quarta-feira, 10 de novembro de 2010

ACIMA DE TUDO, FIEL

Um pacto. Isso mesmo! Tínhamos, Tatiana e eu, um pacto de não dizer palavra. A gente se encontrava, se beijava, se amava e se lambuzava com todos aqueles líquidos que da gente saía – que para nós, diga-se, eram afrodisíacos –, mas não dizia um “ai”; tínhamos um medo mortal de nos conhecer melhor e, com isso, acabarmos perdendo o tesão um pelo outro. Um medo muito do babaca, confesso. Mas tínhamos dezenove para vinte anos; o que se esperar dessa idade em termos de relacionamento?

Eu tinha a minha namoradinha, sabe?, a Beatriz. Mas era aquele namoro de sofá, entende? Beijinhos, mãos dadas, TV, lanche, mais beijinhos e tchau. Ela só tinha dezesseis e os pais dela não davam brecha.

- Você pode namorar a minha filha, rapaz – disse-me o pai dela certa vez –, mas porque tu tens um emprego e me parece, ouça bem, me parece ser de boa índole. Por enquanto, o namoro de vocês é aqui em casa e sob os meus olhos, entendeu?

Diante de tal conselho (leia-se ameaça), qualquer um abandonaria o barco no primeiro dia. Mas Beatriz era para mim uma jovem de qualidades muito raras. Eu via nela a mãe dos meus filhos! Palavra!

Beatriz era uma morena clara do cabelo bem negro, todo em cachinhos, na altura do meio das costas. “Dá um trabalho mantê-lo assim”, ela dizia sempre. Com aparelho nos dentes, sua fala saía meio “axim, xabe?”, o que para mim era um charme à parte! Dona de olhos grandes, claros e de cor indefinida, Beatriz possuía um rosto de menina, mas um corpo de mulher – quase sempre coberto por vestidinhos que eram um misto de sensualidade e inocência.

Era um pouco monótono, sim, confesso, mas ao mesmo tempo era muito bacana chegar à casa de Beatriz e ouvi-la dizer, com aqueles lábios pequenos, “amor, hoje fiz um bolo de cenoura, hummmm”.

Com Tatiana era o contrário. A gente se encontrava nos fundos da casa dela, em meio a um monte de ferramentas velhas, sempre às quintas-feiras à noite, quando seus pais saíam. Lá havia uma bancada de madeira que a gente forrava com um edredom velho; edredom este testemunha de todas as nossas loucuras.

Tatiana tinha a pele alva e o cabelo castanho, na altura do tórax; era bem liso, porém, nitidamente sem cuidados. Ela tinha uma combinação rara de medidas: bem magra, mas com seios fartos e rijos. Não tinha muito bumbum, é verdade, mas, sei lá, ela tinha sexy appeal, sabe? Estava sempre com uma calça skinny, uma camiseta de malha e um All Star vermelho. Ah! E com muito, mas muito tesão também.

Comigo, Tatiana não queria saber de nada que não fosse sexo. Era apenas isso. Se eu estava com a Beatriz, se eu ia me casar, se eu tinha faturado o prêmio da Mega Sena, nada disso importava. Tudo o que ela queria era que na quinta-feira eu estivesse lá, firme e forte! E põe firme e forte nisso, porque a magrelinha era incansável.

Como já disse, com a gente não havia diálogo. Era “pá-pum”, só que multiplicado por três ou, às vezes, até quatro.

Num desses nossos encontros mudos – não tão mudos assim, porque os gemidos de Tatiana costumavam rasgar o silêncio da noite:

- Preciso te dizer uma coisa – dizia Tatiana antes mesmo de nos beijarmos.

- Mas...

- Sim, eu sei, prometemos nunca falarmos um do outro, mas eu preciso te dizer que...

- Que o quê?

- Que não vai haver mais encontros entre nós dois. Estou com um cara.

- E desde quando isso é motivo para terminarmos aqui?

- Desde o momento que resolvi ser fiel a ele. Posso?

- Não! Não pode! Eu não sou fiel à Beatriz! Por que você tem que ser fiel a este cara?

- Porque eu SOU fiel!

- Desde quando?

- Desde sempre! Fui fiel a ti, não fui?

- E eu sei lá, Tatiana? Eu lá sei com quem você anda?

- Só andei contigo, seu babaca! E aposto que a Beatriz só andou contigo também! Acho que você é o único filho da puta nessa história!

- Essa é boa, Tatiana... Essa é boa!

Fazer o quê? Dei meia-volta e fui embora.

Naquela semana sofri horrores com o nosso rompimento. Até Beatriz me achou estranho naqueles dias. Realmente eu estava estranho; olhava para o nada, ficava quase sempre cabisbaixo. Senti como se eu realmente fosse dependente de Tatiana, ou melhor: do sexo de Tatiana.

Na outra quinta-feira, mesmo sabendo que Tatiana não me receberia, fui em direção aos fundos da casa dela, como sempre. Antes de chegar àquele muro, pude ouvir os gemidos de Tatiana. Ela estava lá, provavelmente com o tal cara de quem ela me falou. Que ódio eu senti. No mesmo dia e horário em que ela se dedicava a mim? A sua voz me dizendo “...eu SOU fiel” martelava a minha cabeça.

Sentei no muro e esperei. Pelas minhas contas foram umas três transas. Os gemidos de Tatiana me torturavam, mas eu precisava saber, de qualquer maneira, quem era aquele cara.

Quando ouvi a porta daquele cafofo se abrir, rapidamente desci do muro e me escondi, a fim de esperar pelo cara. Ele saiu, assim como eu saía, sem emitir palavra. Filho da mãe. Quando ele dobrou a esquina:

- Ei, cara! – eu o abordava.

Era um cara bonito. Forte, de estatura mediana, bem vestido...

- O que foi? – dizia ele não muito amigável.

- Estava com a Tatiana?

- Sim, por quê?

- Foi bom?

- Foi ótimo! Por quê?

- Estão namorando?

- Não é da sua conta!

- Preciso saber! Por favor!

- Que babaca! Quer mesmo saber? Eu tenho uma namorada, sim, mas não é a Tatiana. E ela sabe disso! Agora me dê licença!

A fidelidade de Tatiana sempre me espantou, mas naquele momento me causou nojo. Ali, parado naquela esquina, feito um completo idiota, senti uma vontade louca de comer um pedaço de bolo da Beatriz.

4 comentários:

Vanessa Sagossi disse...

Nossa, esse conto me deixou com nojo dos personagens. Parabéns, Luciano!
Beijos,
Vanessa Sagossi
comentandoofilme.blogspot.com

Nathalia disse...

Nossa, esse conto me deixou com nojo dos personagens (2)

e quaaaantas tatianas existem por ai... aiaiai

Unknown disse...

É... mas vale ressaltar que Tatiana era, acima de tudo, fiel! uauhauhuaha :)

CAMILA de Araujo disse...

Seu conto me lembrou uma situação que vivi nesse verão, mas que não chega a ser tão caliente como a sua. Mas imagino oq o garoto sentiu...

Pouco piriguete essa Tatiana heein :~~

Tava com saudades dos seus contos...