quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

OITO ANOS DEPOIS

O tempo é realmente algo formidável, não? Ele transforma profundos aborrecimentos em coisas sem importância; bons colegas em velhos amigos, bons momentos em belas lembranças... Transforma crianças em jovens, e, logicamente, jovens em adultos. Ah, o tempo... Está aqui, ali, aí, neste e em todos os nossos momentos, agindo, tratando de transformar tudo e todos. Mas só fui dar tal importância ao tempo de uns dois anos para cá, quando fui convidado a passar o Natal na casa de um grande amigo, o Gerson, em Minas Gerais.

Na ocasião, eu estava por lá a trabalho; participava da (exaustiva) gravação da trilha sonora de um filme – que não emplacou, mas isso é outra história. Gerson é meu amigo de infância. Nascidos e criados em Niterói, Gerson e eu somos como irmãos. Fazia uns oito anos que Gerson – também músico – residia por lá com a esposa, um casal de bebês gêmeos e sua irmã mais nova, a Paulinha. E é justamente sobre Paulinha que quero falar.

Entre Paulinha e eu há uma distância de uns sete anos, por aí. Quando eles se mudaram para Minas, Paulinha era uma moleca, chata, de treze anos, se não me engano. Eu, na época com vinte anos, não podia, logicamente, imaginar a linda jovem que esta se tornaria. E a surpresa me veio naquele Natal.

Rever Gerson e conhecer sua prole foi demais. Aquele casal de bebês era tão lindo; completava, de fato, a harmonia daquela casa. Mariana, esposa de Gerson, era uma mulher muito atenciosa – sempre foi, diga-se de passagem, desde quando eles apenas namoravam – e me tratou muito bem sob aquele teto humilde e aconchegante.

- Quanto tempo, Juliano! – dizia-me Mariana a sorrir e me abraçar, assim que cheguei.

- Puta merda, Juliano, dá um abraço! – dizia-me um Gerson com nítidas lágrimas nos olhos – Como andas, rapaz? E essa gravação que veio fazer? Termina ou não termina? Soube que o produtor é o Duarte, né? Ele é um “carne de pescoço”.

- Pois é, Gerson, essa gravina está me consumindo. Sopro esse sax de manhã e só paro de madrugada...

- Nossa... Ah! Trouxe o sax, né? Vamos fazer um som mais tarde! Ainda aguenta?

- Claro! Acha que iria vir aqui e deixar de fazer um som contigo, Gerson?

Gerson e eu nos sentávamos no sofá a fim de colocar aquele papo, oito anos atrasado, em dia. Mariana nos servia doses de whisky e charutos; ela sabia exatamente como nos fazer feliz naquele momento.

- E Paulinha, Gerson? Ela mora com vocês, não é?

- Paulinha está no quarto dela, certamente. Não larga aquele computador nem à paulada. Mas deixe-me chamá-la – e berrou – PAULINHA! VENHA ATÉ AQUI! JULIANO QUER TE VER!

Eis que me chega à sala Paulinha. Aquele corpo franzino da “moleca chata” de outrora se transformara numa coisa de louco! Paulinha era agora uma negra alta de uns vinte e um anos. Assim como Gerson, a menina puxara a pele escura do pai, mas os cabelos lisos e, no seu caso especificamente, ondulados da mãe branca. Essa combinação, unida aos traços finos de seu semblante e às suas medidas “fartas”, fazia de Paulinha uma menina dona de uma beleza tipicamente brasileira, porém, rara!

- Juliano! Que saudade! – dizia-me Paulinha muito surpresa.

Eu me levantava para abraçá-la, mas, confesso, não sabia para onde olhar. Seu decote exibia um par de seios que eram uma afronta; seu short curto porém decente deixava à mostra pernas brilhantes de tão rígidas. O sorriso de dentes brancos e perfeitos... um convite!

- Paulinha, você está enorme, meu Deus – eu dizia durante aquele abraço forte e caloroso.

Mas logo Paulinha nos pedia licença e voltava, aparentemente muito feliz, saltitante, para o computador.

Era o fim da minha paz.

Conversei durante horas com Gerson, me diverti muito, mas, metade do meu pensamento estava na beleza de Paulinha, que, por sua vez, não saía daquele quarto.

As guloseimas da ceia de Mariana começavam a cheirar por toda a casa quando Gerson resolveu abrir o piano para fazermos um som. Saquei meu sax do case e pensei que tocá-lo me faria parar, pelo menos por um momento, de pensar em Paulinha.

Tocamos então aquilo que mais gostamos; Jazz, claro. Fazia anos que não tocávamos juntos, mas os temas fluíram como se aqueles nossos oito anos de jejum não existissem.

Foi quanto resolvemos tocar Say it; um tema lindo que foi capaz de tirar Paulinha do quarto – para a minha alegria.

Paulinha parou na porta da sala, se recostou na parede e, dali, ficou a me observar. Ela me inspirou na hora do improviso e, sim, fiz aquele solo para ela, olhando bem naqueles olhos castanhos. Como já estava anoitecendo, nossos corpos ali eram iluminados apenas pelas luzes da árvore de Natal, montada no canto da sala – o que deixava tudo aquilo com um clima indescritível.

Ao terminarmos aquele tema, Gerson se levantou do piano e foi até a cozinha.

- Vou pegar um vinho para a gente, Juliano! Segure aí! – dizia-me Gerson.

- OK...

Paulinha resolvia se aproximar.

- Gostou do que ouviu? – eu perguntava.

- O quê? Eu AMO essa música!

- É mesmo? E desde quando gosta de jazz?

- Como não gostar de jazz, quando você mora com um pianista como o meu irmão?

- É verdade... Então, quer dizer que você anda ouvindo os discos do Gerson.

- Sim, de vez em quando.

- Que bom...

Depois de uma pausa de exatos trinta segundos:

- Eu me lembro muito de você, sabia? – dizia-me Paulinha.

- Fico feliz, porque faz muito tempo... Lembro de você também, só que bem diferente... Você era uma criança, né... E agora...

- O que sou agora, Juliano? – dizia Paulinha rindo.

- Ah, uma mulher... Linda! Uma linda mulher...

- Lindas mulheres procuram lindos rapazes, sabia?

- Faz sentido. E a internet deve estar cheia deles, não acha?

- Impressão sua. No momento, a sala da minha casa parece mais interessante.

Estava claro que se tratava de uma conversa que nunca tivéramos; uma conversa de adultos.

- Seu irmão não ia gostar nada desse nosso papo, Paulinha.

- Não faz mal... Acredita no poder da noite de Natal e em todas as coisas boas que esta pode proporcionar? Acredita?

- Paulinha...

- Após a ceia, quando todos se recolherem, teremos um encontro, pode ser?

- Por favor, eu não quero estragar tudo, Paulinha...

- Quem falou em estragos? Estamos falando de sonhos e de realizações.

- Do que está falando?

- Você lembra de mim bem menina, não lembra?

- Sim, claro!

- Meninas possuem sonhos... Entende?

Paulinha dava meia-volta e seguia em direção ao seu quarto.

* * *
Durante a ceia, à mesa, Paulinha fez questão de se sentar à minha frente. A jovem trajava um vestido xadrez com um decote singelamente sedutor. Trocamos muitos olhares e sorrisos. Porém, as tentativas de Paulinha em roçar nossas pernas sob a mesa falharam, porque eu, covardemente, fugia.

Lá pelas duas da madrugada, já cansados, fomos todos dormir, inclusive Paulinha, que, na verdade, fingia. Fui para o quarto de hóspedes e me deitei, sem saber que, poucos minutos depois, Paulinha ali adentraria.

Vestindo apenas uma camiseta de malha e um short estonteante, lá estava ela, pronta para sei lá o quê.

- Menina, você ficou maluca?

- Sim! Estou maluca desde quando me mudei para cá, Juliano! Entenda! Eu sempre fui apaixonada por você!

- Não invente, Paulinha! Você era uma criança!

- Era! Disse bem! Era! Mas não sou mais! E se a minha idade o impedia de me querer, hoje não impede mais! Impede? Diz que não me quer? Diz que não para de olhar o meu corpo! – ela acertava tudo, em cheio – Diz, Juliano, que você não quer me despir e...

E foi o que eu fiz. Naquele quarto de hóspedes da casa do meu melhor amigo, amei sua irmã num misto de tesão e culpa. Durante toda a madrugada, nosso sexo forçadamente silencioso deu início a um caso amoroso e, logicamente, proibido – Gerson me mataria, fato –, que se estendeu por todos os dias que me encontrei em Minas.

Hoje, recebo do carteiro um cartão de Natal, vindo de Paulinha, que diz:

Que neste Natal o tempo seja tão generoso para ti quanto foi para mim em 2008.

Feliz Natal.


O que ela não sabe é que naquele Natal de 2008 o tempo foi generoso para mim também...

Um comentário:

Vanessa Sagossi disse...

Esses contos de Natal...

Bjs,
Vanessa