quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

SONHOS & SONHOS

Trabalhar em uma loja especializada em gravatas nunca fora o meu sonho – e acho que o de ninguém ali –, mas até que tinha sua vantagem: na época de Natal, enquanto todos os outros lojistas do shopping dobravam seus expedientes com apenas um sanduíche na barriga, nós da Gravataria Di Paula podíamos tirar uma (longa) hora de almoço sem nos preocupar – o movimento era fraquíssimo.

Ganhávamos pouco, logicamente, mas eu, pelo menos, não ligava muito para isso; era o suficiente para pagar o curso de desenho e me vestir – eu ainda morava com meus pais, o que facilitava. Éramos um bando de acomodados, essa é a verdade. Mas a nossa paz teve seus dias contados quando o dono da loja, o Sr. Aurélio Di Paula, faleceu, deixando tudo nas mãos de seu filho Laurêncio Di Paula.

– A moleza acabou, rapazes! – disse-nos Laurêncio no dia em que assumiu a loja – Meu pai estava acomodado a vender apenas gravatas, o que o encheu de dívidas! A partir de dezembro vamos vender roupa social também! E nesse Natal vocês terão meta, OK? Serão comissionados, claro! Vocês progridem, eu progrido! Fechado?

– E o que pretende fazer para chamar a atenção dos clientes, Sr. Laurêncio? – eu perguntei.

– Já tenho tudo planejado, senhor... senhor...

– Emerson, senhor – eu o ajudava a recordar do meu nome.

– Isso! Já tenho tudo planejado, Sr. Emerson! A partir de segunda-feira esta loja será outra! E espero que vocês sejam outros também! Se é que me entendem...

Na segunda-feira seguinte, como Laurêncio prometera, lá estava a Gravataria Di Paula com araras repletas de roupas sociais. No estoque não cabia uma mosca, de tanta caixa empilhada. O astral na loja estava péssimo, pois o trabalho que nos esperava fungava os nossos cangotes.

Enquanto eu vestia o novo uniforme, em um dos novos provadores, pude ouvir a voz doce de uma mulher dizendo:

– Sim, Sr. Laurêncio, pode deixar comigo.

Saí do provador num misto de medo e curiosidade. E lá estava Ísis, a menina que de tão linda parecia estar em nossa loja por engano.

– Emerson! – chamou-me Laurêncio – Essa aqui é a Ísis. Ela ficará de Mamãe Noel aqui na loja, para chamar a atenção dos clientes durante o período de Natal, OK? Como um dos mais novos aqui, auxilie Ísis no que precisar.

Eu deveria questionar o fato do mais novo ser o responsável por tal tarefa, mas não tive coragem, porque logo pensei em todos os segundos que passaríamos juntos, sempre que Ísis tivesse algum tipo de dúvida.

– Claro, Sr. Laurêncio!

– Que bom. Então, gente – disse-nos Laurêncio –, ao trabalho!

Tratei de chegar até Ísis, mas sem antes repará-la. Um metro e setenta, eu acho. A pele alva exibia uma singela tatuagem: um anjo, na nuca. As medidas eram delicadas e estonteantemente pequenas, exceto o busto, que, talvez por fugir um pouco à regra daquele corpo, causava ainda mais atração aos olhos. Ainda tinha um rostinho de beleza rara, coberto de sardas, que deixava, diante de competição acirrada, sobressair um par de olhos, grandes e castanhos.

– Olá, Ísis. Eu sou o Emerson. Qualquer coisa, é só chamar!

– Obrigada, Emerson!

– Nada!

Após exatos três segundos:

– Emerson? – chamou-me Ísis.

– Oi.

– A que horas eu lancho?

– Bem... – eu pensava um pouco e – No mesmo horário que eu, pode ser?

– Claro!

* * *

Ideia brilhante a minha! Às três da tarde, tive a honra de descer para a praça de alimentação ao lado de Ísis vestida de Mamãe Noel – linda, diga-se de passagem. Sentamos em um café e pedimos um desses lanches baratos, para duas pessoas.

– Gostando do trabalho, Ísis? – eu perguntei.

– Odiando!

– Nossa! É tão ruim assim?

– Quer experimentar? – ela ria, mesmo diante da desgraça.

– Não, obrigado. Eu fico melhor de pinguim.

– Acha que está adiantando, pelo menos?

– Acho sim. Nunca tivemos tanto movimento. Infelizmente, mas...

– Preferia o marasmo, não é?

– Sinceramente, Ísis? Sim. Detesto trabalhar lá...

– E o que gostaria de fazer?

– Desenhar.

– Sabe desenhar?

– Estou aprendendo.

– Pode me desenhar?

– Aqui, agora?

Ísis pegava um guardanapo e uma caneta no balcão do café.

– Sim! Temos dez minutos, não é?

– Mas...

– Vamos! Comece!

Eu fiquei nervoso com a pressão de Ísis, mas pensei que seria ótimo se eu conseguisse desenhá-la naquelas condições. E consegui.

Após alguns minutos:

– Pronto! O que acha?

Ísis pegou o desenho e, boquiaberta, o observou. Até que:

– Cara! Você é demais! O que está fazendo vendendo gravatas?

– Roupas sociais, na verdade...

– Que seja! Está perdendo tempo! Eu pediria as contas agora e correria atrás do meu sonho!

– Não posso...

– Por que não, Emerson?

– Não larguei esse emprego até agora, porque meu pai sempre me disse para eu aguentar firme na Di Paula, que o que é meu estava por vir. E acho que estou começando a entender isso.

– Então acha que vai desenhar gravatas para a Di Paula, ao invés de vendê-las?

– Não é mais sobre desenho que estou falando. É sobre você! – eu disse.

10 comentários:

Vanessa Sagossi disse...

Contos de Natal... :)
Gostei, só achei o Enerson um pouco rápido, né? rs


Vanessa

Unknown disse...

Há coisas na vida, como uma paixão, que não se deve esperar muito pra agir, nem um minuto, na verdade. Porque a amizade vem e estraga tudo rs.

Anônimo disse...

Tbm achei ele um pouquinho rápido mas tbm concordo com seu ponto de vista! rs

bjs

Vanessa Sagossi disse...

Ok, vendo por esse lado. Mas não esperou nenhum diazinho. rs

Sandro Ataliba disse...

Muito bom o texto, simples e direto, mais uma vez. E bem realístico, para completar.

Unknown disse...

Obrigado pela leitura, galera!

Nathalia disse...

vc anda tão fofo nesses contos de natal! haha AMEI!

Unknown disse...

Essa é a ideia rsrs!

Yara Lopes disse...

Esse Emerson não perde tempo.
Adorei, como sempre. Natal é um tema delicioso!

CAMILA de Araujo disse...

Imaginei milhões de desfechos para esse conto, desde ela ficar com ele, até o pobre Emerson recebendo um tapa na cara hahaha

Que SAUDADE que eu tava de ler seus contos!

http://www.papel40kg.com