segunda-feira, 23 de novembro de 2009

A ÚLTIMA DESPEDIDA

Deitada em sua cama, de barriga para cima, aquela menina de alma dilacerada, quieta, observava o teto de seu quarto, o que representava o mais completo e mórbido vazio. Retiradas já algumas folhas do calendário preso à parede daquele cômodo triste, a dor da perda no coração de Luana não se fazia presente na mesma intensidade; mas ainda estava lá. Perder o namorado para os braços da morte de forma tão estúpida era demais para os seus dezesseis anos.

Quando a lembrança resolvia lhe pregar uma peça, seja com um sorriso ou até mesmo com a voz de Rômulo a lhe dizer palavras de beleza ímpar, Luana fechava os olhos a fim de esquecer de tudo. Mas era impossível ainda tão recentemente golpeada pelo destino cruel e sem explicação cabível. A menina rezava com o rosto afogado ao travesseiro, o que não ajudava em muita coisa, já que seu pensamento estava além de suas forças; focava em Rômulo, sim, com saudades dolorosas.

Marcos e Patrícia, pai e a madrasta de Luana, tentaram de tudo naqueles meses de pranto. Fazer a menina voltar a sorrir já não era mais por uma questão emocional, mas de saúde. Aquele corpo, antes já tão delicado e frágil, agora estava ainda mais magro, expondo o seu luto interno em ossos sobressaltados e rosto abatido. Luana, menina sempre de pouquíssimas palavras, tornava-se agora quase muda.

Patrícia resolvia subir até o quarto de Luana para mais uma tentativa.

- Luana, meu amor, está bem?

- Estou...

- Posso entrar?

- Pode...

- Não quer comer alguma coisa? Celeste preparou aquele bolo que você adora...

- Não. Estou sem fome...

- Luana! Você já se pesou essa semana? Minha filha, olha o seu braço! Você vai ficar doente desse jeito! Já se passaram três meses, e...

- Patrícia, eu só quero ficar quieta...

- Mas até quando?

- Eu não sei...

- Bem, eu telefonei para a sua amiga, a Giovanna. Pedi que ela desse um pulo aqui para ter ver, OK?

- Por que fez isso?

- Porque será bom para você! Espero que ela consiga te tirar dessa cama, eu sei lá, dar um passeio... – dizia Patrícia com os olhos cheios de lágrimas.

Luana notou o estado da madrasta e pensou no quão infantil deveria estar sendo preocupando daquela forma aqueles que a amavam. Marcos chegava ao quarto de Luana logo em seguida trazendo Giovanna.

- Filha, olha quem veio te ver!

Marcos e Patrícia deixavam Giovanna e Luana a sós.

- Luana, por favor, sai dessa cama! – dizia Giovanna.

- Giovanna, se fosse tão fácil assim!

- Mas claro que é, Luana! Você só tem dezesseis anos! Não morreu! Eu entendo a tristeza que deva estar sentindo, mas precisa lutar contra ela, não? Estás deixando a dor tomar conta de você, amiga? Está um dia lindo lá fora! Vamos dar uma volta, que tal?

- Ai, Giovanna, eu...

- Ande! Levante dessa cama! Já!

Giovanna levantava Luana pelos braços resultando num forte abraço. Giovanna não pôde deixar de notar a magreza da amiga, que por sua vez, encabulada, soltou-se do abraço.

- Vai voar no vento, hein! – brincava Giovanna.

- Não brinque... Não consigo comer quase nada...

- OK, mas você continua uma gracinha, sabia?

- Boba!

- Tome seu banho. Eu te espero aqui no quarto!

- Está bem...

Luana já ia escolhendo a roupa de qualquer maneira, mas Giovanna, notando tal desleixo, correu para ajudar; escolheu roupas de cores vivas. “Essas aqui! Veste essas”. Luana obedecia calada e seguia até o banheiro.

Do andar de baixo da casa, Marcos, Patrícia e Celeste puderam ouvir o bater de uma porta e a queda d’água do chuveiro. “Luana deve sair com Giovanna”, pensavam sorridentes.

* * *
Enfim, as meninas desciam as escadas.

- Vamos dar uma volta, gente! – dizia Giovanna aos pais de Luana.

Luana, quieta, esboçava um sorriso mínimo. Vestida com uma camiseta amarela, uma bermuda jeans e sandálias brancas, a menina aparentava pelo menos um pouco de vontade de se recuperar. Patrícia abria um sorriso imenso ao constatar que a visita de Giovanna estava funcionando.

Ao pisarem os pés na calçada, Luana se mostrou um pouco incomodada com a luminosidade do sol. Pôs então a mão sobre os olhos e disse “mas que sol é esse, meu Deus?” à Giovanna.

- Estamos em novembro, Luana! O que queria? Vamos para debaixo de uma árvore, pode ser?

- Prefiro!

As duas foram até a árvore mais próxima e se sentaram sobre a grama.

- Está sendo tão difícil, Giovanna. Sabe quando tudo parece ter perdido a graça, o sentido? Mesmo sabendo que sou muito nova para pensar dessa forma, a impressão que me dá é a de que a minha alma se foi junto com a de Rômulo; como se estivesse aqui apenas o corpo. Entende o que quero dizer?

- Entendo, amiga, claro que entendo.

Ali, as duas conversaram até que o sol guardasse os seus raios. Algumas estrelas já se faziam presentes naquele céu limpo quando um vento forte passou então a se manifestar. Luana deitava na grama e deixava que aquele sopro a tomasse por completa. “Adoro esse vento”, ela dizia. Giovanna observava que um sorriso lutava contra a tristeza da amiga; e acabava por vencê-la. Luana finalmente sorria enquanto passeava as mãos pelos braços e, principalmente, pela nuca.

- Você está sorrindo, Luana... – dizia Giovanna.

- É que esse vento me toca como se fosse o Rômulo. Sempre o associo à presença de Rômulo... Por várias vezes abri a janela de meu quarto e, ao pensar nele, esse vento vem e me acaricia.

- E isso te faz bem?

- Muito... Mas é um bem instantâneo e que sempre precede um sofrimento sem igual. Por isso sei que devo esquecê-lo.

No momento em que o verbo esquecer é dito por Luana, aquele vento, de forma súbita, se vai. Os olhos puxados de Luana se transformam então em duas bolas imensas. Um vazio lhe toma o peito como se tivesse vivido ali, naquele momento, a última das despedidas; o último adeus de Rômulo. Giovanna observava calada, mas resolveu cortar:

- Vamos entrar, Luana?

- Sim... Sinto-me melhor. Bem melhor.

- Que bom!

Como se virassem pesada página na vida de Luana, as duas caminhavam para casa. Giovanna, na sua condição de amiga mais velha, beijava a testa de Luana e lhe abraçava de forma acolhedora.

- Dorme aqui essa noite, Giovanna? Amanhã é domingo mesmo... – dizia Luana a sorrir.

- Claro, claro...

* * *

4 comentários:

FYC disse...

ai, sinto um pesar tão grande com esse sofrimento da luana...
parece tão real, sabe?
mas to feliz porque ela vai melhorar!

Unknown disse...

e no final... tudo vai acabar bem! rs

"ela vai melhorar"

Vanessa Sagossi disse...

Tadinha da Luana!Que triste! Mas ela não poderia estar de outra forma depois que o Rômulo se foi. A Giovana pode ajudá-la agora... Super amiga, ela!

Anônimo disse...

que lindo, me emocionei!
estava com saudades de Luana, espero que fique tudo bem..
adoreei essa capa, ficou lindona!

bjos!