terça-feira, 25 de março de 2008

O DONO DAS SOLUÇÕES

Afonso sempre foi um rapaz muito comunicativo. Com isso, fazer amizades era de fato algo rotineiro. A pessoa que tinha o prazer de conhecê-lo não queria mais o perder de vista. Afonso sem dúvida alguma era um cara agradável e apaixonante de lidar. Para os amigos, uma excelente companhia nas mesas dos bares, nas arquibancadas de estádios de futebol etc. Para as amigas, um ombro e um ouvido sempre por perto.

Fazendo parte da minoria de seu ciclo de amizade, Afonso mantinha um namoro de cinco anos e quatro meses com Rafaela. Minoria porque a outra parte do grupo revezavam-se entre si num verdadeiro “pega-pega” que resultava em intrigas, brigas e choros que quase sempre iriam ser confessados a Afonso. O amigão. Visitas de amigas ao seu apartamento eram de tamanha freqüência que necessitava de um agendamento prévio.

Afonso sempre tinha uma boa saída para os problemas alheios. Por isso, era chamado muitas vezes de “guru”. Porém, os seus próprios problemas ele não os conseguia resolver. Se já não bastasse o seu namoro que se tornava a cada dia mais frio e instável, Afonso se encontrava agora perdidamente apaixonado por Karen, uma das muitas amigas por ele assistidas.

O que fazer diante disso? As encrencas mais cabeludas e absurdas que lhe chegavam aos ouvidos eram resolvidas em questão de minutos, mas a situação em que se encontrava parecia um caso insolucionável. Sentia um carinho enorme por Rafaela, que em sua mente a tinha como fosse a mulher de sua vida. E realmente era. O amor que recebias da menina era incomparável a qualquer outro sentimento já recebido por Afonso. Combinavam-se nas atitudes, nos pensamentos, nos ideais. Aquilo que alguns chamam de alma gêmea. Era assim.

Karen o procurou para falar de suas frustrações profissionais no ramo das artes plásticas. Ela não conseguia manter-se com a carreira escolhida. Pois bem, quatorze horas de conversa foram suficientes para que Afonso não a tirasse mais da cabeça. Aquela menina que era um ser distante agora fazia parte de seus sonhos diários. Mas o que Karen possuía? O que quatorze horas tiveram para serem mais especiais, pelo menos momentaneamente, do que os mais de cinco anos de convivência com Rafaela?

Tomou coragem e foi até a casa de Rafaela. No caminho, pensava apenas no sorriso, num possível beijo e nas insinuações de Karen. Um fogo latente em seu peito o fazia clamar por novas experiências amorosas. Chegando à frente da casa de Rafaela já obtinha a certeza de que ali acabaria tudo. Estava ligado demais à Karen e não conseguia mais empurrar aquele namoro com a barriga. Era o desejo carnal que vencia os sonhos depositados durante tantos anos.

Foi frio. Disse que não dava mais e pronto. Rafaela, que também já se encontrava desacreditada daquele relacionamento e exausta de dividi-lo com as amigas de Afonso, apenas chorou e fechou a porta. A menina tinha em mente que se não fosse com Afonso, não seria com ninguém. Rafaela havia projetado toda uma vida ao seu lado e com apenas uma frase do rapaz, perdeu o chão. Também chorando, porém, com a leveza de quem se livra de um imenso penar, Afonso vai até a casa de Karen. Tocou a campainha diversas vezes, mas ninguém atendeu. Foi para casa tentando contato pelo seu telefone celular.

À noite, finalmente conseguiu falar com Karen.
- Karen, eu estou apaixonado por você.
- Mas Afonso, e a Rafaela?
- Não há mais nada entre nós. Terminei por sua causa. Só penso em ti, Karen.
Karen riu sem graça, se despediu com um discurso sem sentido e desligou o telefone. Afonso preferiu esperar o dia seguinte para conversar melhor com Karen.

No dia seguinte, Afonso recebe uma ligação de uma amiga:
- Afonso?
- Sim.
- É Amanda.
- Oi Amanda. Como você está?
- Nada bem e acredito que você também não ficará.
- Por que?
- Rafaela suicidou nesta noite. Ingeriu veneno, Afonso.

Sem sentir as pernas e pensando na culpa de ter levado Rafaela a se matar, Afonso vai inconscientemente até a casa de Karen. Chegando lá, avista um grande movimento de policiais e bombeiros frente à residência. Karen deixou um bilhete explicando que havia cortado os pulsos na madrugada passada ao escolher a morte a mais uma frustração em vida, a de conseguir acabar com o relacionamento alheio.

Afonso se ajoelhou no chão vermelho da sala de Karen, chorou e entendeu que foi incapaz de resolver o seu próprio problema e que ao tentar, conseguiu matar as duas possíveis soluções.

5 comentários:

Anônimo disse...

é... resultado de querer bancar o analista do mundo... uahuah brincadeira...
gostei muito do seu conto, lu... mesmo acabando com as suas famosas mortes.

parabéns!



beijoca.

Anônimo disse...

Isso acontece de verdade???
Esse conto me lembrou o livro Lisboa de JR Duran;

beijoos

Anônimo disse...

Se eu falar que é maravilhoso eu to exagerando?

...


Claro...que não!!
Gosto do jeito com o Luciano escreve...parafraseando aqui Carpinejar, o Luciano consegue o 'desaforo' na escrita.
Algo sempre 'bate'....e voce se rende a essa dor que te coloca a refletir!
É ótimo!
...fazer oq eu se já me declarei fã de carteirinha e tudo?rs
Arrasou.
Parabéns
bj bj
Janu

Chris Ferlon disse...

e o pior de tudo é q de repente nem era amor ou paixão... =/

rs

foda, lu!

beijão

Henrique Monteiro disse...

Outro ótimo texto.

Meu final seria com a Karen e a Rafaela tendo um caso. (6)