quinta-feira, 10 de setembro de 2009

QUARENTA E TRÊS OITENTA

A sirene soava. Era o fim de mais um dos raros momentos de lazer semanal: a boa e velha “pelada” de domingo. Logo vinha o S. Osmar, dono do campo que alugávamos, nos pondo para fora do gramado a base de berros. “Acabou! Já tem outra turma para entrar, cambada! Vazem!”, ele dizia. Era tudo uma brincadeira, lógico, pois ele sabia que, depois do futebol, nós gastávamos uma boa grana em cervejas e tira gostos em seu bar. Mas antes de ocuparmos as mesas do bar do S. Osmar, tomávamos um banho e nos trocávamos no vestiário.

- Preciso te contar uma, Ney – dizia-me Laerte a se enxugar.

Laerte era bem mais velho que eu, tinha seus cinquenta anos, por aí. Nossa amizade se baseava apenas naquele encontro semanal, mas era bastante sincera. Laerte era um dos donos de uma rede de lanchonetes famosíssimas aqui no bairro. Era um cara de sorte, porque, além da pequena fortuna que tinha, ele era o que chamamos de um “coroa inteiro”; corpo atlético, cabelos levemente grisalhos, olhos castanhos bem claros. Era viúvo. Tinha seus casos, logicamente, mas nunca assumiu um outro compromisso novamente.

- Diga! – eu dizia a Laerte.

Eu, ao contrário de Laerte, era “duro”, casado e quase que unanimemente considerado um cara desprovido de qualquer tipo de beleza física. Trinta anos, empregado de uma indústria de cosméticos e dono de uma barriga a cada dia mais saliente, eu era o que chamamos de “perdedor”.

- Acho que estou amando novamente – dizia Laerte.

- Que bom, cara! Já sei! Era apenas mais um de seus casos, mas te pegou de jeito, não foi?

- Não. Pior que não. Nem a conheço direito, se quer saber. Eu nunca a vi pessoalmente, inclusive.
- Mas como isso? Amor não nasce assim, Laerte! E outra: não está certo um cara de trinta anos dando conselhos sobre o que é o amor para um outro de cinquenta, está? – eu ria.

- Não, não está. Mas, talvez, porque você não saiba o que realmente estou sentindo.

- Pode até ser, mas... Acho estranho amar sem ver.

- Eu já a vi. Nos conhecemos pela Internet, e ela, logicamente, já me mandou algumas fotos.

- É bonita, naturalmente.

- É sim. Muito bonita.

- E isso foi o suficiente para despertar o amor?

- Eu só penso nela, Ney! Atrapalha até o meu expediente! Chego no escritório e só penso em falar com ela!

- E de onde ela é?

- Daqui mesmo do bairro.

- E porque ainda não a encontrou, Laerte?

- Ela prefere esperar mais um pouco.

- Entendi...

Entendi nada! Não quis jogá-lo água fria, mas estava na cara que se tratava de alguém pregando uma boa peça no coroa. Essa “mulher”, no mínimo, lhe enviara fotos de alguma beldade, o que o deixou maluco. Que motivo ela teria para esperar?

- ...Mas por que esperar? Será que ela é casada? – eu continuava.

- Não, não é. Pelo menos foi o que ela me disse.

- Vamos beber! – eu cortava o assunto e o levava até o bar do S. Osmar.

O pagode já comia solto enquanto Laerte, entre um gole e outro de refrigerante – ele não bebia nada alcoólico –, perdia-se em seu próprio olhar. Ele de fato não estava ali; nitidamente pensava na tal mulher da Internet. Eu precisava fazer alguma coisa. Aquilo já estava me incomodando.

- Laerte! Acorda, cara!

- Estou acordado, estou acordado!

- Não está! Está pensando na tal mulher, cara! E se ela... – eu me precipitava.

- E se ela o quê?

- E se nem for uma mulher, cara? – eu dizia.

- Como assim? É claro que ela é uma mulher! Ela... Ela já me deu provas disso!

- Foto? Isso não prova nada!

- Não! Antes do futebol, ela me telefonou. Pela primeira vez ouvi a sua voz. Por isso estou assim...
- Bem, uma voz é fácil de...

- Não, Ney, era uma voz de mulher! E disso eu tenho certeza! Era uma voz doce...

- E por que você não liga de volta?

- Ela me pediu, pelo amor de Deus, que não fizesse isso.

- Estou sentindo cheiro de mulher casada, cara!

- Acho pouco provável... Sabe o que ela me disse, Ney?

- O quê?

- Que não faz sexo há anos!

- Lorota! Mulher nenhuma...

- Eu acreditei.

- Hum...

Durante toda a confraternização “pós-pelada” eu conversei com Laerte. Eu notava o quão inocente era aquele coroa. Queria tirar aquilo da cabeça dele; estava na cara que se tratava de um trote muito bem armado. “Em algum lugar, devem estar rindo dele”, eu pensava.

O telefone de Laerte tocou e ele logo tratou de se afastar para atendê-lo. De longe, pude ver a cara de felicidade daquele senhor grisalho. Ele sorria, gesticulava, falava. Até que desligou o aparelho.

- Era ela? – eu pergunto logo assim que ele chega à mesa.

- Era sim. Disse que não aguenta mais, que quer me ver.

Das duas uma: ou Laerte realmente encontraria o amor de sua vida ou a decepção da confirmação de uma grande brincadeira o faria em pedaços.

- E quando será? – eu perguntava.

- Amanhã! Ela quer almoçar comigo!

- Que legal, Laerte! Não esqueça de me contar no domingo que vem!

- Pode deixar, Ney!

Ambos mais tranquilos, tratamos de cantar algumas coisas do Paulinho da Viola.

* * *
Eu costumava chegar do futebol um verdadeiro bagaço. Cansado, suado e ligeiramente embriagado. Minha esposa Estela vinha com o velho sermão de todos os domingos:

- Chegou você! Acabou o meu domingo!

- O meu também acabou, mulher! Já joguei meu futebol, bebi a minha cervejinha...

- É só para isso que serve o seu domingo, não é mesmo?

- Que saco! Toda vez é a mesma ladainha! Ralo igual a um cachorro a semana inteira! Não tenho sequer o direito de me divertir, porra?

- Ladainha não, Ney! A nossa água continua cortada, você se lembra? Você sequer ligou para a fornecedora para regularizar nossa situação!

- Está bem, está bem, eu ligo! Eu liguei ontem à noite, mas ninguém me atendeu naquela merda!

Como eu não havia feito ligação alguma entre a noite anterior e aquele momento e o meu teor alcoólico mental se encontrava elevadíssimo, tentei a sorte apertando o “redial”. O som de uma seqüência automaticamente sendo discada ecoava em meus ouvidos.

- Alô! Amor? Você de novo? – uma voz familiar me atendia.

Ao mesmo tempo em que minha mente soluçante se esforçava para identificar o dono daquela voz, meu peito sofria um aperto monstruoso.

Depois de alguns segundos, eu ligava a voz à pessoa; era Laerte.

7 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns luciano!
Bela forma de se expressar.
Se tiver msn, me passe.
Gosto de manter contato.
Abraços.

FYC disse...

Noooossa!
Não pensei nisso mesmo! haha
ah, e é triste ver um cara com 30 anos com o casamento tãoooo desgastado assim, né?

Adoreeeei a capa!
(sempre volto pra "entender", já te falei isso? rsrs)

bjs
(Nathalia)

Bruno Sant' Anna disse...

Pensei que fosse você o Ney, mas depois do lapso temporal percebi que não!

Demais!!!

Não sei nem como falar!!!


Parabéns, rapaz!!!

Unknown disse...

parabéns pelo conto!
parabéns pela capa!

=]

Anônimo disse...

Adorei, Luciano!

Estás gostando de 1984?

beijos

Vanessa Sagossi disse...

hauhauha..
Bem feitoo! hehehe
Que coisa feia de se dizer, mas quem mt se acha, neehh...

bjuhh

CAMILA de Araujo disse...

Acho que isso acontece em muitos casamentos...

Quanto ao Tintim,né? rs

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