terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

JÁ DOZE

Os garçons ainda ajustavam detalhes de algumas mesas e o barulho de talheres e copos podia ser ouvido no momento em que chegávamos ao restaurante. Era aniversário de uma velha amiga minha, a Nina, que para comemorar suas vinte e seis primaveras marcara um discreto jantar entre os mais chegados. Como meu pai estava viajando e eu não tinha com quem deixar a Daniela, minha irmã mais nova, resolvi levá-la.

– Ah, não quero ir a jantar nenhum, mano! – dizia-me Daniela horas antes de irmos.

– E você lá tem querer, Dani? Eu não quero perder esse jantar e eu não tenho com quem a deixar! Sendo assim...

– Eu posso ficar em casa, mano! Por favor! Eu já tenho doze anos!

– Como se fosse muito responsável, Dani... Você irá comigo e está decidido. Já para o banho!

E assim foi.

Assim que nos acomodamos na mesa reservada por Nina, Dani emburrou a cara e disse:

– Que legal, somos os primeiros a chegar...

Como uma menina de doze anos já tinha tão formada a ideia de que chegar ao local antes do aniversariante é um mico?

– A Nina já deve estar chegando, Dani. Deixe de ser enjoada!

Daniela me fazia uma careta, enquanto Nina apontava na porta do restaurante.

– Viu só? Ela chegou! – eu dizia.

Nina estava bronzeada de praia. Estonteante! Fazia calor naquele fim de tarde e, por isso, ela vinha com um vestido bem leve, deixando um dos ombros e boa parte do tórax à mostra. O cabelo, castanho e cacheado, vinha preso num simples – e lindo! – rabo de cavalo. Trazendo aquele sorriso inconfundível no rosto, Nina se aproximava de nossa mesa como se estivesse em um desfile de moda, com aquele longo par de pernas abrindo caminho.

– Carlinhos, que bom que você veio! – dizia-me Nina.

– Não deixaria de vir, Nina!

– Amigão, que saudade “d’ocê"! – ela brincava, fazendo referência ao tempo em que nos conhecemos, ainda na adolescência, quando Nina estava recém-chegada ao Rio, vinda do interior de Minas Gerais.

– Também, Nina, muita saudade!

– E quem é essa...? Ah, não! Não vai me dizer que é a...

– Sim, é a Dani!

– Meu Deus, Carlinhos, mas está uma moça!

– É, ela cresceu.

– Você lembra de mim, Dani?

– Não... – respondia Daniela.

– Está uma gatinha, né, Carlinhos? – brincava Nina.

Gatinha? Ainda não, claro. Daniela era só uma criança. Mas uma criança linda, isso é verdade. Embora naquele momento fizesse cara de zangada, Daniela era dona do sorriso mais cativante do mundo! Agraciada por uma singela pintinha abaixo do olho esquerdo, minha irmã era capaz de hipnotizar os adultos, que se agachavam para dizer o de sempre:

– Ela tem um sinalzinho abaixo do olhinho, que graça – continuava Nina.

Tratamos de nos sentar. E eu queria aproveitar o atraso dos outros amigos de Nina para matar a saudade, saber o que ela havia feito da vida, enfim, colocar o assunto em dia.

Esclarecendo, antes que o leitor pense, não, nunca houve de minha parte segundas intenções em relação à amizade de Nina, que morava, sim, no meu coração. Era uma verdadeira amiga.

Nina, então, me contava tudo o que vinha feito. Seus empregos, seus namoros, suas mudanças após a faculdade, suas brigas com os pais... Minha atenção estava quase toda voltada ao que Nina me dizia, porque parte desta rumava ao estranho olhar de Daniela em direção à minha amiga. Como irmão mais velho, sempre procurei observar suas ações, a fim de protegê-la e educá-la.

No momento em que Nina pedia licença para ir ao toalete, eu pude notar a direção exata das vistas de Daniela: os seios erguidos de minha amiga.

Mamãe morrera quando Daniela tinha apenas três anos, e a falta de uma referência feminina lá em casa parecia estar surtindo efeitos no desenvolvimento da menina. Meu pai era ausente demais. Restava a mim esse papel delicado de mãe.

– Dani, há alguma coisa em Nina que te incomoda?

– Ah? Não, não... Nada... – Daniela respondia meio assustada.

– Enquanto eu estava conversando com Nina vi que você não tirava os olhos dela. É feio ficar observando as pessoas, viu?

– Ih, mano, deixa de ser chato! Só tava olhando os peitos dela!

– Meu Deus, Dani! Por que ficou olhando os seios da Nina?

– São bonitos!

– Dani, não quero mais saber de você olhando os seios da Nina, OK? Nem de ninguém! Isso é feio! Se ela vir que você está olhando, vai ficar chateada com você!

– Ela já ficou chateada com você, mano?

– Não, por quê?

– Porque você também olha os peitos dela!

– Dani, fim de papo!

Nina voltava. E dizia:

– Meus amigos são uns furões! Oito horas já, e nada! Marquei às sete! Vamos pedir alguma coisa, Carlinhos? A Dani deve estar com fome! Chega de esperar...

– Sim, claro – eu dizia.

* * *

O jantar se resumiu a nós três mesmo. Ninguém apareceu, além de Daniela e eu, deixando Nina nitidamente muito triste. Um fio de lágrima chegou a brotar de seu olho direito, mas ela disfarçou e o secou.

Continuamos a conversar e lá estava Daniela com seus olhinhos brilhantes sobre os seios de Nina. Por conta disso e da língua afiada de minha irmã, eu não queria, nem por um segundo, deixar as duas sozinhas. Mas não consegui aguentar e precisei ir ao toalete.

Enquanto minha urina cortava o gelo que cobria o ralo do mictório, eu pensava se Daniela não estava falando alguma besteira para Nina, ao mesmo tempo em que me preocupava com o que aquela observação estranha de Daniela poderia significar. Como eu queria a minha mãe viva naquele momento...

Voltei à mesa e as duas estavam às gargalhadas.

– O que houve? – eu dizia – Qual foi a piada que eu perdi?

– Não fala, Nina! Não fala! – insistia Daniela.

– Ih, Carlinhos, é segredo... Não posso dizer... – dizia Nina ainda a gargalhar.

– Ah, agora vocês vão me dizer! É sobre mim, não é? – eu perguntava com medo da resposta.

– Não, Carlinhos – dizia Nina – é sobre a Dani mesmo!

Gelei.

– O que foi que você disse à Nina, Dani! – perguntava de forma séria.

– Vou no banheiro – fugia Daniela.

– O que ela te disse, Nina? O que exatamente ela te disse?

– Ah, Carlinhos, ela só disse assim: “Nina, você acha que quando eu crescer os meus peitos vão ficar como os seus, bonitos?”. Só isso. E eu comecei a rir, nem deu tempo de respondê-la. Ela riu também. Foi isso. Relaxe...

– Relaxe? Você acha isso normal, Nina? Ela tem doze anos!

– Sim, acho! Exatamente por isso, Carlinhos. Ela já tem doze anos.

Um comentário:

Anônimo disse...

Que conto gostosinho de ler, leve e inocente rs


bjs, Lu!