quarta-feira, 15 de abril de 2009

CASA DO BESOURO

Não pensei em nada. Apenas liguei o meu carro e tomei a estrada rumo à casa de meus avós, no interior do estado. Somente depois de alguns quilômetros é que comecei a analisar o real sentido daquela fuga. Por que para a casa dos meus avós? Não pela distância, mas por serem os avós mesmo. Eu podia muito bem ir para a casa de um amigo ou de uma amiga – o que na ocasião seria até melhor. Economizaria gasolina, tempo... E nem teria tempo para tal análise também.

Ah... Meus avós. Eles foram os elementos que mais prejudicaram o meu caráter, confesso. Mas, internamente, isso sempre me fez tão bem. O meu egoísmo, por exemplo, nunca me afetara. O meu temperamento agressivo também não.

Eu tinha acabado de encontrar a minha esposa, completamente embriagada, às altíssimas gargalhadas. Ela não apenas ingerira uma grande quantidade de álcool, o que seria até aceitável, mas também gozava de um frenesi junto a mais dois rapazes; na nossa cama. Estes, considerados anteriormente ao fato como grandes amigos meus, eu matei na hora. Alice não sabia da existência de uma Colt bem atrás do nosso armário.

Ao avistar tal cena surreal, mergulhei-me fundo naquele misto de loucura e ódio. Resolvi então romper o contrato social; peguei a pistola e, em disparos tão certeiros que me assustavam, deitei os corpos dos dois canalhas naquele lençol guardado por Deus Baco.

- FABRÍCIO! VOCÊ FICOU MALUCO? – gritava Alice.

Deixei a frase de Alice no ar. Poupei-a da morte nem sei por quê. Talvez por achar que aquela vagabunda que me fizera juras sobre o altar de algum São qualquer merecesse mais o peso das duas mortes em vida que a sua própria morte.

Matá-la seria dar-lhe a chance de continuar a festa e chegar ao orgasmo duplo junto àquelas almas que eu acabara de mandar para o inferno. Ela ia também, eu sei disso. Mas esse gozo ela não terá. Ao invés disso, dei-lhe o pranto aos berros sobre aquela cama, que de branca se tornava rubra.

Então, como já disse, peguei meu carro e rumei para a casa de meus avós. Eu já previa a frase clássica de meu avô após eu contar toda a história:

- Ela fez isso com você? Eu sempre soube que ela não prestava, meu neto!
- Pois é, vovô. Olha o que ela me obrigou a fazer!
- Mas foi bem feito para eles, Fabrício. Provaram o gosto dos que ousam desrespeitar um Valentim! Seu pai já sabe disso?
- Não, vovô. Você sabe do que ele seria capaz de fazer, caso soubesse.
- Pior é que sei. Aquele ali não é um Valentim. Submisso...
- Cadê a vovó?
- Foi na casa de uma amiga dela. Esses chás, você sabe...
- Sim.
- Bem, o que você pretende fazer agora, Fabrício?
- Eu esperava que o senhor, com o seu conhecimento, desse uma telefonada para aquele amigo seu, o Coronel Jairo.
- Ah, sim, claro. Vamos ligar agora mesmo.

Enquanto meu avô cuidava de minha tranquilidade, eu abria uma de suas cervejas – o velho nem bebia, mas tinha-as sempre à geladeira para o caso de alguma visita. Eu caminhava por aquela casa enorme enquanto ouvia os argumentos tortos de meu avô com o Coronel Jairo.

- Sabe como é, Jairo, o garoto agiu por legítima defesa (...) Claro que não foi, mas sei que dará um jeitinho de ser, não é mesmo? (...) Posso contar com a sua ajuda, não é? (...) Sabia que sim. Um grande abraço!

Eu chegava até ele:

- E então, vovô?
- Ele me disse que os homens dele já estão no local, por coincidência. Parece que a Alice já havia chamado a polícia.
- Vagabunda.
- Era de se esperar. Mas fique tranquilo, Fabrício. Haja o que houver, não vai dar em nada. O Jairo vai cuidar de tudo.
- Eu espero.

O tempo passou, e não mais tive notícias de Alice. Fiquei na casa de meus avós por uns dois meses. Abandonei emprego, tudo... Mas um dia, resolvi voltar para casa.

- Lembre-se, meu neto, volte como um coagido, mas nunca como um foragido. Entendeu?
- Sim, vovô. Muito obrigado por tudo.
- Qualquer coisa, saiba que estarei aqui.
- Sei disso!

Ao chegar em casa, deparava-me com Alice.

- Você ainda está aqui?! Ainda tem coragem de morar sob meu teto?
- SEU ASSASSINO!
- Sua vagabunda! Suma daqui, anda!
- SEU FILHO DA PUTA!
- Já falei para sumir daqui.
- O QUE VOCÊ VAI FAZER? VAI ME MATAR TAMBÉM? É ISSO?
- É o que você quer, não é?
- POR ONDE VOCÊ ANDOU, SEU ASSASSINO? EU ESTOU SENDO AMEAÇADA PELA POLÍCIA, VOCÊ SABIA?
- É o que mereces pela sua vagabundagem, Alice.
- Eu aposto que foi o seu avô! Já comprou a porra da polícia!
- De fato... Agora, sem querer ser chato... SUMA DAQUI!
- Vai ter que me tirar à força!
- Como quiser.

Peguei-a pelos cabelos e, sem que meu cigarro caísse da boca, joguei-a no meio da rua.

- EU VOU TE MATAR, SEU DESGRAÇADO!
- Vai fazer o que fez com os seus amantes, Alice? – eu dizia a fim de chamar a atenção dos vizinhos.
- SEU MONSTRO! SABE O QUE EU MAIS ME ORGULHO NESSE MOMENTO? TER DADO AQUILO QUE VOCÊ ACHAVA SER SOMENTE SEU PARA DOIS CARAS!

Não pensei. Fui até em casa, peguei a Colt novamente e executei Alice ali mesmo. Os vizinhos entraram para suas casas enquanto o corpo de Alice jorrava o mais grosso caldo vermelho.

Segui novamente para a casa de meus avós. Somente eles me entendem nessas horas.

10 comentários:

Lucas disse...

Adorei!

Rápido, bom de ler, com suspense e um fim magnífico.

Mata e corre pros Avós. Excesso e falta de coragem no mesmo ser e em momentos muito próximos. O ser humano é um mistério. :)

Abraço Luciano.

Fabiana disse...

olha só! pelo que conversamos do conto tinha imaginado algo mega diferente!!!!

"bo bo bo"

Janaina W Muller disse...

'aoisoaisoaiso, sóó na tragédia né :D
mas esse é, definitivamente, um cara estranho. E os avós, mais estranhos ainda oO

abraços
='-'=

Nathalia disse...

SÍNICO!

CAMILA de Araujo disse...

Não acho que ele seja um cara estranho, muito menos os avós.
Ele teve o orgulho e o coração devassados,compreensivel, mas não aceitavel o que ele fez.
Sobre os avós e principalmente a atitude do avô, só estava tentando protege-lo e é nessa casa que Fabricio se sentia protegido!

Muito bom, MUITO obrigado,Luciano.
Adorei o conto!

I want it all ~ disse...

nossa , o final me surpreendeu .
:D
óotimo blog , beeijos ;*

Livia Queiroz disse...

Mot bom...
Retrata bem os policiais corruptos do Brasil.

Por outro lado, sacanona essa Alice hein?

Esse conto é intenso e surpreendente inclusive, aliás ele é cortado ao meio por um acorde descompassado.

Adorei adorei e to aqui viajando!
O título é ótimo tbm..
*__*

Pequeno Historiador Urbano . disse...

Paixões subitas tbm são as mais dolorosas!

www.contando-um-conto.blogspot.com

Anônimo disse...

:O
meio Zé Pequeno ele, não?

ficou mt bom!

bjs

Vanessa Sagossi disse...

Nossa, que agressividade!