quinta-feira, 14 de maio de 2009

VOCÊ VENCEU

Por que ela não podia ser como as mães normais que conheço? Por que ela tinha que usar as minhas roupas, ter confidências com as minhas amigas, frequentar os mesmos lugares que eu frequento? Por quê?

Eu preciso confessar que minha mãe – eu acho que pelo fato de me ganhar ainda muito jovem – não aparentava sequer ser mãe; muito menos ter a idade que realmente tinha. Juro que, às vezes, olhava-me no espelho e me sentia mãe de minha mãe. E isso em todos os sentidos! Parecia mesmo ter as rugas que ela não tinha!

Chegava da escola e:

- Mãe, eu estou morrendo de fome! O almoço está pronto? – ninguém respondia – Mãe?
- Oi filha! Espere um pouco! – respondia, finalmente, minha mãe ao telefone.
- Não é possível! Já está no telefone?

A cena que presenciava era quase revoltante: minha mãe deitada no sofá com as pernas para o alto. Com uma das mãos, segurava o telefone, e com a outra, fazia cachinhos numa das mechas coloridas de seus cabelos.

- Fernanda, depois eu te ligo – dizia minha mãe – Joana chegou aqui e já quer me dar ordens! Você precisa acalmar sua amiga e dizer a ela que tu és minha amiga também e que tenho direito de falar com você... – ela ria – Bem, até mais tarde!

Eu morria de raiva.

- Poxa, mãe!
- O que foi, Joana?
- O que você e Fernanda tanto conversam?
- Coisa nossa, minha filha!
- Mas mãe, a Fernanda tem quinze anos! O que tanto uma mulher de trinta e dois anos tem para falar com uma de quinze?
- Muitas coisas! Ela é minha amiga, Joana, só isso! Por quê? Está com ciúmes?
- Não é ciúmes, mãe! Só acho que você deveria papear com pessoas da sua idade, ora! Por que tem que ser com as minhas amigas?
- Fique calma, Joana! O almoço está quase pronto, sim? Relaxa!
- Quase? OK... eu espero.

O telefone tocava.

- Deixe que eu atendo, mãe!
- Está bem, Joana.
- Alô!
- Alô! Joana?
- Oi Fernanda!
- Chama sua mãe aí! Esqueci de falar uma coisa!
- Ah!? Mas...
- É rapidinho!
- Está bem... MÃE! É A FERNANDA!

Era assim quase todo dia. Minha mãe fazendo o papel de adolescente, e eu, por conta dela ser assim, tentando fazer o papel de mãe. Mas o que mais me irritava era aquela relação dela com meus amigos. Que ódio!

Ela terminava com o telefone e:

- Não vai acreditar no que Fernanda acabou de me contar, Joana!
- O quê? – eu respondia com aparente desânimo.
- O Pedro Henrique está a fim de mim!
- Ah!? Mas... O Pedro Henrique? O meu ex-namorado?
- Sim! Não vai ficar chateada, vai?
- Imagina, mãe! – eu ironizava.
- Ah, filha!
- Mãe! Você perdeu a noção do ridículo? O Pedro é mais novo que você doze anos! Acorda! O que meus amigos vão pensar? E, porra, precisava ser logo o Pedro Henrique?
- Mas filha, eu não fiz nada! Ele é quem está a fim!
- Mas pela empolgação que você me deu a notícia, mãe, você me pareceu bastante a fim também!
- E o que é que tem? Vocês andaram dando uns beijinhos, tudo bem. Mas, por isso, eu não posso ficar com ele?
- Beijinhos? Ele foi meu namorado! Freqüentou a nossa casa por dois anos! E “ficar”, mãe? Olha para você! “Ficar”? Não acha que está velha demais para usar tal expressão? Pior: para praticar tal ação!
- Velha? Eu? Você está é com inveja! Não conseguiu segurar o Pedro Henrique e agora está com medo dele me achar melhor do que você!
- Mãe?!

Como dizer à minha mãe o quanto me sentia envergonhada com tudo aquilo? Eu, que me julgava tão antenada e moderna, estava ali julgando as atitudes de minha mãe como se fosse o mais conservador dos seres. Mas o fato é que aquilo tudo realmente me envergonhava!

- Não é isso, filha? Inveja?
- Mãe! Eu só queria que você fosse normal!
- Normal? Eu não sou normal? Só me faltava essa!
- PELO MENOS AS MÃES DAS MINHAS AMIGAS NÃO DÃO MOLE PARA OS AMIGOS DELAS!

Minha mãe emudecia. Eu chorava. Via minha mãe, com suas mechas coloridas, pegar a panela com força e praticamente lançá-la sobre o fogão. Com gestos brutos, minha mãe começava a preparar o almoço. Nunca em minha vida vira em minha mãe semblante tão triste.

- O almoço estará pronto em breve, Joana. Vá tomar seu banho.

Ela falava de forma tão séria. Eu me sentia egoísta. Sentia-me um monstro, na verdade. Mas, mesmo assim, sentia também um delicioso frescor em meu peito. Sentia que, enfim, eu era a filha naquela relação.

- Não se preocupe. Não levarei à frente o Pedro Henrique, OK? – dizia minha mãe.
- Ô mãe... Desculpe-me, mas... Não deve ser tão difícil para você, assim tão bonita, conquistar alguém mais maduro, é?
- Está tudo bem, Joana...

No dia seguinte, ao chegar da escola, eu encontrava minha mãe morta. Envenenara-se. Do lado de seu corpo havia um bilhete:

Joana,

Já que insistiu tanto em adiantar-me à velhice, resolvi seguir a sua linha de pensamento e adiantei-me à morte. Espero que, enfim, esteja tudo bem para você.


De certa forma, minha mãe adiantou-me às responsabilidades adultas. Aceitei sobre uma total falta de entendimento sobre certo e errado. Até hoje não sei o que sentir diante de tudo aquilo.

9 comentários:

Nathalia disse...

Ai, credo!

mas também, que mãe é essa?
uma =%#@~8* dentro de casa NINGUÉM merece!

Janaina W Muller disse...

Nossa! Mas também, essa mulher...sentir-se jovem é uma coisa, agora, agir como uma completa maluca idiota é outra! Credo. E o bilhete...mesmo morta, foi completamente mimada, egoísta e inconsequente ;p

em outras palavras, adorei esse conto :D o/

abraços.
='-'=

Lucas disse...

Eu vi um caso desse, sem o suicídio, em um desses programas que falam sobre a vida das pessoas e tem uma apresentadora pra julgá-los.

Sinceramente, não sei se a filha se sentia ameaçada ou se precisava da figura da mãe. Que coisa...

Ótimo o que a moça de cima disse:
"E o bilhete...mesmo morta, foi completamente mimada, egoísta e inconsequente".

Muito bom Luciano, muito bom.

Abraço.

Livia Queiroz disse...

Noooooossa!

Sei lá cara!
To estatelada aqui! rsrs

Credo hein?


Bj Adorei

DL ;* disse...

Oo'

noooossa
;*

Unknown disse...

ai, luciano...
que horror...

Kayo Medeiros disse...

jura? exageraaaaaaaaada... XP

Ruy disse...

Belo conto, mostra a nossa realidade. Parabéns!!

Vanessa Sagossi disse...

Meu Pai Amado!
Mas que absolutamente triste!