segunda-feira, 17 de maio de 2010

O PODER DA MENTE

Certa vez, ainda criança, ouvi alguém, não lembro bem quem, dizer na TV que um olhar fixo é capaz de mover objetos, mas que esse olhar deveria ser somado ao poder da mente, que, logicamente, uns têm mais que outros – alguns sequer têm. Lembro de um exemplo que essa pessoa expôs no momento de tal declaração; segundo esta, com o poder da mente, ao olharmos fixamente para a nuca de alguém, essa pessoa “sentirá” tal olhar e se virará para quem o olha. Achei interessantíssimo isso e passei a treinar isso na escola.

Em minha classe havia uma menina, a Lívia, que era a mais linda de toda a escola. Eu estava na quarta série do antigo primeiro grau, devia ter meus dez ou onze anos, mas lembro que já sentia por Lívia o que, na época, definia como amor. Não era amor, logicamente, mas era algo muito forte.

Como eu sentava na terceira carteira atrás da de Lívia, pude colocar em prática a dica misteriosa vinda da TV. Lívia tinha os cabelos ruivos e lisos um pouco abaixo do ombro, o que deixava sua nuca totalmente coberta. Eu não me lembrava se o cabelo poderia atrapalhar ou não aquele processo mental, mas lembro que tentei mesmo assim.

Para minha sorte, aquele dia seguinte era um dia de prova. Então, esperei que todos começassem a avaliação, pois assim teria silêncio suficiente para me concentrar na nuca de Lívia. Precisei me curvar um pouco para a esquerda, a fim de obter a visão plena. Lá estava ela. Com o corpo levemente curvado para frente, por conta da prova, Lívia deixava parte da nuca à mostra – os cabelos dela eram lisos demais e, por isso, se espalhavam pelos ombros.

Sendo assim, olhei fixamente para aquele pedaço de nuca que pude enxergar. Não sabia o significado prático de “mentalizar”, então comecei a pensar como se meus olhos fossem braços elásticos e que conseguissem chegar até àquela nuca. Olhei. Fixei. Fiz isso por pelo menos cinco minutos, e nada.

- Pedro? – dizia-me a professora.

- Senhora!

- Quer se sentar direito, por favor? Ou quer ter sua prova recolhida?

- Desculpe-me, senhora.

“Droga”, eu pensava. Perdia totalmente a concentração. Algo me dizia que eu estava perto de conseguir. Por duas vezes Lívia esboçara uma reação. Com minha tentativa descendo pelo ralo, resolvi fazer a prova.

Os dias se passaram e eu continuei tentando. A verdade é que na minha cabeça a nuca de Lívia era só o início para um futuro de glória. Sim, eu pensei também em conseguir com o tempo levantar as saias das meninas, confesso. Mas o futuro de glória significava mais que isso. Pensava em ter o meu próprio show na TV, no qual eu moveria objetos, desvendaria mistérios, tudo com o poder da mente. Ficaria rico.

Voltando a realidade, duas semanas de tentativas se passaram e o máximo que eu havia conseguido era perceber os milímetros de crescimento capilar de Lívia. Aquela cena, a de Lívia de costas com seus cabelos sobre os ombros, se um dia eu precisasse, seria capaz de descrevê-la nos mínimos detalhes. Mesmo sem sucesso, tendo sempre Lívia como alvo, continuei o treinamento por anos.

Estudei com Lívia até a oitava série. Até então, nunca havia sido capaz de dizer o quanto a achava linda. Bem, todos os outros meninos da escola já haviam dito isso a ela, com certeza, então, minha declaração seria apenas mais uma em muitas.

Foi quando a ouvi dizer às amigas:

- Não farei o segundo grau aqui, gente. Farei prova para uma escola técnica.

Já era setembro. Sendo assim, aquela frase significava que, teoricamente, eu só teria pouco menos de três meses para dizer o quanto a queria.

Dois dias depois, eu estava na Lanchonete da Gilda com uns amigos, quando avistei Lívia a lanchar sozinha numa mesa longe da nossa.

- Gente, gente – eu dizia –, aquela ali é a Lívia, lá da escola.

- Você ainda não a esqueceu? Putz! – dizia-me Túlio.

- Que otário! – dizia-me Francis.

- Que mané! – dizia-me Rafael.

- Querem saber? Eu vou lá falar com ela! – eu dizia.

E fui. Mas antes, pelo caminho, resolvi voltar à prática mental. Olhei fixamente para a nuca de Lívia, enquanto me aproximava lentamente. Foi quando ela resolveu prender o cabelo num elástico e, extraordinariamente, sentiu um calafrio que a balançou dos ombros ao tornozelo. Segundos depois, Lívia se virava para mim e:

- Pedro!

- Oi, Lívia! Tudo bom?

- Sim, sim.

- Posso me sentar um instante?

- Claro.

- Bem, eu estou com uns amigos ali, então serei breve. Ouvi você dizer que não fará o segundo grau conosco, que tentará uma escola técnica... Eu preciso te dizer uma coisa.

- Sim – dizia-me Lívia a morder, lindamente, a ponta do canudo de seu refrigerante.

- Eu acho que te amo. Desde a quarta série.

- Eu sei disso, seu bobo.

- Ah? Sabe? Mas...

- Não sei explicar, mas sempre senti como se estivesse me olhando. Mesmo de costas, sem te ver, sentia. Como senti agora, ao se aproximar. Entende? Você me entende?

- Acho que sim, Lívia. Acho que sim – eu ria.

Nos beijamos sob a sublime constatação de que, sim, eu tinha o poder da mente!

4 comentários:

Nathalia disse...

oooown! haha
adorei a parte q ele pensou em levantar a saia das meninas com o poder da mente! hahaha

adorei!
bjssssssssss

Vanessa Sagossi disse...

Ahhhhhhh, continuaaa!!!!!
:)

Beijos

Anônimo disse...

hahaha, adorei =)

bjs

Yara Lopes disse...

Muito bom, como sempre Luciano