quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

O NATAL DOS LOPES

A família Lopes mantinha uma tradição há mais de duzentos anos. Ela possuía uma imagem da Virgem Maria esculpida em madeira por um artista português. Essa imagem ficava sempre sob a guarda da primeira Maria de cada geração. Até então, Maria do Carmo Lopes, vinte e oito anos, tinha a posse daquela imagem, que não podia ser vendida ou doada, mas sim, estar à disposição para a posse da primeira Maria da geração posterior a dela.

O destino, até então, provera apenas homens na família Lopes. O que dava o direito de Maria permanecer com a imagem. Imagem esta que era cuidada com muito carinho. Devido à idade da peça, a mesma devia ser privada de deslocamentos. Se possível, apenas na passagem de posse. Maria se sentia feliz em ter a escultura da Virgem Maria em sua sala. Filha de pais muito religiosos, a moça tinha um apego muito especial pela peça, além de sentir até um pouco de medo de perdê-la.

Na nova geração dos Lopes, havia Carlos, de quatro anos, Tadeu, de sete, Lucas, de oito, Jorge, de nove, e, o mais velho, Roger, de dezoito. Roger era um jovem que sempre se mostrara problemático. Se já não bastasse a sua homossexualidade, o que afrontava toda uma família firme ao catolicismo, Roger também era usuário de drogas e garoto de programa desde os dezesseis. Vivia longe da família, na casa de uns amigos de mesma profissão. Os pais de Roger não conseguiram segurar as rédeas do menino. Perderam o controle da situação quando ele ainda tinha quatorze anos. Mas na verdade Roger já nem era considerado membro dos Lopes. Já não aparecia para a família há dois anos.

No dia 20 de dezembro, Roger telefonava para sua mãe, Cassandra.
- Mãe?
- Roger? Está vivo? O que houve? Só pode ser problema.
- Não houve problema algum, mãe! Houve solução!
- Fala logo que eu estou com pressa. Não tenho tempo para ficar de papo com pervertidos feito você!
- E nem eu com velha beata!
- Ah?
Espantava-se Cassandra.
- Escuta. Vou passar o Natal aí com vocês. Ouviu?
- Era só que me faltava! Você? Aqui conosco? Não perca seu tempo, garoto. Não é bem vindo aqui!
- Você vai fechar a porta para mim?
- A ceia nem será aqui, este ano, Roger.
- Vai sim que eu já sei!
- Quem lhe disse?
- Meu primo Jorge!
- Olha, fique longe do Jorginho! Ele é uma criança! Deixe só o pai dele saber que esteve com ele!
- Não enche! Não sou pedófilo! Escuta! Eu tenho uma novidade para vocês!
- E o que é?
- Surpresa, mamãe! No dia 24 a gente se vê. Vai preparando a família para a minha presença, OK?
- Não sei se aceitarão você aqui.
- É o que veremos. Tchau!
Cassandra não sabia o que fazer. A presença de um filho como o Roger na ceia de Natal seria um problema.

No dia seguinte, Cassandra ligava para Maria:
- Maria, aqui é a Cassandra. Tudo bem?
- Conheço sua voz, prima. Diga.
- Adivinhe quem me telefonou.
- Quem? Não me diga que...
- O Roger!
- Meu Deus! E o que ele queria?
- Quer vir passar o Natal conosco.
- Nossa!
- Eu tenho medo. Ele pode vir sob efeito daquelas porcarias que ele usa, sabe? Ele já sabe que a ceia será aqui em casa. Estou te ligando para perguntar se podemos transferi-la para a sua casa.
- Claro que sim, Cassandra. Sem problemas. Avise a todos.
- Está bem.

* * *
No dia 24, toda a família Lopes se reunia na casa de Maria. A felicidade reinava naquela casa. As crianças brincavam e os adultos conversavam e se divertiam com as histórias da mãe de Maria, D. Iolanda.

Batidas na porta.
- Eu atendo.
Prontificava-se Maria, que abria a porta.
- Oi prima!
Cumprimentava um Roger totalmente travestido de mulher.
- Minha nossa! Roger?
- Roger não, prima! Maria do Socorro! Operei!
- O quê?
- Dá licença, prima.
Roger invadia a casa de Maria do Carmo com um ecoante “feliz Natal”.

Todos permaneceram em silêncio. Não sabiam o que dizer a respeito da transformação de Roger.
- O que foi? Perderam a língua, foi? Ou deixaram cair na sacola da igreja? Operei!
- ESCUTE AQUI, ROGER!
Gritava Maria do Carmo.
- Roger não! Já falei! Agora sou Maria do Socorro. E a propósito, segundo a tradição familiar, acho que aquela imagem da Virgem Maria ali me pertence, não?
- NÃO FALE BESTEIRA! VOCÊ NÃO É MARIA! NUNCA SERÁ! NEM LOPES VOCÊ É MAIS! VOCÊ É ROGER! UM ROGER QUALQUER!
Berrava Maria do Carmo.
- É mesmo? Então vamos ver quem vai me impedir de levar esse toco de madeira portuguesa!

Naquele instante, começava uma briga onde eram todos contra Roger, que tentava chegar até a imagem a todo custo. Vendo-se na desvantagem, o travesti puxava uma navalha de dentro da bolsa e ameaçava toda a família.
- QUEM VAI QUERER ABRIR UMA BUCETA NA CARA? QUEM?
Gritava Roger. Todos permaneciam distantes e quietos, porém, revoltados.

Roger, andando para trás, chegava até a imagem. Pegava a Virgem Maria quase a deixando cair, para susto de todos.
- Calma gente! Vocês acham que eu vou dar um mole de quebrar essa grana? Isso deve dar para um fim de semana coberto de neve, se é que vocês me entendem.

Roger ensaiava uma fuga ameaçando a todos. Ao chegar de Roger à porta, Maria era tomada por uma ira jamais vista. Num salto, alcançava a imagem nas mãos de Roger e a puxava com força. Roger, num reflexo, rasgava-lhe o rosto com sua lâmina. Maria gritava de dor, levava as mãos à bochecha ensangüentada e largava a imagem, que se quebrava ao chão. O filho da Virgem Maria, menino Jesus, não mais fazia parte da obra. Separavam-se na queda. Como Roger do colo dos Lopes.

Roger saía correndo e deixava apenas os pedaços. Pedaços da carne facial de Maria do Carmo, pedaços de uma tradição e pedaços de uma ceia natalina.

6 comentários:

Vanessa Sagossi disse...

Nossa! Caramba, que Natal, hein! Já era... Coitados, ter uma pessoa dessas na família; mas também poderiam ter educado melhor essa criatura, né?
Que o ano novo, pelo menos seja melhor..

Anônimo disse...

ai que horror...
já que ele gosta, os Lopes deviam deixar um bela b..... no corpo dele todo!
ia adorar..
rsrsrsrsrsrsrsrsss


bjsssssssssssss

Anônimo disse...

Que cara idiota. Fiquei até com raiva dele!
Acabou com a felicidade da família, espero que eles consigam se recuperar.

bjs

Unknown disse...

aiiiiiiiê!

Janaina W Muller disse...

Meeee! Cruzes HAUhauHAUhuahUAH To boquiaberta até agora! Que guri/travesti maluco(a)! Coitadinha da Maria do Carmo e de toda a família...e da imagem, claro. Que Natal esse hein, credo Oõ

Abraços
='-'=

Denilson Botelho disse...

Luciano,

Como detesto o Natal, vi no seu conto uma das razões pelas quais deploro essa festa consumista. Ali está toda a hipocrisia da família burguesa incapaz de aceitar a convivência com a diferença. Entre o perú e o bacalhau, dane-se Roger! Pena que a Virgem Maria quebrou! Daria um belo final de semana coberto de neve...rs!

A pena continua afiada! Parabéns!

Denilson Botelho