
De sua infância, além do vazio causado pela falta de um pai, Carlos guarda na memória as bofetadas, pernadas e pescoções que levou dos mais velhos. É que em sua busca incansável por um emprego que sustentasse seus sonhos de menino – por exemplo, uma pulseira de respeito, como a que seu irmão usava – Carlos passou pela mão de empregadores bastante cruéis.
O rapaz ainda se lembra de quando trabalhou por quatro dias em um lava a jato, perto de sua casa. O Sr.Alfredo, dono do negócio, lhe aplicava uma rasteira por cada cliente que reclamava de seu serviço. O pequeno Carlos logo percebeu que as rasteiras divertiam os clientes, que, ao entenderem o espírito da coisa, reclamavam sem motivo algum.
O lava a jato foi apenas um capítulo dentro dos inúmeros em que viveu. Carlos, como todo jovem, queria desfrutar de roupas “de marca” – na época, as populares camisas bordadas, por exemplo –, e sabendo que de sua casa não lhe sairia sequer um real, aceitar as propostas de trabalhos escravos disfarçados de emprego era a única saída para o rapaz.
Carlos passou por muitos lugares. Por cada litro de suor derramado, Carlos recebia grosseria, descaso e humilhação. E se já não bastasse o expediente, em casa a coisa ainda era mais feia; sua mãe e seus irmãos desconsideravam sua presença, haja vista a ausência de uma ajuda financeira considerável da parte de Carlos.
- Você me custa caro, Carlos! Muito caro! – dizia sua mãe ao acender um de seus infinitos cigarros.
Você, caro leitor, deve estar pensando que “nada justifica”. E eu lhe pergunto: Como nada justifica? Diante de uma situação dessa? Eu mesmo dou todo o apoio quando ele me diz resolver seus problemas “na bala”. Ora, sem escolaridade, sem ajuda familiar, sem oportunidades no mercado de trabalho e caminhando à base de violência e covardia, até eu optaria por tal caminho.
E assim, carregando injusto e pesado passado, Carlos se prepara para mais um dia de “ganho”. O rapaz se municia com o máximo que pode carregar. Afinal, nesse ramo nunca se sabe o que vai precisar. Enquanto Carlos se prepara, faz o sinal da cruz três vezes e pensa que, agora, seu patrão é ele mesmo; suas leis e seu ritmo é ele mesmo quem os define.
Com a preferência de atuação voltada para os ônibus, Carlos fica à espera de um. Seus olhos correm pelos veículos que passam em busca de pessoas que, segundo ele, “têm cara de ganho”.
Depois de alguns minutos, Carlos, enfim, escolhe o primeiro ônibus do dia. Entra pela porta da frente já fazendo um sinal para o motorista – que na maioria das vezes já sabe de todo o esquema e recebe até agrados.
Carlos averigua se suas balas estão prontas para a ação e:
- Desculpe incomodar o silêncio de vocês. Mas hão de concordar que vale a pena dessa vez. Senhoras e senhores, eu garanto a qualidade! É só olhar no verso e conferir a validade. É a bala de menta, é a bala de coco, não tem nada igual! Tem a bala de leite, tem de tamarindo, café e até mingau! Encontrada nas lojas do ramo, tá pra lá de dois e tal. Mas aqui na mão do camelô vai pagar um real!
Ele vende balas, caro leitor. Explicado?
* * *
Este conto foi baseado na música "Bala Perdida" de Vinicius Castro e é parte integrante do lançamento de seu CD "Jogo de Palavras".
6 comentários:
Salve, rapá!! Mto bom! Valeu mesmo!!
Gostei. :)
Mas estou com saudades da Luana!
Beijos,
caramba.. no começo achei que ele era traficante, dps pensei que executava pessoas e dps assaltante de onibus.. e por fim ele era vendedor de bala.. p vc vê.. como já fazemos mal pensamento das pessoas :s
gostei luuh! ;D
Beijos
ahahaha adorei!
QUE SAUDADE DISSO AQUI!
ahahaha adorei!
QUE SAUDADE DISSO AQUI!
Conto genial e surpreendente! Li atenta os momentos de tensão imaginando o assalto do ônibus terminando em sangue e lágrimas, e surge algo inusitado!
Muito bom!
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