segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

AMIGO SECRETO

Dentro de mim, não aceitava toda aquela tradição de consumo natalino. Quem fora Papai Noel? Ele estava presente no nascimento de Jesus? Tudo não passa de uma invenção capitalista para nos fazer aumentar em 20% ao ano o consumo em relação a dezembro do ano anterior. Ruas lotadas, expedientes mais curtos para consumidores e mais longos para os lojistas.

Da janela do ônibus, eu observava tudo com certo nojo. Não gosto dessa época do ano. Não gosto de Natal. Nada contra os escritos sagrados, mas não dá para agüentar o misto de informações. O que uma oportunidade “única” de se adquirir uma TV de plasma tem com a manjedoura? Ou com José, Maria, os animaizinhos?

Na cabeça, as marteladas contínuas do dever de comprar um presente para o meu “amigo secreto”. Na verdade eram três amigos secretos. Um na família, outro no futebol de domingo e outro no escritório. Haja paciência. Eu não poderia dizer que não participaria, ora. Seria o errado, o do contra. Preferia participar de tudo aquilo com a boca fechada. Eu daria meu presente, receberia o meu e pronto. Protocolo cumprido três vezes.

Tinha imaginado comprar os presentes no dia seguinte, num sábado. Sabia da merda tremenda que seria. Estava a poucos dias do Natal. Teria de estar com os três presentes à mente. Nada de sair andando por aí à procura dessas coisas. Iria direto aos pontos.

Na família, meu amigo secreto era um tio meu. Um violonista seresteiro de mão cheia. Não seria difícil. Um CD do Nelson Gonçalves ou do Dilermando Reis resolveria o problema. No futebol, eu tirara o Tião. Goleiro dos bons. Então, uma luva! Foi a primeira e certeira idéia que tive. Uma luva de goleiro! Pronto! No escritório, meu amigo secreto, ou melhor, minha amiga secreta era a Carla. Carla era secretária do chefe. Linda, meiga, gentil, divertidíssima... Enfim, uma mulher muito interessante e agradável. Mas o que comprar para Carla?

Eu não sabia direito o tipo de roupa que usava, pois só a via de uniforme. Terninhos que, meu Deus, eram de enlouquecer. Uma coisa que me chamava atenção era a quantidade de arcos que a Carla tinha. Eram vários. Sempre combinando com suas peças, seus arcos eram como um toque final. Ela ficava linda com eles. Mas um arco? Seria muito simplório. Pessoas trocando presentes interessantíssimos e eu com um arco na mão? Não. Haveria algo melhor a comprar.

Com o presente dos dois primeiros amigos secretos já comprados, era hora de correr atrás do de Carla. Que tarefa cansativa. Só aturava por ser para Carla. Quem dos rapazes daquela empresa não sonhara em tirar o nome de tal gostosura. Era a chance de surpreendê-la. Era a chance de se mostrar sensível. De mostrar que tinha observação ao gosto dela. Seria lindo escutá-la dizendo “mas era exatamente isso que eu queria”.

* * *
No dia da troca de presentes:
- Agora é a vez do Augusto!
Dizia alguém. Ah! O Augusto sou eu! Esqueci de me apresentar.
- E aí, Augusto? Tirou quem? Tomara que tenha sido eu! Pelo tamanho do presente, deve ser coisa boa!
Um amigo já chegava com mais uma de suas piadinhas.
- Cale essa boca – eu dizia.
De fato a caixa era grande mesmo. Sentia que todos ali gostariam de ser o meu amigo secreto.
- Bem – eu dizia –, meu amigo secreto é uma pessoa adorável. Não sei bem o que dizer. Sou tímido. Bem, meu amigo secreto é na verdade uma amiga. É a Carla!
Sentia a inveja das outras mulheres. Sentia a inveja dos homens também.
- Nossa! Então esse presentão é meu?
Dizia Carla.
- Sim. Feliz Natal, Carla.
- Obrigada! Feliz Natal, Augusto.
- Espero que goste!
- ABRE! ABRE! ABRE!
Gritavam.
- Está bem, eu vou abrir!
Dizia Carla sorridente.

Carla abria o embrulho sob olhares atentos. Enfim, a surpresa: Um urso de pelúcia enorme. Branco. Um urso polar. Com enfeites de Natal. Custara uma fortuna. Mas eu achei que o mesmo, sim, estava à altura de Carla.
- E então? Gostou?
Eu perguntava.
- Sim, claro. É lindo...
Ela respondia com um sorriso sem sal. Eu não sentia o seu gostar. Ali, eu constatava que havia errado no presente.

* * *
Depois da troca de presentes, o Júlio César, do departamento de marketing, chegava até Carla.
- Bem, eu não tirei você no amigo secreto, mas tenho uma coisa para ti.
- Ah! Júlio César, não precisava.
Ela abria o pequeno embrulho e lá estava: um arco. Carla sorria como uma criança. Abraçava Júlio César como eu nunca vira.

O urso que lhe dei, ficava cabisbaixo sobre a mesa em meio ao monte de papéis de presente. Senti pena daquele urso. Na verdade senti pena de mim mesmo. Que idiota eu fui. Caí nas garras daquele velho gorducho maldito. Caí no espírito consumista do Natal na espera de um sorriso como aquele que Carla deu a Júlio César. Um arco. Estive tão perto e terminei tão longe. Um arco, meu Deus! Um arco!

9 comentários:

Kayo Medeiros disse...

E viva as coisas simples da vida... é brega, é manjado, mas fazer oq se tá certo?

Anônimo disse...

E viva as coisas simples da vida... [2]

Anônimo disse...

e viva as coisas simples da vida... [3]

Livia Queiroz disse...

Nem sempre o mais luxuoso é o q agrada...

É uma pena o Augusto ter errado!!
rsrsrs acontece!!!!

Anônimo disse...

hahaha, coitado.
devia ter dado o arco mesmo uhauhau

Raisa Bastos y Rodrigues disse...

ela errou a flecha, tadinho.
mas o próximo natal vem daqui a uns 360 dias, talvez dê pra salvar isso em um ano ...
ou vai ver se foi secreto tempo demais.

Laiana Cunningham disse...

mto bom..
como nao sou a carla..eu adorario um urso enorme pra deixar no meu quarto ja que eu ,Laiana, nao uso arcos por achar que nao ficam bem no formato da minha cabeça.

fala para augusto pegar o urso de volta e me dar! hahaha

bjus bjus

Unknown disse...

E viva o espírito natalino!
tsc tsc tsc

Anônimo disse...

Meu Deus, um arco!..uahuahauha

Muito bom!!!