quinta-feira, 9 de julho de 2009

UMA GALERIA DE ARTES CHAMADA BON APPETIT

Sentia-me feliz em qualquer lugar. Desde que não notassem a minha presença, lógico. A lembrança de minha existência, por parte dos outros, se dava quase sempre pelo fato de meu nariz ser um tanto quanto desproporcional à face. Era de fato um “senhor nariz”, como diziam.

Cansei de ver pessoas que também possuíam narizes “avantajados”, porém, até mesmo essas riam do meu caso. “O meu nem é tão grande assim, comparado ao desse rapaz”, diziam. E pior: diante de um sentimento horrível que me vinha de forma muda, eu, muito sinceramente, tinha que concordar.

A desproporção de meu nariz não é daquele tipo que embeleza a pessoa. Por exemplo: a Débora, uma vizinha aqui de perto, vive dizendo que se pudesse operava. Implica com seu próprio nariz de uma forma que nem eu – um caso excepcional –, consigo implicar. A Débora, na minha opinião, é uma das meninas mais lindas do bairro. O nariz dela realmente não é do tipo “delicado”, porém, talvez, se fosse, acredito eu que toda a beleza de Débora estaria comprometida. Aquele nariz é perfeito para ela! E ponto!

Mas essa história não é sobre a Débora. Não. Mas sobre a Carolina.

A Carolina é uma menina que almoça sempre no mesmo restaurante que eu. Certa vez, ela estava lá com mais três amigas. Elas a chamavam o tempo todo. “Carolina, escuta essa...”, “Mentira! Jura, Carolina?”, diziam. Por isso sei o nome dela.

Que menina linda essa Carolina! Aparentava ter uns vinte e cinco anos, mas carregava um sorriso que a rejuvenescia aos dezessete! Sabe aquela pessoa que te induz ao bom astral apenas em sorrir? Então, é ela! Tinha um cabelo bem curto, na altura do pescoço mesmo, com cachos volumosos que ela costumava brincar de enrolar enquanto aguardava a sobremesa. A cor de sua pele ficava maliciosamente entre o moreno e o branco. E que pele!

Apesar de Carolina ser tudo isso que acabei de descrever, uma coisa nela me incomodava bastante: ela não tirava os olhos de mim. Eu já pensara diversas vezes em trocar de restaurante, mas, além de ser o único restaurante que abria uma conta para que meu chefe pagasse somente no final de cada mês, a beleza e o sorriso de Carolina nunca me permitiriam tal atitude.

Eu a olhava bastante também, mas ela tinha motivos de sobra, ora. Já eu: nariz de sobra. O que mais atrairia a atenção de Carolina sobre minha pessoa sem ser esse meu nariz? Sentia-me deprimido em pensar que os lindos sorrisos daquela menina deveriam se repetir aos montes (e numa proporção ainda mais elevada, por que não?) durante um provável comentar sobre o meu nariz às amigas.

Em hipótese alguma me passava pela cabeça ir falar com Carolina. Para mim, ela era uma espécie de obra de arte, dessas bem caras. A gente fica ali olhando, admirando, imaginando o quão seria bom tê-la em sua casa, até que aparece alguém e a leva da galeria.

Certo dia, um amigo meu, o Maurício, almoçou comigo.

- E aí, Victor – dizia Maurício –, como andam as mulheres?
- Bem, elas andam por aí, não é?
- Refiro-me a você com as mulheres, Victor!
- Na mesma de sempre, Maurício. Elas lá e eu aqui.
- E por falar em mulheres... Olha que morena ali naquela mesa, Victor! – apontava para Carolina.
- Ela está sempre aqui, Maurício. Realmente é muito linda!
- Ei! Ela não tira o olho de você ou é impressão minha?
- Impressão sua, Maurício.
- Não! Não é! Ela está, sim, olhando para você, cara!
- Não está, Maurício!
- Victor, vá lá falar com ela, sei lá! Mas não deixa essa menina escapar!
- Maurício! Olhe para mim! Olhe para o meu nariz! Entende o que ela tanto olha? Hein?
- Deixa de ser bobo, cara! Quanto mais você se inferiorizar por conta de seu nariz, mais problemático ele será para você! Não entende?
- Acho que tem razão... Mas não tenho coragem de falar com ela, cara. Não aqui.
- E onde falará? A vê em mais algum lugar?
- Pior que não...
- Então! Espere ela se levantar. Quando ela for para a fila, você vai atrás. Lá você puxa um assunto.
- Que assunto, Maurício?
- Qual quer um, Victor!
- OK.

Não preciso dizer que eu não fui atrás dela, não é? Tremi. Preferi não ir e, por isso, fiquei ouvindo as gozações de Maurício o resto do dia. Mas no fim da tarde:

- Maurício! Amanhã! Amanhã, falarei com ela!
- Espero que sim, cara! Alguma coisa ela quer com você.
- Talvez gozar do meu...
- Pare, Victor! Se falar assim de seu nariz novamente, eu juro que o arranco ele daí com um soco! Coragem, cara!
- Você tem razão! De amanhã não passará!
- Isso aí! – animava-me Maurício.

No dia seguinte, como eu já previa, novamente tremi, mas duas semanas depois, como sempre, estava eu no mesmo restaurante a almoçar. Sendo que justo no dia em que me preparara de corpo e alma para falar com a Carolina, ela não aparecia. A cada duas garfadas eu esticava o pescoço e passava uma vista em todas as mesas do local. Nada. Até que, através do vidro da porta, a vi de pé do lado de fora do restaurante. Parecia esperar alguém. Suas amigas, provavelmente.

Um rapaz chegou e a abraçou. “Ela tem companhia! Eu sabia!”, pensei. Os dois entraram no restaurante de mãos dadas. Sentaram-se, encostaram-se levemente pelos lábios e abriram o cardápio. A primeira atitude que tive foi a de olhar bem no rosto do rapaz que acompanhava Carolina. E, por Deus, o cara tinha um nariz ainda maior que o meu!

Diante da nítida felicidade daquele casal, notei que o nariz dele – apesar de, segundos antes, ter se mostrado tão incômodo para mim –, era para Carolina, talvez, aquilo que de mais bonito ele tinha; que fazia dele uma pessoa de sorte. Como aquelas que levam da galeria as obras de arte que tanto admiramos.

Aprendi que admirar é tão gostoso quanto preciso, mas admirar somente é incompleto.

7 comentários:

CAMILA de Araujo disse...

Conto genial!
Sou sua fã, você sabe disso!

www.teoria-do-playmobil.blogspot.com

Fabiana disse...

ahhhh... gostei! gostei!
no fotolog disse que gostei do título... mas agora gostei de tudo!

Janaina W Muller disse...

Adorei a mensagem que esse conto passou. Muito bom mesmo!!

Abraços.
='-'=

Anônimo disse...

adorei! nariz é um problema msmo uahuhau

bjos

lorena disse...

maravilhoso texto luciano. e de tanto esperar, o vitor deixou a oportunidade passar.

e tem gnt q faz demais isso na vida. belo conto, ateh mais.

Renan Barreto disse...

Luciano, muito bom garoto! (meu teclado esta desconfigurado, entao nada de acentos) Concordo que apenas admirar eh incompleto. Triste somente sentir o cheiro da macan (putz cade o til!!!) sem poder come-la. Mas isso so pode funcionar com a arte mesmo, na pratica, as relacoes humanas nao podem ser assim. Mas te confesso que gosto de historias e contos sobre isso. rs O teu esta maravilhoso, ate porque eu tbm tenho um nariz grande rsrs Abracao!!!!!!!!

Ah! Se vc quiser dar uma passada pra ver o conto que fiz (e grande sr). Logico, vai so quando tiver tempo e paciencia. Ta nesse link aqui http://renanbarretoonline.blogspot.com/2009/08/historia-com-fim.html

VALEU!!!!!!!!!!

Vanessa Sagossi disse...

Apresenta esse pra Pam, Luciano!
hauahuah