
Em minha classe havia uma menina, a Lívia, que era a mais linda de toda a escola. Eu estava na quarta série do antigo primeiro grau, devia ter meus dez ou onze anos, mas lembro que já sentia por Lívia o que, na época, definia como amor. Não era amor, logicamente, mas era algo muito forte.
Como eu sentava na terceira carteira atrás da de Lívia, pude colocar em prática a dica misteriosa vinda da TV. Lívia tinha os cabelos ruivos e lisos um pouco abaixo do ombro, o que deixava sua nuca totalmente coberta. Eu não me lembrava se o cabelo poderia atrapalhar ou não aquele processo mental, mas lembro que tentei mesmo assim.
Para minha sorte, aquele dia seguinte era um dia de prova. Então, esperei que todos começassem a avaliação, pois assim teria silêncio suficiente para me concentrar na nuca de Lívia. Precisei me curvar um pouco para a esquerda, a fim de obter a visão plena. Lá estava ela. Com o corpo levemente curvado para frente, por conta da prova, Lívia deixava parte da nuca à mostra – os cabelos dela eram lisos demais e, por isso, se espalhavam pelos ombros.
Sendo assim, olhei fixamente para aquele pedaço de nuca que pude enxergar. Não sabia o significado prático de “mentalizar”, então comecei a pensar como se meus olhos fossem braços elásticos e que conseguissem chegar até àquela nuca. Olhei. Fixei. Fiz isso por pelo menos cinco minutos, e nada.
- Pedro? – dizia-me a professora.
- Senhora!
- Quer se sentar direito, por favor? Ou quer ter sua prova recolhida?
- Desculpe-me, senhora.
“Droga”, eu pensava. Perdia totalmente a concentração. Algo me dizia que eu estava perto de conseguir. Por duas vezes Lívia esboçara uma reação. Com minha tentativa descendo pelo ralo, resolvi fazer a prova.
Os dias se passaram e eu continuei tentando. A verdade é que na minha cabeça a nuca de Lívia era só o início para um futuro de glória. Sim, eu pensei também em conseguir com o tempo levantar as saias das meninas, confesso. Mas o futuro de glória significava mais que isso. Pensava em ter o meu próprio show na TV, no qual eu moveria objetos, desvendaria mistérios, tudo com o poder da mente. Ficaria rico.
Voltando a realidade, duas semanas de tentativas se passaram e o máximo que eu havia conseguido era perceber os milímetros de crescimento capilar de Lívia. Aquela cena, a de Lívia de costas com seus cabelos sobre os ombros, se um dia eu precisasse, seria capaz de descrevê-la nos mínimos detalhes. Mesmo sem sucesso, tendo sempre Lívia como alvo, continuei o treinamento por anos.
Estudei com Lívia até a oitava série. Até então, nunca havia sido capaz de dizer o quanto a achava linda. Bem, todos os outros meninos da escola já haviam dito isso a ela, com certeza, então, minha declaração seria apenas mais uma em muitas.
Foi quando a ouvi dizer às amigas:
- Não farei o segundo grau aqui, gente. Farei prova para uma escola técnica.
Já era setembro. Sendo assim, aquela frase significava que, teoricamente, eu só teria pouco menos de três meses para dizer o quanto a queria.
Dois dias depois, eu estava na Lanchonete da Gilda com uns amigos, quando avistei Lívia a lanchar sozinha numa mesa longe da nossa.
- Gente, gente – eu dizia –, aquela ali é a Lívia, lá da escola.
- Você ainda não a esqueceu? Putz! – dizia-me Túlio.
- Que otário! – dizia-me Francis.
- Que mané! – dizia-me Rafael.
- Querem saber? Eu vou lá falar com ela! – eu dizia.
E fui. Mas antes, pelo caminho, resolvi voltar à prática mental. Olhei fixamente para a nuca de Lívia, enquanto me aproximava lentamente. Foi quando ela resolveu prender o cabelo num elástico e, extraordinariamente, sentiu um calafrio que a balançou dos ombros ao tornozelo. Segundos depois, Lívia se virava para mim e:
- Pedro!
- Oi, Lívia! Tudo bom?
- Sim, sim.
- Posso me sentar um instante?
- Claro.
- Bem, eu estou com uns amigos ali, então serei breve. Ouvi você dizer que não fará o segundo grau conosco, que tentará uma escola técnica... Eu preciso te dizer uma coisa.
- Sim – dizia-me Lívia a morder, lindamente, a ponta do canudo de seu refrigerante.
- Eu acho que te amo. Desde a quarta série.
- Eu sei disso, seu bobo.
- Ah? Sabe? Mas...
- Não sei explicar, mas sempre senti como se estivesse me olhando. Mesmo de costas, sem te ver, sentia. Como senti agora, ao se aproximar. Entende? Você me entende?
- Acho que sim, Lívia. Acho que sim – eu ria.
Nos beijamos sob a sublime constatação de que, sim, eu tinha o poder da mente!
4 comentários:
oooown! haha
adorei a parte q ele pensou em levantar a saia das meninas com o poder da mente! hahaha
adorei!
bjssssssssss
Ahhhhhhh, continuaaa!!!!!
:)
Beijos
hahaha, adorei =)
bjs
Muito bom, como sempre Luciano
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