quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

A VIDA REAL - O Natal de Charles e Valéria

Tudo o que eu queria naquele Natal era simplesmente assistir a orquestra do Walter Lins, que faria uma apresentação junto ao coral de umas meninas sei lá de onde, na noite do dia 24. Uma apresentação especial, no salão do Clube dos Líderes. Apenas músicas natalinas seriam executadas. Sabia que não poderia contar com a Valéria. Àquela altura, ela estaria com a cara cheia de vinho e sem a mínima condição de sentar-se junto a mim naquele salão. Eu daria minhas bicadas também, mas pouparia os meus rins para depois da apresentação.

- Você vai mesmo ao clube, Charles?
- Vou sim, Valéria.
- Que saco!
- Por quê?
- Aquela orquestra chata com um bando de meninas chatas cantando um monte de músicas chatas.
- Acho que será bacana. Ouvi dizer que as meninas cantam muito bem, Valéria.
- Conversa. Deve ser um bando de desafinadas que apenas cativam o público por conta de sua faixa etária. Apenas isso.
- Não sei. Elas têm entre 12 e 19 anos, Valéria. Já estão bem grandinha, não acha?
- Bem... Não importa. O que importa é que eu não vou.
- OK, mas eu vou.
- Mas você volta cedo, não é?
- Claro que sim.
- OK. Faremos nosso Natal especial, Charles.
- Especial? Por quê?
- Você sabe o que quero dizer...

Claro que eu sabia. Valéria planejava adentrarmos ao dia 25 completamente embriagados e cansados de tanto trepar. Era isso que ela queria. No Natal passado, não estávamos juntos, mas me lembro bem de seu estado. Ela estava muito mal. As visitas de suas amigas nunca a fazem bem. Elas chegam sempre bem carregadas de álcool e cigarro. Eu esperava apenas encontrá-la inteira quando chegasse do clube.

* * *
No dia 24:
- Valéria, eu estou indo ao clube.
- (...)
- Valéria? VALÉRIA?
- Oi!
- Está surda?
- Não!
- Estou indo ao clube.
- OK.
Respondia Valéria com uma dicção péssima. Já estava mal.
- Tome um banho gelado, Valéria.
- Sim. Eu já vou... Minhas amigas chegam em breve.
- Você não vai beber mais com elas, vai?
- Claro. Eu estava apenas esquentando, ora.
- Céus...

* * *
Chegando ao Clube dos Líderes, acomodava-me num dos bancos e ficava a esperar pelo início da apresentação. Como eu queria estar numa daquelas cadeiras da orquestra. Eu e meu trompete. Seria o máximo.

As luzes do salão se apagavam e a orquestra de Walter Lins começava a ocupar seus lugares. Logo depois, as meninas do coral entravam em fila. Todas vestidas de vermelho e branco. Não podiam ser menos previsíveis? Eram crianças e jovens muito bonitas. Algumas possuíam os olhos tão azuis que geravam comentários entre os presentes na platéia. Como eu estava sozinho, guardava minha admiração para mim mesmo.

As meninas se posicionavam em silêncio e numa organização invejável. Na fileira da frente, as mais novinhas. Na fileira de trás, as mais velhas, com olhares mais experientes e mais seguros. Estas acabavam ofuscando as crianças por conta da beleza que ultrapassava o limite da inocência induzida por aquelas roupas ridículas.

Olhando com cuidado o rosto de cada uma daquelas jovens, deparava-me com um semblante familiar. Mas de onde eu conhecia? Eu pensava. Pensava mais. Ah! Lembrava! Tremulo, mas lembrava. Era o rosto de Larissa! A menina com quem eu sonhara tempos atrás. A menina que tinha a cara de Valéria anos mais jovem! Estava ali na minha frente! Larissa! [vide série “Elas”].

Pronto. Aquilo era o suficiente para eu não mais prestar atenção em sequer uma nota que fora executada pela orquestra ou pelas meninas. Apenas às notas daquela menina eu estava a ouvidos. Eu parecia criar uma espécie de filtro para tudo aquilo que a rodeava. Para minha visão e audição só existia ela ali naquele palco.

* * *
No fim do concerto, o maestro Walter apresentava cada músico e, logo depois, cada menina daquele coral. Eu precisava estar atento. Aquela menina era a quinta da esquerda para a direita.
- As meninas. Da esquerda para a direita. Uma salva de palmas para: Letícia, Juliana, Amanda, Sofia, Larissa...
Larissa? Eu não acreditava no que ouvia. Aquela menina era exatamente a que aparecera em meu sonho. Era muito para mim. Tinha sido tão difícil esquecê-la.

Depois de tudo, eu corria até atrás do palco a fim de ao menos chegar perto de Larissa. Eu avistava o pianista da orquestra, muito meu amigo, mas não me lembrava de seu nome.
- PIANISTA!
- Charles! Você por aqui! Esqueceu meu nome?
- Perdão... É...
- Euclides.
- Isso! Euclides! Tudo bom?
- Tudo sim. Foi bom o concerto, não?
- Foi ótimo. Tocou muito bem. Parabéns. Agora escute. Para onde foram as meninas do coral?
- Estão naquela salinha ali. Mas acredito que estejam se trocando.
- Ah! Sim! Claro. Eu queria trocar uma palavra com elas.
- Sei.
Euclides me olhava desconfiado, mas me ajudava.
- Vem comigo, Charles. No meio de tanto músico, ninguém vai se dar conta que não faz parte da orquestra. Elas virão até nós para uma foto. Aí você tenta falar com elas. OK?
- Fico te devendo essa, cara!
- Fica frio.

Euclides estava certo. Depois de trocadas, as meninas chegavam até a sala onde toda a orquestra se encontrava. Um jornal local tiraria uma foto dos dois grupos juntos. Eu estava sobrando ali. A última a entrar na sala era Larissa. Eu, na porta, esperava-a passar. Quando passou:
- Larissa?
- Oi. Sou eu?
- Sim, você. Deves saber que cantas como poucos.
- Obrigada. Qual o seu nome?
- Charles.
- Obrigada Charles.
Era impossível. A voz! Ela falando era a Larissa do meu sonho.
- Sei que está ocupada, mas precisava lhe dizer uma coisa.
- Diga.
- Não nos conhecemos, certo? Nunca nos vimos.
- Sim. Que eu me lembre, nunca o vi.
- Então. Acreditaria se eu dissesse que lhe conheço, mas através de um sonho?
- Como assim?
- Eu tive um sonho há tempos. Com você. O nome, o rosto, o cabelo, a voz, o jeito de falar. Era você, Larissa. Por isso vim aqui atrás do palco. Precisava falar com você.
- Olha, Charles. Se isso foi uma cantada, acredite, foi a pior de todas que já recebi.
- Não! Não foi uma cantada! Foi a mais pura verdade!
- Então, quando está cantando alguma menina, costuma mentir? É isso?
- Não! Não foi o que eu disse. Eu...
- Bem, deixe me tirar uma foto com o pessoal. Passar bem. Ora, ora... Sonho?
- Mas...
Que papel de babaca eu fazia.

* * *
Eu saía arrasado daquele clube. Não imaginava que a única coisa que diferisse a Larissa do sonho e a Larissa do coral fosse justamente a reação que tiveram ao me ver pela primeira vez. O que eu queria também? Que aquela menina linda me beijasse como no sonho? Sonho! Sonho!

Chegava à casa de Valéria. Ela e mais três amigas, as de sempre, bebiam como se o mundo fosse acabar no dia 25.
- Feliz Natal, meninas!
- Mas se não é o Charles!
Dizia uma das amigas de Valéria. As outras duas se beijavam loucamente e nem me viam entrar.
- Mas que putaria, Valéria!
Eu dizia.
- Sem essa, Charles! Seu preconceituoso!
Valéria dizia com a boca completamente torta e com o corpo molengo e cercado de garrafas e cinzas de cigarro. Era excitante e deprimente ao mesmo tempo. Era acima de tudo real!

Minha vontade era de sonhar. A realidade estava alta demais para mim. Sonhar com Larissa. A minha Larissa. Nada mais. Eu ia para casa.

* * *

Foto da capa por Jocelyn Durston.

Mais histórias sobre Charles e Valéria nas séries "Elas" e "Eles" e em "Visita de Emergência".

6 comentários:

Anônimo disse...

nossa... não sei nem o que comentar!
ai to confusa... rsrsrs

Unknown disse...

ela uma alcoolatra...
e ele vidente...
rs

Janaina W Muller disse...

Mas que realidade mais deprimente mesmo; a Valéria destruindo suas funções corporais e cerebrais, Larissa lhe deu um fora e ele está sozinho em plena noite de Natal. Coitado, agora deu até pena :) É melhor ir sonhar mesmo.

Abraços.
='-'=

Anônimo disse...

Que bizarro *-*
Foi bom rever Charles, Elas e Eles são uns dos meus contos preferidos.
Queria mesmo que ele ficasse com a Larissa, a Valéria é mt fraquinha uhauhauha
A capa também ficou linda =)

bjos

Lucas disse...

Ótima capa!

Gostei da Valéria. :)

Muito bom o conto.
Como sempre, não é?

Coitado do Charles. Péssimo natal.

Inté.

Vanessa Sagossi disse...

Que isso? A Valéria que toma todas e o Charles é que vê coisa?? Como assim?
Acredito falar em nome de todos, quando digo: vamos precisar de uma continuação (heheheh, já estou eu pertubando...)

Ah, simplesmente adorei a capa!

Bjuh!