sexta-feira, 14 de março de 2008

CONFLITOS DE CAROLINE

Caroline abraçou sua pelúcia e derramou todas aquelas lágrimas que a deixava com um andar pesado por dias. O fato de ter contado seu maior segredo para a professora à qual ela depositava enorme confiança já não mais a deixava tranquila como nas primeiras horas após a confissão. A professora Ângela já desconfiava de suas atitudes durante as aulas. Não foi difícil fazer com que a menina se abrisse em relação àquele comportamento.

As lágrimas de Caroline eram na verdade frutos de uma confusão sentimental que envolvia pais, amigos, futuro, felicidade, conceitos. A partir do momento em que a menina se livra do fato, que até então era unicamente seu, se sente como se houvesse uma pequena fresta em seu coração, possibilitando o observar crítico de Ângela sobre o seu íntimo. Isso já não a fazia bem. A homossexualidade de Caroline estava agora nas mãos de uma outra pessoa. Pessoa esta que fugia de seu controle. Seu segredo corria agora o risco de se propagar feito má notícia.

Esse fato era apenas uma parte das lágrimas de Caroline. O segredo já havia sido dividido com Ângela e isso já não tinha como mudar. Mas o que fazer diante disso tudo e de uma paixão repentina por Alexandre, seu melhor amigo? Encarar a bissexualidade estava longe de se tornar um fato para Caroline. Já era confuso demais tentar se aceitar como uma pessoa “normal” frente a tanto preconceito. Caroline lutava dia e noite contra seus próprios sentimentos como se estes fossem sujos e dignos de sua própria reprovação. E agora essa coisa louca em relação a Alexandre.

O segredo revelado, a paixão inexplicável por Alexandre, o medo dos pais, a juventude batendo à porta e os hormônios à flor da pele criavam todo um conflito interno que Caroline tentava dividir com sua pelúcia. Ficar deitada até virar um monte de pó era o que desejava ao pensar em tantas escolhas e decisões que tinha pela frente. E isso tudo era apenas o interno. Os problemas externos ela preferia esquecer. Eis uma menina de apenas quatorze anos, mas que já carregava em si todo o peso de uma sociedade; a começar pelos seus pais.

Levantou-se, jogou o ursinho no canto do quarto com violência, desceu as escadas em direção à mesa de jantar na qual se encontra toda sua família. Sentou-se enxugando suas lágrimas.

- O que tem para comer? – perguntou a menina.

- Por que está chorando, Caroline? – perguntou a mãe.

- O que tem para comer?

- Antes, eu quero saber o porquê de seu choro! – insistiu a mãe.

- Quer saber mesmo? Vocês todos querem saber? – ameaçou raivosamente Caroline – Eu gosto de meninas, minha professora está sabendo e estou apaixonada por um amigo! Tudo bem para vocês? Porque para mim não está nada aceitável!

Caroline conseguiu deixar ainda mais muda aquela família de indivíduos tão distantes entre si. Hamilton, o pai, se escondeu por trás do jornal – fingia ler. Carmem, a mãe, foi até a cozinha buscar os pratos. Rodolfo, o irmão, sequer ouviu o que a irmã falara, por causa dos fones de ouvido.

A menina ia se sentindo a cada segundo mais leve. E o melhor: notou que nada falaram a respeito de seus problemas.

No dia seguinte, como se nada houvesse ocorrido na noite anterior, todos em casa agiam de forma normal. Falaram-se pouco, como sempre, e de forma natural, fazendo assim cair o mito de que naquela casa o segredo de Caroline seria mal visto. A menina recebeu o mesmo beijo sem graça de todos os dias e foi para o colégio.

Chegando lá, sentiu que ainda faltava se livrar de um outro impasse: o de Alexandre.

- Alexandre, eu posso falar com você? – disse Caroline.

- Claro, diga!

- Estou apaixonada por ti.

Alexandre ficou com os olhos arregalados e completamente mudo.

- O que você me diz? – continuou a menina.

- Caroline, você é uma garota linda. É inteligente, interessante...

Caroline interrompeu os elogios e o beijou docemente. Alexandre não disse palavra e retribuiu o ato.

* * *
Chegando em casa:

- Oi mãe.

- Oi filha. Como foi a aula? – a pergunta de sempre da mãe.

- Interessante! – a resposta de sempre de Caroline.

- E o Alexandre? – uma pergunta inédita.

- Apaixonante! – uma resposta à altura.

- E quanto à sua opção sexual? Como fica?

Caroline para na escada, se vira para Carmem e responde com um enorme sorriso no rosto:

- Mamãe, não possuo mais conflitos, pois venci o maior de todos: o medo da reprovação de vocês. Era esse que acorrentava todos os outros conflitos!

Carmem continuou preparando o almoço. Caroline, diante do nulo preconceito de seus pais, passou a aceitar tranquilamente a indiferença deles. Era melhor.

* * *
Foto da Capa: Fabiana Romeo.

3 comentários:

Anônimo disse...

o conto ficou legal, né?!
parabéns!








beijinhos.

Anônimo disse...

Se algum desses lances acontecesse aqui em casa seria bem diferente!

Mas você colocou de forma legal um conflito que pouco se fala.

Henrique Monteiro disse...

Lá em casa as coisas não foram assim...