
- Mas Luana, você tem noção do que pode acontecer? Você pode ser...
- Expulsa do colégio. Eu sei disso. Mas foi mais forte que eu.
- Nossa! A escola entrará em contato com seus pais, Luana. Já pensou?
- Já. Por isso estou frita.

Luana subia para o seu quatro. Lá, encontrava Mimi, sua gatinha, a brincar com uma bolinha de borracha. Sentia, como em outros momentos difíceis, certa inveja daquele animal. Como seria bom se sua única preocupação fosse a de brincar como Mimi, pensava Luana, que ao ver o telefone, o pegava no impulso e discava para Rômulo.
- Alô!
- Oi Rômulo.
- Meu anjo! Tudo bom? Como foi seu primeiro dia de aula? O meu foi...
- Foi péssimo, Rômulo.
- O que houve?
- Antes de dizer o que houve, precisava ouvir uma coisa de você.
- O quê?
- Rômulo, me responda com a verdade! Promete que vai falar a verdade?
- Que história é essa, Luana?
- Promete? A verdade?
- OK. Prometo. O que foi?
- O que REALMENTE aconteceu naquele Natal, depois que eu fui embora da sua casa?
Rômulo gelava. Havia prometido a verdade, mas como falar a verdade? Aquela verdade? Sentia o coração pulsar acelerado, enquanto permanecia mudo diante de tal questionamento.
- Responde Rômulo, por favor.
Insistia Luana.
- Luana, primeiro me diga o porquê da pergunta.
- Não! Primeiro responda-a. Depois lhe digo todos os porquês que quiser.
- Bem, Luana. Eu posso aparecer na sua casa? Não queria conversar sobre isso pelo telefone.
- Então, pelo visto, algo de muito grave aconteceu! Não foi, Rômulo?
- Eu lhe explicarei tudo quando chegar aí. Pode ser?
- OK. Estarei lhe esperando.
- Eu te amo.
- Eu espero que sim, Rômulo, pois eu também te amo.

Luana desligava o telefone e desmoronava sobre a cama. Chorava. Tinha medo do que Rômulo teria a lhe dizer. Imagens embaraçadas vinham à mente: Gisele debochando, a vulgaridade de Manoela, o barulho daquela tapa... Com o pescoço e a frente de seu uniforme completamente cobertos de lágrimas, Luana ali ficava. Aos prantos e à espera das palavras duras de Rômulo. Mimi entristecia. Parecia sentir a dor de sua dona. A gatinha pulava na barriga de Luana, que a acariciava.

[Continua]

* * *
Foto da Capa: Ana Claudia Temerozo.
Mais histórias sobre Luana em
Luana, Duas, O Natal de Luana, Gisele e Janeiro Meu.

segunda-feira, 2 de março de 2009

VERDADES DE LUANA

Última semana de férias. Luana vinha de um janeiro repleto de confusões e conclusões a respeito do que sentias por Rômulo, seu primo-namorado. Fevereiro se apresentava como um mês de retomada aos compromissos escolares e, por isso, talvez, de um afastamento, mesmo que parcial, das coisas maravilhosas que seu relacionamento com o Rômulo lhe proporcionava. A partir de então, apenas os fins de semana estariam reservados para o casal, dizia Marcos, pai de Luana.
- Você conhece as regras, não é, Luana?
Dizia Marcos.
- Claro, papai.
Respondia Luana com ar de tristeza.

A menina sentia saudades de Rômulo só de pensar em tal privação. Não era para menos. O casal passara as férias inteiras se vendo praticamente todos os dias.
- É, Rômulo. Nos veremos menos, a partir de segunda-feira.
- É, eu sei. Chato isso, mas...
- Pois é, mas temos que estudar. Não seria nada fácil dedicarmos aos estudos nos vendo todos os dias, não é?
- Não mesmo. Mas é que é tão bom, Luana, estar com você. Parece que nada que eu faça sem você faz sentido. Entende?
- Claro. Também sinto isso, Rômulo. Você podia ir estudar na minha escola!
- Ah! Seria ótimo. Mas ia ser uma luta voltar à sala depois do intervalo.
- Seria mesmo.
Luana ria.

* * *
Na segunda-feira, logo cedo, Luana tomava o caminho da escola. Pelo trajeto, pensava no quanto seria legal se Giovanna, sua melhor – e única, talvez – amiga estudasse na mesma classe que a dela. Àquela altura, Luana e Giovanna eram praticamente irmãs. As duas uniram-se ainda mais durante as férias.

Chegando à escola, Luana procurava a amiga pelo pátio. Meninas arrumadas como se fossem a uma festa lotavam toda a escola. Exibiam suas roupas da última moda e gargalhavam sobre as futilidades despejadas nas rodas. Luana era indiferente àquilo tudo. E diferente também, já que era uma das poucas ali que já trajavam o uniforme escolar. Até que uma voz vinha de trás:
- Luana!
Luana se virava a fim de constatar o que já lhe vinha em mente. A voz era familiar.
- Gisele?
- Isso. Gisele! Não um fantasma. Por que essa cara, Luana?
O deboche era nítido.
- Ah? Ora, é a minha cara. Só tenho essa.
Luana tentava disfarçar, mas estava espantada com a presença da prima atirada de Rômulo. Ela lhe trazia péssimas lembranças natalinas [vide Gisele].
- OK. Devo lhe informar que, pelo visto, seremos amigas de escola.
- Acho pouco provável, Gisele.
- Por quê? Por causa do que aconteceu no Natal? Mas eu só queria te alertar, Luana. Queria que entendesse que o Rômulo não presta, ora.
Dizia Gisele em tom ainda mais debochado.
- Não, Gisele. Não me venha falar do Rômulo, por favor. Nós estamos juntos e nos dando muito bem, se você quer saber.
- Hum. Que lindo isso. É incrível o que uma mentira é capaz de conservar, não acha?
- Do que está falando, Gisele? Eu não acreditei em nada do que você me falou naquele dia! O Rômulo não é um “aproveitador de primas”, como você disse.
- Não estou falando disso, Luana. Eu me refiro a tudo o que ocorreu naquele dia, após a sua saída.
- Como é? O que você quer dizer?
- Pergunte ao Rômulo, Luana. Ele vai saber explicar melhor do que eu. Digamos que eu estivesse um pouco alta demais naquele Natal. Sabe como é, não? Vinho.
- Eu não vou acreditar em você, Gisele. Você quer minar o meu namoro com o Rômulo. Eu sei disso.
- Olha, se me der licença, eu preciso ver em que sala eu vou estudar, OK? E, como eu disse, pergunte ao Rômulo o que aconteceu de verdade naquele Natal. Eu não posso ficar aqui explicando a maneira como ele pegou em minhas... Ops!
- Ah!
Luana era um misto de dúvida e nojo. Não queria acreditar em Gisele, mas também sabia que só ficaria em paz quando ouvisse tal versão dos lábios de Rômulo. A idéia de um dia feliz, para Luana, acabara ali.

Luana chegava à classe e, antes de poder lamentar o desencontro com sua amiga Giovanna, avistava Gisele sentada em uma das carteiras.
- Oi Luana! Não seremos amigas de escola, mas de classe! Isso não é ótimo?
Luana não sabia o que pensar. Gisele desestruturava Luana com tranqüilidade e malícia.
- Eu não posso acreditar...
Luana dizia a si mesma.

Luana permanecia quieta em sua carteira. Pensativa. Olhava para o nada. Abalada, coagida, nervosa e confusa. Em alguns momentos, notava o quanto Gisele era extrovertida. Em poucos minutos já falava com toda a classe, inclusive com Manoela, outra pedra no sapato de Luana. Manoela e Gisele juntas seria barra, pensava Luana.

Gisele e Manoela chegavam até Luana como se fossem velhas amigas. Uma vontade em comum de implicar com Luana acabava por unir as duas.
- Oi Luana – debochava Manoela –, não esqueci aquele dia da praia não, hein.
- Deixe-me em paz, Manoela. Não estou bem para as suas gracinhas.
- É Manoela – dizia Gisele –, melhor deixá-la em paz mesmo. Ela ficou sabendo de uma que não foi nada fácil.
- É? Qual foi o babado?
- Deixa eu te contar...
Gisele ia até o ouvido de Manoela e parecia contar com riquezas de detalhes o ocorrido entre Rômulo e ela, no Natal.
- Jura que ele fez isso? No Natal? Imagina no carnaval, hein?
Debochava ainda mais Manoela.
- Pois é.
Respondia Gisele aos risos.
- Ah, então me apresenta esse seu primo aí, Gisele. Pelo visto ele tem pegada.

Naquele instante, os olhos de Luana guardavam rios de lágrimas, mas o coração guardava uma raiva jamais sentida em sua vida. Luana levantava numa velocidade incrível e acertava a mão com força no rosto de Manoela.
- Ah?
Espantava-se Gisele.
- Sua vagabunda!
Dizia Manoela com a mão ao rosto.

Luana pegava sua mochila e saía da sala de aula. No corredor, encontrava-se, sem querer, com Giovanna.
- Amiga! Como você...
- Vem comigo, Giovanna!
- O que houve?
- Precisa mesmo assistir aula hoje?
- Ora, que pergunta é essa, Luana?
- Preciso conversar. E tem que ser agora, Giovanna, por favor.
Giovanna não tinha como negar. Notava uma fisionomia estranha na amiga. Estava claro que era sério.
- Sim, sim. Vamos aproveitar a confusão que está essa escola. Vamos para o pátio.
- Não. Vamos sair da escola, Giovanna.
- Como? Já entramos. Não há como sair agora. Só após as aulas.
- Pularemos o muro, então.
- Luana?
- Vem comigo?
- Sabe que estou contigo!
- Então, venha.

Luana e Giovanna, com muito esforço, conseguiam pular o muro dos fundos da escola. Corriam para a praça mais próxima e sentavam-se num dos bancos.
- Luana... [respira] Você pode me dizer o que está acontecendo?
- Sim... [respira] Deixe-me tomar fôlego...
- OK.

[Continua]

* * *
Foto da Capa: Ana Claudia Temerozo.
Mais histórias sobre Luana em Luana, Duas, O Natal de Luana, Gisele e Janeiro Meu.