quarta-feira, 27 de agosto de 2008

SEM QUERER

Acordar cedo para ir trabalhar é um ato mecânico do qual me irrita bastante. Faz-me sentir um cuco de relógio. As horas parecem existir para nos ajudar, mas na verdade foram inventadas apenas para nos controlar. Enfim, nunca gostei de acordar às 6:30h da manhã, porém, depois de um café e de um bom CD, que já fica preparado no aparelho de som diariamente, meu astral volta ao normal. Ou melhor, meu astral fica no nível exato para que eu consiga executar as chatíssimas tarefas do dia-a-dia.

O momento mais bacana dessa primeira parte do dia era quando tomava o lotação. Sempre carregava um fone de ouvido para ir curtindo em contagem regressiva os meus minutos matinais de liberdade. Já que ao adentrar-me na empresa, não mais era dono de minha vida, pelo menos até às 17h. Depois do expediente sim, voltava a ser Eduardo. Mas voltando a falar da hora do lotação, gostava de observar as pessoas que também o tomavam. Sempre nos mesmos horários. O veículo fazia o seu percurso sugando cada corpo em seu devido ponto como numa dança. Sincronia era a palavra. Os homens e mulheres que trabalhavam, as crianças que comiam lanches no colégio, as adolescentes que se maquiavam nas salas de aula, os idosos que zanzavam pela cidade, todos eles tinham horário certo para estar no ponto.

No meio de toda essa gente, havia um casal de jovens que muito me agradava observar. O rapaz, de estatura média, olhos verdes, corpo atlético e aparentando uns 23 anos, tomava o ônibus no mesmo ponto que eu. Alguns pontos à frente, sua namorada, como num ato combinado, tomava também o veículo. Uma jovem linda, branca, cabelos curtos na altura do pescoço, aparentando uns 20 anos, no máximo. Cheia de livros e cadernos, ela procurava pelo namorado pelos assentos. Quando o achava:
- Meu amor!
A menina lhe dava um beijo ainda antes de se acomodar. O rapaz parecia sempre que a colocaria em seu colo, mas seria demais da parte dele, no meio de tanta gente.
- Sentiu saudades?
Ela perguntava como se não o visse há tempos.
- Claro, meu amor.
E se beijavam mais. Era sempre assim. Eu achava maravilhoso. O amor daqueles jovens transbordava de seus olhos e inundava o ônibus na altura de nossas canelas.

O casal seguia trocando carícias até quase o Centro da cidade. Ela saltava antes dele, que seguia até o ponto final. Ele trabalhava e ela estudava. Isso era claro para qualquer um. Na hora de se despedir era que o amor dos dois nos afogava de vez.
- Você me liga?
Perguntava a menina.
- Claro que ligo, meu amor!
- Vai ligar mesmo?
- Claro. Alguma vez não liguei?
- Está bem. Estarei esperando.
- Pode estar certa que ligarei assim que sair para o almoço.
- Você vai lá em casa hoje?
- Claro que vou!
E assim seguia como num jogo de perguntas e respostas até o ponto em frente à faculdade da menina.

Ao deixá-la, percebia-se no semblante do rapaz a sinceridade daquele sentimento. O homem quando está amando ele fica com uma cara de babaca que entrega o seu estado a quilômetros de distância. Não tinha como negar. Aquele ali estava perdido de vez. Estava com os dois pés e as duas mãos presos ao coração da menina, que por sua vez, pelo que se via, se encontrava na mesma situação.

Certo dia, não avistava o rapaz no ponto do ônibus. Tomava o lotação já tentando imaginar o que teria acontecido. Nunca faltara. O costume de vê-los era tamanha que parecia que faziam parte de minha vida. Ainda olhei para trás enquanto o veículo saía na intenção de avistá-lo atrasado, mas não o vi. Logo depois, me deparo com a menina que trazia no rosto aquele sorriso de todos os dias. Era dessa forma que ela tomava o ônibus, sorrindo. Dava-me uma vontade de avisá-la que seu namorado não estava dessa vez, mas seria invasão demais de minha parte.

Ela subia os degraus à procura do rapaz e após passar na roleta constatava que a manhã seria sem os beijos. O sorriso dava lentamente lugar a um bico que a deixava talvez ainda mais linda. É incrível imaginar como certas mulheres não precisam controlar seus músculos faciais para nos encantar, pois chorando, com raiva, sorrindo, fazendo careta, continuam belas. Sem chão, a menina procurava um lugar para sentar-se. O assento ao meu lado era o escolhido.

Sem a boca e o carinho do namorado, nada restava àquela menina a não ser cochilar um pouco até que chegasse seu ponto. Abraçava a mochila, recostava o queixo sobre a mesma, fechava os olhos e em segundos parecia estar mergulhada no mais profundo dos sonos. Eu permanecia olhando pela janela aquele fluxo sincronizado dos usuários do lotação, mas aproveitava-me do sono daquela beldade para apreciar-lhe as pernas. Eu me odiava por isso. Sentia-me um verme. Mas por que eu tinha sempre que pensar feito uma mulher, criticando os meus próprios instintos masculinos? Enfim, mesmo assim eu olhava com desejo.

Aproximávamos do ponto da menina e ela continuava a dormir. Via-me na obrigação de acordá-la. Era o mínimo. Então lhe balançava os ombros.
- Menina! Menina!
Ainda adormecida. Eu repetia.
- Menina! Menina!
Nada de despertar. Então tinha a idéia de lhe acariciar o rosto, sem malícia, apenas a fim de que a acordasse.
- Menina. Acorda. Seu ponto está chegando.
Ela, ainda de olhos fechados, formava um sorriso e dizia:
- Meu amor...
- Não é seu namorado. Acorda.
- Vem cá...
A menina me puxava pela nuca e me roubava um beijo sem a chance de qualquer reação. Eu não sabia o que fazer. Beijava-a com imenso medo do que aconteceria ao abrir os olhos.

- QUEM É VOCÊ?
- Eu...
- SEU TARADO!
Ela me acertava o rosto com uma tapa que ecoava por todo o ônibus.
- Mas eu só quis te acordar. Foi você quem me beijou, sua louca!
- VOCÊ VAI VER SÓ. EU VOU FALAR COM MEU NAMORADO. ELE VAI ACERTAR A SUA CARA.
- Mas você já acertou! Não está satisfeita?
- SEU TARADO.
Ela descia irritadíssima.

Depois daquele dia, eu não mais podia dar chances para o azar. A mão da menina já se mostrava pesada, e eu não estava disposto a experimentar a do rapaz. O que eu já odiava fazer passava a ser ainda pior, pois passava então a acordar trinta minutos mais cedo para assim tomar o lotação das 6:45h e não mais me encontrar com aquele casal. Tudo por causa de uma das melhores bocas que já havia beijado. Contraditório, não?

***
Foto da capa: Clarissa Marinho.

3 comentários:

Unknown disse...

po! o cara foi ser legal e ainda foi chamado de tarado? ela q é uma desmemoriada q não lembra a falta do namorado...

de qq forma, como falei p vc antes, foi uma maneira fofinha de falar de rotina... e confesso que queria muito saber pq ele não estava no bus naquele dia...

bjos.

Anônimo disse...

:O
vc descreveu o que eusinto ao acordar às 05:20!
pena que não tenho meu namorado comigo no ônbibus, maaasss.. rsrsrs

ahhhh pq ele n foi naquele dia?

beijosss
Nathalia - UCAM

Vanessa Sagossi disse...

Rsrs.. Tadiinho!
Mas cadê a coragem?

Muiiito legal!