segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

INFERNO D'ÁGUA

As nuvens negras, que há horas apontavam no horizonte, ameaçavam agora, mais perto, despejar sobre a praia a pior de todas as tempestades. Os mais seguros já haviam partido, mas os que acreditavam em mais um sonho de verão ficaram para viver um pesadelo composto por vento, areia e água, mas muita água.

Minha namorada, Silvinha, linda, se banhava sob minhas vistas no momento do primeiro estrondo. Um trovão que parecia estar ali, tomando cerveja conosco, de tão perto. Só então, sem aquele sorriso comum da estação mais quente, a areia voltava seus olhares para o céu. “Fudeu!”, gritava um. “Carai, véi!”, dizia outro. E como se estivéssemos na boca de um furioso tornado, presenciamos guarda-sóis e cangas voando sem destino. Era possível ouvir as ordens dos donos dos quiosques: “Não deixem ninguém sair sem pagar!”. Mas isso era impossível para os garçons, que eram derrubados com facilidade pelas rajadas de areia e vento.

Eu tentava avistar Silvinha na água, mas naquela altura uma confusão de gente se misturava às nuvens de areia, o que dificultava muito a minha visão. Eu não sabia para onde olhar, e meus berros por Silvinha pareciam não sair da garganta; era como se eu estivesse mudo. Até que senti a mão macia que me ganhou pelo pulso.

– Vamos! – ela me dizia.

Num misto de alívio e medo, segui com ela rumo ao estacionamento, a uns trezentos metros de onde estávamos. Os pingos grossos da chuva já nos golpeavam as costas ardidas. Todos gritavam de dor, nunca vi coisa igual! Parecíamos ser expulsos da natureza por ela mesma, chicoteados! A maioria, desesperada, atravessava a rua principal sem atenção. E, por isso, muitos foram parar sob as rodas dos carros velozes.

Consegui avistar o portão do estacionamento sendo fechado às pressas pelo dono. Corri e cheguei a tempo de entrar.

– Por que está fechando? – eu perguntava – Tem um monte de gente querendo entrar! Não está vendo a tempestade?

– Vão sair sem pagar! Não tenho nada com a chuva!

Em questão de segundos, ainda olhando para o chão, puxei do bolso uma nota de vinte e o entreguei.

– Agora abra esta merda de portão! Queremos sair daqui!

Corremos para o carro.

Abri as portas e praticamente nos jogamos para dentro do veículo. Só então percebi que...

– QUEM É VOCÊ? – eu perguntava àquela mulher.

– Perdão, moço, mas é que não sabia para onde ir! Peguei na mão do primeiro que vi!

– Meu Deus! Eu pensei que fosse minha namorada, sua doida! Argh! Precisamos ir atrás dela!

– Não podemos! Não com essa tempestade!

O pior é que aquela mulher tinha razão.

O estacionamento já tinha água cobrindo quase três quartos dos nossos pneus. O portão, ainda fechado, balançava. Eu achava que fosse a força do vento, mas era o poder da massa, que empurrava o portão a fim de arrombá-lo. O barulho da chuva não me deixava ouvir, mas com certeza aquela multidão gritava ainda mais de dor.

Até que o portão veio abaixo. As pessoas, com água na canela, quase no joelho, se atropelavam em busca de seus carros. Não era a quantidade de chuva que assustava, mas sim o peso com a qual ela caía sobre nós. Eu ligava o limpador de para-brisas a fim de enxergar melhor, porque era bem capaz de Silvinha estar entre aquelas pessoas que agora invadiam aquele estacionamento.

– Ela vai aparecer! Confie! – dizia aquela mulher.

– Por favor, cale a sua boca! Era Silvinha quem deveria estar segura, aí onde você está!

– Perdão...

Rapidamente aquela multidão ocupou seus respectivos veículos. Alguns até davam partida.

Mas e Silvinha?

– Meu Deus! Ela não veio! Eu vou até lá! – eu dizia.

– Não, por favor! É perigoso! Olha o nível da água! Espere a chuva acalmar!

– Acalmar? Você está louca? Preciso salvar Silvinha! E você fique aqui, OK?

Saí do carro e segui em direção a sei lá o quê. Não sabia para onde ir. Só sei que atravessei a rua alagada e cheguei até a areia – sabe Deus como. Os golpes da chuva pareciam ainda mais fortes sobre minhas costas. Não era possível avistar quase nada. Estava tudo “branco” à minha frente. Comecei a gritar o nome de Silvinha.

Em vão.

Sem pistas de onde poderia estar Silvinha, voltei ao estacionamento.

– Nada, não é? – perguntava-me a mulher.

– O que acha? Está vendo a Silvinha aqui comigo, por acaso?

– Também não precisa ser um grosso!

– Argh... Não vamos sair daqui, OK? Essa chuva é de verão, vai passar! E assim que isso acontecer, VOCÊ vai me ajudar a encontrar Silvinha!

– É o mínimo que posso fazer pela sua ajuda...

Todos os carros já haviam saído do estacionamento, menos o meu. Ali ficamos, aquela mulher desconhecida e eu, esperando pelo fim daquela tempestade.

Depois de pelo menos uns quinze minutos de silêncio:

– Qual o seu nome? – eu perguntava.

– Olívia. E o seu?

– Maurício. Estava com alguém na praia?

– Sim, com uns amigos. Mas me perdi deles naquela confusão. Espero que tenham conseguido abrigo...

– Você conseguiu, não é mesmo? Eles também conseguiram. Aposto.

– Assim espero...

– Só espero que Silvinha esteja bem. Que tenha se abrigado...

Chorei calado. Olívia apenas observou.

* * *

Após quase uma hora de chuva forte, tivemos condição de sair em busca de Silvinha. Havia destruição para onde olhávamos. Vários quiosques vieram abaixo, árvores tiveram suas raízes arrancadas e até alguns corpos de pessoas atropeladas foram parar na areia da praia. Tive que vestir o manto da frieza e encarar aquela difícil missão.

– Olívia, vamos verificar aqueles corpos. Silvinha é morena, tem cabelo curto, veste um biquíni azul marinho e...

– Por que vamos começar pelos mortos, Maurício? Sua namorada está viva! E deve estar abrigada em algum lugar!

– Não sei... Apenas faça o que eu digo.

Ela não estava entre os corpos, graças a Deus. E, pelo visto, nenhum dos amigos de Olívia também.

– E agora? – Olívia me perguntava.

– Não sei... E se ela se afogou?

– Você não crê mesmo, né?

– Não é isso! Eu tenho que levantar todas as hipóteses!

– Mas só levantou hipóteses negativas até agora, Maurício!

– E você tem ideia melhor?

– Tenho! Vamos voltar para o estacionamento!

– E desistir? Nunca!

– Ela está lá te esperando!

– Ah, então és uma vidente?

Sem me responder, Olívia seguia para o estacionamento. Eu ia junto.

No caminho pensei em tudo o que havia vivido com Silvinha até então. Ao mesmo tempo em que pensava em como explicar o ocorrido aos pais dela. Seria difícil...

Mas chegando ao estacionamento, Silvinha estava lá, em pé, ao lado do meu carro.

– SILVINHA! – eu gritava.

Nós nos abraçamos como se não nos víssemos há séculos.

– Silvinha, que bom que você está bem! Eu me perdi de você, e...

– Sim, eu sei disso, meu amor! Mas consegui me abrigar em um quiosque que, graças a Deus, não caiu. Fiquei pensando se você tinha se salvado...

– Nossa, que susto... Bem, essa aqui é a Olívia... Olívia?

O que pude ver no local onde Olívia se encontrava foi um clarão seguindo em direção às folhas de uma amendoeira. Antes que aquele feixe de luz se apagasse por completo, já acima das árvores, ainda pude ouvir a voz de Olívia dizendo:

– Não sou vidente, Maurício, mas quase isso.

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom, até me arrepiei no final rs


bjs

Vanessa Sagossi disse...

Gostei. Emocionante!

(: