quinta-feira, 7 de maio de 2009

AQUELA PRIMAVERA

Sair do colégio às 18h e encontrar-se com Larissa era o motivo que o fazia estar por lá às 13h. As aulas lhe chegavam como um monte de palavras emboladas. A sua posição de pensador e o semblante de sonhador davam aos colegas de Otávio o prazer de uma cena patética que resultava em risos durante toda a aula.

Otávio respondia a chamada como que numa atitude mecânica. No intervalo, saía devagar e com o olhar rumo ao nada, enquanto a “manada” quase lhe atropelava pelos corredores. Era fato: Otávio estava perdidamente apaixonado por Larissa, que por sua vez, tinha dois anos a mais que ele, dezessete, e estudava numa escola vizinha.

Na saída, ele corria para frente da escola de Larissa e ali permanecia até que ela saísse. Era assim que acontecia todo dia. Ao passar pelo portão, Larissa parava, soltava seus fios loiros antes presos por um elástico, desabotoava o uniforme e dava um nó com as pontas, deixando à mostra aquela barriga livre de qualquer porcentagem de gordura. Para isso, colocava os cadernos entre as pernas fazendo subir sem querer boa parte da saia pregada que compunha aquela visão magnífica, para delírio de Otávio.

Depois dessa preparação, Larissa atravessava a rua correndo de braços abertos ao encontro de Otávio. Nesse ato, a frustração por conta dos marmanjos era visível e unânime. Os mais velhos, que chegavam à escola para o turno da noite, pareciam soar em uníssono a frase “que moleque de sorte”. E realmente ele era. Otávio era um garoto de canelas finas, ombros mal desenvolvidos e uma cabeça que, meu Deus do céu, que cabeça! Era enorme e desproporcional ao restante daquilo que ele chamava de corpo. Mas o que importava? O feioso tinha nos braços uma menina linda e mais experiente, assim digamos, do que ele. Em seus 15 anos de vida sempre fora lembrado como o esquisito da rua ao lado. Larissa na vida dele era uma verdadeira benção!

Saindo dali, os dois iam direto para a escadaria que dava no prédio de Larissa, logo ali perto. Ficavam às vezes até às 22h tentando entender através de beijos, abraços e carícias o que os faziam não querer mais largar um do outro. Larissa brincava com a bagunça que eram os cabelos encaracolados de Otávio, que ria sem parar quando ela o chamava de “meu”. Sempre comportados, se colocavam o tempo todo às vistas da mãe de Larissa, que de vez em quando dava uma vigiada lá da janela do 6º andar para ver se estava “tudo bem”. E sempre estava. Eram dois jovens apaixonados, só isso.

Quando Larissa chegava em casa:

- Larissa, Larissa. Está subindo tarde, minha filha.
- Desculpe, mamãe. É que eu e o Otávio...
- Já sei. Estão apaixonados e não conseguem se desgrudar. Já ouvi isso.
- Então.
- Mas é que se seu pai chega e te encontra às dez horas da noite, ainda de uniforme, lá em baixo com o Otávio, não será nada bom. Ele aceitou que namorasse, mas você sabe das condições, Larissa.
- Sei sim, mamãe. Mas é que ele chega dez é meia, não?
- Mas tem dias que chega mais cedo. Bem, chega de papo. Vá tomar um banho e depois venha jantar. Anda.
- Está bem.

No banheiro, Larissa se despia como uma atriz de cinema. Ligava o aparelho de som portátil, que já permanecia debaixo da pia do banheiro propositalmente, e ao som da oitava obra de Vivaldi, “As Quatro Estações”, mas especificamente o concerto denominado “Primavera”, ela começava o seu ritual que misturava interpretações de cenas de filmes que não lhe saiam da cabeça e frases, que lhe faziam morrer de paixão, ditas por Otávio momentos antes. A música clássica e o gosto por uma arte refinada foram fatores que ajudaram muito na aproximação de Larissa e Otávio. Ambos tocavam violino e se conheceram na fila do Teatro Municipal.

Naquele dia, Bernardo, pai de Larissa, chegava em casa com o astral nas nuvens.

- Cláudia! Chame Larissa, pois precisamos conversar os três.
- Sim, amor. Aconteceu algo?
- Sim, Cláudia, aconteceu!
- Algo ruim?
- Não! Algo bom! Algo muito bom!
- Então digas, homem.
- No jantar eu digo, deixe-me tomar um banho.

Após o banho de Bernardo, Cláudia e Larissa já se encontravam ansiosas à mesa.

- Conta logo, pai. O que aconteceu de tão bom?
- Pois bem, filha. Fui promovido!

As duas comemoraram e se abraçaram como num gol da seleção em final de copa.

- E fui transferido também – continuava Bernardo – Irei ocupar um ótimo cargo em São Paulo. É isso. Voltaremos a nossa querida cidade, família.

Na mesma hora, Larissa calava-se, abaixava a cabeça e danava-se a chorar. Cláudia, já desconfiando o motivo das lágrimas, fazia sinal a Bernardo para que não dissesse mais nada.

Larissa corria para o seu quarto aos prantos.

Logo depois, chegava sua mãe.

- Larissa. Não fique assim. Isso é muito importante para o seu pai e para nós também.
- Eu sei mamãe. Vou pedir desculpas ao papai depois, pois sei o quanto é promissor para ele, mas é que não agüentei pensar em ter de deixar o Otávio. Nunca senti nada igual ao que sinto por ele – respondia soluçando Larissa.
- Eu entendo, filha. Mas pense que isso não significa o fim do namoro de vocês. Podem se ver nas férias. Que tal?
- Nas férias, mamãe? Nas férias? Não consigo ficar um dia sem vê-lo. Como farei? Acho que não quero voltar para São Paulo.
- E vai ficar como por aqui? Nossa família é toda de lá. E além do mais, seria eu quem não conseguiria viver sem você, Larissa.
- Eu já tenho 17 anos, mamãe. Eu poderia ficar nesse apartamento mesmo.
- E viveria do quê? Você não trabalha, Larissa. Esqueceu?

Larissa criava maneiras de driblar os fatos, mas tinha ciência de que as mesmas não tinham chances contra o ocorrido.

- Deixe-me sozinha, mamãe.
- Claro, filha.

Concordava Cláudia, que ia até a sala fazer companhia ao desatento Bernardo.

A menina não pensava duas vezes. Ligava para Otávio.

- “Meu”.
- Oi amor.
- Papai chegou aqui com uma péssima notícia.
- O que houve?
- Por conta do trabalho dele, teremos que voltar para São Paulo. Mas eu não quero, “meu”.
- Nossa! Eu também não quero que vá, mas como faremos?
- Não tenho a mínima ideia.

No dia seguinte, já tendo conhecimento de toda situação, Bernardo chega em casa e encontra uma Larissa tristonha e chorosa.

- Larissa! – chamava-a Bernardo.
- Oi papai.
- Quero falar com o Otávio.
- Sobre?
- Conversa de homem, filha. Ligue para ele e me ponha na linha.

Surpresa, Larissa respondia:

- Está bem.

Larissa fazia o que o pai mandava e:

- Otávio? – dizia Bernardo.
- Quem fala?
- Bernardo, o pai de Larissa. Tudo bom?
- Sim. Claro.

Respondia o menino sem entender a causa de tal ligação.

- Você já deve estar sabendo de nossa volta para São Paulo, não?
- Sim senhor. Larissa me contou.
- Pois bem, agora me diga o que sentes por minha filha.

Otávio usava então todo seu talento com as palavras, o mesmo que conquistou de vez a Larissa. Contava exatamente tudo o que aquela loirinha de sotaque engraçado representava para ele.

Ao desligar o telefone, sob o olhar confuso de Larissa, Bernardo ligava para o seu chefe e dizia que não aceitaria mais o cargo.

- Mas papai. Por que rejeitou o cargo? Tudo o que você mais queria era voltar para São Paulo.

- Simples. Outras oportunidades aparecerão para o seu “véio” aqui, mas outro sentimento tão sincero quanto o que ouvi de Otávio por você, eu já não teria tanta certeza.

* * *
No dia seguinte, Larissa e Otávio pareciam não caberem neles mesmos. Uma aparente alegria tomava conta dos dois e transmitia a quem olhasse para aquele casal de aparências tão diferentes a ideia de que nada seria capaz de derrotar um laço tão forte como o que os unia. Às 18h horas, eles começaram tudo de novo, mas de uma forma especial; como se a paixão de ambos estivesse reflorescendo.

* * *
Foto da Capa: Carina B.

Conto publicado originalmente em 11 de abril de 2008 e retirado para participação de concursos literários.

9 comentários:

Anônimo disse...

Esse conto é TÃO fofo!
adoro!

beeijo

Unknown disse...

ahhhh! estava certa, viu?! já tinha lido! eee!

=)

Janaina W Muller disse...

Já eu não tinha lido esse ainda...mas realmente, é muito lindinho **

Abraços
='-'=

Kayo Medeiros disse...

É, bem que eu percebi que já tinha lido.Beeem legal mesmo! =)

Lucas disse...

Que bonito. *-*

Pensei que teria um final triste, mas que bom que não o teve.

Gostei.

Abraço Luciano.

Livia Queiroz disse...

ainnnnn q lindo!

Adorei
*.*

disse...

oii luciano..
só vi o seu comentário agora..
mas sem problemas por mim, é uma honra até!
o conto é lindo.. gostei mt!

bjos

CAMILA de Araujo disse...

HEUEHEUHEHEUHEUE
Adorei esse conto xDD

www.conto-um-conto.blogspot.com

Vanessa Sagossi disse...

Ain, que lindo!
Que pai fofo também11
:)