quinta-feira, 23 de maio de 2013

OS BASTIDORES DOS BASTIDORES: A minha história numa banda de Heavy Metal – Final


A busca por um novo rumo para a Over Action parecia incansável, no estúdio e nas reuniões de guitarras entre Rodrigo e eu. Das então novas canções eu me lembro bem de “Crucified In Vain”, composição de Rodrigo e Wagner. Talvez a música mais complexa da banda.

A complexidade, aliás, tinha se tornado uma espécie de obsessão por parte de Rodrigo em seus arranjos. Isso se deu, talvez, por conta de sua facilidade em pensar a música harmonicamente, ou seja, compor já pensando em todas as linhas, de baixo, guitarra, bateria e vocal.

O fato de Rodrigo já chegar, na maioria das vezes, com a música pronta no estúdio nunca nos incomodou, mas havia ali uma nova integrante, acostumada a outro tipo de processo criativo, creio eu. Andrea parecia, cada vez mais, não concordar com a “tirania” (como ela mesma classificou) de Rodrigo.

Rodrigo, um tirano? Longe disso. Eu sempre o encarei como o mais talentoso entre nós. E por isso mesmo que sempre aceitei o seu modo de produção. O que ele poderia fazer? Ele compunha em mais quantidade qualidade que nós, não havia do que reclamar. Mesmo.

No fundo, eu sentia que Andrea, mesmo sendo uma excelente cantora, não possuía a capacidade vocal suficiente para suprir a necessidade das piruetas imaginadas por Rodrigo em suas canções. Não era extensão vocal que faltava em Andrea, mas noção de divisão mesmo, métrica, ritmo.

Durante as semanas que Andrea assumiu os vocais da Over Action, sabe qual foi a evolução? Nenhuma. Nada parecia funcionar. Conclusão: saímos do caminho certo para um caminho errado, não por falta de qualidade, mas por pura incompatibilidade. Definitivamente, e agora sem sombra de dúvida, a banda éramos nós quatro. Rodrigo, Renato, Leo e eu.

A saída de Andrea não foi nada amigável. Todo o trabalho rendeu apenas um imenso e malcriado e-mail na caixa do Rodrigo. Faz parte.

Imagine um vaso barroco. Cheio dos rococós em sua pintura. Tudo o que se vê são detalhes e mais detalhes. Detalhes estes que o classificam como barroco! Daí vem um artista contemporâneo e cisma de reinventá-lo, adicionando novos elementos àquela pintura. Digamos então que tal intervenção fique uma merda! Os traços “modernos” do novo artista não têm nada a ver com os barrocos de antes. O que fazer? A merda já foi feita e remover os traços equivocados dará um trabalho enorme ao restaurador. Foi assim que enxerguei a Over Action depois de Andrea.

Nós poderíamos recomeçar de onde paramos. Retomar às (antigas) novas composições, mas como eu disse, a merda já tinha sido feita. O desgaste, o tempo perdido, parece que tudo pesou. Minha “depressão pós-ensaio” se chegava ainda mais forte. Faltaram-me forças, confesso. Meu sonho de viver da música se distanciava cada vez mais da Over Action. Àquela altura, o projeto de disco conceitual eu já tinha deixado de lado e passava a ouvir mais João Gilberto e Los Hermanos que qualquer outra coisa.

Eu não me lembro de como saí da banda, mas me recordo bem do meu último show com ela. Foi em Olaria, numa casa horrorosa com uma pá de bandas toscas. Um show em que mais uma vez fomos os últimos a tocar. Seríamos os primeiros, como sempre, mas não fomos. Rolou um sorteio, o clássico sorteio, mas uma banda chamada Neandertal – dona de praticamente 70% do público presente –, que alegava estar com hora marcada para outro show, longe dali, e que precisavam tocar imediatamente. Renato estava colocando o contrabaixo em seu suporte, quando um deles chegou e:

– Somos nós quem vamos tocar!

– Mas rolou um sorteio – disse Renato ao cidadão mal encarado.

– Foda-se o sorteio!

Procuramos o organizador do “evento”, que disse apenas:

– Os deixem tocar, na boa. Acho que eles estão até armados.

Tocamos para umas vinte pessoas, mais ou menos e é só isso que tenho a dizer sobre. Ah! Esse show nós temos gravado até hoje.

Nesse dia, me lembro, eu olhei para Fabiana, na época minha namorada, e disse:

– Chega.

Larguei o Heavy Metal, mas a música não, nunca. Depois disso ingressei em outros projetos, mas algo me dizia que uma hora o sonho acabaria. Logo que a paixão dava lugar às obrigações, as bandas passavam a me estressar mais que qualquer outra coisa. Hoje minha relação com a música é como a de quem visita um primo distante. Prazerosa e rara.

[FIM]

quarta-feira, 22 de maio de 2013

OS BASTIDORES DOS BASTIDORES: A minha história numa banda de Heavy Metal – Parte XII


Como adiantei no capítulo anterior, a gente já vinha compondo material para um próximo EP, e nesse lance a banda contava com duas frentes de ação: uma era eu, com a ideia fixa de compor um disco inteiro tratando do mesmo tema – influência clara dos discos do King Diamond –, e a outra era Rodrigo e seu primo Wagner.

Durante esse período a banda passou a ensaiar com menos frequência e as discussões sobre o futuro da Over Action estavam sempre na pauta das conversas que eu tinha com Rodrigo ao telefone – Rodrigo e eu costumávamos passar horas ao telefone conversando sobre diversos assuntos, mas quase sempre era sobre a banda mesmo.

A gente vinha recebendo algumas críticas sobre o vocal de Rodrigo, mas também, no fundo, achava que tal estranhamento por parte das críticas era bobagem; que Rodrigo tinha, sim, o que melhorar, mas que estava no caminho certo, assim como todo o restante da Over Action. Mas, com esse assunto de “um novo vocalista” nos rondando tanto, creio que chegou um momento em que o próprio Rodrigo começou a questionar-se como vocalista. É aquela velha história: água mole em pedra dura...

Nesse mesmo tempo, sabe-se lá o porquê – na verdade eu sei, mas deixa pra lá –, Andrea deixava os vocais da Awake. A notícia chegou até nós pelo Flávio, dono do estúdio onde a Over Action e a Awake ensaiavam. Acho que todos nós pensamos a mesma coisa: e se a Andrea viesse para a nossa banda?

Sinceramente, eu não me recordo de quem chegou em quem, ou seja, se nós fizemos o convite, se ela se ofereceu para o cargo ou se o próprio Flávio tratou de nos unir. Só sei que num belo dia a Andrea apareceu em um de nossos ensaios para conhecer melhor a nossa proposta.

Tocamos nossas músicas, batemos um papo e parece que a vocalista de pele alva e cabelos artificialmente ruivos curtiu bastante. Até que um trato se fez presente:

– OK! Façamos o seguinte – disse-nos Andrea –, no próximo ensaio, vocês tocam “On Must Surfaces”, do The Gathering, e eu canto uma do repertório de vocês.

Ótimo! Mas que diabo era The Gathering? Acho que ali no estúdio só o Leo conhecia, porque curtia esse lance de Doom Metal. Enfim, tivemos que conhecer a banda holandesa, afinar a sexta corda de nossas guitarras em ré e tirar, nota por nota, todo o arranjo de “On Must Surfaces” – ótima música, diga-se de passagem!

Fizemos então um ensaio anterior ao que faríamos com Andrea SÓ para essa música. Lembro que curtimos muito executá-la, pois tinha uma levada diferente do que costumávamos compor e tocar. Serviu-nos como um desafio.

No dia marcado, lá estava Andrea para o nosso teste. Nosso, sim, porque também estávamos sendo testados. Afinal, Andrea queria saber se estávamos à altura da Awake – e dela também, talvez.

Primeiro resolvemos tocar a música do The Gathering. A gente estava muito afiado. Lembro-me do semblante surpreso de Andrea ao executarmos de forma idêntica os primeiros acordes de “On Must Surfaces”. Bastante empolgada com a situação, a ruiva soltou seu vozeirão e, claro, se saiu muito bem.

OK! Missão cumprida! Mas faltava a parte dela no trato. Era chegada a hora de Andrea cantar uma música nossa. Se não me engano, a escolhida fora “The Winner” ou “The Last Dance”. E adivinha só o que aconteceu! Um fiasco...

A gente não ouvia a voz dela e ela esquecia a letra com facilidade. Acho que alguém ali não fizera o dever de casa. Na certa Andrea nem esperava que cumpríssemos o trato com tanto afinco e acabou relaxando.

No balanço final, acabamos achando que era um problema de tonalidade; afinal, a música havia sido composta para uma voz grave, masculina, e não o oposto. Perdoamos a falha e Andrea fazia agora, oficialmente, parte da Over Action. Não sei como a Awake encarou tal notícia, mas não recebemos nenhum tipo de comunicado por parte deles.

Com isso, as composições de Rodrigo e Wagner começavam a rumar para algo que ia de encontro ao estilo vocal de Andrea. Riffs mais pesados e cadências mais lentas eram o foco dos dois primos. Eu continuava na minha obsessão em dar continuidade à história contada em “Spiritual Hole”, mas sem muito sucesso.

Confesso que, mesmo diante de uma mudança bacana na estrutura da banda, o cansaço e a urgência de tomar um rumo mais sério para a minha vida me pegavam de jeito. Eu sofria – e sofri até meus últimos ensaios com bandas, em 2008 – de um mal que apelidei de “depressão pós-ensaio”. Logo após os encontros semanais, a minha vontade era sempre a de sair, largar tudo. O que me manteve nessas bandas foi mesmo o meu autocontrole.

Nesse período de incertezas, acabei me aproximando mais de uma paixão antiga: o violão clássico. Paralelamente à Over Action, eu compunha algumas peças para uma suíte chamada “Vale das Flores”, uma espécie de trilha sonora para um pequeno texto que havia escrito. Eu também já tocava em algumas bandas de Pop e meus ouvidos já entravam num processo de enjoo de distorções muito pesadas.

Dos ensaios com Andrea me recordo muito pouco – talvez, por eu já não estar mais tão presente. Mas me lembro das situações embaraçosas, como quando Andrea não conseguia assimilar as (complexas) linhas vocais das novas canções compostas por Rodrigo. Era o início de uma pequena guerra entre os dois.

[Continua]