Uma
dessas gravações foi bem curiosa. Renato havia conhecido um músico que possuía
um home studio em algum lugar de São
Gonçalo. Segundo nosso contrabaixista, estava tudo certo para gravarmos, sem
ônus, uma K7 no estúdio desse tal músico. Era estranho existir um cara tão bacana
a ponto de ceder, por algumas horas, em pleno fim de semana, a sua sala de
estar para uma banda barulhenta gravar uma demo. Mas, mesmo desconfiando,
seguimos para o local.
Ainda
me lembro da cara de “puta que pariu, eles vieram mesmo!” daquele sujeito que
nos recebeu da janela. Ele estava com a namorada – ou noiva, sei lá – no maior love, assistindo a um filme (ou seja lá
o que mais estava rolando ali) e se viu obrigado a passar o seu programinha
para o quarto, porque na sala estaríamos nós e nossos muitos watts de puro metal. Ele acionou o gravador e disse “fiquem à vontade”. Foi
desconcertante, mas engraçado.
Naquele
mesmo ano (ou foi em 1998?, não sei) nosso QG sofreu um golpe fatal. A minha
vizinha de frente, a Luciane, deu a luz à pequena Livya. Com isso, certo dia,
voltando da escola, me deparo com uma plaquinha pendurada na porta de sua casa,
que dizia: “Silêncio! Bebê dormindo!” Senti que aquela placa era para a Evil
Darkness. O Flávio Rios, dono de um estúdio na minha rua, me dera uma
sugestão...
–
Por que você não coloca uma placa na frente da sua casa dizendo “Foda-se! Banda
ensaiando!”? – disse-me Flávio em tom de brincadeira, logicamente.
Eu
ri, mas achei melhor não seguir o conselho, claro.
Convoquei
o pessoal e dei a notícia de que não daria mais para ensaiarmos no meu quarto.
O pessoal entendeu o problema numa boa. O mais difícil era encarar o outro
problema: Onde diabos ensaiaríamos então?
Éramos
todos uns duros – com exceção do Paulo, que trabalhava. Alugar um estúdio era
dar adeus à liberdade de horário e ainda ter de pagar por isso. O que esperar?
Estávamos chegando à fase adulta e um dia teríamos que começar a pagar as
nossas despesas, não é mesmo?
Acho
que chegamos a ensaiar algumas vezes nos fundos da casa do irmão do Leonardo,
mas isso foi provisório. Tão provisório que não vingou. Sendo assim, fomos
parar no estúdio do Flávio mesmo, na minha rua. A R$ 20,00 o período de três
horas, ficava R$ 4,00 para cada um. Parece pouco, né? Mas era uma merda ter que
pedir “pai, me empresta um dinheiro para o ensaio?”
Ensaiar
em um estúdio com devido tratamento acústico foi bom para a banda. Conseguíamos
agora escutar cada errinho mais facilmente. Era como se as paredes nos
apontassem um dedo e dissessem “ei, você errou essa parte!” E por um adicional
de R$ 10,00 o Flávio ainda gravava o ensaio em K7. Um luxo! Gravamos muitas
fitas por lá!
No
início a gente ficava muito nervoso com o passar dos minutos pagos – qualquer
papo furado e alguém de nós já lembrava o custo de cada segundo –, mas com o
tempo fomos aprendendo a administrar as horas no estúdio.
O
ano 2000 não foi muito bacana conosco. Precisávamos trabalhar.
Paulo,
como já disse, já trabalhava; atuava num laboratório do Rio de Janeiro. Rodrigo
e Renato, se não me engano, já trabalhavam com manutenção de informática, ou
algo do tipo. Leonardo passava o dia fazendo cópias em um cartório, também no
Rio. Eu havia sido convocado para – pasme – o Exército Brasileiro.
Com
afazeres de pessoas normais, administrar a banda ficava cada vez mais difícil
para nós. E o stress de nossos
respectivos serviços refletiam, pouco a pouco, em nosso rendimento como banda.
O estúdio do Flávio nos recebia agora, sempre nos fins de semana, com
semblantes cansados – isso quando eu não estava de plantão no quartel.
Não
sei quanto aos outros, mas sentia que em mim e em Leonardo pairava uma certa
falta de perspectiva profissional. Leonardo não queria morrer com o umbigo
encostado em uma copiadora, assim como eu sabia que não morreria soldado, mas,
pior, não sabia o que seria depois daquilo. A verdade é que queríamos ser
músicos! Chegamos a ingressar a Escola de Música Villa-Lobos, no Rio, mas
desistimos meses depois. Eu porque já tinha estudado toda aquela chatice do
curso básico; ele... Bem, eu sei lá por que ele largou aquilo.
Leonardo
e eu em poucos momentos conversávamos, mas nesses poucos momentos conversávamos
muito! Lembro de em alguns ensaios ele chegar bem mais cedo lá em casa – às
vezes até almoçava comigo –, antes dos caras chegarem e partirmos para o
Flávio. Ouvíamos alguns discos, falávamos um monte de merda, criávamos projetos
impossíveis (como a guitarra cuja única corda seria um cabo de aço de excessiva
bitola, para tirar os sons mais graves e pesados do mundo) e no final, sempre
no final, refletíamos sobre o que seria da banda, de nossas carreiras e de que
carreiras estávamos de fato refletindo.
Renato
e Rodrigo me pareceram sempre muito focados naquilo que queriam para suas vidas
fora da banda. Não é à toa que ambos só cresceram em suas carreiras, até hoje.
O Paulo já estava num estágio em que precisava mesmo trabalhar, estava inserido
nesse sistema, já tinha esposa, um filho pequeno e tudo o mais. Mas Leonardo e
eu, não sei dizer, mas ainda não tínhamos nos encontrado como pessoas normais
fora da banda.
Nessa
mesma época, me lembro, houveram alguns conflitos entre o que os quatro mais
antigos e o Paulo queriam para a Evil Darkness. Os meses se passavam e, por
algum motivo qualquer, cada momento um diferente, a nossa “estreia” não acontecia.
Desânimo.
Essa é a palavra que nos definia. O gás estava acabando, enfim.
Até
que Paulo – não sei bem se em 2000 ou 2001 – decide deixar a banda, por conta
dessas divergências mesmo. Sua contribuição foi excelente para a Evil Darkness,
mas ele estava ali não como uma peça do quebra-cabeça, mas como a mão que ajuda
a montá-lo.
[Continua]
2 comentários:
Pra variar, ri bastante!!! hauhauahuahuahuaha
Não entendi a última frase, essa parte do quebra-cabeça. Mas tudo bem... heheh
Eu explico: Ele não era parte do quebra-cabeça pq no fundo não completava a banda no sentido de querer a mesma coisa. Mas era a mão que adujava a montá-lo, pq mesmo assim nos ajudou muito a construir o que fomoes em 2002. ;)
Postar um comentário