segunda-feira, 21 de setembro de 2009

COLORIDO SEU

Todas as manhãs eu tinha a oportunidade de observar cada gesto daquela menina. Ela tomava o mesmo ônibus que eu. Nunca trocamos sequer um “oi”, mas os olhares... Em relação aos olhares pode se dizer que éramos grandes conhecedores um do outro; aliás, eu poderia apostar a minha marmita que acertaria qualquer que fosse o seu sentimento em relação a cada olhar que carregasse. Era bem por aí.

Quer saber como ela era? Uma boneca! Ela deveria trabalhar num lugar muito bacana, chique, já que suas roupas eram, como posso dizer?, fofas demais para se imaginar compondo um visual de trabalhadores de um escritório; a menos que fosse um escritório bem descolado, moderno, no qual eu não saberia sequer distinguir o motivo de seu funcionamento. Ah! Tinha uma coisa nela que eu achava uma gracinha: ela fazia o sinal da cruz sempre que passava em frente à igreja.

Ela sempre tinha uma desculpa para se sentar o mais próximo possível de mim, eu notava, mas esta nunca me vinha verbalmente; sempre em forma de gestos. Certa vez, por exemplo, ela tropeçou – pelo menos atuou muito bem – e veio a cair exatamente no assento ao lado do meu. Um sussurro saiu de seus lábios: “desculpa”. Sua voz era tão meiga e doce que martelara em minha cabeça durante semanas. “Desculpa, desculpa, desculpa...”. Depois de algumas semanas minha mente tratou de transformar em “desculpa, meu amor”, mas o “meu amor” me vinha num timbre diferente, menos meigo e menos doce também.

Falei de suas roupas, de sua voz, mas não falei o quanto era linda aquele ser. Olhos negros, bem negros, um rosto de traços finos, os cabelos bastante cacheados e negros também. A pele era bem branca e o corpo, de medidas pequenas e atraentes, condizia com as roupas que vestia: de boneca.

Numa dessas manhãs, com a mente cheia de problemas do escritório, eu tomava o ônibus e não notava a presença daquela menina. Sentava-me e logo abria minha pasta para analisar umas planilhas. Ela se sentava ao meu lado, dessa vez com a desculpa nítida de ser o único lugar vago sem respingos de chuva – ela passara a mão sobre o assento primeiro.

Diante da estressante planilha eu sussurrava: “merda”.

- Calma, rapaz – ela resolvia falar.

Depois de meses nos estudando através das pupilas, exatamente num dia dos mais terríveis, ela resolvia falar comigo. Eu olhava para aquele rosto angelical e, sem sequer pensar, dizia:

- Odeio... planilhas.

- Eu também, mas são necessárias.

- Trouxe esta para casa porque preciso apresentar uma solução antes da hora do almoço.

- Desculpe me meter, mas do que se trata a planilha?

- Faturamentos, gastos da empresa, você não deve entender...

- Por que não?

Eu acabava de julgá-la sabe-se lá a causa. Sim, claro que eu sei, foi por sua roupa de boneca, por seu estilo descolado, por sua mãozinha delicada ao tocar na planilha... Na minha cabeça aquela menina deveria trabalhar numa dessas salas onde a criatividade é posta em primeiro plano, onde as pessoas trabalham descalças se quiserem, onde a decoração é toda colorida a fim de estimular o processo criativo...

- Desculpe-me – eu dizia – Eu nem sei o que você faz... Acabei de te julgar. Desculpe-me.

- Tudo bem. É que eu sou contadora, e...

- Contadora? Também trabalho numa empresa de contabilidade! Não sou contador, mas...

- Jura?!

- Por que o espanto?

- Acho que pelo mesmo motivo que o seu!

- Eu não me espantei!

- Se espantou, sim, rapaz! Aposto que me imaginava numa agência de publicidade, ou num ateliê de artes plásticas, ou num estúdio fotográfico...

Ela conhecia meus olhares.

- Exatamente...

- Mas por quê?

- Acho que por andar tão bem vestida, talvez. Sabe como te imagino? Um ponto colorido em meio à multidão em branco e preto.

- Estou usando muitas cores? Você acha?

- Não. O colorido que me refiro não vem das roupas, mas de você mesmo.

Nitidamente envergonhada, a menina apontava para a planilha a fim de voltar o foco no meu problema.

- Qual o problema aqui?

- Não! Esqueça a planilha, por favor!

- Mas...

- Não sabe o quanto esperei por este momento, menina, eu...

- Eu sei sim! Pois foi exatamente o mesmo tempo que esperei!

Olhamos-nos por longos segundos. As nossas pupilas agora faziam um reconhecimento mais detalhado do rosto de cada um. A minha conclusão era a de estar diante do rosto mais belo desse mundo.

- Um beijo seria precoce demais? – eu me adiantava.

- Não no nosso caso – ela dizia fazendo jus ao seu jeito moderno de se vestir; inclinava-se até os meus lábios e me beijava.

E eu, fazendo jus ao meu terno sem graça e desbotado, assustava-me; beijava-a de olhos abertos, mas sentia-me contagiado pelo seu colorido interior.

6 comentários:

Vanessa Sagossi disse...

Muito bom, Luciano!

Unknown disse...

gostei!

FYC disse...

Ahhhhhhhhhhhhhh, vc sabe que eu adoro esse contos, né?
que felizzzzzzzzzzz!
fofos!
hahaha
bjss

Nathalia disse...

ahahahahaha...
não tem problema não, a gente entende! hahahahaha

aaaaaaaaaaah, vi o blog de teste do dia da comunicação - eu fuxico demais, né? hahahaahahaha

beijooos

Anônimo disse...

que bonitinho *-*

Kayo Medeiros disse...

butininho.

Ponto.