sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

O PANETONE

- Puta que pariu, Lucas! E o panetone?

Mamãe soltou a frase quando, às oito da noite do dia vinte e quatro, se deu conta de que em nossa ceia faltava aquilo que, segundo ela mesma, não poderia faltar, de forma alguma: o maldito panetone.

Antes mesmo que ela me dissesse o que fazer, corri até a sua carteira, puxei uma nota de vinte, peguei a bicicleta e ganhei a rua dizendo voltar logo com o panetone.

- Ou não me chamo Lucas! – eu disse.

- Ou eu te mato, seu imbecil! – disse mamãe.

Pedalei. E muito. Mas tudo o que eu via eram mercados descendo suas portas de metal, além de pessoas, já arrumadas, rumo às casas de seus familiares.

Enquanto riscava o asfalto, de tão veloz, pensava onde eu poderia comprar um panetone àquela hora. “Mamãe me mata se eu não chegar com essa merda de panetone em casa!”, eu pensava. Fui em todos os estabelecimentos de meu bairro, mas sem sucesso; estavam todos fechados.

Eu parava numa calçada para descansar, porque minhas pernas doíam. Foi quando Isadora, uma grande amiga, me tocou as costas.

- O que está fazendo por aqui, Lucas? – perguntou-me Isadora.

- Se eu te contasse...

- Diga!

- Estou atrás de um panetone, acredita?

- Às nove horas de um dia como hoje? Está maluco?

- Mamãe me dera tal missão ontem, mas... esqueci.

- Lucas, seu doido! Vamos, lá em casa deve ter mais de um. Acho que minha mãe não se incomodará se eu te der um dos nossos panetones.

- Não, que isso?, imagina... Não precisa se preocupar, Isadora.

- Não custa nada, Lucas. E Natal sem panetone não é Natal!

- Pensas como mamãe...

Isadora, então, sempre muito fofa, me deu um de seus panetones. Agradeci e ofereci os vinte reais a ela.

- Deixe isso para lá, Lucas! – ela disse, recusando a nota – Agora vá, que sua mãe deve estar aflita!

- Te devo essa, amiga!

Voltei veloz pelo mesmo caminho e, quase chegando à minha rua, eis que me surge um mendigo – que na verdade não era bem um mendigo, mas meu pai, posto para fora de casa havia dois meses, por conta do alcoolismo. Ele estava bêbado, como sempre.

- Lucas, meu filho! Diga a sua mãe para me aceitar de volta, por favor! É Natal...

- Papai, você está bêbado de novo! Como quer que mamãe lhe aceite?

- Meu filho, eu não estou... bêbado – disse-me ele, trocando as pernas –, eu só bebi um vinhozinho... o que tem de mais nisso? É Natal, porra!

- Papai, me dói muito lhe ver neste estado, mas não posso fazer muita coisa...

- Tenho fome, filho... Muita fome...

Na mesma hora peguei o panetone que Isadora me dera e:

- Segure, papai. É um panetone. Feliz Natal...

Papai não me respondeu; abriu a caixa do panetone como um animal faminto, o que me partiu mais ainda meu coração. Então, peguei a bicicleta e segui para casa.

Chegando:

- Conseguiu o panetone, Lucas? – perguntou-me mamãe.

- Consegui, mamãe, mas não o trouxe.

- Como “não o trouxe”, Lucas?

- Encontrei-me com papai. Ele estava com fome, e...

- Não credito que alimentou aquele animal como o nosso panetone, Lucas!

Meu sangue ferveu ao ver mamãe falando daquela forma do papai. Chamá-lo de animal? E o que havia de errado em alimentar papai se até nossos cachorros comiam bem lá em casa?

- Mamãe, a senhora e eu já comemos muitos panetones pagos por papai! Pense nisso!

Mamãe emudeceu.

- Ah! – eu continuei – e o panetone que dei a ele não lhe custou nada! Estão aqui os seus vinte reais! Engula-os!

Fui para o meu quarto e chorei. Chorei porque não consegui compreender como um simples panetone pode estragar o Natal de uns e ao mesmo tempo fazer o Natal de outros, ainda mais sendo ambos os lados meus pais.

3 comentários:

Nathalia disse...

ah, gente, que mae escrota!

e eu nem gosto de panetone mesmo... (é verdade, tá?!)

beijoooooooooooooo

Kayo Medeiros disse...

Puta, que tenso. Concordo com a mãe em não aceitar o pai de volta, ela deve ter passado maus bocados com esse cara (olha eu extrapolando o texto), mas tb não precisava ser tão escrota assim.

Vanessa Sagossi disse...

Nossa, que história triste de Natal dessa vez. Nem quero mais panetone.
Bjs,