segunda-feira, 5 de outubro de 2009

O MENINO DAS FRUTAS

Eu era só uma menina, tinha onze ou doze anos, não lembro bem. Toda manhã, sempre que chegava à escola, acompanhada de minha mãe, me deparava com um grande caminhão que vendia frutas; uma espécie de barraca de feira ambulante. Dentro daquele baú, trabalhavam o S. Adalberto, que era um senhor barrigudo e muito simpático, e seu filho Pedrinho, que deveria ter a minha idade.

Enquanto minha mãe comprava algumas frutas, eu observava os movimentos de Pedrinho. É que, apesar de pequeno e magro, aquele menino demonstrava força e muita habilidade ao manusear os produtos, geralmente depositados em sacos aparentemente muito pesados. Aquele menino trabalhava muito mais que o pai, no meu ponto de vista. S. Adalberto tratava de atender muito bem a clientela, enquanto Pedrinho parecia se encarregar de todo o trabalho duro. O menino suava muito dentro daquele baú.

Pedrinho tinha o cabelo bem liso e os olhos eram de um verde inédito a mim. Poucas vezes pude notar sua dentição, mas posso dizer que era, embora amarelada, perfeita. As camisetas que vestia geralmente traziam personagens de desenhos animados. Lembro que, mesmo sendo muito nova, eu conseguia capturar o contraste entre os sorrisos do Mickey, por exemplo, e a realidade de Pedrinho.

“Será que o Pedrinho estuda?”, pensava a minha cabecinha infantil. Os olhos daquele menino eram tristes a ponto de denunciar uma ausência de amizades, de uma vida de criança, de amor, de carinho. Eu tinha uma imensa vontade de perguntar a ele sobre essas coisas, mas eu teria de gritar para que ele me ouvisse lá no fundo daquele baú; preferia ficar calada e apenas o observar.

Ao meio-dia, enquanto eu saía da escola, S. Adalberto e Pedrinho atendiam seus últimos clientes, pois o caminhão logo estaria partindo. No portão da escola, à espera de minha mãe, via que o trabalho de Pedrinho no fim do expediente era ainda mais pesado. O menino ensacava aquela quantidade imensa de frutas sob os avisos sempre iguais de seu pai. “Não vá me colocar os mamões embaixo das melancias, pelo amor de Deus, Pedro!”, dizia o pai. “Já sei”, era o que o menino sempre respondia.

Em alguns momentos, nossos olhares se encontravam. Pedrinho, hoje consigo entender, sentia muita vergonha de trabalhar tão duro bem em frente a uma escola. O vai e vem daquelas crianças a sorrir e brincar devia causar no coração do menino um sentimento terrível e indescritível. Eu cheguei a imaginar que ele pudesse estudar no turno da tarde, mas, em conversa com minha mãe, soube que não.

- O Pedrinho estuda, mamãe? – eu perguntava.

- O menino do caminhão de frutas?

- É!

- Não, minha filha. Ele ajuda o pai.

- Mas não estuda por quê?

- Porque precisa ajudar o pai no caminhão, ora!

- Mas o caminhão só funciona pela manhã, não é?

- Não. O S. Adalberto me disse uma vez que eles saem dali e vão para um outro ponto na parte da tarde. Por isso, creio eu, que Pedrinho não estude. Aquele menino fala tudo errado, nunca ouviu?

- Não.

Ficava um pouco chateada ao perceber que minha não dera a mínima importância ao sofrimento de Pedrinho. Pareceu-me muito normal quando ela disse “por que precisa ajudar o pai no caminhão, ora”; pareceu um motivo óbvio, correto e sem possibilidade de questionamentos.

O tempo passou e o caminhão de frutas continuou por ali durante todos os anos em que eu estive naquela escola. S. Adalberto já mostrava sinais de uma saúde debilitada, enquanto Pedrinho, no auge de sua juventude, trocava o corpo franzino por músculos bem definidos. Agora, além do trabalho pesado, ele também atendia a clientela.

Eu, já com dezessete anos, me preparava para, no ano seguinte, ingressar em uma faculdade; estava muito feliz em dar mais um passo ascendente rumo ao meu objetivo profissional: o de lecionar Língua Portuguesa, mas senti meu coração partir ao concluir que, talvez, jamais veria o rosto de Pedrinho novamente. Frente ao portão da escola, confessei a mim mesma: estou apaixonada pelo menino das frutas!

Então, com a coragem que sempre me faltara, fui até ele.

- Pedrinho!

- Senhora!

- Senhora não, por favor!

- Desculpa...

- Tudo bem.

- O que vai querê? Nós tem um abacaxi hoje aqui que...

- Não, não vim pelas frutas!

- ...

- Vim por você! Quero te perguntar uma coisa que há anos me incomoda.

- Pode perguntar!

- Você... – eu pausava, tomava coragem – Você estuda?

- Não senhora!

- OK! Mas tem vontade?

- Tenho sim, senhora!

- Eu... Eu poderia te ensinar alguma coisa, que tal?

- Como assim?

O restante da conversa não interessa. Interessa é que, a partir da outra semana, Pedrinho passou a frequentar a minha casa durante a noite para ter aulas de português. Não cobrava nada a ele, mas ele fazia questão de me levar algumas frutas de vez em quando; um amor de pessoa.

Com o tempo, Pedrinho e eu nos abrimos um para o outro. Até que um beijo se fez presente em meio aos sujeitos e predicados à mesa. Desse beijo em diante, mesmo sob as reclamações irritantes de mamãe, nunca mais nos largamos. Nos casamos e tivemos uma filha.

Hoje, ele é dono de três pequenos mercados de varejo, e eu, como sempre sonhei, professora.

O menino das frutas, o rapaz disciplinado das aulas... Já o chamei de tanta coisa. Hoje, o chamo de amor da minha vida.

* * *
Foto da Capa:
Katherine Davis.

7 comentários:

Nathalia disse...

Ai, que bem faz ler um conto fofinho! hahaha

beijoooos

Giselly Olivetti disse...

Lu, Quando li a última frase me arrepiei..parabéns! Linda história. Antigamente as coisas eram assim, imaginei minha avó contando as trapalhadas da vida dela. Obrigada por me fazer relembrar.

Beijão

Janaina W Muller disse...

Amei, amei, amei! Um final feliz \o/ Sem dúvida, a última frase é a mais especial desse conto lindo :D Muito meigo, ser ser açucarado e meloso. ADOREI!

='-'=

Unknown disse...

uma fofurinha de conto!

Anônimo disse...

Que história linda!
Adorei :)

Vanessa Sagossi disse...

Aiiin, que lindo!
Primeira e única paixão!
*.*
Perfeito, Lu!

*:
bjuh!

Anônimo disse...

que coisa mais linda!
adorei :)