segunda-feira, 27 de julho de 2009

SINUCA DE BICO

Acordei naquele domingo com a cabeça estourando de dor. As cervejas da noite anterior se faziam presentes; martelavam meu crânio como que numa tentativa de me fazer parar de vez com essa vida de bebedeiras. Mas o que eram aquelas latas de alumínio diante da minha fabulosa caixinha de remédios? Em poucas horas eu dava adeus àquela dor dos infernos e me encontrava “pronto” novamente.

Como em todo domingo, desci para almoçar no Bar do Dodô (o melhor PF do bairro). Era o último domingo do Campeonato Dodô de Sinuca e os dois melhores estariam disputando a final: Candinho Braço de Taco e Toninho Caçapa. Eram sempre eles na final há mais de cinco anos.

- Dodô, me vê o de sempre, por favor! – eu pedia.
- Feijoada, arroz, farofa, torresmo e churrasco misto?
- Sim! E molho à campanha, não se esqueça!
- Ah! Claro!

Enquanto esperava o meu prato chegar, degustava uma cerveja preta. Aquilo me abria o apetite que era uma beleza. Da minha mesa, via Candinho e Toninho a conversarem. Dentro de alguns minutos, os dois começariam a grande final, disputada numa melhor de cinco.

Eu nunca fui muito bom de sinuca, não a ponto de participar de tal competição. Gostava de brincar, lógico, mas nunca de competir. Ver Candinho e Toninho numa disputa é bacana porque não há rivalidade. É como se os premiados ali naquela final de campeonato fosse o público. Eles, sim, nos presenteavam com aquelas jogadas maravilhosas. Um verdadeiro show!

O meu prato acabara de chegar. Eu abria o vidro de pimenta quando um amigo meu, o Alex, chegava à minha mesa.

- Hugo! – ele dizia – Em quem vai apostar?
- Sabe que só aposto no Candinho, Alex!
- Beleza! Dez no Candinho?
- Segure – eu entregava com a mão esquerda uma nota de dez reais a Alex, enquanto a direita banhava o prato com pimenta.
- A maioria está com o Toninho, Hugo!
- Melhor assim!

O jogo começava. A cada pedaço de linguiça à boca, uma passada com a vista sobre as bolas daquela mesa. As tacadas de Candinho estavam certeiras. Mais ainda que no ano anterior.

Restando apenas uma bola para vencer o primeiro dos cinco jogos, Candinho, no momento da tacada, para, tira o chapéu e segue com o olhar as pernas numa calça jeans justíssima da menina que acabava de chegar. Para o meu azar, era a minha filha Patrícia, que mora com a minha ex-mulher.

Era inegável que, em seus recém completos dezenove anos, Patrícia era uma mulata de cair o queixo, reconheço. Mas era a MINHA filha!

- Opa! Por que parou o jogo, Candinho? – eu dizia a levantar da mesa – Respeito, meu chapa!
- Mas é a Patrícia? – perguntava Candinho com cara de espanto.
- Isso mesmo! Com idade para ser sua neta, meu caro!
- Desculpe-me, Hugo, é que...
- Tá, tá, tá... Acerte logo essa bola e vença logo essa primeira!
- OK!

Pude ouvir aquela bola caindo na caçapa enquanto encarava Patrícia.

- Já falei para não me procurar aqui no bar, Patrícia!
- E onde te procuro? Você só vive por aqui, pai!
- Tá, tá, tá... Diga o que quer!
- Preciso comprar casacos novos. Tem feito muito frio e os meus estão curtos!

Patrícia apontava para o casaco que vestia e, realmente, estava bem curto.

- Poxa, filha, você deu uma esticada boa!
- Esticada? Esticada eu dei quando completei quinze anos, pai! Sabe de quando é este casaco?
- Não precisa me dizer, vai. De quanto precisa?
- Quinhentos reais!
- O QUÊ? QUINHENTOS? SÃO DE OURO?
- Pai, eu preciso de três casacos, no mínimo!
- Três? E sua mãe, não pode cooperar?
- Ela já me comprou calças novas, pai!
- O que houve com as que lhe dei no ano passado?
- Pai, eu engordei! Não entram mais em mim!
- OK! Mas não tenho quinhentos aqui. Preciso pegar no banco.
- OK! Eu espero você terminar de almoçar.
- Filha, hoje não! Amanhã, logo pela manhã, eu pego esse dinheiro e deixo com a sua mãe, pode ser?
- Não, pai! Eu marquei com minhas amigas de irmos ao shopping hoje!
- Tá, tá, tá... Espere-me acabar de almoçar! Mas me espere lá em casa, aqui não! Tome a chave.
- Ah, pai... O que é que tem?
- Aqui não é ambiente para você!
- É só até você terminar de comer, ora!
- Ah, menina! Está bem, mas fique aqui do meu lado!
- OK!

O segundo jogo começava e, para a minha surpresa, Candinho não acertava sequer a bola branca! Também, o safado não tirava os olhos de Patrícia. Minha filha estava desequilibrando a final de um campeonato de sinuca. Pode?

O fato é que Patrícia estava realmente estonteante. Seios rijos e fartos, pernas grossas, cabelos bem cacheados e enormes. A minha pele negra junto à branca de minha ex-mulher deu à Patrícia um lindo tom chocolate. Uma princesa! Um orgulho!

Pensando em minha aposta em Candinho e notando o que ocorria por ali:

- Vamos, filha, sair daqui! – eu dizia.

Peguei o carro e fui com Patrícia até o Centro, no caixa automático, a fim de sacar os malditos quinhentos reais.

Ao deixá-la na porta da casa de sua mãe:

- Obrigada, pai! Eu te amo!
- Tá, tá, tá... Eu também te amo! Mas preciso ir...
- Ver o maldito jogo de sinuca?
- Sim...
- Tudo bem, pai! Pode ir – dizia-me Patrícia nitidamente irritada.
- Está zangada?
- Claro! Você sequer perguntou como eu estou, pai! Sabia que estou namorando?
- Ah?
- Isso! Estou namorando!
- Quero conhecer o canalha! Sua mãe já sabe disso?
- Canalha? Pai, veja lá como fala do meu namorado! Sabe onde ele está nesse momento? Trabalhando! Enquanto você está naquele bar fedorento tendo a coragem de apostar dinheiro na vitória de um vagabundo que olha para a sua filha da mesma maneira como fita um frango assado!

É... Um fedelho estava arrancando beijos apaixonados de minha filha e ainda virando um exemplo de homem para ela. Naquele momento, pouco me importava o resultado do jogo entre Candinho e Toninho. Eu acabava de perder o mais valioso dos jogos: o jogo da vida. Notava toda a minha ausência diante daquela dura (e correta) frase de Patrícia.

Patrícia, ao sair do carro e caminhar até a porta, parecia fazer questão de me exibir um rebolar adulto e prestes a se tornar independente. Novamente o fedelho me veio à mente, mas parei de pensar antes que morresse ali mesmo; de raiva.

3 comentários:

Nathalia disse...

e quem ganhou o jogo?
hahahahhaa
adorei!

Janaina W Muller disse...

É mesmo...quem será que ganhou o jogo? Espero que não tenha sido o tarado :p
Aaah...e bem feito pro tal do Hugo! Mereceu.

Abraços.
='-'=

Lucas disse...

História e narração ótimas!
Gosto tanto desse seu jeito de descrever cenas e pessoas.
Enfim, mais um ótimo conto.

Abraço Luciano.