quinta-feira, 18 de junho de 2009

1983 pt.1: A Dança

Considero o ano de 1983 o melhor da minha vida. No auge de meus quinze anos, estudante da oitava série, eu percorria os corredores da escola a desejar aquelas boquinhas borradas de batom barato, tinha uma boa atuação no time de futebol e, modéstia à parte, eu era um jovem muito bonito. Eu era também o típico garoto esperto: odiava a escola, mas estudava o suficiente para nunca ser reprovado. Repetir qualquer um daqueles anos de estudos fajutos seria a morte!

Uma das coisas mais bacanas no ano de 1983 foi – além de Viviane, minha primeira namorada –, a amizade que boa parte de minha classe manteve com Diogo, um aluno portador de síndrome de down.

Quando Diogo chegou à classe, no início de maio, se não me engano, eu pensava a escola não estar preparada para a presença dele e vice versa, confesso. Mas, depois que o conheci melhor, vi que não passava de uma ideia idiota. Diogo era inteligentíssimo!

Logo na segunda semana na escola, Diogo levou a mim e minha “turminha”, ou seja, Vagner, Hélio, Guto, Viviane, Gabriela, Daniel, Júlia, Ana Lúcia e Duda, para uma tarde na casa dele. A mãe de Diogo, D. Odete, nos recebeu muito bem. Sorridente, ela nos esperava com uma farta mesa de lanche. Eu sentia que todo aquele carinho que depositávamos no Diogo parecia inédito para aquela família. Cheguei a flagrar uma lágrima no rosto de D. Odete, certa vez.

Numa dessas “tardes na casa de Diogo”, conversávamos espalhados naquela imensa varanda quando:

- Galera – dizia Gabriela –, sabia que vai ter um concurso de dança lá na escola?
- É mesmo? E você vai participar? – dizia D. Odete lá da cozinha.
- Não, mas estava pensando se o Diogo não participaria!
- O Diogo? Não sei se ele leva muito jeito para dança, minha filha.
- Eu sei dançar, mamãe – dizia Diogo.
- Sabe, meu filho? Então dança para a gente ver, pode ser?
- Está bem!

Diogo ia até seu quarto, pegava um rádio portátil e uma fita cassete de uma daquelas bandas de rock que faziam sucesso na época. A galera se animou em ver tal atitude. Logo nos acomodamos melhor naquelas cadeiras de palha para ver o que nosso amigo tinha para nos mostrar.

E lá vinha Diogo. Colocava o cassete no ponto e apertava o play. Na mesma hora, Diogo se transformava. Parecendo deixar de lado qualquer ideia de dança armazenada em sua mente, Diogo executava, como que numa complexa jam session de Jazz, passos que, além de divertidíssimos, não pareciam nada fáceis de se copiar.

- Diogo, meu filho! Mas que dança é essa? – perguntava D. Odete sorrindo.
- É a MINHA dança, mamãe!

Todos nós ficamos boquiabertos e inexplicavelmente com a mesma ideia na cabeça:

- O Diogo tem que participar desse concurso, D. Odete! – dizia Gabriela e Viviane em uníssono.
- Vocês acham mesmo? Você quer, Diogo? – perguntava D. Odete.
- Quero sim, mamãe! – respondia um sorridente e ofegante Diogo ainda a dançar.

No dia seguinte, inscrevemos Diogo no concurso e, naquela mesma tarde, começávamos a organizar uma verdadeira torcida organizada. Nós os meninos pintamos cartazes com o nome dele. As meninas se focaram no figurino de Diogo e nas músicas com as quais ele se apresentaria.

Certa noite, depois de muito trabalho com os cartazes etc, D. Odete chegou até a mim:

- Bruno!
- Oi, D. Odete!
- Preciso lhe dizer uma coisa.
- Diga.
- O que estão fazendo pelo meu filho é inacreditável! Nunca o vi cercado de tantos amigos e...
- Ele vai arrasar, D. Odete!
- Ora, Bruno, eu não sei se ele ganha esse concurso, mas estou imensamente feliz pelo fato de ele estar se interessando por alguma atividade e...
- Não subestime seu filho, D. Odete! Ele pode não entender nada de dança, mas será o dançarino mais original e espontâneo desse concurso!
- Isso com certeza – ela sorria ao ver Diogo ensaiando com as meninas.

* * *
Diogo fez ao todo três apresentações até a grande final e, por incrível que possa parecer, sempre se classificando em primeiro lugar. Os jurados ficavam boquiabertos com a mistura de nonsense e feeling em seus movimentos – que a cada apresentação se davam de forma completamente diferente.

Na grande final, a arquibancada do ginásio da escola já era praticamente 90% Diogo e 10% Felipe França, um garoto que dançava muito bem; praticamente um profissional. Diogo dançou de forma inédita, como sempre. Felipe, muito disciplinado e concentrado, executou movimentos firmes e impecáveis.

No fim, os jurados deram o (muito merecido) primeiro prêmio a Felipe, ficando Diogo com um importantíssimo segundo lugar.

Na entrega dos troféus, Diogo foi nitidamente o mais aplaudido de todos os três ali premiados. E quando chegou a sua vez de falar ao microfone:

- Mamãe! Eu não disse que eu sabia dançar?

- Eu sei, meu filho! Eu te amo! Muito!

Todos nós nos abraçamos. Estávamos muito felizes. Até o meu primeiro beijo em Viviane se deu por conta de toda aquela emoção. Que época feliz!

[Continua]

7 comentários:

Unknown disse...

Vc tinha q escolher logo 1983?
Nesse ano, o q fazia sucesso em todos os 4 cantos mundo era um tal de Michael Jackson com um tal de Thriller.
Facinho de dançar, né?
;-)

Unknown disse...

"uma fita cassete de uma daquelas bandas de rock que faziam sucesso na época"

adorei!! hahaha
a d o r e i o conto!

Lucas disse...

Que saudade dessas suas estórias Luciano.

Eu me propus um tempo de vida física e o desligamento desse mundo virtual, agora volto aos poucos e sem a mesma intensidade (leia-se permanência) que eu tinha aqui.
_
Me fez lembrar Susan Boyle. Referências?

Enfim, ótimo como sempre!

Até mais ver.

DL ;* disse...

goostei ;D
rss


;*

Notícias de Niterói disse...

Caramba eu tô velho, 1983 não lembro de nada. Belo conto!

Livia Queiroz disse...

Eu nem era nascidaaaa ahaha!

Bem, eu adorei neah?
As pessoas tem uma mania terrível de subestimar as que por algum motivo são "diferentes" do que se pode(será que se pode mesmo) definir como: padrão..


Beijooos


PAssa no Assuntos, tem conto novo!
http://queiroz19.blogspot.com/

Laiana Cunningham disse...

é...rapaz..
tu e 1 em 1 milhao!..

ahahhaa
es corajoso...e falta essa coragem em muitos! =//


saudades carioca!