
Eu preciso confessar que minha mãe – eu acho que pelo fato de me ganhar ainda muito jovem – não aparentava sequer ser mãe; muito menos ter a idade que realmente tinha. Juro que, às vezes, olhava-me no espelho e me sentia mãe de minha mãe. E isso em todos os sentidos! Parecia mesmo ter as rugas que ela não tinha!
Chegava da escola e:
- Mãe, eu estou morrendo de fome! O almoço está pronto? – ninguém respondia – Mãe?
- Oi filha! Espere um pouco! – respondia, finalmente, minha mãe ao telefone.
- Não é possível! Já está no telefone?
A cena que presenciava era quase revoltante: minha mãe deitada no sofá com as pernas para o alto. Com uma das mãos, segurava o telefone, e com a outra, fazia cachinhos numa das mechas coloridas de seus cabelos.
- Fernanda, depois eu te ligo – dizia minha mãe – Joana chegou aqui e já quer me dar ordens! Você precisa acalmar sua amiga e dizer a ela que tu és minha amiga também e que tenho direito de falar com você... – ela ria – Bem, até mais tarde!
Eu morria de raiva.
- Poxa, mãe!
- O que foi, Joana?
- O que você e Fernanda tanto conversam?
- Coisa nossa, minha filha!
- Mas mãe, a Fernanda tem quinze anos! O que tanto uma mulher de trinta e dois anos tem para falar com uma de quinze?
- Muitas coisas! Ela é minha amiga, Joana, só isso! Por quê? Está com ciúmes?
- Não é ciúmes, mãe! Só acho que você deveria papear com pessoas da sua idade, ora! Por que tem que ser com as minhas amigas?
- Fique calma, Joana! O almoço está quase pronto, sim? Relaxa!
- Quase? OK... eu espero.
O telefone tocava.
- Deixe que eu atendo, mãe!
- Está bem, Joana.
- Alô!
- Alô! Joana?
- Oi Fernanda!
- Chama sua mãe aí! Esqueci de falar uma coisa!
- Ah!? Mas...
- É rapidinho!
- Está bem... MÃE! É A FERNANDA!
Era assim quase todo dia. Minha mãe fazendo o papel de adolescente, e eu, por conta dela ser assim, tentando fazer o papel de mãe. Mas o que mais me irritava era aquela relação dela com meus amigos. Que ódio!
Ela terminava com o telefone e:
- Não vai acreditar no que Fernanda acabou de me contar, Joana!
- O quê? – eu respondia com aparente desânimo.
- O Pedro Henrique está a fim de mim!
- Ah!? Mas... O Pedro Henrique? O meu ex-namorado?
- Sim! Não vai ficar chateada, vai?
- Imagina, mãe! – eu ironizava.
- Ah, filha!
- Mãe! Você perdeu a noção do ridículo? O Pedro é mais novo que você doze anos! Acorda! O que meus amigos vão pensar? E, porra, precisava ser logo o Pedro Henrique?
- Mas filha, eu não fiz nada! Ele é quem está a fim!
- Mas pela empolgação que você me deu a notícia, mãe, você me pareceu bastante a fim também!
- E o que é que tem? Vocês andaram dando uns beijinhos, tudo bem. Mas, por isso, eu não posso ficar com ele?
- Beijinhos? Ele foi meu namorado! Freqüentou a nossa casa por dois anos! E “ficar”, mãe? Olha para você! “Ficar”? Não acha que está velha demais para usar tal expressão? Pior: para praticar tal ação!
- Velha? Eu? Você está é com inveja! Não conseguiu segurar o Pedro Henrique e agora está com medo dele me achar melhor do que você!
- Mãe?!
Como dizer à minha mãe o quanto me sentia envergonhada com tudo aquilo? Eu, que me julgava tão antenada e moderna, estava ali julgando as atitudes de minha mãe como se fosse o mais conservador dos seres. Mas o fato é que aquilo tudo realmente me envergonhava!
- Não é isso, filha? Inveja?
- Mãe! Eu só queria que você fosse normal!
- Normal? Eu não sou normal? Só me faltava essa!
- PELO MENOS AS MÃES DAS MINHAS AMIGAS NÃO DÃO MOLE PARA OS AMIGOS DELAS!
Minha mãe emudecia. Eu chorava. Via minha mãe, com suas mechas coloridas, pegar a panela com força e praticamente lançá-la sobre o fogão. Com gestos brutos, minha mãe começava a preparar o almoço. Nunca em minha vida vira em minha mãe semblante tão triste.
- O almoço estará pronto em breve, Joana. Vá tomar seu banho.
Ela falava de forma tão séria. Eu me sentia egoísta. Sentia-me um monstro, na verdade. Mas, mesmo assim, sentia também um delicioso frescor em meu peito. Sentia que, enfim, eu era a filha naquela relação.
- Não se preocupe. Não levarei à frente o Pedro Henrique, OK? – dizia minha mãe.
- Ô mãe... Desculpe-me, mas... Não deve ser tão difícil para você, assim tão bonita, conquistar alguém mais maduro, é?
- Está tudo bem, Joana...
No dia seguinte, ao chegar da escola, eu encontrava minha mãe morta. Envenenara-se. Do lado de seu corpo havia um bilhete:
Joana,
Já que insistiu tanto em adiantar-me à velhice, resolvi seguir a sua linha de pensamento e adiantei-me à morte. Espero que, enfim, esteja tudo bem para você.
De certa forma, minha mãe adiantou-me às responsabilidades adultas. Aceitei sobre uma total falta de entendimento sobre certo e errado. Até hoje não sei o que sentir diante de tudo aquilo.
9 comentários:
Ai, credo!
mas também, que mãe é essa?
uma =%#@~8* dentro de casa NINGUÉM merece!
Nossa! Mas também, essa mulher...sentir-se jovem é uma coisa, agora, agir como uma completa maluca idiota é outra! Credo. E o bilhete...mesmo morta, foi completamente mimada, egoísta e inconsequente ;p
em outras palavras, adorei esse conto :D o/
abraços.
='-'=
Eu vi um caso desse, sem o suicídio, em um desses programas que falam sobre a vida das pessoas e tem uma apresentadora pra julgá-los.
Sinceramente, não sei se a filha se sentia ameaçada ou se precisava da figura da mãe. Que coisa...
Ótimo o que a moça de cima disse:
"E o bilhete...mesmo morta, foi completamente mimada, egoísta e inconsequente".
Muito bom Luciano, muito bom.
Abraço.
Noooooossa!
Sei lá cara!
To estatelada aqui! rsrs
Credo hein?
Bj Adorei
Oo'
noooossa
;*
ai, luciano...
que horror...
jura? exageraaaaaaaaada... XP
Belo conto, mostra a nossa realidade. Parabéns!!
Meu Pai Amado!
Mas que absolutamente triste!
Postar um comentário