quinta-feira, 5 de novembro de 2009

CARTAZ

Eu tinha acabado de sair do banho; ainda estava nu quando o telefone soou. Fazia um calor infernal e eu dava graças a Deus por aquela campainha não ser a da porta, já que minha intenção era a de ficar zanzando pelado pela casa durante toda aquela tarde. O aparelho já gritava pela quinta ou sexta vez quando finalmente tive forças para sair da frente do espelho. Eu marcava o meu caminho do banheiro à sala com um rastro d’água, lento.

- Alô!

Era a Márcia, minha produtora. Com uma voz animadíssima, ela me avisava que fechara uma sequência de shows pelo Rio de Janeiro. O calor típico da cidade a partir de novembro sempre rendia alguns trocados – na verdade eu não sei bem o porquê, já que sou um músico bossanovista e considerado por muitos a verdadeira “broxada do verão”.

- Quantos shows serão? – eu perguntava.

- De novembro a fevereiro, rapaz! Umas vinte apresentações! O que acha?

- Acho bom, muito bom! O que mais você tem a me dizer?

- Não me parece animado...

- É o calor...

- Ah... Bem, vou convocar os mesmos músicos que te acompanharam no ano passado, pode ser?

- Sim, pode ser!

Na verdade eu quase nunca me animava com os shows, mas é o meu sustento, o que posso fazer?
Depois de algumas semanas, um cartaz exageradamente colorido me chegava pelos correios. Tratava-se de um anúncio da minha primeira bateria de shows, num hotel bem bacana. A peça trazia “O verão, o sorriso e a flor” como nome do espetáculo. Uma forçada de barra horrível como se minha apresentação tivesse o peso e a importância do que foi “A noite do amor, do sorriso e da flor”, em 1960. E aquelas cores? Onde estava o velho preto com branco? Liguei de imediato para Márcia.

- Gostou do cartaz?

- Que mau gosto, Márcia! Que mau gosto!

- Por quê?

- Compara-me aos grandes da Bossa Nova?

- E por que não?

- Porque não sou! Simples! Não aprovo! Criem outra coisa!

- OK, mas pode ser para a próxima temporada? Porque para os shows do hotel já estão rodando esse aí...

- Você já colocou isso na rua?

- Desculpe-me! É que...

Desliguei o telefone e só fui rever Márcia na noite de estréia da temporada.

* * *
Fazia muito calor naquela noite. Durante a semana, o meu nome fora anunciado em tudo o que era jornal, e sendo muito criticado também, claro. Lembro de ler uma matéria que chamava o meu show de “a brochada, o desânimo e a dor”. Eu nunca entendi bem essas críticas, já que as pessoas – pelo menos as que compareciam aos shows – gostavam bastante de mim.

Márcia, ao me ver:

- Tinha medo que não aparecesse!

- Jamais faria isso!

- Não me falou sobre os ensaios, sobre nada! Eu NÃO sei que repertório apresentará! Eu sinto que NÃO produzi o seu show! Por que não me demite?

- Jamais faria isso!

- Mas parece insatisfeito com o meu trabalho!

- Foi só o nome do show, mas nada! Está tudo bem!

- OK! Bom show para você!

- Obrigado.

Fiz o show como sempre faço: metade músicas minhas, metade clássicos da Bossa Nova. O público, estranhamente abarrotado de jovens, adorou. Teve até uma menina, que aparentava viver em plena décima oitava primavera, no máximo, que veio até a mim e disse:

- O verão ainda não chegou, mas você é o melhor anúncio de que ele está por vir! Adoro você!

Fui até Márcia:

- Muitos jovens, você viu?

- Vi, sim, claro!

- O que fez para isso acontecer?

- Um cartaz colorido, ora!

5 comentários:

Kayo Medeiros disse...

Rá! Nada é mais poderoso que um cartaz colorido (NOT)! XP

Luciano Freitas disse...

Errado! Nada mais vulnerável que a juventude atual.. ;)

Lucas disse...

Que tal:

Nada é mais poderoso que um cartaz colorido com a vulnerável juventude atual.

^^

Muito bom Luciano, divertido, leve.
Estava com saudade daqui.

Abraço.

Vanessa Sagossi disse...

Hauauhauha. Gostei da definição, Luciano!

Anônimo disse...

haha, gostei! bem bacana :)