sexta-feira, 27 de junho de 2008

A PROCURA PELO INÉDITO

Por volta das 19h, do 26º andar de um antiguíssimo prédio, no centro da cidade, avistava-se sempre a luz acesa da sala de Celso, um jovem solitário, trabalhador e a princípio dono de uma conduta normal. Saía diariamente às 6:45h para o seu emprego de guardador de automóveis num estacionamento rotativo bem perto de sua residência. Era de poucas palavras. Entrava no elevador:
- Bom dia.
- Bom dia.
Isso era tudo.

Durante sua jornada, Celso tratava os clientes do estacionamento com muita educação e guiava os carros com destreza e precisão. Até às 17h, Celso era um típico empregado exemplar. Aquele que todo o chefe gostaria de ter aos montes em suas máquinas de fazer cédulas. Lá, o jovem também se mostrava quase que mudo, porém, executava suas obrigações sem reclamar jamais. Um funcionário que não fala, apenas executa. Um exemplo, não?

Quando Celso chegava à sua casa, todo o mundo ficava lá fora, fazendo companhia ao tapete que trazia escrito em si um “bem vindo” pouco lido, já que Celso não recebia visitas em sua casa. Sem amigos nem familiares próximos, o rapaz era o mistério em pessoa. Sabia que os vizinhos pagariam alto para enxergar um metro quadrado de seu apartamento. Mas o que acontecia por lá era de conhecimento apenas de Celso.

Celso possuía uma mania um tanto quanto estranha. Ele, apesar de ser o mais normal dos normais, se sentia extremamente incomodado com a normalidade e a previsibilidade das coisas que o cercavam. Não conseguia entender o por quê que certas coisas nunca aconteciam. “Por que os cachorros de rua não se uniam para dormir todos em frente ao shopping?” “Por que os recolhedores de lixo não jogavam toda aquela sujeira sobre os carros de luxo estacionados?” “Por que as pessoas não apedrejavam a casa do prefeito?” Essas perguntas sempre vinham seguidas por atos que Celso praticava na calada da noite a fim de concretizar as suas próprias respostas.

Celso gostava de pegar o jornal e avaliar a cara de babaca de algumas autoridades ao tentarem dar respostas convincentes aos atos cometidos na noite anterior. Ele lia aqueles jornais e ria por dentro sem jamais soltar um sorriso sequer.
- Que barbaridade.
Ele dizia.

- Por que um repórter nunca morre no meio de um telejornal?
Essa pergunta martelava forte na cabeça de Celso durante alguns anos. “Seria bacana ver um apresentador do jornal do horário nobre levando uma bala no meio da testa. Ao vivo. Seria impressionante”. Celso vivia uma rotina calada, mas buscava sempre dentro de si alguma cena inédita para causar. Essa do telejornal seria uma realização ímpar para Celso. Ele sempre sonhava com isso.

Meses se passaram. Um certo dia, no trabalho:
- Olá Celso.
- Olá.
- Adivinha para onde eu vou essa noite?
- Onde?
- Num estúdio de TV.
- Fazer o que lá?
- Conhecer o casal de apresentadores do telejornal.
- Do telejornal? Você está se referindo ao...
- Esse mesmo, amigo.
Celso pensou em seu desejo e soltou:
- Como conseguiu?
- Meu cunhado, esposo da minha irmã, trabalha lá e conseguiu que eu fosse com ele essa noite.
- Nossa. Legal. Será que eu poderia ir também?
- Eu vou ligar para ele e perguntar. Eu te digo no fim da tarde. OK?
- OK.

Durante aquela tarde Celso não pensou em outra coisa.“Usar aquela raridade bem na testa daquele mentiroso”. Ele se referia ao 38 que guardava na gaveta. Mas a dúvida era, se confirmada a possibilidade de ir até o estúdio do telejornal, como entrar com a arma naquele império? Teria de haver um jeito, pois Celso não teria outra chance dessa tão cedo.

- Celso!
- Diga, Afonso.
- Está certo. Pode ir comigo lá.
- Poxa! Que bacana! Estou muito feliz com isso.
- Então, esteja pronto às 19h. OK?
- Estarei.
Celso confirmava sua presença sem saber ao certo o que faria. “Como entrar lá com a arma?” “Como acertar o tiro sem deixar rastros num estúdio de TV?” Dúvidas e mais dúvidas de uma cabeça doentia.

Na verdade Celso não media as conseqüências desse ato. Onde já se viu? Assassinar o apresentador do jornal mais assistido do país ao vivo. O que poucos sabiam é que Celso apresentava-se de uma forma durante o dia, em sua vida social, e de outra durante a noite, em sua casa e durante as ações onde procurava o inédito de uma vida tão rotineira. Ele acreditava que causava tais situações não somente para sua própria satisfação, mas para a de uma população que esperava a cada dia por algo fora dos padrões. Mas nada se comparava ao assassinato que planejava. Mesmo porque Celso jamais havia matado alguém. Só que as suas procuras eram mais fortes que as precauções. “Quem disse que preciso de uma arma para isso?” Decidia então que não levaria o revolver.

Às 19h, Celso se encontrava em frente seu prédio à espera de Afonso. Uma buzina alertava Celso. Era Afonso ao volante.
- Vamos embora, Celso.
Gritava Afonso.
- Estou indo.
- Entre aí.
Os dois seguiam assim para a grandiosa empresa televisiva.

Chegando lá:
- Afonso Luiz Barbosa Neves
Identificava-se na portaria.
- Esse é o Celso... Celso de quê?
- Celso Aguiar.
- A identidade de vocês, por favor.
- Claro. Vimos a mando de um funcionário de vocês, o Egberto Lima.
- Sim. Está aqui. Podem ir. Este senhor os levará até o estúdio.
- OK.
- OK.

- Caramba, Celso, nem acredito que vamos assistir o telejornal de dentro do estúdio da Rede...
- Ih. Olha ele ali.
Interrompia Celso.
- Quem?
- O...
- Não brinca!
- É ele passou ali agorinha. Entrou naquela porta.
O segurança que os acompanhava apenas observava os dois.

No último corredor antes do estúdio, Egberto, cunhado de Afonso, aparece.
- Olá.
- Olá. Esse aqui é o amigo que lhe falei, o Celso.
- Ah sim. Tudo bem, Celso?
- Tudo.
Celso não parava de observar cada canto daquele lugar.
- Bem, vocês entrem e se acomodem naquelas cadeiras ali atrás das câmeras. OK?
- OK.
- OK.

Sentados lá, observaram os preparativos para a transmissão. Muitos equipamentos, muitas pessoas transitando pelo estúdio. Celso mantinha-se calado enquanto Afonso se deslumbrava com toda aquela estrutura. Até que o famoso casal de apresentadores adentrou e tomou sua posição diante das câmeras. Afonso permanecia boquiaberto. Celso analisava. Um pedido de silêncio foi dado. O jornal acabava de entrar no ar.

Celso suava frio.
- Está nervoso?
Perguntava Afonso em voz baixa. Celso mantinha-se mudo.
- Cara, você está tremendo. O que há?
Celso somente olhava fixamente para o âncora.
- Celso?
Celso levantava rapidamente de seu assento e com apenas três passos largos e velozes ultrapassa a linha das câmeras e chega até o pescoço do alvo. Na mesma hora, surgem várias pessoas da equipe para retirar Celso de cima do apresentador.
- O QUE ESTÁ FAZENDO, CELSO?
Gritava Afonso.
- VEJA QUE MARAVILHOSO AFONSO, EU VOU MATÁ-LO AO VIVO!
Um amontoado de gente agora se encontrava sobre Celso e a vítima. Ninguém teve força suficiente para retirá-lo de lá.
- DEIXEM AS CÂMERAS LIGADAS. AS PESSOAS QUEREM ALGO INÉDITO!
Gritava Celso totalmente possuído por uma ira assustadora. A esposa do apresentador apenas gritava aos prantos.

As câmeras transmitiram apenas os primeiros segundos do ato. Logo depois a transmissão havia sido interrompida. Celso, dono de uma força inexplicável, mata por estrangulamento o mais famoso âncora dos telejornais da atualidade.

- ME PRENDAM! MATEM-ME! MAS AMANHÃ OS JORNAIS NOTICIARÃO AQUILO QUE UM DIA EU QUERIA VER! FOI LINDO!
Berrava um Celso transformado e levado à força pelos corredores do estúdio rumo à delegacia.

5 comentários:

Anônimo disse...

geeente.
Celso rebelde, né?!

morri de rir com a capa... não q tenha graça... mas vc entendeu.

Anônimo disse...

Nossa, isso me lembra o filme 'O homem que copiava'.
E cara, estou com medo, porque eu sempre tenho pensamentos meio absurdos sobre algum acontecimento 'inédito'.

Muito bom, esse conto aí entraria num livrinho de crônicas e contos que tem. Meu livro preferido desde os 13 anos, e até hoje acho genial!
Sério, um dos melhores, HUHAShuas
Me diverti muito!

Anônimo disse...

tenho*

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Nossaaaa!!!
esse eu não tinha lido...
mataram o willian minha gente!
nossa... imaginei tudo!
que horrivel!!!!
mas o conto foi ótimo, como sempre!

e o celso não tem NADA de normal...

nathalia - ucamrnkfub