sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

SERES INVISÍVEIS

Longe da família, abandonada às vésperas do Natal pelo noivo e com uma série de frustrações pessoais, Joana entendia que não conseguiria absorver o espírito natalino naquele ano. Encontrava-se molhada de chuva, entediada e, ao fone de ouvido, João Gilberto parecia tentar alegrá-la, Mas se embaralhava ao falatório frenético de consumidores saciados. Faltavam uns oitocentos metros até a sua casa quando Joana resolvia descer do ônibus e seguir o restante a pé e sob a chuva. Não agüentava a ansiedade de estar sozinha e de desfrutar do silêncio de seu apartamento.

Joana, completamente ensopada, cumprimentava o porteiro.
- Boa noite Floriano.
- Boa noite menina. Tudo bom?
- Nem tudo.
- Vai melhorar.
- Tem que melhorar, não é?
- Claro que vai, menina.
Floriano respondia com um sorriso sincero, porém, cansado. Parecia demonstrar toda a experiência de um senhor que já passara por quase tudo nessa vida. Joana observava o sorriso e, antes de chamar o elevador, dava meia volta, seguia até a mesa de Floriano. Deixando o rastro da chuva que a molhara pelo corredor do hall de entrada do prédio, ela atirava:
- Floriano, onde passará o Natal?
- Estás olhando para a mesa de minha ceia, menina.

Encantada com a calma do senhor, Joana passava a mão sobre aquela cabeça branca e tentava:
- Floriano, sempre passei o Natal com minha família, lá no Rio de Janeiro. Há uns dois anos que passo esta data aqui em São Paulo, devido à oportunidade de emprego que me surgiu. Preferia passar com meu ex-noivo, que é daqui, e alguns amigos. Nesse Natal, não tenho mais o meu noivo e com ele foi a minha vontade de viver. Quero passar sozinha, entende?
- Entendo. Mas e os seus amigos? Por que não passa o Natal com eles?
- Sem o Eduardo não teria lógica. Os meus amigos são os amigos dele. E sei que eles estarão juntos. Prefiro não encontrá-lo. Entende?
- Sim. Entendo. E por que não passa no Rio com a sua família?
- Acho que seria bom, Floriano. Mas estou num momento em que preciso ficar sozinha. Minha família é enorme. Eles me ligarão no dia 24, como sempre fazem, e já está de bom tamanho.
- Então passará o dia de Natal sozinha?
- Sim.
- Que seja feliz do mesmo jeito!
- Obrigada Floriano.

Joana seguia até o elevador molhando ainda mais o corredor. As gotas que deixava pelo chão mais pareciam pedaços de uma alma cansada e triste, porém sem noção da força que possuía para reverter aquele quadro. Floriano ficava a observá-la vagarosa até o elevador.
- Menina!
Chamava Floriano.
- Oi.
- Se amanhã você se sentir muito sozinha, desça e passe o Natal comigo. Comeremos umas rabanadas que superarão qualquer solidão. Ah! E tenho uma TV aqui também.
- Claro!
Respondia Joana surpresa com o convite.

Joana subia até o seu apartamento pensando em quantos Natais o Floriano já havia passado sozinho. Lembrava que no ano anterior ela passava por ele no 24 com amigos, garrafas de vinho e um coração cheio de alegrias. Nem se importara com a solidão daquele senhor. Sentia que os momentos em que ela parecia quase invisível naquele ônibus lotado de pessoas felizes eram idênticos aos momentos em que Floriano vivera durante tantos Natais naquela portaria.

* * *
No dia 24, às dez e meia da noite, Joana já se encontrava tonta de sono e de tédio. Então resolvia ir até a portaria. No elevador, esbarrava em pelo menos vinte pessoas sorridentes e contagiadas pelo clima natalino.

Chegando à portaria, encontrava Floriano assistindo um tradicional especial de fim de ano.
- Floriano.
- Oi menina. Feliz Natal!
- Feliz Natal para o senhor também! Como está o movimento?
- O de sempre. Cada um mais feliz e contente que o outro.
- E o senhor? O que sente quando as vêem?
- Quer realmente saber? Triste. Não pela felicidade deles, isso seria horrível de minha parte. Mas pela diferença enorme entre a quantidade de pessoas que por aqui passam e a quantidade de cumprimentos que recebo. Sinto-me meio invisível. Entende?
- Entendo sim. Posso ficar por aqui com o senhor?
- Claro que sim, menina. Quando chegar meia-noite, abriremos um vinho para você e um refrigerante para mim. Não posso beber em serviço. – Ele sorria. – E comeremos as rabanadas que lhe falei. A D.Ângela, do trezentos e dois, faz para mim. Todos os anos. Falando nela, olha ela aí.

- Floriano, estão quentinhas, até a meia-noite estarão no ponto!
Chegava a sorridente Ângela.
- Muito obrigado D.Ângela. Este ano eu terei companhia. Conhece a Joana, do oitocentos e quatro?

Aquele Natal foi diferente para Floriano e para Joana. Fazia anos que ele não sabia o que era passar o Natal na verdadeira companhia de alguém. Ela não sabia que atrás de um senhor quase invisível estava uma pessoa tão divertida a ponto de fazê-la esquecer de tudo de errado que a rodeava. Os dois conversaram durante toda à noite, saborearam as deliciosas rabanadas de Ângela e finalizaram o papo com a promessa de repetirem a dose no reveillon. Visíveis. Um ao outro.

* * *
Conto revisado. Publicado originalmente em 21 de dezembro de 2007 no fotolog.com/lucianofreitas.

6 comentários:

Anônimo disse...

ahhh esse eu não lembro de ter lido...estranho.. rsrs
mas adorei!
não moro em apartamento, mas acredito que isso seja verdade...
=/

ahhhh! se quiser fazer alguma divulgação, pode mandar pro meu e-mail!
nathalia.nsc@gmail.com

um beijo

Janaina W Muller disse...

Deve ser horrível essa sensação de invisibilidade, ainda mais numa noite como a véspera de Natal :x
Mas foi muito lindo esse conto, imagino que esse seja o verdadeiro espírito natalino õ/

Abraços.
='-'=

Vanessa Sagossi disse...

Sim... Essas coisas acontecem demais! Nos dias ditos 'normais' estão sempre por ai, no Natal não é diferente!
Mas foi fofo!!
É o espírito do Natal, o toque de Deus...

Beijoo!

Vanessa Sagossi disse...

Ahh, lógico, só deixando a gente na vontade com a propaganda ali do lado, né??
Eu quero ver só o que essa Gisele pensa!

Bj!

Anônimo disse...

esse conto foi muito fofo!
seria bom se as pessoas reparassem mais nas outras mas isso acontece com todos, pelo menos em algum momento da vida.
a capa também ficou mt fofinha, parece um cartão de natal! ^^

bjos

Anônimo disse...

bem... eu preferia ficar invisivel pois eu nao gosto do natal, prefiro ate ir dormir bem cedo pra nao ver tanta formalidades