sexta-feira, 18 de novembro de 2011

VINHO BRANCO

Na janela, a chuva que teimava em cair. Na agulha, um velho disco do John Coltrane. Não era bem tristeza o que me tomava, mas um vazio. Imenso. O término do namoro era duro para mim, mas pior fora a infeliz descoberta de não ser o único a beijar os pequenos lábios de Sofia. Uma traição que não se apresentava asquerosa unicamente por sua existência, mas também por sua forma – era sob os carinhos de um primo meu que Sofia se contorcia com mais vontade.

O calor esperado naquele mês de dezembro só daria as caras em meados de janeiro, o que fez com que o clima de Natal me abraçasse com um pouco mais de romantismo. Enquanto o jazz de Coltrane soava por cada metro quadrado de minha sala, eu degustava um delicioso Romeo y Julieta, meu charuto predileto. Na taça de vinho, que repousava sobre a mesa de centro, sequer toquei, já que tudo naquela bebida me lembrava Sofia – havia duas taças e uma garrafa vazia no local onde a flagrara com meu primo.

Pensei em ligar para alguns amigos, precisava espairecer a mente, me divertir... Mas o telefone tocou alto, logo após alcançá-lo.

– Alô... – eu disse.

– George? Sou eu, Letícia, tudo bem?

– Oi, Letícia... Nem tanto, mas e você?

– Péssima... Mas diga, o que houve?

Pensei em me abrir. Afinal, Letícia era uma das minhas melhores amigas. Mas confesso que morri de vergonha. Imagine! Traído pela namorada e pelo primo de uma só vez! Eu não merecia aquilo, muito menos me expor à Letícia dessa forma. Resolvi ser breve, mas sem mentir:

– Sofia e eu... Nós terminamos, Letícia.

– Nossa, George, que chato isso...

– É...

– Bem, então deixe. Não vou te atrapalhar...

– Não, que isso?, está tudo bem, Letícia. Diga-me. Por que está “péssima”?

– Ai, George, você não vai acreditar... O Rodrigo terminou comigo...

– Putz...

O Rodrigo era um canalha. A verdade é que Letícia não fazia ideia do mal que acabara de se livrar.

– Pois é, amigo, perdi meu chão. Estou desesperada!

– Ora, Letícia, também não é para tanto... Isso passa, não acha?

– Não, George. Acho que vou morrer sofrendo pelo Rodrigo, essa é a verdade.

– Besteira...

Nós éramos muito amigos, mas nossos antigos relacionamentos haviam nos deixado um pouco longe um do outro. Abandonados, estávamos, então, em solidão igual. Ela precisava desabafar com seu amigo aqui, assim como eu precisava muito do ombro dela.

Como era de se esperar, nos ligamos bastante nos dias seguintes. Ela e eu, já de férias na faculdade, tínhamos algum tempo livre para isso, geralmente à noite, após o expediente de ambos – ela estagiava em uma empresa de papéis, eu em um jornal de bairro. Morávamos um pouco longe um do outro, por isso quase não nos víamos pessoalmente. Perdíamos horas ao telefone ou no messenger.

Até que um dia:

– Onde passará o Natal, George?

– Em casa, ora. Onde mais?

– Por que não passa aqui em casa? Seus pais ficariam chateados?

– Meus pais dormem o Natal inteiro.

– Jura? Meu Deus... Então, George, mais um motivo para você vir para cá!

– Mas e os seus familiares? Eu me sentiria meio out por aí.

– George, o que menos quero é encarar minha família. Vão me encher de perguntas sobre o Rodrigo, e...

– Entendo...

– Então, você vem?

– Ah, Letícia...

– Por favor, Georginhoooo!!!

– OK, eu vou, eu vou!

* * *

No dia 24, lá estava eu, cumprimentando os poucos familiares presentes na casa de Letícia. Cheguei a ver alguns deles cochichando sobre eu ser um possível substituto do Rodrigo, mas não liguei, nem comentei com Letícia. O que menos precisávamos naquela noite era de problemas. Tudo o que queria era beber algumas taças de vinho – sim, eu já havia superado um pouco a lembrança que tal bebida me trazia de Sofia – e jogar conversa fora com uma amiga que eu não abraçava havia meses.

Fomos para uma varanda. Conversamos muito e rimos mais ainda. Se no início da noite Rodrigo e Sofia dominavam os nossos assuntos, minutos depois pareciam nunca terem existido em nossas vidas. Devo confessar que assistir Letícia sorrindo daquela forma me fazia um bem enorme.

Ela estava tão linda naquela noite. Trajava calça jeans, camiseta de malha e um leve casaquinho por cima. Um rosto sem maquiagem deixava claro que Letícia não esperava ninguém especial para ceia de Natal. Mas quem disse que precisava desse tipo de vaidade? Uma boca e um narizinho de traços finos somados àqueles longos, ondulados e negros fios ajudavam a eleger Letícia a menina mais linda em um raio de quilômetros.

Já se passavam das duas da madrugada, quando seus pais e alguns tios se preparavam para dormir. Um amontoado de colchões – que tomava quase toda a sala – já se encontrava devidamente forrado para os já desanimados hóspedes de Letícia.

– Preciso ir, Letícia.

– Já, George?

– Já são duas e vinte...

– Não acha que bebeu demais para sair dirigindo por aí? Por que não fica por aqui?

Letícia, um pouco mais baixa que eu, olhava para mim fazendo, cômica e propositalmente, aquela carinha de criança triste, como se quisesse me pedir algo, mas lhe faltasse coragem suficiente.

– Imagine, Letícia! Não, não... Nem há espaço para mim nessa cama aí – eu dizia apontando para os colchões na sala.

– Não o convidei para dormir ali com eles, George...

Sem que combinássemos nada, sem que ao menos ela me revelasse onde eu dormiria de fato, fomos aproximando nossos rostos, lentamente. A cada centímetro mais próximo de seus lábios, mais nervoso eu ficava. Ora, era da minha amiga Letícia aquela respiração ofegante que arrebatava meu pescoço.

Até que, enfim, nos beijamos. Como se estivesse preso há anos, um beijo longo e com suave gosto de vinho branco.

É incrível como um beijo é capaz de mudar totalmente o seu ponto de vista sobre a pessoa beijada, logo após, ao abrir dos olhos. Não era mais a minha amiga Letícia quem estava ali à minha frente, mas a mulher que me fez relacionar o vinho às mais belas e prazerosas recordações.

6 comentários:

Pam disse...

Adorei!
Voltou com tudo...rs
Ótimo conto, para variar, né.

Bjs =***

Dayanna Louback disse...

êê.. concordo com a Pam, voltou com TUDO!

adoreei luh!



;*

Nathalia Costa disse...

Suspiros......

(que saudadeeeeeeeeeeeeeeeeeeee)

Vanessa Sagossi disse...

Isso mesmo, meninas. Concordo! (:

Bjs
Vanessa

Sandro Ataliba disse...

Muito legal o conto, bem realista e agradável de se ler.
Abraço

Anônimo disse...

Adorei :)

Quero maiiis! rs

bjão.