domingo, 4 de novembro de 2012

OS BASTIDORES DOS BASTIDORES: A minha história numa banda de Heavy Metal – Parte XI


Após aquele (engraçado) episódio em Nilópolis, com a banda Akael, naquele mesmo mês de agosto ainda teríamos mais um compromisso na agenda: no dia 31, o I Festival Nikity Rock, marcado para ser realizado em um antigo sobrado ao lado do DCE da Universidade Federal Fluminense.

Ficamos sabendo que o line up do festival contava também com uma banda muito interessante chamada Awake, que ensaiava no mesmo estúdio que nós, o do Flávio. Eles faziam um som muito pesado, baseado em Black Sabbath e Doom Metal. Com músicos muito bons, a Awake ainda tinha a “cereja do bolo”: Andrea PA.

Andrea era uma vocalista que trazia consigo tudo o que uma banda precisava ter no front: visual – a menina era tinha influências góticas quando se produzia, fazendo com que sua pele alva, coberta de tatuagens, se contrastasse de forma muito interessante com o negro que vestia –, boa extensão vocal – que alcançava bons agudos sem deixar de lado um grave poderosíssimo! – e presença de palco!

O Flávio me falara muito bem da Andrea e da Awake e nossas bandas já haviam se cruzado no estúdio dele. Enquanto esperávamos o nosso horário, por vezes pudemos ouvir as marteladas que vinham de dentro do estúdio; eram eles.

No dia do “show do sobrado, como de costume, chovia muito. Aliás, a chuva era algo que parecia perseguir a Alone In The Tour. O tal sobrado fedia a mofo e era coberto de estrelas do PT, o que denunciava ter sido ali um antigo comitê político, ou algo do gênero. Os shows aconteceriam no andar de cima, mas primeiro teríamos que realizar o clássico sorteio, que definiria a ordem das bandas naquela noite.

Além de nós e da Awake ainda deviam fazer parte do line up umas três bandas, ou seja, quem se apresentasse por último pegaria o final da festa...  Os eventos underground sempre – repito: sempre! – foram muito desorganizados e os horários nunca – repito: nunca! – eram respeitados. O sorteio foi feito e, veja você!, ficamos em primeiro! Entraríamos no palco, tocaríamos, tomaríamos umas cervejas, assistiríamos a Awake e rua! Mas, eu não me lembro bem o porquê, acho que a Awake possuía um público pagante maior e esse público iria embora caso eles fossem os últimos a tocar, então, refizemos o sorteio. E, para a nossa tristeza, ficamos de fechar a noite. Do céu ao inferno em apenas dois sorteios.

Das outras bandas eu não me lembro o que assisti, mas a Awake eu posso dizer que, como sempre, arrebentou! Não sei, mas acho que eles usavam as últimas cordas afinadas em ré ao invés de mi (para o leigo em música, basta saber que isso significa gerar riffs mais graves e pesados). Agora some riffs pesados a uma voz feminina poderosa! Isso era a Awake!

Escalados para fechar a noite – não confunda com as bandas que fecham as noites dos grandes festivais de rock, pois no underground fechar sempre foi uma derrota! –, lutávamos contra o tédio e a ansiedade ao mesmo tempo! Curiosamente, fizemos, talvez, o show mais empolgante da noite e também da Alone In The Tour! Aqueles que ficaram até o final do evento curtiram muito o nosso som e a empolgação deles com as nossas músicas era a mesma com as do Iron Maiden, por exemplo. Ao final do show vendemos algumas cópias de Alone In The Dark e as autografamos também!

Enfim... Era uma casa ruim abrigando um evento ruim sob um tempo ruim, mas saímos de lá bastante satisfeitos com a recepção da galera.

Teríamos pela frente pouco mais de um mês e meio sem shows. A próxima apresentação seria no dia 18 de outubro, no festival Rock no Engenho II, com as bandas Awake (novamente), Red Label, Supernova, Holy Profecy e Digitus Infamis, no Clube Italiano, em Niterói mesmo.

O Rock no Engenho II foi mais um daqueles eventos organizados por pessoas que não estão nem aí para o underground e estão mais interessadas em encher seus cofres! Em reunião, ficou estabelecido que cada banda ficaria responsável por vender uma quantidade X de ingressos. Caso não os conseguisse vender, a banda deveria pagar do próprio bolso o valor das entradas.

Ora, queríamos tocar! Não me lembro se conseguimos vender ingressos e nem de onde tiramos dinheiro para “pagar o show”, mas estávamos lá.

Era a segunda vez que a Over Action era escalada para dividir o palco com a Awake. Logicamente, nós integrantes de ambas as bandas já trocávamos algumas ideias; acabou rolando uma amizade ali. E em uma dessas “ideias”, soubemos de algo que jamais imaginamos: Andrea não estava muito satisfeita com o som que vinha fazendo na Awake. Impossível imaginar! Eles eram muito “redondinhos” naquilo que faziam. Para mim, era um exemplo de banda! Mas é como eu sempre digo: quer saber de verdade como está o clima em uma banda? Faça parte dessa banda!

Quem nos assistia também não fazia ideia das discussões, das dificuldades, de nada... Quando estávamos no palco, assim como a Awake, fazíamos o nosso trabalho e ponto. Podíamos mostrar a todos que sabíamos tocar “Phantom Of The Opera” (Iron Maiden) de forma perfeita, mas ninguém ali no público sabia, por exemplo, o quão difícil era trocar os pratos já rachados do Leonardo.

OK, mas sobre a Andrea e a Awake eu tenho muito a dizer um pouco mais para frente. Voltemos ao Rock no Engenho II.  

Para começar, ficamos novamente escalados para fechar a noite... Sabe, acho que a banda pagou caro por ter colocado aquela foto da menina chorando na capa de Alone In The Dark, porque ô azar!

A casa estava lotada, o que pode ser conferido numa pequena (e estranha) resenha da época, feita pela lendária Feira Moderna Zine. Assistimos a todas as bandas daquela noite, mas não lembro do show de nenhuma delas, com exceção da Awake, claro. Preciso dizer que ao subirmos no palco, para lá das 3h da madrugada, apenas 0,1% daquele grande público, incluindo alguns integrantes da Awake, permanecia no local? Ah! Também estava lá o Dr. Christian, que trabalhava com o Rodrigo! Ele filmou o show!

Mesmo assim, fizemos a nossa apresentação e com direito a novidades! É que durante o jejum de shows no mês de setembro, aproveitamos para compor material inédito, já para um futuro novo EP. Tocamos “Spiritual Hole” e “I Like You Dead”, se não me engano.

E é também sobre esses novos sons que falarei no próximo capítulo!

[Continua]    

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

OS BASTIDORES DOS BASTIDORES: A minha história numa banda de Heavy Metal – Parte X


Como havia dito, antes mesmo das resenhas da Road Crew e da Rock Brigade, alguns shows começaram a “pingar” na agenda da Over Action. No dia 4 de julho daquele frutífero 2002, tocamos no Sobradão do Rock, na Lapa, Rio de Janeiro. Nossa primeira experiência fora do eixo Niterói-São Gonçalo.

Uma péssima experiência.

Acho que tocamos para Fabiana – minha namorada na época, com quem hoje sou casado – e mais alguém que não me recordo, talvez a Mariana, então namorada do Leonardo. Foi bem estranho tocar para menos de cinco pessoas, mas fizemos bem o nosso papel. Não há muito o que dizer sobre esse show, sinceramente. Chovia muito e não éramos ninguém para atrair um público sob aquele pé d’água.

Em agosto tínhamos um show marcado para o dia 9, em Nilópolis, RJ. Esse show estava sendo negociado por mim já havia algum tempo com Deiverson Baracho, vocalista da banda de death metal Akael. E sobre esse show eu tenho muito, mas muito a dizer.

Não me lembro de como o Deiverson conheceu a Over Action, mas provavelmente foi por meio de alguma resenha na internet ou fanzine. Ele estava organizando uma noite de metal no Clube Ideal de Olinda, em Nilópolis, e gostaria da presença de nossa banda no line up. Bacana! Mas o underground também é cheio de interesses e o que a Akael queria de verdade era conseguir, através de um esquema conhecido como intercâmbio, uma apresentação em Niterói (ou São Gonçalo).

O intercâmbio era uma negociação de praxe entre as bandas do underground. Funcionava da seguinte forma: Eu tinha uma banda no RJ, mas queria tocar em SP. Então eu convidava uma banda de SP para tocar com a gente aqui no RJ e, em troca, esta banda de SP nos arrumava um show por lá também. Simples assim.

Deiverson soube por mim do “nosso” Bar do Blues e queria porque queria um show da Akael lá. Ótimo! Pedi que me enviasse o material e veria o que conseguia. De qualquer forma, nosso show em Nilópolis já estava confirmado.

A Akael lançara, um ano antes, um CD com nove faixas, o tenebroso Beyond The Mortal Clouds, e foi esse o material que recebi pelos Correios para dar uma conferida. Meu Deus, o que era aquilo? Mostrei ao restante da Over Action e tudo o que conseguimos fazer foi rir. A gravação era ruim demais e as músicas, palavra!, eram as coisas mais esquisitas que já ouvira!

Como conseguir um show com aquele material? “Depois do nosso show em Nilópolis eu resolvo isso”, pensei.

No dia do show, mais uma vez o Santana prata do pai de Rodrigo estaria a nossa disposição. Renato disse que sabia o caminho, então seguimos suas instruções como se ele fosse o nosso GPS. Erramos o caminho algumas vezes e chegamos a parar na entrada de um lugar muito sinistro, onde todos os olhares se voltaram contra nós. “Dá ré, Rodrigo!”, dissemos.

Chegando ao local, não pude deixar de reparar na faixa que anunciava a noite, com duas bandas de death metal (a Akael e uma outra vinda de SP, mostrando que os interesses de intercâmbio de Deiverson eram mais pretenciosos do que eu imaginava) e a Over Action.

Rodrigo parou o carro e logo avistamos um sujeito com uma camisa da Akael.

– Ei! Onde fica o Clube Ideal de Olinda? – perguntamos.

– Vieram para o show da Akael?

– Sim, na verdade somos a Over Action.

– A banda de heavy metal de Niterói? – respondeu o rapaz meio espantado – Pessoal – disse ele agora à multidão de esquisitos parada em frente ao clube –, é o pessoal da Over Action!

Aquelas pessoas começaram a gritar e não dava para entender se queriam dizer “yeah!, nós adoramos o som de vocês!” ou “bandas de heavy metal não são bem vindas aqui!” Eu fiquei com a segunda impressão.

Chegando ao clube, Deiverson nos recebeu e nos instruiu sobre a passagem de som e toda aquela chatice de sempre. Notei que o palco era totalmente revestido em ardósia, o que me fez pensar: “vamos escorregar feito pinguins e o som refletirá como numa casa espelhada”. Logicamente, a bateria de Leonardo deslizava sobre o palco, conforme ele atacava o bumbo. Conversávamos com a organização do evento sobre o problema, mas a solução nos veio da plateia. Um louco arremessou um pedregulho, quase nos atingindo, dizendo: “coloque isso na frente do bumbo, porra!” Se o bumbo apenas deslizasse, tudo bem, mas também estava desafinado, com a pele frouxa.

– Porque o bumbo está tão desafinado? – perguntou Leonardo.

– É para tocar “defão” – respondeu um débil qualquer.

A tempo: “Defão” seria o aumentativo de death metal. Tenso.

Depois da caótica passagem de som, fomos dar uma volta pelo clube. Tinha uma banca que vendia LPs antigos, uma lanchonete podre – como em todo evento underground que se preze – e um banheiro fétido, onde tive o desprazer de flagrar um idiota berrando sozinho, como se estivesse evocando o Diabo. Quando o sujeito me viu, não soube onde enfiar aquela cara cheia de pó de arroz e sombra. Mijei às gargalhadas, logicamente.

O show foi o mesmo que vínhamos apresentando na (entre nós) chamada Alone In The Tour 2002. A galera curtiu, mas não deixou de pedir músicas de death a cada silêncio de nossas guitarras. Um clima bem hostil, mas a gente estava lá, no ninho deles, e, como sempre, fizemos o nosso trabalho.

Fomos embora com a promessa de levar a Akael para um show em nossa área. Coisa que nunca ocorreu.

[Continua] 

terça-feira, 7 de agosto de 2012

OS BASTIDORES DOS BASTIDORES: A minha história numa banda de Heavy Metal – Parte IX


O show de lançamento de Alone In The Dark, no Bar do Blues, foi bem bacana. Não possuo registros do set list daquela noite, mas acho que tocamos as cinco músicas do EP e algumas covers, como “Breaking The Law” (Judas Priest), “Powerslave”, “Phantom Of The Opera”, “The Prisoner” (Iron Maiden), “Seek And Destroy” (Metallica), entre outras.

A banda estava “redondinha”, pois havíamos ensaiado bastante para aquele show. Não me lembro bem quantos EPs nós vendemos após a apresentação, mas sei que vendemos alguns, sim.

Com o EP oficialmente lançado, chegava a hora de divulgá-lo para a imprensa especializada. Mas ainda precisávamos consertar a arte do EP, por conta daquela estúpida coincidência com o CD da Restless. Fui bem rápido nesse processo. Precisava ser.

Lembrei então de uma história muito louca que é a de um pintor italiano chamado Bruno Amadio, que, com o pseudônimo de Giovanni Bragolin, ficou famoso entre as décadas de 1970 e 1980 com uma série de quadros de crianças chorando. Diz a lenda que Bruno fizera um pacto com o Diabo para conseguir vender suas obras; em troca do sucesso, Bruno somente pintaria crianças tristes, em imagens cheias de mensagens subliminares – dizem até que muitas dessas crianças eram retratadas mortas, por conta das pupilas dilatadas.

Minha mãe possuía dois quadros dessa coleção em casa, isso quando eu ainda era muito pequeno. Quando ela ficou sabendo de tal história, os quadros foram parar no lixo. Mas o fato é que esse lance nunca saíra da minha cabeça. Era estranho, perturbador e ao mesmo tempo muito interessante para o marketing de Alone In The Dark, cuja faixa título contava uma história que envolvia uma criança e um pacto.    

Então tive a ideia de ilustrar a capa de Alone In The Dark com um quadro de Bruno, ou melhor, de Giovanni Bragolin. O quadro escolhido retrata uma menina (conforme a letra de Renato e Rodrigo) com olhar vazio, para cima, e chorando. Mas se notarmos bem a imagem, será possível identificar um braço a enforcar a menina. Cruel, não? Mas não tínhamos tempo para uma ideia melhor, então, com a aprovação do restante da banda, mandamos Renato rodar as novas capas.

A capa de Alone In The Dark causou certo rebuliço entre os mais chegados à Over Action. Nossas famílias nem tanto, até porque não tivemos nem o trabalho de explicar a elas tal conceito, pois seria um verdadeiro inferno em nossas casas – até onde sei, nossas mães eram católicas fervorosas, com exceção da mãe de Leonardo, eu acho.  O rebuliço se dava mesmo quando resolvíamos explicar o significado da capa aos amigos. Houve até casos de pessoas que compraram o EP e se recusaram a levar a capa para casa. Dá para acreditar?

Com uma quantidade boa de cópias do EP nas mãos, fiquei encarregado de fazer o envio para as revistas e websites, com release e foto de divulgação (uma foto horrenda, diga-se, tirada no lado de fora do estúdio do Flávio). 

Enviei o material para as revistas Road Crew, Rock Brigade (as mais importantes na época) e mais algumas outras que não me recordo. Enviei também para alguns fanzines, seguindo o conselho de Marcelo Fernandes, o vocalista da lendária Solstício (banda de hard core de Cabo Frio, Rio de Janeiro), que morou um tempo lá em casa, dividindo um quarto com meu irmão.

Passadas algumas semanas do envio – não preciso dizer que todos nós vigiávamos as bancas de jornal atrás de algum retorno, né? –, nossa primeira crítica nos vinha pela conceituada Road Crew, em sua edição de setembro de 2002. Ricardo Batalha discorreu assim sobre a Over Action:

As construções das músicas (...) são muito legais, um Metal bem tradicional e trabalhado. Rodrigo Santos (vocal e guitarra), Luciano Freitas (guitarra), Renato Ferraz (baixo) e Leonardo de Andrade (bateria) formam esta banda que é mais uma prova de que o estilo mais clássico do Metal está ressurgindo com tudo no Brasil. As pontes e refrãos, especialmente na faixa The Winner, são bem interessantes. Sabe o que falta? Correção na pronúncia do inglês, melhor impostação da voz e uma produção com mais nível. Corrigidas as falhas, o Over Action vai ser um grande nome do Metal nacional. Pode apostar!

Apesar das críticas construtivas, ficamos muito felizes com a resenha! E como no EP era o endereço de minha casa que aparecia na aba de contatos, não demorou muito para eu começar a receber uma boa quantidade de cartas sociais (daquelas que saem a R$ 0,01 cada), vindas de todo o Brasil, pedindo uma cópia de Alone in The Dark, que a gente vendia por R$ 5,00. Algumas cartas vinham com uma nota de R$ 5,00 enroladinha dentro. O underground era uma coisa hilária mesmo.

As cartas não paravam de chegar e novas críticas também surgiam na internet. Lembro de um website dar nota 10 para Alone In The Dark em sua resenha. Os fanzines também falaram bem de nosso EP e tudo isso só nos animava a continuar trabalhando.

Mas a crítica mais esperada mesmo era a da revista Rock Brigade. Uma grande besteira, analiso hoje, mas ganhar uma boa resenha da RB, para nós, naquele momento, era como receber uma benção! E se a Road Crew já nos gerara certo reconhecimento na cena, o que esperar como resultado de um elogio da parte da grandiosa RB?

Sabíamos que não seria fácil – uma (excelente) banda chamada Allegro, da qual gostávamos muito, recebera, pouco antes, péssima resenha da RB. E de fato não foi. Em sua edição de novembro de 2002, a RB, por meio de jornalista cujas iniciais são ACM, disse:

(...) Se todos os grandes artistas dizem que “criar é 10% de inspiração e 90% de transpiração”, é porque algum fundo de verdade ela deve ter. Tudo isso para dizer que estamos diante de uma banda esforçada, mas que ainda deve ralar muito em alguns quesitos básicos. A timbragem das guitarras está errada, a execução é primária e a gravação deixa muito a desejar. Mas o principal é que o pessoal não tem a manha de compor músicas legais. Assim, o metal tradicional do quarteto repete todos os clichês possíveis e imagináveis, sem acrescentar nada que tenha a identidade da própria banda. Ou seja, não passa de um grupo bem-intencionado. O que, todos sabemos, é muito, mas muito pouco mesmo. 

Ou seja, um balde de água fria!

Muito, até os dias de hoje, já se foi discutido, entre nós da Over Action, sobre essa resenha da RB. Mas o que fazer naquele momento? Desistir da banda por conta de uma opinião “jornalística”? Ficamos frustrados, sim, qualquer banda ficaria, até porque não concordamos com pelo menos metade daquela resenha.

Alguns dias se passaram e, quando me perguntavam sobre a Rock Brigade, eu dizia: “Foda-se a Rock Brigade! Ainda vejo a galera bater muito a cabeça em nossos shows! Isso sim é um termômetro!”

Antes das citadas resenhas, mais três shows da Over Action tinham ocorrido, mas falarei delas no próximo capítulo.

[Continua]  

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

OS BASTIDORES DOS BASTIDORES: A minha história numa banda de Heavy Metal – Parte VIII


Já tínhamos esquematizado tudo. Para não gastarmos muitas horas com a gravação do EP, a base (bateria, baixo e guitarras de acompanhamento) seria gravada com todos nós tocando juntos. E para que isso fosse gravado de forma decente, precisávamos estar muito bem ensaiados, até porque os riffs e andamentos arranjados por Rodrigo eram encrenca pura!

No primeiro dia de gravação, chegamos ao FD Studio e explicamos como seria todo o procedimento ao Felipe, dono do estúdio, que prontamente microfonou nossos instrumentos e nos posicionou da melhor forma na sala de gravação.

Com tudo pronto e o “OK” dado por Felipe na sala técnica, decidimos começar pelas fáceis “Nightlife” e “Flying To The Sky”, as quais já tocávamos tanto que erros estavam praticamente fora de cogitação. A cada take gravado Felipe nos deixava ouvir. Pela primeira vez escutávamos o nosso som de forma nítida.

O medo maior estava na quebrada “The Last Dance”. Ficávamos nas mãos de Leonardo, que nos ensaios nunca acertara a introdução de primeira. Mas ali, na gravação, valendo, vai entender, o cara a executou sem erros, no primeiro take! “Não acredito que ele conseguiu!”, eu pensava – e todos deviam ter pensado isso também –, enquanto levávamos o restante da música.

Depois foi a vez de “The Winner”, que se não me engano nos custou alguns takes extras, e da longuíssima “Alone In The Dark”, que precisava ser gravada em duas partes – o interlúdio e a introdução foram gravados após o take base, separadamente.

A cada take finalizado, um misto de euforia e alívio. Saímos do primeiro dia de gravação com as bases todas finalizadas, restando apenas as vozes e os solos de guitarra.

No segundo e último dia de gravação, hora de Rodrigo colocar as vozes. Um grande desafio, porque a voz era justamente o elemento que, apesar da confiança que tínhamos em Rodrigo, gerava mais dúvida. Não sabíamos como nosso “novo” vocalista seria aceito, essa era a verdade. Rodrigo nunca foi dono de grandes agudos e por isso algumas linhas de voz sofreram mudanças se comparadas as antigas execuções de Paulo. Sabíamos do desafio. E Rodrigo também. Apesar de se tratar de uma estreia, sentíamos que já tínhamos uma pequena história para trás.

Foi Rodrigo quem arranjou as vozes; as primeiras, segundas e até terceiras, quando necessárias. Arranjou também as vozes de “Alone In The Dark”, cuja história era contada ora por ele, ora pelo Capeta! Sim, a voz do Capeta que se ouve na música nada mais é do que a voz de Rodrigo modificada por um processador de efeitos. Gargalhamos muito durante o processo, mas ficamos muito felizes com o resultado também.

Rodrigo gravou também os teclados presentes em “Alone In The Dark”. Sem ele a coisa seria muito, mas muito tensa na Over Asction. Eu sempre me senti muito seguro com Rodrigo no estúdio, porque sabia que nada passaria por seu ouvido quase absoluto. Incansável, explicava cada nota da bateria para suas criações.

– Contratempo aberto! – dizia Rodrigo a Leonardo – Condução! Ataque! Agora contratempo fechado! Nãããão, Leonardo! Não! Fechado!

Era nesse level.

A última coisa a ser gravada para o EP foram os solos das guitarras. Com nítida influência de Judas Priest e Iron Maiden, nossas músicas sempre possuíam dois ou mais solos. Eu utilizava quase sempre poucas notas, mas adorava abusar no hammer on, pull off, slide, alavanca e tapping, enquanto Rodrigo optava muito por palhetadas alternadas e rápidas, mas executava bons sweeps também. Éramos guitarristas bem diferentes na hora de compor e a gente adorava isso!

Enfim, tudo estava gravado. As coordenadas de mixagem já tinham sido passadas para o Felipe e agora só nos restava esperar. O trabalho agora era com ele.

Ansiedade! Muita ansiedade! Mas precisávamos adiantar a outra parte do processo, que era a parte física do EP, como capa, mídia, estojo etc.

Eu já me arriscava no CorelDRAW 7 – ainda sem saber que meu futuro estava no Design e na Publicidade – e fiquei responsável pela parte gráfica do EP. Mas o que esperar de um moleque inexperiente como eu? Nossa logo era a coisa mais simples que um ser humano pôde criar. Mas eu gostava muito dela, mesmo assim.

Havia um CD lá em casa com uma enxurrada de fotos, dessas que você compra para peças publicitárias, enfim, um banco de imagens. Esse CD possuía, entre tantas outras, uma foto que parecia ter sido feita para o nosso EP! Não pensei duas vezes em incluí-la no projeto gráfico. Os caras se amarraram! Estava perfeita!

Alguns dias depois, quando o EP ficou pronto, Renato foi até o FD Studio e pegou a nossa tão sonhada master. Renato me ligou de onde trabalhava e disse: “Peguei o nosso EP, Luciano! Dá um pulo aqui! Você precisa escutar!” Eu trabalhava próximo a ele, então dei uma desculpa no escritório e fui voando até lá.

Chegando na antiga Telemar, fui até a sala de Renato e ouvi o resultado de nosso EP. Que sensação! Indescritível! Para nós aquilo era perfeito! Nossas mentes ainda tão jovens devem ter pensado algo como “fudeu, vamos ganhar o mundo com esse EP”. Rodrigo e Leonardo logo ouviriam também.

A empolgação só aumentava, já que, naquele mesmo mês de março, teríamos o nosso primeiro show de lançamento de Alone In The Dark. Seria no Bar de Blues, em São Gonçalo, num evento chamado Metal Invaders (que depois fez muito sucesso no local, com várias edições posteriores), organizado por Henrique (ex-Dark Side) e Alain Tramont, guitarrista de uma banda cover do Helloween, a Revelation, que contava com Rodrigo no teclado e Henrique, agora, no contrabaixo.

Apressamos então a confecção de algumas cópias do nosso EP para termos o que vender no show. Renato imprimiu as capas e as etiquetas – às custas da Telemar –, eu imprimi os encartes – às custas da Geomap Consultoria e Projetos (onde eu trabalhava) –, e Rodrigo ficou encarregado de montar e fazer as cópias do EP, em casa mesmo.

Tudo parecia muito perfeito. Mas certa noite, Rodrigo me telefonava dizendo que precisava me mostrar uma coisa que eu não iria acreditar quando visse! Já era tarde e Rodrigo então apareceu lá em casa portando uma edição da revista Rock Brigade. O que ele tinha para me mostrar era de fato inacreditável! Era um anúncio de um selo especializado em heavy metal, como a Roadrunner Records e a Hellion Records, algo do tipo. Neste anúncio, em meio àquele monte de títulos, lá estava a capa de um CD de uma banda chamada Restless, intitulado Alone In The Dark e – pasme! – utilizando a mesma foto que eu havia escolhido para a capa do nosso EP.

Diante de tamanha coincidência, deveríamos cancelar a produção gráfica do EP, mas, infelizmente, tudo já estava pronto. Pelo menos uma pequenina tiragem de vinte cópias para o show do Bar do Blues. Quem comprou aquele EP, naquela noite, possui em casa uma edição limitadíssima de  Alone In The Dark!

[Continua]

sábado, 4 de agosto de 2012

OS BASTIDORES DOS BASTIDORES: A minha história numa banda de Heavy Metal – Parte VII


Com a meta de gravar um EP em mente, começamos então a levantar o que tínhamos e o que não tínhamos para o repertório do disco.  Com o passar do tempo acabamos compondo algumas coisas, mas nem tudo seria aproveitado, claro.

O que eu tinha era “Nightlife” (parceria com Paulo), “Flying To The Sky”, (com Renato), “Killer Shark”, alguns riffs bem coesos, como o já citado “o guaraná”, e uma (importantíssima) fita K7 com mais de meia hora de jam session, gravada por mim e Leonardo, quando meu quarto ainda era o QG da banda.

Gravamos essa K7 em um fim de semana à noite em que ele apareceu lá em casa sem saber que o ensaio fora desmarcado. Para que Leonardo não perdesse a viagem, sugeri que fizéssemos um som, apenas guitarra e bateria. E ele topou! Liguei um dos microfones em meu aparelho 3 em 1 e resolvi gravar aquilo. A regra era uma só: não tocaríamos nada do repertório da banda, apenas coisas inéditas, que nos viesse ali, naquele momento, puro sentimento jazz.

Após levarmos aquele som, resolvemos escutar aquilo que havíamos feito. Rimos bastante, mas também nos impressionamos com a quantidade de riffs e levadas bacanas que produzimos ali.

A coisa mais “pronta” que Renato possuía era uma música chamada “Dying Day”, que, há um bom tempo, vínhamos executando durante os ensaios. Lembro de ser uma música com um riff bastante rápido e com algumas mudanças de cadência que necessitavam ainda serem lapidadas se quisesse entrar no disco.

Leonardo não compunha. Se compunha não nos mostrava. Para falar a verdade, ele era um cara muito estranho. Tocava uma bateria violenta! Era bom, muito bom! Mas se ele estivesse chateado com alguma coisa lá fora, puta que pariu!, o estúdio virava uma chateação também e nada fluía. Agora, quando o cara estava de bom humor também, meu amigo, era uma coisa de louco!

Leonardo e Renato se estranhavam com frequência, principalmente no recomeço da banda, logo assim que eu entrei, em 1999. Lembro de uma vez em que Leonardo se atrasara (e muito) para o ensaio e Renato não deixou passar. Os dois discutiram feio, assim que terminou o ensaio. Eu fiquei assustado com o tom de voz de Renato e fiquei atento para não deixar que os dois saíssem na porrada. Notei que Rodrigo, calmamente, enrolava seus cabos e guardava sua guitarra, como se nada estivesse acontecendo.

– Rodrigo – eu disse –, esses caras vão se matar aqui no meu quarto!

– Cara – disse-me Rodrigo de forma bem calma –, isso sempre acontece. Relaxa. Eles vão se entender.

Minha mãe quase suspendeu os nossos ensaios por conta daquela briga. Mas o mais engraçado era constatar que Rodrigo tinha razão. Nos ensaios seguintes eles estavam de bem.

Bem, e o que falar do Rodrigo? O cara, junto com o seu primo Wagner Santos, era O compositor da Over Action. A melhor música do EP, na minha opinião, “The Last Dance”, conta com letra de Wagner e música de Rodrigo. Ele não era só um bom compositor, mas um arranjador de primeira também! Quando Rodrigo compunha algo ele sempre me telefonava:

Cara, preciso te mostrar uma coisa – dizia Rodrigo.

– Lá vem você! – eu dizia – Mostra aí!

Rodrigo então ligava sua guitarra, posicionava o telefone próximo ao amplificador e atacava riffs tão complexos que eu pensava: “Fudeu! Como vamos executar isso!” E, depois de mostrar tudo aquilo, ele dizia:

– Preciso ir aí para te passar a linha da sua guitarra, para você ver como que o riff funciona com nós dois tocando.

Filho da mãe! Rodrigo quando compunha não vinha apenas com a melodia e o acompanhamento. O cara compunha as linhas de guitarra, baixo, bateria, teclado, vozes, tudo! A única coisa que eu tinha trabalho de criar era o meu solo.

Claro que ele deixava a composição aberta a sugestões, mas na maioria das vezes a coisa vinha tão perfeita que... pra quê, né? “The Winner”, por exemplo, tem letra de Wagner e música de Rodrigo, mas vários elementos foram adicionados à composição – inclusive o lendário riff  “o guaraná”, logo na introdução.

O Wagner era um excelente letrista. Gente fina toda vida. Não sabia tocar nada, mas era um observador nato e amante do heavy metal. Como compositor foi muito importante para a Over Action, mas quando a figura resolveu nos visitar em um ensaio, meu Deus do céu... Não teve ensaio. Ele perturbou tanto, mais tanto, que não conseguimos render nada. Wagner chegou ao ponto de sentar-se à bateria – instrumento que ele não sabia conduzir, diga-se – e ficar, ele e Rodrigo, lembrando os dez melhores riffs do Judas Priest, por exemplo. Após aquele ensaio, todos dissemos o mesmo: “Rodrigo, nunca mais traga o Wagner, por favor!”

Aos poucos, nos ensaios, íamos testando música por música, a fim de decidirmos o que iria de fato para o disco. Dessa forma fecharíamos as cinco músicas a serem ensaiadas à exaustão. O objetivo era chegar ao estúdio de gravação sem o risco de erros, o que nos resultaria em mais horas de estúdio, ou seja, mais dinheiro.   

Decidimos então por “The Winner”, “Nightlife”, “The Last Dance”, “Flying To The Sky” e alguma coisa feita a partir do riff que Leonardo e eu mostramos em um dos ensaios – riff oriundo daquela K7 que me referi no início deste capítulo. O resultado foi uma faixa de nove minutos que intitularia o EP: “Alone In The Dark”. “Dying Day” e outras faixas ficariam de fora do projeto.

“Alone In The Dark” foi a última música a ser composta para o disco e é, até hoje, a música que mais representa aquilo que sentíamos naquele momento. A música foi composta, praticamente, em uma sessão de três horas, no estúdio do Flávio. Fomos opinando, compondo, costurando e arranjando cada minuto daquela faixa, os quatro, juntos!

Quase uma suíte, “Alone In The Dark” contava com uma cacetada de riffs e levadas diferentes, solos, introdução de teclado, interlúdio de violão clássico (algo que compus ainda nas aulas da Sueli, em 1997)... Nos dias seguintes foi que Rodrigo e Renato compuseram a letra, que conta a história de uma menina cujo pai a perdera por conta de um pacto com o Diabo. Algo do tipo.

Com o repertório do disco decidido, era chegada a hora de ensaiar como se só existissem essas cinco músicas no planeta. Enquanto nos preparávamos no estúdio do Flávio, agendávamos algumas horas de gravação para o mês de março, no FD Studio, que fica no Barro Vermelho, São Gonçalo.

Estávamos bastante ansiosos.

[Continua]

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

OS BASTIDORES DOS BASTIDORES: A minha história numa banda de Heavy Metal – Parte VI

Em 2000 eu já tinha outros compromissos musicais além da Evil Darkness. Eu me iniciava nos bailes com uma banda pop chamada Sigma. Aprendi muito naquele momento, tocando outras coisas e me tornando cada vez mais eclético. Mas o meu amor ainda estava no heavy metal. Encarava a Sigma como um trabalho, e aquilo me fazia sentir mais perto da profissão “músico”, e encarava a Evil Darkness como um sonho.

Com Paulo fora da banda, a palavra improviso voltou a fazer parte de nosso vocabulário. As fitas K7 contendo as gravações dos ensaios sem Paulo não me deixam mentir: eram horríveis! O que se saía melhor ali era o Rodrigo, que, sabe-se lá como, conseguia executar os riffs sem se embolar nas letras.

Chegamos a chamar um outro vocalista, um cara muito bom até, que não me recordo do nome agora. Ele fez alguns ensaios, mas não rolou. Enquanto a gente fazia papel de empregador, procurando o cara certo para a nossa vaga, eu fazia alguns telefonemas para Paulo. Eu queria que ele voltasse.

O maior problema para Paulo avançar com suas ideias inovadoras sempre foi Renato, talvez o mais firme de nós quatro em relação ao caminho a ser seguido pela Evil Darkness. Algumas discussões aconteciam entre os dois e, logo após, Paulo me dizia algo como “não dá, não dá... vou sair fora”.

Nos telefonemas que fazia para Paulo, eu tentava o convencer de que seria diferente – mesmo sem ter combinado nada com o restante da banda. “Você quer fazer um som na linha do Cathedral, do Black Sabbath, Paulo? Nós faremos! Quer que usemos as sextas cordas das guitarras em ré? Usaremos! Mas volte, cara!”, eu dizia.

Até que ele voltou!

Ele havia se mudado com a família para uma casa em Manilha, São Gonçalo, um pouco longe de todos nós. Havia lá um cômodo sem utilidade e adivinha no que ele se transformou? Nosso novo QG! Acho que era uma das condições para Paulo voltar à banda. Consegui convencer o pessoal e lá fomos nós para Manilha.

Mas isso tudo não durou muito tempo. O local, como disse, era longe e o único veículo que tínhamos era Santana prata do pai de Rodrigo, que carregava toda a parafernália. Se ficara fácil para o Paulo, tornara-se difícil para o restante da banda. Houve até uma vez em que o carro atolou. Chovia muito nesse dia e as ruas ao redor da casa de Paulo não eram pavimentadas. Foi um sufoco!

Mas não foi exatamente a distância que causou nossa segunda separação com Paulo; a verdade é que nada mudara. Tentamos, me lembro, seguir as ideias do nosso frontman, mas parecia que não havia um consenso ali. Nossa veia de heavy metal tradicional não parecia ser aceita por Paulo, e então entendemos que era ele ou nós.

Optamos por nós.

Cansados de chover no molhado, Renato, Leonardo e eu começamos então a incentivar Rodrigo a assumir o microfone oficialmente. Já estávamos em 2001 e a coisa parecia não andar. Acho que era o que precisávamos; ter o controle da situação e entender de uma vez por todas que ou éramos nós quatro, ou não éramos nada!

A decisão foi tão séria que decidimos mudar o nome da banda novamente. Over Action! Até hoje não sei bem o significado disso, mas acho que gira entorno de uma “super ação”, uma “ação acima do normal”, algo do tipo. Mas o fato é que todos nós gostamos do nome e foi com ele que ficamos!

Foi engraçado constatar, mas aos poucos o nosso gás foi voltando e a vontade de fazer um trabalho sério tomou novamente nossos corações. Eu já havia deixado o Exército e estava estagiando como técnico em edificações em uma pequena empresa de construção civil. Ganhava tão pouco que mal via diferença na hora de pagar os ensaios no estúdio do Flávio. Mas quem precisava de dinheiro? Eu tinha uma banda de volta à atividade! E isso era o que importava!

Os ventos estavam tão a nosso favor que, em 24 de novembro de 2001 – dois anos após a minha entrada na banda –, enfim, estreamos! Foi em um evento chamado Caldeirão do Rock, em uma casa de shows em Mutondo, São Gonçalo. Dividiríamos o palco com uma outra banda local, a Metal Wings.

Apesar de um show especial, tão aguardado, não tenho muito o que dizer sobre. Sei que havia um clima estranho naquela noite, como se estivéssemos ali simplesmente para abrir o show da Metal Wings. Tivemos que tocar com o pano de fundo deles a nossas costas e ainda fomos interrompidos antes do final de nosso set list. A gente levantou a galera e acho que isso não agradou a um dos organizadores do evento, um sujeito coberto de piercings que dizia: “Se não acabar o show agora eu vou desligar o som!” Foi assim que saímos do palco pela primeira vez. Lamentável.

Mas quer saber? Foda-se! Éramos um carro possante novamente e estávamos com o tanque cheio! Aquele fim de ano trazia a brisa dos novos tempos para a Over Action. Eu sentia!

E eu estava certo!

Certa noite, logo no início de 2002, após nossos respectivos expedientes de merda, tivemos uma reunião que considero a divisora de águas em nossa pequena e humilde carreira. Paramos em uma mesa na praça de alimentação do Bay Market, pedimos alguns chopps e traçamos as metas daquele ano para a Over Action.

Decidíamos naquela mesa o que seria o nosso último esforço pela banda: gravar um EP com cinco músicas, a fim de tentar de forma mais séria e profissional um espaço na cena heavy metal underground. Fizemos as contas de quanto aquilo ia nos custar, da gravação à produção manual dos disquinhos, e vimos que não sairia tão caro, desde que fizéssemos exatamente o planejado.

Em janeiro mesmo, creio eu, começamos a ensaiar com exaustão as músicas que já tínhamos e a compor o que faltava. Foram os ensaios mais bacanas da Over Action!

Os detalhes de como foi a construção de nosso EP eu vou deixar para o próximo capítulo.

[Continua]

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

OS BASTIDORES DOS BASTIDORES: A minha história numa banda de Heavy Metal – Parte V

1999 caminhava sem muitas novidades. A Evil Darkness continuava ensaiando, compondo uma coisa ou outra, mas sempre na espera da tão sonhada “estreia”. Chegamos a gravar algumas demos, mas nada apresentável, apenas para nos ouvirmos mesmo, corrigir alguns erros.

Uma dessas gravações foi bem curiosa. Renato havia conhecido um músico que possuía um home studio em algum lugar de São Gonçalo. Segundo nosso contrabaixista, estava tudo certo para gravarmos, sem ônus, uma K7 no estúdio desse tal músico. Era estranho existir um cara tão bacana a ponto de ceder, por algumas horas, em pleno fim de semana, a sua sala de estar para uma banda barulhenta gravar uma demo. Mas, mesmo desconfiando, seguimos para o local.

Ainda me lembro da cara de “puta que pariu, eles vieram mesmo!” daquele sujeito que nos recebeu da janela. Ele estava com a namorada – ou noiva, sei lá – no maior love, assistindo a um filme (ou seja lá o que mais estava rolando ali) e se viu obrigado a passar o seu programinha para o quarto, porque na sala estaríamos nós e nossos muitos watts de puro metal. Ele acionou o gravador e disse “fiquem à vontade”. Foi desconcertante, mas engraçado.

Naquele mesmo ano (ou foi em 1998?, não sei) nosso QG sofreu um golpe fatal. A minha vizinha de frente, a Luciane, deu a luz à pequena Livya. Com isso, certo dia, voltando da escola, me deparo com uma plaquinha pendurada na porta de sua casa, que dizia: “Silêncio! Bebê dormindo!” Senti que aquela placa era para a Evil Darkness. O Flávio Rios, dono de um estúdio na minha rua, me dera uma sugestão...

– Por que você não coloca uma placa na frente da sua casa dizendo “Foda-se! Banda ensaiando!”? – disse-me Flávio em tom de brincadeira, logicamente.

Eu ri, mas achei melhor não seguir o conselho, claro.

Convoquei o pessoal e dei a notícia de que não daria mais para ensaiarmos no meu quarto. O pessoal entendeu o problema numa boa. O mais difícil era encarar o outro problema: Onde diabos ensaiaríamos então?

Éramos todos uns duros – com exceção do Paulo, que trabalhava. Alugar um estúdio era dar adeus à liberdade de horário e ainda ter de pagar por isso. O que esperar? Estávamos chegando à fase adulta e um dia teríamos que começar a pagar as nossas despesas, não é mesmo?

Acho que chegamos a ensaiar algumas vezes nos fundos da casa do irmão do Leonardo, mas isso foi provisório. Tão provisório que não vingou. Sendo assim, fomos parar no estúdio do Flávio mesmo, na minha rua. A R$ 20,00 o período de três horas, ficava R$ 4,00 para cada um. Parece pouco, né? Mas era uma merda ter que pedir “pai, me empresta um dinheiro para o ensaio?”

Ensaiar em um estúdio com devido tratamento acústico foi bom para a banda. Conseguíamos agora escutar cada errinho mais facilmente. Era como se as paredes nos apontassem um dedo e dissessem “ei, você errou essa parte!” E por um adicional de R$ 10,00 o Flávio ainda gravava o ensaio em K7. Um luxo! Gravamos muitas fitas por lá!

No início a gente ficava muito nervoso com o passar dos minutos pagos – qualquer papo furado e alguém de nós já lembrava o custo de cada segundo –, mas com o tempo fomos aprendendo a administrar as horas no estúdio.

O ano 2000 não foi muito bacana conosco. Precisávamos trabalhar.

Paulo, como já disse, já trabalhava; atuava num laboratório do Rio de Janeiro. Rodrigo e Renato, se não me engano, já trabalhavam com manutenção de informática, ou algo do tipo. Leonardo passava o dia fazendo cópias em um cartório, também no Rio. Eu havia sido convocado para – pasme – o Exército Brasileiro.

Com afazeres de pessoas normais, administrar a banda ficava cada vez mais difícil para nós. E o stress de nossos respectivos serviços refletiam, pouco a pouco, em nosso rendimento como banda. O estúdio do Flávio nos recebia agora, sempre nos fins de semana, com semblantes cansados – isso quando eu não estava de plantão no quartel.

Não sei quanto aos outros, mas sentia que em mim e em Leonardo pairava uma certa falta de perspectiva profissional. Leonardo não queria morrer com o umbigo encostado em uma copiadora, assim como eu sabia que não morreria soldado, mas, pior, não sabia o que seria depois daquilo. A verdade é que queríamos ser músicos! Chegamos a ingressar a Escola de Música Villa-Lobos, no Rio, mas desistimos meses depois. Eu porque já tinha estudado toda aquela chatice do curso básico; ele... Bem, eu sei lá por que ele largou aquilo.

Leonardo e eu em poucos momentos conversávamos, mas nesses poucos momentos conversávamos muito! Lembro de em alguns ensaios ele chegar bem mais cedo lá em casa – às vezes até almoçava comigo –, antes dos caras chegarem e partirmos para o Flávio. Ouvíamos alguns discos, falávamos um monte de merda, criávamos projetos impossíveis (como a guitarra cuja única corda seria um cabo de aço de excessiva bitola, para tirar os sons mais graves e pesados do mundo) e no final, sempre no final, refletíamos sobre o que seria da banda, de nossas carreiras e de que carreiras estávamos de fato refletindo.

Renato e Rodrigo me pareceram sempre muito focados naquilo que queriam para suas vidas fora da banda. Não é à toa que ambos só cresceram em suas carreiras, até hoje. O Paulo já estava num estágio em que precisava mesmo trabalhar, estava inserido nesse sistema, já tinha esposa, um filho pequeno e tudo o mais. Mas Leonardo e eu, não sei dizer, mas ainda não tínhamos nos encontrado como pessoas normais fora da banda.

Nessa mesma época, me lembro, houveram alguns conflitos entre o que os quatro mais antigos e o Paulo queriam para a Evil Darkness. Os meses se passavam e, por algum motivo qualquer, cada momento um diferente, a nossa “estreia” não acontecia.

Desânimo. Essa é a palavra que nos definia. O gás estava acabando, enfim.

Até que Paulo – não sei bem se em 2000 ou 2001 – decide deixar a banda, por conta dessas divergências mesmo. Sua contribuição foi excelente para a Evil Darkness, mas ele estava ali não como uma peça do quebra-cabeça, mas como a mão que ajuda a montá-lo.

[Continua]

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

OS BASTIDORES DOS BASTIDORES: A minha história numa banda de Heavy Metal – Parte IV

Já estávamos em 1999, se não me engano. Por algum motivo, o qual não me recordo, a casa onde a Dark Side ensaiava não estaria mais disponível. Aliás, o meu primeiro ensaio na banda fora em minha casa por conta disso. Acho que tinha algo a ver com o fato do Henrique não fazer mais parte da banda, já que a casa pertencia à família do guitarrista. Precisávamos de um novo QG.

Meu quarto possuía uns 12m2, e meu irmão e eu dormíamos em uma cama beliche. Sendo assim, vislumbrei naquele espaço um estúdio improvisado e sugeri que fizéssemos os ensaios ali. Eu tinha a real noção de que incomodaríamos muito (mas muito mesmo) os vizinhos, mas tal fato não possui peso algum quando você tem dezessete anos e uma banda de heavy metal. Além do mais, minha mãe – talvez a mais afetada com todos aqueles watts de potência – era a favor! E quando nossa mãe está por nós, quem pode contra nós?

Para evitar as horas antes perdidas com montagem e desmontagem de equipamentos, sugeri que deixássemos toda a parafernália armada em meu quarto, full time. Isso ajudou muito na logística da banda, porque podíamos, Renato e eu, em plena semana de provas, por exemplo, sair da escola e irmos direto para a minha casa tirar um som. Estava tudo lá: a bateria de Leonardo, os amplificadores, pedestais, microfones... Não era muito fácil para minha mãe arrumar aquele quarto – as baquetas de Leonardo soltavam serragens por todo o chão enquanto ele tocava, diga-se.

Os ensaios em meu quarto eram bacanas. Tínhamos bastante liberdade e um espaço bem razoável. Isso sem falar do telefone, que mesmo sendo inútil durante o som, – não ouvíamos nada naquele ambiente infernal! –, servia para localizar os atrasados (na maioria das vezes o Leonardo) e até fechar alguns shows, logo após o ensaio. Não, não, o acesso a internet não era assim tão popular ainda. Eu não tinha nem PC.

Com ensaios semanais e uma estrutura mais disciplinada, naturalmente a banda evoluiu bastante. Mas tínhamos um problema: Quem vai cantar?

Sem um vocalista oficial, nos ensaios cada um cantava um pouco. Mesmo sabendo da importância de um frontman, tentávamos não nos preocupar com o desempenho vocal da banda; sabíamos que precisávamos de um vocalista, estávamos improvisando. Nosso foco ali estava na parte instrumental da coisa, que caminhava, lentamente, para o impecável.

Foi quando resolvemos anunciar (não lembro como nem onde) a procura de um vocalista para uma banda de heavy metal. E achamos (não me pergunte como também) o Paulo Mello.

O Paulo era um cara apaixonado por música, uma verdadeira enciclopédia do rock e um buscador incansável por novos sons. Ele era um pouco mais velho que nós, era o nosso Bon Scott. Ele nos apresentou muitas bandas e discos! Paulo já era casado e morava próximo à escola onde Renato e eu estudávamos, ou seja, próximo também ao nosso QG.

Paulo tinha muita influência de Bruce Dickinson e, quando pegou o microfone, acho que pensamos “em uníssono”: “Esse é o cara!”

E realmente era! Gente boa, cantava bem, gostava mais ou menos das mesmas bandas que nós. Mas havia um probleminha com cara de problemão a longo prazo. Paulo, hoje reconheço, estava muito à frente do nosso entendimento de banda. Enquanto a gente se preocupava em tocar “The Prisoner” (Iron Maiden) de forma idêntica, por exemplo, Paulo pensava em composições próprias, afinações alternativas e grooves diferentes – provavelmente influenciado pelo som do Cathedral, banda da qual ele era fã incondicional.

A primeira composição autoral da então Evil Darkness (sim, nós resolvemos mudar o nome da banda, por estarmos a fim de começar meio que do zero, uma "nova banda") foi a balada “Flying To The Sky”, com música minha e letra em parceria com Renato; nasceu numa dessas fugas da escola para minha casa. Mas foi com Paulo que compus nosso primeiro rock de verdade: “Nightlife”, com letra minha (depois adaptada por Rodrigo) e música em parceria com Paulo.

Como Paulo não tocava nenhum instrumento, tudo era “de boca”. Lembro que ele chegava lá em casa e cantava o riff que havia criado e sempre o intitulava de maneira estranha. Por exemplo, o riff principal de “Nightlife” ele chamava de “aranha”, por este exigir que a mão esquerda trabalhe sempre aberta, como uma aranha mesmo.

Um dos riffs de “The Winner” (música composta por toda a banda com letra de Wagner Santos, primo de Rodrigo) que fora inspirado por uma peça clássica mas que não lembrávamos o nome, Paulo chamava de “o guaraná”, porque, na dúvida, achávamos que fosse “O Guarani”, de Antônio Carlos Gomes, a fonte inspiradora.

Eu ria demais com Paulo, este que, apesar de contribuir muito para o crescimento da banda, nunca chegou a fazer um único show conosco. Ele se mostrava sempre muito inseguro, como se não estivéssemos prontos para subir num palco com o novo frontman.

Houve até um a vez em que abriríamos uma apresentação da – novamente eles – Eternal Flame. Seria a estreia dessa nova formação, enfim, a estreia da Evil Darkness. Estava tudo certo, nos preparamos para esse show, mesmo com a nítida insegurança de Paulo.

Mas não rolou.

Não lembro dos detalhes, mas apenas de ver Renato pegar o telefone (sim, aquele mesmo do meu quarto), após uma longa tarde de ensaio, e ligar para Nelson Hortz, a fim de acertar os detalhes do evento.

– Como assim não vai rolar? – perguntava Renato.

Alguma merda eu sei que deu, mas não me recordo qual exatamente. Sei que quem conhece Renato pessoalmente pode bem imaginar qual foi sua reação ao telefone. Notei que Paulo respirou aliviado, mas foi a frustração que tomou conta do restante da banda. Ainda não seria daquela vez...

[Continua]