segunda-feira, 14 de setembro de 2009

ÚMIDOS LÁBIOS

O relógio marcava cinco da tarde de sábado quando o maior dos trovões fez tremer as louças sobre o móvel. “Não iremos”, pensava Leonardo. Conforme a chuva apertava, o coração do rapaz apertava junto. Foram tantas semanas de olhares, risinhos, bilhetes, que o rapaz preferiria a morte ao ver aquele passeio se escorrer como as águas que agora lavavam a janela de sua sala.

Foram dias e mais dias de tentativas até que, na tarde anterior, Leonardo abrisse a boca. Com a fala ainda engasgada de tanto medo, convidava Vânia para assistir a uma peça de teatro. A pequena, dona de um sorriso meigo, assim como todas as partes de seu singelo rosto, disse que sim. Ela usava um vestido verde e um tênis da mesma cor, sujo, mas que contrastava logo com a pele limpa que das coxas às canelas se podia notar.

Vânia era uma jovem de apenas dezoito anos, mas que pegara os vinte e cinco de Leonardo pelos pés. Era iniciante no curso de Letras, adorava literatura, não só a brasileira, mas a russa, principalmente. Naquela sexta-feira, carregava consigo um livro de bolso do Dostoievski, mas escondia-o com as mãos para trás do corpo; tinha pavor de parecer uma pseudo-intelectual.

- O que tens aí atrás? – perguntava Leonardo.

- É só um livro – respondia-o mostrando rapidamente o pequeno livro e o retornando para a altura do coaxe.

Até mesmo com aquele gesto inocente e infantil Leonardo vidrava.

Os cabelos bem negros, lisos e curtos de Vânia eram o que mais chamava a atenção do rapaz, já que a cada movimento da menina os fios se comportavam de uma maneira, ora caíam sobre a vista, ora colavam-se sobre os lábios sempre úmidos.

- Bem, então está marcado. Posso lhe pegar amanhã às...?

- Às seis!

- Fechado!

Leonardo ficava parado enquanto Vânia caminhava rumo à sala de aula. Estava ele em meio ao jardim da faculdade onde terminaria, naquele semestre, o curso de Cinema. Uma mente criativa como a dele foi facilmente capaz de imaginar, diante do caminhar de Vânia, mil cenas de amor, nas quais a menina, enlouquecida por uma paixão cega, contracenava com ele, logicamente. A timidez tomava conta de Leonardo apenas externamente; por dentro, o rapaz era desinibido o bastante para causar a sua própria vergonha.

Mas no sábado, todo o sol e o colorido daquele jardim, que se fizera de fundo para o convite de Leonardo, haviam dado lugar a uma chuva que caía como água fria nos planos românticos do rapaz.

Cinco e trinta da tarde. Leonardo resolvia ligar para Vânia a fim de desmarcar o encontro.

- Vânia? É o Leonardo, tudo bom?

- Oi, Leonardo! Que chuva, hein!

- Pois é... Acho que não vai rolar, não é?

- Com essa chuva eu acho meio difícil, mas ainda temos meia hora para São Pedro nos dar uma ajudinha.

Leonardo sorria calado diante do “São Pedro nos dar uma ajudinha”; achava de uma delicadeza tão grande a pequena dizer dessa forma que tinha vontade de beijá-la só por isso.

- Você é uma graça, já te disseram? – perguntava Leonardo.

- E você me parece mais desinibido ao telefone, não?

- Um pouco.

O papo dos dois era frequentemente interrompido por trovões e relâmpagos, mas conforme o tempo foi passando, tanto os estrondos quanto o aguaceiro foram perdendo as forças.

- Ih! – dizia Leonardo – Parece que a chuva está passando!

- Aqui já passou, inclusive!

- Que bom! Então, pelo visto, no Centro também já não deve ter mais chuva! Estou indo te buscar, pode ser?

- Estarei pronta! Beijos!

“Beijos”. Depois dessa palavra Leonardo não mais falou. Escutou o desligar afoito de Vânia e paralisou. Passou a pensar que os lábios úmidos da menina estavam a cada minuto mais perto dos seus; quis voar para a casa dela.

* * *
Como combinado, Leonardo buscava Vânia em sua casa. O rapaz teve de ouvir do pai da menina uma lista enorme de ordens, mas mesmo assim seguiu feliz sob um céu que começava a mostrar algumas estrelas.

Chegaram ao teatro e, logo na entrada, o cartaz da peça, que trazia a foto do rosto rústico de uma atriz, os convidava a entrar pelo simples impacto. Era um monólogo no qual a atriz interpretava uma mulher que perdera os quatro filhos e o marido em guerras.

* * *
A peça mexeu demais com os sentimentos de Vânia, que por várias vezes deixou escorrer um fio de lágrima. Leonardo só pensava no quão sentimental era aquela menina; tão jovem, tão linda, tão dona de sua própria personalidade, tão diferente das tantas outras mulheres que passaram pela sua vida.

Na saída, ao olharem para o lado de fora do teatro, viam que a chuva voltara e com muita força.

- Mais chuva... – dizia Vânia.

- È... Mas diga! O que achou da peça?

- Linda demais! Amei! Triste, mas muito bonita! E você?

- Também gostei muito.

- Que noite maravilhosa, não?

- Não ainda, Vânia.

- O que falta?

- Preciso dizer?

- Sim, com todas as palavras.

- Mas...

A timidez de Leonardo o tinha deixado leve e solto até então, mas, diante da maturidade de Vânia ao ser posta próxima ao beijo, o travava.

- Diga! – dizia Vânia com os lábios entreabertos, deixando a ponta da língua à mostra.

- Um...

- Diga!

- Um beijo!

- Só se for um beijo na chuva! – dizia Vânia numa empolgação inesperada, talvez, até mesmo por ela.

- Na chuva?

Corriam então os dois para o lado de fora do teatro para reproduzirem a cena de beijo mais sonhada por Leonardo.

Mas quando o rapaz abriu os olhos, estava na verdade sozinho a rolar na grama do quintal de sua casa, sob a imensa chuva, ainda às cinco e quinze da tarde daquele sábado; beijava uma Vânia imaginária, que àquela altura devia ainda estar esperando o telefonema de Leonardo. Sentiu-se tendo que enfrentar a sua timidez toda “novamente” e com um medo enorme de Vânia não ser tão meiga como no sonho.

Leonardo ligava para Vânia e desmarcava o encontro – tinha a chuva como desculpa. Fria, a menina respondia: “OK, fica para a próxima, então”.

5 comentários:

Nathalia disse...

poxa... haha
tava aqui toda animaidnah esperando um final mais elgrinho e levei um balde de água fria, assim como o leonardo... haha

adorei!
bjssssssssssssss

Unknown disse...

"ok, fica para a próxima, então"

quando li que o encontro seria desmarcado por conta da chuva, eu JURO que imaginei ela respondei exatamente isso!

bj

Anônimo disse...

poxa Luciano isso não se faz, tava tudo tão bonito, eu esperando um final todo fofo e vc corta o meu barato desse jeito! :(

Anônimo disse...

aah, esqueci de comentar sobre a capa, muito bela!

Vanessa Sagossi disse...

aiii, tadiinhoo!
Tava tudo tão bom!