
A
banda estava “redondinha”, pois havíamos ensaiado bastante para aquele show.
Não me lembro bem quantos EPs nós vendemos após a apresentação, mas sei que
vendemos alguns, sim.
Com
o EP oficialmente lançado, chegava a hora de divulgá-lo para a imprensa
especializada. Mas ainda precisávamos consertar a arte do EP, por conta daquela
estúpida coincidência com o CD da Restless. Fui bem rápido nesse processo.
Precisava ser.
Lembrei
então de uma história muito louca que é a de um pintor italiano chamado Bruno
Amadio, que, com o pseudônimo de Giovanni Bragolin, ficou famoso entre as
décadas de 1970 e 1980 com uma série de quadros de crianças chorando. Diz a
lenda que Bruno fizera um pacto com o Diabo para conseguir vender suas obras;
em troca do sucesso, Bruno somente pintaria crianças tristes, em imagens cheias
de mensagens subliminares – dizem até que muitas dessas crianças eram
retratadas mortas, por conta das pupilas dilatadas.
Minha
mãe possuía dois quadros dessa coleção em casa, isso quando eu ainda era muito
pequeno. Quando ela ficou sabendo de tal história, os quadros foram parar no
lixo. Mas o fato é que esse lance nunca saíra da minha cabeça. Era estranho,
perturbador e ao mesmo tempo muito interessante para o marketing de Alone In The
Dark, cuja faixa título contava uma história que envolvia uma criança e um
pacto.
Então
tive a ideia de ilustrar a capa de Alone
In The Dark com um quadro de Bruno, ou melhor, de Giovanni Bragolin. O
quadro escolhido retrata uma menina (conforme a letra de Renato e Rodrigo) com
olhar vazio, para cima, e chorando. Mas se notarmos bem a imagem, será possível
identificar um braço a enforcar a menina. Cruel, não? Mas não tínhamos tempo
para uma ideia melhor, então, com a aprovação do restante da banda, mandamos
Renato rodar as novas capas.
A
capa de Alone In The Dark causou
certo rebuliço entre os mais chegados à Over Action. Nossas famílias nem tanto,
até porque não tivemos nem o trabalho de explicar a elas tal conceito, pois
seria um verdadeiro inferno em nossas casas – até onde sei, nossas mães eram
católicas fervorosas, com exceção da mãe de Leonardo, eu acho. O rebuliço se dava mesmo quando resolvíamos
explicar o significado da capa aos amigos. Houve até casos de pessoas que
compraram o EP e se recusaram a levar a capa para casa. Dá para acreditar?
Com
uma quantidade boa de cópias do EP nas mãos, fiquei encarregado de fazer o
envio para as revistas e websites,
com release e foto de divulgação (uma
foto horrenda, diga-se, tirada no lado de fora do estúdio do Flávio).
Enviei
o material para as revistas Road Crew, Rock Brigade (as mais importantes na
época) e mais algumas outras que não me recordo. Enviei também para alguns
fanzines, seguindo o conselho de Marcelo Fernandes, o vocalista da lendária
Solstício (banda de hard core de Cabo
Frio, Rio de Janeiro), que morou um tempo lá em casa, dividindo um quarto com
meu irmão.
Passadas
algumas semanas do envio – não preciso dizer que todos nós vigiávamos as bancas
de jornal atrás de algum retorno, né? –, nossa primeira crítica nos vinha pela
conceituada Road Crew, em sua edição de setembro de 2002. Ricardo Batalha discorreu
assim sobre a Over Action:
As construções das músicas (...) são muito
legais, um Metal bem tradicional e trabalhado. Rodrigo Santos (vocal e
guitarra), Luciano Freitas (guitarra), Renato Ferraz (baixo) e Leonardo de
Andrade (bateria) formam esta banda que é mais uma prova de que o estilo mais
clássico do Metal está ressurgindo com tudo no Brasil. As pontes e refrãos,
especialmente na faixa The Winner,
são bem interessantes. Sabe o que falta? Correção na pronúncia do inglês,
melhor impostação da voz e uma produção com mais nível. Corrigidas as falhas, o
Over Action vai ser um grande nome do Metal nacional. Pode apostar!
Apesar
das críticas construtivas, ficamos muito felizes com a resenha! E como no EP
era o endereço de minha casa que aparecia na aba de contatos, não demorou muito
para eu começar a receber uma boa quantidade de cartas sociais (daquelas que
saem a R$ 0,01 cada), vindas de todo o Brasil, pedindo uma cópia de Alone in The Dark, que a gente vendia
por R$ 5,00. Algumas cartas vinham com uma nota de R$ 5,00 enroladinha dentro.
O underground era uma coisa hilária
mesmo.
As
cartas não paravam de chegar e novas críticas também surgiam na internet.
Lembro de um website dar nota 10 para
Alone In The Dark em sua resenha. Os
fanzines também falaram bem de nosso EP e tudo isso só nos animava a continuar
trabalhando.
Mas
a crítica mais esperada mesmo era a da revista Rock Brigade. Uma grande
besteira, analiso hoje, mas ganhar uma boa resenha da RB, para nós, naquele
momento, era como receber uma benção! E se a Road Crew já nos gerara certo
reconhecimento na cena, o que esperar como resultado de um elogio da parte da
grandiosa RB?
Sabíamos
que não seria fácil – uma (excelente) banda chamada Allegro, da qual gostávamos
muito, recebera, pouco antes, péssima resenha da RB. E de fato não foi. Em sua
edição de novembro de 2002, a RB, por meio de jornalista cujas iniciais são
ACM, disse:
(...) Se todos os grandes artistas dizem que
“criar é 10% de inspiração e 90% de transpiração”, é porque algum fundo de
verdade ela deve ter. Tudo isso para dizer que estamos diante de uma banda
esforçada, mas que ainda deve ralar muito em alguns quesitos básicos. A
timbragem das guitarras está errada, a execução é primária e a gravação deixa
muito a desejar. Mas o principal é que o pessoal não tem a manha de compor
músicas legais. Assim, o metal tradicional do quarteto repete todos os clichês
possíveis e imagináveis, sem acrescentar nada que tenha a identidade da própria
banda. Ou seja, não passa de um grupo bem-intencionado. O que, todos sabemos, é
muito, mas muito pouco mesmo.
Ou
seja, um balde de água fria!
Muito,
até os dias de hoje, já se foi discutido, entre nós da Over Action, sobre essa
resenha da RB. Mas o que fazer naquele momento? Desistir da banda por conta de
uma opinião “jornalística”? Ficamos frustrados, sim, qualquer banda ficaria,
até porque não concordamos com pelo menos metade daquela resenha.
Alguns
dias se passaram e, quando me perguntavam sobre a Rock Brigade, eu dizia: “Foda-se
a Rock Brigade! Ainda vejo a galera bater muito a cabeça em nossos shows! Isso
sim é um termômetro!”
Antes
das citadas resenhas, mais três shows da Over Action tinham ocorrido, mas
falarei delas no próximo capítulo.
[Continua]
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