
Embora uma não soubesse da existência da outra – Rosa, “a amante”, morava no interior, enquanto Joana, a namorada, era da capital, como ele –, Pedro tinha a consciência de que não seria possível levar dois relacionamentos por mais tempo. Àquela altura, já com cinco meses de vida dupla, a convivência com as duas já lhe rendera trocas dos nomes e frases mal colocadas. Isso sem contar na luta que era estar na cidade e no campo quase que ao mesmo tempo.
A decisão não seria fácil. Rosa, morena – como na música de Dorival Caymmi –, vinte e dois aninhos, trazia na boca os dentes que, de tão brancos, causavam atraente contraste em relação à pele. Seu corpo era esculpido pelo trabalho pesado, comum entre as meninas do campo; bumbum pequeno porém empinado, pernas torneadas, abdômen livre de qualquer imperfeição, seios médios e rijos. Rosa era tudo isso e mais: uma mulher dona de um coração enorme, capaz de abrigar o mundo – embora tivesse um “cantinho especial” só para Pedro.
Joana não ficava atrás. Mas, diga-se de passagem, possuía beleza diferente da de Rosa; tinha a cor da cidade e sua correria, tinha “cor de escritório”; era bem branquinha – Pedro costumava chamá-la de “floquinho de neve”. O corpo magro e de medidas delicadas dava à Joana a elegância, a maturidade e a sofisticação que Pedro não via em Rosa. Joana não precisava, mas fazia bom uso das maquiagens e outros artifícios em prol da beleza de seus vinte e sete anos. “Como vou chegar no escritório sem um batom, Pedro?”, dizia sempre.
Pedro reservara aquela noite para pensar na decisão. E para que tal momento não se mostrasse tão doloroso, Pedro abria um bom vinho e acendia um de seus charutos cubanos. No aparelho de som, um LP do She & Him. “O som dessa dupla sempre de me dá uma luz”, dizia a si mesmo.
Pedro, agora no sofá da sala, começava a dissecar as virtudes e os defeitos de Rosa e Joana, a fim de chegar a uma conclusão quase que matemática. Não preciso dizer que as coisas do coração não se resolvem com a razão, não é mesmo? Logo, não preciso dizer também que as “contas” de Pedro foram em vão.
Os minutos passaram, o charuto queimou, a garrafa de vinho esvaziou e o objetivo de Pedro se misturava agora aos acordes de M. Ward e às frases de Zooey Deschanel. Já sem a mesma capacidade de raciocínio, Pedro já não conseguia assimilar sequer o porquê de tudo aquilo. “No que eu estava pensando mesmo?”, repetia, bêbado, a si mesmo. Até que, ali mesmo, naquele sofá, adormeceu.
Mas logo acordou e:
- Ah? – se assusta Pedro.
- O que houve? diz Zooey Deschanel, a voz!
- O que está fazendo aqui?
- Acalme-se e durma mais um pouco.
- Mas... Você...?
- Não consegue dormir?
- N...
- Eu te ajudo. Durma e, em seus sonhos, tocarei o seu rosto...
Pedro, mesmo que não quisesse, mesmo que lutasse para, pelo menos por mais alguns segundos, encarar aquele par de olhos enormes de Zooey, voltou a dormir.
Pedro sonhou com ela durante todo o sono. Os dois passeavam de mãos dadas por campos floridos e praias completamente desertas. Perdeu a conta de quantos beijos roubou daquela mulher. Sonhou também com uma forte chuva, que, ao mesmo tempo em que molhava o casal, parecia “limpá-lo” de toda dúvida de outrora. Sentiu-se leve por horas, até que despertou.
- Um sonho... – dizia a si mesmo Pedro.
Depois daquela noite, e que noite!, Pedro nunca mais pensou em Rosa ou Joana, mas unicamente em Zooey.
3 comentários:
"and in your dreams, I'll touch your cheek..." ♫
Pra ler ouvindo "If You Can't Sleep" <3
Fofo. Adorei.
Raquelzinha aqui no blog! Que honra! :D
Mas que cara mulherengo! rsrs..
Ótimo conto!
Bjs.
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