sexta-feira, 10 de outubro de 2008

O MOTIVADOR

O final do ano já se aproximava e os roncos de minha barriga me atacavam com mais freqüência. É que os campeonatos esportivos de quadra chegavam ao fim. O basquete, o futebol de salão, o handebol e o vôlei. Deixe-me explicar a relação entre a minha fome e o fim dos campeonatos. Sabe aquelas pessoas que entram em quadra empurrando aqueles rodos enormes a fim de secarem o piso para um melhor desempenho dos atletas? Eu era uma destas.

Eu não tinha muito orgulho do meu “emprego”. Tinha plena consciência de que só estava ali porque o meu primo, o Sandrão, era um treinador de vôlei muito respeitado. Ele, diante de minha situação financeira precária, vivia me chamando para esses “bicos”. Eu não tinha carteira assinada. Não podia nem dizer aos outros que tinha uma profissão. “Sou enxugador de quadra”. Nada. Durante os campeonatos eu estava lá em alguns jogos. Só isso. Quando se findava o ano, a minha geladeira me fazia sentir um misto de pena e raiva de mim mesmo.

- Dudu.
Era o meu primo no telefone, o Sandrão.
- Oi primo.
- Como está? Arrumou alguma coisa?
- Nada, primo.
Na verdade eu nem procurara.
- Bem, domingo será a final do estadual de vôlei feminino, lá mesmo na quadra do Clube dos Líderes. Já sabe, não é? Está a fim?
- Não tenho escolha, primo. Muito obrigado. Estarei lá.
- Sim. Esteja lá às nove.
- OK.

Não era um trabalho ruim. Era bem simples. Quando solicitavam, você empurrava o seu rodo lado a lado com os demais enxugadores numa espécie de “balé da limpeza”. Em alguns momentos você tinha de ir sozinho com o seu rodo ou um pano mesmo nas mãos para enxugar algum ponto específico da quadra. Os jogadores que pediam dessa vez. Eram geralmente muito simpáticos. Alguns dos meus colegas conseguiam autógrafos de grandes nomes do esporte nacional e internacional. Eu nunca dei muita importância aos esportistas. Na verdade eu nem sabia o nome deles. Ah! De um eu sabia, o Pelé, mas nunca o vira jogar naquelas quadras. Não me pergunte o porquê.

No domingo, eu me dirigia até a quadra do Clube dos Líderes. Uma multidão já se encontrava do lado de fora enquanto eu entrava com minha credencial. Era um dos momentos mais bacanas, pois me sentia uma pessoa em melhor situação que outra, o que era muito raro. Mas isso logo se invertia, já que lá dentro havia uma espécie de “maestro dos rodos” para nos dar instruções. As mesmas de sempre.

Eu avistava o Paulo, outro enxugador, um velho amigo, no meio do grupo.
- Oi Paulo.
- Fala, Dudu. Tudo bom?
- Nada. Eu estou aqui, não estou? Como pode estar bom?
- Não é tão mau assim, Dudu.
- Diz isso porque tens um emprego.
Paulo trabalhava numa fábrica de brinquedos. Enxugava só para estar próximo àqueles idiotas do esporte.
- Ora, Dudu. Você sempre diz isso.
- Por que será, Paulo?
- Bem, escute. Hoje, é a final do vôlei feminino!
- E?
- Como assim “e”? Já enxugou em algum jogo de vôlei feminino?
- Vários. Com você, inclusive.
- As meninas são lindas, não são?
- Algumas. Prefiro as do handebol.
- Tudo bem, mas você sabe quem vai estar em quadra hoje?
- Não me faça perguntas difíceis a essa hora da manhã, Paulo.
- A Talitinha!
- O que ela tem de melhor que as outras?
- É a melhor levantadora do Brasil e uma das melhores do mundo. Sem contar que...
- Que o quê?
- É a mais linda de todas também. Até convidaram-na para posar nua naquela revista, a...
- Que interessante.
- Eu compraria a revista pelo preço que fosse, Dudu.
- Eu não pagaria nem um real.
- Estou lhe estranhando, Dudu.
- Ora, Paulo. Quem não sabe que ela posaria com uma bola de vôlei na frente?
- Que pessimismo, Dudu.
- É. Pode ser.

Aos poucos a quadra começava a lotar de torcedores imbecis que não paravam de gritar um só instante. Era ensurdecedor. Com certeza a pior parte de ser um enxugador. Os times começavam a se aquecer para o jogo.
- Olha lá, Dudu. A Talitinha.
- A número cinco?
- Não. A número oito.
- Ah sim. Não entendo o diminutivo. Só as pernas dela parecem serem maiores que você, ainda que com os braços para o alto.
- Eu a escalaria, Dudu! Entende? Escalaria até os peitos dela.
- Seu louco. Vamos. A droga do jogo já vai começar. Tomara que seja logo um três a zero. Não quero perder todo o meu dia aqui.

Era um jogo como um outro qualquer. Bola para lá, bola para cá, torcidas, euforia, rodos (claro) e broncas, muitas broncas. Quando as equipes vinham de encontro com os seus técnicos, era hora de entrarmos em cena. Na volta, ainda pegávamos as meninas ouvindo muitos berros de seus treinadores. Dava pena.

Eu passava a observar o corpo de cada uma delas. Paulo tinha razão, pois a tal da Talitinha era uma beldade de mais ou menos um metro e noventa. Cabelos presos num rabo de cavalo que deixava exposta uma nuca suada e tentadora. Seus ombros eram bem proporcionais aos seus seios médios e empinados. As pernas, meu Deus, que pernas, eram torneadas, não musculosas, mas rigidamente atléticas, que também se encontravam muito suadas. Fazia muito calor na quadra e por isso ela levantava e abaixava a blusa do uniforme repetidamente a fim de abanar o abdômen. Era lindo o que eu via.

O técnico da equipe de Talitinha era um monstro. Gritava demais. Era rude. Um pseudomotivador. Cara arrogante. Talitinha voltava à quadra com uma certa raiva por ser responsabilizada pelo mau desempenho do time. Elas perdiam o primeiro set por quinze a três. Uma lavada. Talitinha na verdade não era aquilo tudo que Paulo dissera em relação ao vôlei. Era mais beleza que eficiência esportiva. As estatísticas de Paulo não condiziam com o que eu via em quadra. Embora eu não entendesse nada de vôlei, era nítido para mim que ela se daria melhor nas revistas, novelas ou até mesmo num trio elétrico. Meu Deus, eu repito, que pernas.

Na primeira jogada após o retorno do time em quadra, Talitinha leva um escorregão ao tentar um passe.
- MERDA!
Gritava a atleta. Talitinha era linda até com raiva.
- Vai lá, Eduardo.
Dizia-me meu chefe.
- OK.
Eu seguia com os dois panos e o rodo à mão até a poça de suor que se encontrava sob os pés de Talitinha.
- VÊ SE LIMPA ESSA MERDA DIREITO, CARALHO!
A jogadora berrava ao meu ouvido. Aquele ser angelical sabia ser estúpido também.

O técnico de Talitinha tinha com quem gritar. Talitinha não tinha, mas criava em mim a imagem de um subalterno para que pudesse soltar sua insatisfação também. Eu reverteria de forma extrema o caminho das agressões verbais.

Eu percebia na hora que eu não era jogador de porra nenhuma e não tinha a responsabilidade de carregar uma merda de time nas minhas costas. Percebia também que se algum daqueles times perdessem, a minha vida continuaria a mesma miséria de sempre. Minha reação foi imediata, embora tenha percebido tanta coisa:
- POR QUE VOCÊ NÃO MOSTRA ESSA BUCETA DE UMA VEZ, SUA LEVANTADORA DE MERDA? DESISTE!
Eu respondia a ofensa de Talitinha em alto de bom som. As outras jogadoras tentavam me acuar, mas eu ameaçava acertá-las com o rodo. O jogo era interrompido e eu expulso da equipe de enxugadores. Talitinha ia para o banco e chorava sem parar.

No dia seguinte, os cadernos de esporte noticiavam:

Talitinha é insultada em quadra e por isso perde título estadual.

Naquela segunda-feira, eu era apontado pela mídia como o principal culpado pelo choro de milhares de torcedores. Mas alguns dias depois, me transformavam no causador da alegria de milhões de “leitores”. É que os jornais traziam a notícia mais esperada do ano:

Após receber insulto durante a final do campeonato estadual de vôlei, na semana passada, Talitinha resolve abandonar as quadras e finalmente aceita proposta para posar nua. “Aquele enxugador sem querer me abriu os olhos”, declara a sorridente Talitinha.

Com isso, eu concluo que fiz duas merdas ao me exaltar com Talitinha naquele jogo: Desfalquei, de certa forma, um time de vôlei, já que a equipe nunca mais chegaria a uma final estadual, e coloquei mais uma “ex-alguma coisa” nos assuntos “interessantes” de nossas mídias. Soube até que em breve ela estreará como apresentadora de um programa de televisão.

Pensando bem, acho que nem foi tão ruim assim, já que os responsáveis pelo Clube dos Líderes ficaram tão satisfeitos com as fotos do nudismo de Talitinha que resolveram me aceitar novamente ao grupo dos enxugadores.
- Insulte sempre as mais gostosas, Dudu.
Diziam-me.
Enfim, estávamos todos nos seus devidos lugares.

11 comentários:

Erich Pontoldio disse...

Tem sempre o lado bom e o ruim das coisas né.
Muito bem escrito heim...

Unknown disse...

eu sei que não era pra achar graça...
mas eu ri!

"Aquele enxugador sem querer me abriu os olhos, declara a sorridente Talitinha"

e como foi a revista da talitinha?!
será q vendeu bem?!
o enxugador deveria ter ganho uma graninha por isso! ele foi o grande "culpado" rs.

beijos

Anônimo disse...

hahahahahhaha
muito bommm!
diferente esse.. =)
adorei!

Anônimo disse...

HAHAHAHAHAHAHAHA
muito engraçado esse, hehe ;p

bjos.

Janaina W Muller disse...

huHAUhauHAUhauHAUhauHAUha
Quase morri de rir!
"As outras jogadoras tentavam me acuar, mas eu ameaçava acertá-las com o rodo. " - tu não imagina como eu ri, só pensando em como seria essa cena!
HAUhauHAUhauHAUHAUHu
Muito bom mesmo!

Abraços.
='-'=

Livia Queiroz disse...

Hehehe viu só?
Nem tudo é 100% ruim!!!

Tudo tem um lado positivo

adoreiiii huahua

Marcio Sarge disse...

Isso é a vida como ela é, com todas as nuances que dão sabor a mesma.

Ótimo texto!
Abraço

Vanessa Sagossi disse...

Huahuhau...
Gostei.

Leonardo disse...

kkkkkkk
Bem legal o texto....

Abraços!

Anônimo disse...

Kkkkkkk adoreiii.
muito Bom Luciano....bjs

Eduardo Martins disse...

Mto bom. Sua escrita é simples e reta... Eficaz. Parabéns!
Tb escrevo, se puder passe lá e comente: http://blackcocada.blogspot.com/